Rodolfo Rodríguez
DEFESA EM CINCO ATOS
por Paulo Escobar
Falar sobre o Uruguai pra mim é algo muito fácil, por levar em consideração seu povo, sua história e o que representa nos campos de futebol. Imaginar um país como Brasil de mais de 200 milhões de pessoas, ter sua variedade enorme de jogadores e times pode ser fácil. Agora, imaginar um país de três milhões e meio de habitantes, fazer times, seleções e jogadores competitivos pode ser um milagre.
É justamente isso que se dá no Uruguai, no país onde todos sonham em ser jogadores de futebol e 70% de suas crianças estão treinando em algum time é algo sensacional. É justamente em Montevidéu, numa bicicleta a caminho de Pocitos que encontrei no último andar de um prédio o mítico Rodolfo Rodríguez.
Muitas crianças no final da década de 70 e na de 80 sonharam em ser Rodolfo, e nas peladas de rua os goleiros que fechavam as través feitas de chinelos gritavam seu nome. Goleiro de grandes de defesas e histórias foi quem abriu a porta daquele apartamento de frente pro La Plata. Ali encontramos, com meu grande amigo Germán, torcedor do Peñarol, um dos grandes Ídolos do Nacional, seleção uruguaia e Santos.
Era ele que nos abraçou e apertou nossas mãos, aquelas das defesas monumentais como daquele jogo contra o América do Rio Preto, que continua viva na memória de mais de um santista.
Sem mais delongas, espero que gostem do papo com esta lenda do gol!
PASSANDO O TRATOR NO EXTERIOR
por Jorge Eduardo Antunes
Para chegar na Copa de 1970, a maior seleção brasileira de todos os tempos precisava passar por três adversários nas eliminatórias. Alinhado no Grupo B da seletiva sul-americana, ficou na única chave com quatro seleções, ao lado de Colômbia, Paraguai e Venezuela. A estreia estava marcada para 6 de agosto de 1969, contra os colombianos, em Bogotá, a 2.640m de altitude.
As eliminatórias sul-americanas começariam um mês antes da estreia brasileira. Pelo Grupo C, o Uruguai aplicou 2 x 0 no Equador, em Guayaquil, em 6 de julho. Uma semana depois, arrancou um empate sem gols com o Chile, em Santiago. Em 20 de julho, nova vitória sobre os equatorianos, em Montevidéu, por 1 x 0, deixando a vaga bem encaminhada – até porque o Chile, após golear o Equador, em casa, por 4 x 1, tropeçou fora, ficando no 1 x 1. Bastava empatar em casa, com os chilenos, na última rodada, em 10 de agosto de 1969. Mas, com gols de Julio Cortez e do inesquecível Pedro Rocha, craque uruguaio que brilhou no São Paulo, o Uruguai foi o primeiro país a se garantir no México-70.
Pelo Grupo A, a Argentina viveu um drama. Os portenhos estrearam com derrota para a Bolívia (2 x 1), em 27 de julho de 1969. Antes mesmo da estreia do Brasil veriam a situação se agravar, ao serem batidos pelo forte time peruano de Chumpitaz, Cubillas e Mifflin por 1 x 0, em 3 de agosto, partida realizada em Lima e apitada pelo popular Sansão, apelido do brasileiro Ayrton Vieira de Moraes. A Bolívia venceu o Peru (2 x 1) em casa, mas perdeu fora, por 3 x 0. Então, bastava a Argentina vencer as duas seleções em Buenos Aires para se classificar. Fez 1 x 0 nos bolivianos, mas não passou de um 2 x 2 com os peruanos, mesmo com um homem a mais. Melhor para o mestre Didi, técnico que levou a seleção peruana à segunda Copa do Mundo.
Parte da seleção brasileira que ia encarar as eliminatórias se apresentou na manhã de 26 de junho, uma quinta-feira, na concentração do Flamengo, em São Conrado. Era composta pelos botafoguenses Jairzinho, Paulo Cézar e Gérson (que estava no meio da transferência para o São Paulo); pelos cruzeirenses Tostão, Dirceu Lopes e Piazza; pelos corintianos Rivellino, Paulo Borges e Zé Maria; e por Brito (Vasco); Félix (Fluminense); Everaldo (Grêmio) e Scala (Internacional). Voltando de uma excursão à Europa, os santistas Cláudio, Carlos Alberto, Djalma Dias, Joel Camargo, Rildo, Clodoaldo, Toninho, Pelé e Edu só chegaram à tarde. Dos 22 convocados, 15 foram ao México, entre eles, os 11 titulares do time tricampeão.
A responsabilidade de levar o grupo do Mundial era de Saldanha e de uma comissão de peso. Chefiada por Antônio do Passo, era integrada por Tarso Herédia (administrador), Agathyrno da Silva Gomes (secretário e futuro presidente do Vasco), Sebastião Alonso (tesoureiro), Jose Bonetti (assessor), Russo (Adolpho Milman, supervisor), Admildo Chirol (preparador físico), Lídio Toledo (médico) e os massagistas Nocaute Jack e Mário Américo.
A preparação em julho, como lembramos no primeiro episódio, teve apenas times e seleções estaduais, com três goleadas – 4 x 0 no Bahia; 8 x 2 na seleção de Sergipe e 6 x 1 na seleção de Pernambuco. Logo após o jogo no Arruda, em 13 de julho, a seleção afivelou as malas e voou para Bogotá, para uma longa rotina de 20 dias de treinos na altitude, obedecendo a um criterioso plano de preparação física de elaborado por Chirol – algo impensável no futebol atual. Assim, até enfrentar a Colômbia, a seleção fez apenas um jogo na altitude, vencendo o Millonarios por 2 x 0. Neste jogo, Brito apareceu como titular e Scala, do Internacional, foi testado no segundo tempo.
Com o time entrosado, preparado para a altitude e definido, em 6 de agosto de 1969 o Brasil estreou nas eliminatórias da Copa alinhando Félix, Carlos Alberto Torres, Djalma Dias, Joel Camargo e Rildo; Piazza e Gérson; Jairzinho, Tostão, Pelé e Edu. Até ali, o grupo da seleção nas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 1970 já havia registrado dois jogos, com a Colômbia vencendo a Venezuela por 3 x 0 em Bogotá e empatando por 1 x 1 em Caracas.
Não foi um baile, mas o Brasil jogou o suficiente para fazer 2 x 0 no primeiro tempo. Com Gerson e Pelé marcados por García e Agudelo, a seleção tinha dificuldade em criar. Aos poucos, foi tomando conta do jogo e, aos 36, Tostão balançou a rede, mas o gol foi anulado por impedimento. Um minuto depois, não teve jeito. Carlos Alberto cobrou lateral nos pés de Jairzinho, que foi à linha de fundo e cruzou para o mesmo Tostão antecipar-se ao goleiro Lagarcha e abrir o marcador. Aos 44, Jairzinho foi derrubado no bico da grande área. Pelé cobrou forte e Lagarcha deu rebote, que Tostão novamente não perdoou, fazendo 2 x 0.
Com o placar favorável, o Brasil voltou para o segundo tempo controlando a partida. Pelé voltou a ameaçar em duas cobranças de falta, bem defendidas pelo goleiro colombiano. A seleção levou um susto no gol bem anulado de Ortiz, aos 16, mas foi sempre mais efetiva e poderia ter feito mais um ou dois gols, esbarrando na boa atuação de Lagarcha. Como o Paraguai venceu a Venezuela também por 2 x 0, as duas equipes estavam empatadas em segundo lugar, com dois pontos, um atrás da Colômbia e um à frente da Venezuela, que seria o adversário do Brasil na segunda partida das eliminatórias, quatro dias depois.
Mesmo ainda insatisfeito com o desempenho do time, Saldanha manteve o seu 11 titular (com Félix, Carlos Alberto Torres, Djalma Dias, Joel Camargo e Rildo; Piazza e Gérson; Jairzinho, Tostão, Pelé e Edu) para enfrentar os venezuelanos, quatro dias depois, em Caracas. Na época a pior seleção do continente, a Venezuela não era um adversário à altura do esquadrão brasileiro. Mas, diante de um Estádio Olímpico lotado, no primeiro tempo a seleção esbarrou na retranca dos adversários. Correndo como nunca, o escrete vinotinto segurou o 0 x 0 com o Brasil na primeira etapa. E foi ovacionado pelo público.
O segundo tempo começou na mesma toada – o Brasil atacando, a Venezuela se defendendo e correndo. Mas quem tem Tostão, tem milhões. Aos 14, após quase uma hora de correria, o adversário cansou. E Jairzinho deu um passe açucarado para Tostão abrir o placar. O mineiro não perdoou e fuzilou Garcia, fazendo 1 x 0. Treze minutos mais tarde, Pelé dominou na área, driblou dois e meteu no canto de Garcia, fazendo 2 x 0. Aos 30, Gérson chutou da entrada da área e Garcia, que pegou tudo, soltou no pé de Tostão, que sacramentou o 3 x 0.
Jogo liquidado, mas com espaço para espetáculo. Aos 33, Jairzinho cruzou da direita e a bola passou por toda a defesa, para encontrar Tostão, que mandou no canto direito, fazendo seu hat-trick. A festa foi completada aos 35, com Pelé enfileirando a defesa venezuelana com uma série de dribles, selando os 5 x 0, sob aplausos dos torcedores adversários, que, se tinham vibrado com o 0 x 0, agora iam ao delírio com o espetáculo dado em apenas 21 minutos. O time titular só seria alterado com a entrada de Everaldo no lugar de Rildo, na segunda etapa.
Podia ser mais, tamanha a diferença técnica entre os dois times. Mas a seleção se poupou a partir dali, pois uma semana depois iria enfrentar o Paraguai, que também vencera naquele domingo, 10 de agosto, marcando 1 x 0 na Colômbia, em Bogotá. Com quatro pontos, brasileiros e paraguaios assumiam a liderança do grupo, com quatro pontos, contra três dos colombianos e um dos venezuelanos.
O Brasil chegou a Assunção na noite de segunda-feira. E encontrou um clima de guerra. O mais importante jornal paraguaio, o ABC Color, viu um complô brasileiro no jogo entre Paraguai e Colômbia. O frio intenso e contusões em Djalma Dias e Félix também atrapalhavam a preparação para o jogo do dia 17, que seria a primeira grande decisão – afinal, a seleção paraguaia era a maior ameaça à classificação do Brasil. O clima de guerra foi ampliado durante a semana, com discussões e provocações entre torcedores dos dois países.
Para piorar, na véspera da partida, houve confronto de dirigentes e jogadores do time canarinho com paraguaios que foram perturbar a concentração, chamando os brasileiros de “animais e macacos” e agredindo o dirigente Silvio Pacheco. A pancadaria foi forte, com Félix, Carlos Alberto, Joel, Brito, Rildo, Toninho, Jairzinho e Rivellino encarando o grupo de quase cem pessoas. Brito chegou a desarmar um dos brigões, depois de desferir um “telefone” no ouvido do valentão… A confusão só acabou com um telefonema (de verdade) da missão militar do Brasil para o ministro da Justiça paraguaio, que determinou a interdição da rua do Residencial Bonanza, onde a seleção brasileira estava hospedada…
Como os lesionados se recuperaram e Saldanha levou a campo, no dia 17 de agosto de 1969, seu time titular. Com o estádio lotado e com os dois times com os nervos à flor da pele, o primeiro tempo foi caracterizado pela pancadaria parte a parte. Se o Paraguai batia, o Brasil não ficava atrás – Pelé, Carlos Alberto e Gérson nunca deixaram adversários crescerem na base da intimidação. O jogo virou uma guerra, tolerada pelo chileno Arturo Massaro, o árbitro que dirigiu o encontro. Não foram poucas as vezes que ele teve de separar os jogadores dos times, após lances violentos.
Com isso, a primeira etapa acabou com um previsível 0 x 0 que, se era ruim para o Paraguai, por jogar em casa, parecia ainda pior para o Brasil, dada a diferença técnica entre os selecionados. Embora a segunda etapa tenha começado com ânimos mais serenados, a seleção não conseguia vencer o forte bloqueio paraguaio, rondando sem sucesso a meta de Aguilera – que defenderia Portuguesa de Desportos e Botafogo de Ribeirão Preto anos depois. Animado, o Paraguai se lançou mais e abriu espaços. Um erro fatal.
Aos 25, depois de 70 minutos de resistência, a defesa paraguaia ajudou o ataque brasileiro. Após um recuo errado, Edu entrou na área driblando e chapelando Rojas e Bobadilla e cruzou para Pelé. Afobado, Valentin Mendoza meteu de cabeça, no ângulo da meta de Aguilera. Brasil 1 x 0. O caminho estava aberto. O segundo viria de uma sensacional jogada de Pelé e Jairzinho, aos 36 minutos. O maior camisa 10 da história pegou a bola na intermediária ofensiva e enganou três paraguaios de uma só vez, tocando para Jair, que devolveu rápido. Pelé avançou em direção ao bico da área, enquanto o craque botafoguense vinha como uma bala. Recebeu (ou tomou a bola, nunca se sabe) de Pelé, entrou na área pela direita e acertou o canto oposto de Aguilera, ampliando o marcador.
Com o 2 x 0, a partida estava definida. No último minuto, Edu pegou a bola pela esquerda, invadiu a área, cortou o lateral Molina duas vezes e, antes que a cobertura chegasse, bateu seco, sem defesa. Placar fechado em 3 x 0. Três vitórias, dez gols marcados, nenhum sofrido e a liderança das eliminatórias. Campanha perfeita das feras de Saldanha. Bastava não errar nos três encontros em casa e a vaga estaria garantida.
Mas os jogos eliminatórios realizados no Brasil ficam para o próximo capítulo.
FUTEBOL, GRIPE E HISTÓRIA
por André Felipe de Lima
Lembro-me bem. Tinha somente oito ou nove anos. Minha avó sentada ao meu lado narrava histórias de quando tinha a mesma idade. Era miúda, mas já trabalhava em uma fábrica de tecidos que havia no Horto, atrás do Jardim Botânico. Um tempo no qual “exploração infantil” era algo lamentavelmente tolerável, mas que, obviamente, se tornaria execrável nas décadas seguintes, ou, pelo menos, deveria ter sido. Era uma sociedade rija, árida, conformada. Uma sociedade que lidava com a morte sob uma naturalidade aterrorizante. Justamente esse terror tomou conta de mim ao ouvir minha avó contar com minúcias o que ela mesma presenciara naquele longínquo outubro de 1918. Corpos e mais corpos empilhados em carroças transitavam diariamente pelas ruas do Jardim Botânico. Ela ia para o trabalho assustada com tudo que via. Era somente uma menina de nove anos. Mesmo com a vida convidando-a a imediatamente crescer pelas vias do trabalho braçal, minha avó era uma criança. Os corpos de que falava foram vítimas da mais temível epidemia que assolou não somente o Rio de Janeiro naquele ano, mas todo o Brasil, todos os continentes. A gripe espanhola ignorava fronteiras para matar em massa. Minha avó não tinha (coitada) a dimensão exata do terror que provocava em mim e nos meus primos com aqueles casos e “causos”. Nunca esqueci as histórias da gripe espanhola. Hoje, com já bem vividos 51 anos, recordo minha avó, que escapou daquela fatídica epidemia. Tornei-me um jornalista e uma “tentativa” de cronista do velho e violento esporte bretão. Nessa minha “tentativa” pontual sobre a gripe espanhola, resgato o impacto dela no futebol daquele distante 1918. Foi algo que, espero, jamais aconteça novamente.
Do Rio e de São Paulo, as cidades mais afetadas pela influenza e os dois principais centros desportivos da época, muitos craques foram vítimas da epidemia. A morte prematura de dois deles causou comoção por serem eles craques de importantes agremiações esportivas. Do Fluminense, Archibald “Archie” French, o jovem e promissor craque egresso do Bangu, e de São Paulo, o centromédio (hoje volante) Octavio Egydio de Oliveira Carvalho.
Archie tinha uma ambição: ser ídolo do Tricolor das Laranjeiras. Caminhava célere para atingir sua meta no futebol. O Fluminense pretendia manter a supremacia, para isso, em relação ao time campeão carioca de 1917, modificou toda sua ala esquerda. O ótimo Machado foi deslocado para a extrema, com Archibald French assumindo o posto de centroavante. Logo no começo do campeonato carioca de 1918 organizado pela LMDT [Liga Metropolitana de Desportos Terrestres] a devastadora gripe espanhola, que chegara à cidade pelo porto, matou milhares de pessoas na cidade, sobretudo entre setembro e dezembro. Archie sucumbiu no dia 29 de outubro de 1918. No final do campeonato, o Fluminense levantou o troféu de campeão e dedicou o título ao bravo centroavante.
O clube mostrava-se extremamente preocupado com o cenário devastador imposto pela influenza. Na semana seguinte após a morte de Archie, os cartolas do clube Mario Pollo e Marcondes Ferraz doaram à matriz da Glória uma quantia em dinheiro para que fosse distribuída às vítimas da gripe. Os dois dirigentes tricolores também colocaram à disposição do vigário a sede do clube, na rua Álvaro Chaves, e médicos para qualquer emergência. Mas não foi somente Archie French o único infectado pela influenza. O time inteiro do Fluminense (ou grande parte dele), que contava, entre outros, com Marcos Carneiro de Mendonça, Welfare e Chico Netto, teria tombado no leito. Para sorte dos tricolores, todos sobreviveram e garantiram não somente o título de campeão carioca de 1918 e, no ano seguinte, o épico tricampeonato, uma das conquistas mais notáveis da história do clube.
Octavio Egydio nasceu em uma família abastada. Era filho do ex-senador e abolicionista Paulo Egydio de Oliveira Carvalho, fundador do Instituto de Sociologia de São Paulo, diretor do antigo Diário de São Paulo e colaborador do também extinto Correio Paulistano. Quando morreu no dia 24 de outubro de 1918 após contrair a gripe espanhola, Octavio tinha somente 26 anos. Ele, que se formara em direito em 1916, casara-se com Alda Cavaliere sete meses antes do óbito. Uma tragédia sem precedentes.
Octavio defendia a Associação Atlética Palmeiras (nada a ver com o atual Palmeiras), que rivalizava com o Paulistano, de Friedenreich e Rubens Salles. Era um dos principais nomes do futebol paulista daqueles primeiros 20 anos. Após sua morte, o craque deu nome à taça entregue ao campeão do torneio início do campeonato paulista de 1922, no caso, as sua querida A.A. Palmeiras.
Outros dois famosos nomes do futebol tombaram na cama: Píndaro de Carvalho, notório zagueiro do Flamengo e da seleção brasileira que conquistaria o campeonato sul-americano do ano seguinte, e Belfort Duarte, fundador do América do Rio. O primeiro permaneceu no Rio durante a convalescença; o segundo seguiu para se recuperar da enfermidade em uma fazenda do interior fluminense. Os dois escaparam do pior. Do Botafogo, o caso mais famoso foi o do uruguaio Beheregeray, um dos melhores do time. Ele adoecera em outubro de 1918 e no mês seguinte arrumou mala e cuia e se mandou para Montevidéu para se recuperar da epidemia devastadora. Àquela altura, não havia mais condições para se jogar futebol no país.
A gripe espanhola que matava milhões e paralisara o País também forçou a suspensão dos campeonatos estaduais. Por precaução, a CBD [Confederação Brasileira de Desportos] adiou o campeonato sul-americano no campo do Fluminense (que ficaria para 1919, tendo o Brasil como campeão) e os jogadores tiveram de devolver à entidade máxima do esporte nacional o dinheiro adiantado para a viagem ao Rio de Janeiro. Os paulistas Neco, Amílcar Barbuy e Friedenreich gastaram tudo e foram punidos. Nova crise instaurou-se entre a Apea [Associação Paulista de Sports Athleticos], imprensa paulista e CBD. Coelho Neto interveio e os ânimos se acalmaram.
A gripe, por sua vez, deu uma trégua. O país e o futebol retomaram suas atividades.
A gripe espanhola foi a primeira de outras epidemias que mexeriam com o futebol, mas não tão devastadoras como ela. Entre 2002 e 2003, a Sars (Síndrome Respiratória Aguda Grave) causou um rebuliço no calendário do futebol, levando a Copa do Mundo de futebol feminino da China para os Estados Unidos. Em 2006, outra gripe (a aviária) quase impediu a realização da Copa do Mundo. Por pouco a Fifa não desistiu da Copa. Agora, com o avanço mundial do coronavírus, o mundo do futebol volta a se preocupar. Na Itália, país europeu mais atingido pela epidemia, partidas do campeonato italiano foram adiadas e outras foram realizadas com portões fechados.
Não quero, juro, voltar a ter medo das histórias da minha avó.
SAULO CEROULA
por Jonas Santana
Já não bastava ter um zagueiro por nome de Todo-Duro agora vinha o Saulo Ceroula (era mais fácil gritar Ceroula que Saulo), aquele volante clássico, pequeno, mas firme no desarme e milimétrico nos passes, maquiavélico e preciso na armação das jogadas.
Como cada um naquela equipe, ele também lembrava jogadores épicos, e Ceroula tinha características de craque. Uns diziam que na qualidade do desarme era tal qual Clodoaldo, um dos mais elegantes e altivos líberos (os mais jovens irão perguntar o que é isso), que marcou época no Santos e na seleção brasileira (bons tempos!!!). Outros juravam que era o Batista do Inter ou mesmo o Toninho Cerezo (do Atlético Mineiro) numa versão mais reduzida. O fato é que Saulo era realmente um deslinde na frente da zaga, fosse armando ou frustrando o ataque dos adversários, coisa comum para ele.
Nosso craque tinha lá suas peculiaridades e suas exigências, tais como usar somente chuteiras de trava alta, talvez para dar maior segurança ou, quem sabe, aumentar alguns centímetros em sua altura. Usar gel no cabelo mesmo que fosse dia de chuva era outra. Ou ainda usar a camisa por fora (numa época que isso dava cartão) com os meiões arriados.
Mas nada disso tirava o brilho daquele time nem dos seus craques, inclusive do próprio Saulo, um simpático analista de sistemas durante a semana e um craque nos fins de semana naqueles campos, muitas vezes enlameados, muitas vezes em gramados que mais pareciam tapetes!! E toda a equipe era um espetáculo à parte, alegrando aos torcedores e amantes do futebol.
E foi numa dessas partidas que ocorreu um episódio que marcou nosso atleta e deu origem ao segundo apelido (o primeiro era Saulinho, óbvio!). Foi o seguinte:
Jogo do time do Ceroula contra um combinado do município. Jogo duro, pegado, onde cada dividida voava faísca e onde os melhores estavam em campo.
Dirran, Nerrôda, Zé Rosca, Pedro Preto, entre outros eram os atores daquele jogo catimbado, onde Nego Jordan (que depois seria contratado para fazer a meia cancha com Saulinho) estava acabando com o meio campo adversário, tanto no desarme quanto nos lançamentos, que deixavam quase sempre os atacantes de frente para o grande Quiabo, aterrorizando a de dupla de zaga Lila e Todo Duro que já estavam desesperados. E aconteceu…
Orlando Touro (como sempre, ele) recebe a bola na meiuca (apelido do meio campo, mais precisamente do círculo central), parte para cima de Saulinho (até àquela altura do jogo) e dá uma gingada de corpo que faz com que nosso atleta se desequilibre. Aliado a isso, a trava alta segurou o pé do craque no gramado que, incontinenti, ao ver escapar ali o seu algoz não tem dúvidas e lança mão da seu último recurso: puxar-lhe o calção. Nosso jogador só não contava com o inusitado da situação nem com a força do Touro, que dispara e, sem perceber, deixa o calção rasgado na mão de Saulo, ficando somente de ceroulas, aquelas conhecidas como samba-canção, especificadamente uma azul de cetim, com figurinhas de urso, que além de brilhar com o reflexo do sol, fez com que todo o estádio viesse abaixo num grito uníssono de Ceroula!!!! Ceroula!!!!
Diante de tal episódio restou-lhe o cartão vermelho, e a herança do nosso jogador, que agora era mais conhecido como Saulo Ceroula, epíteto que o acompanhou durante toda sua carreira, encerrada antecipadamente por causa de uma pequena lesão nos joelhos.
Mas mesmo assim nosso craque desfilou por bastante tempo seu talento, sempre ouvindo os gritos da torcida sempre que pegava na pelota. E a fama o perseguia até o pendurar de suas chuteiras.
Dizem que depois de algum tempo, em sociedade com Dirran, montou uma fábrica de peças intimas. Mas a pecha da Ceroula continuou.
Jonas Santana Filho é funcionário público, escritor, gestor esportivo e amante do futebol. O bom futebol.
Jonassan40@gmail.com. Skype jonassan50
A OUSADIA DO PATROCÍNIO
por Idel Halfen
Patrocinar atletas é uma das decisões mais difíceis para uma marca, e não me refiro aqui ao sempre presente risco de uma performance abaixo das expectativas, afinal essa é uma das variáveis inerentes ao esporte.
O maior problema, no meu modo de ver, está relacionado às atitudes dos atletas, pois, como qualquer ser humano, são passíveis de ações polêmicas, muitas das quais com forte poder de polarizar a sociedade, o que exigirá do patrocinador decisões ágeis sobre as reações.
Peguemos o caso do jogador de futebol americano, Colin Kaepernick, que para protestar contra o racismo ficou sentado durante a execução do hino antes de uma partida. Como era de se esperar, parte da população foi contra a atitude e outra parte foi a favor. Não cabe neste espaço discutir o ato em si, até porque a proposta do blog é outra, todavia é interessante refletir sobre a reação da Nike, sua patrocinadora que, mesmo pressionada pela opinião pública e até vítima de boicote por parte de alguns varejistas, seguiu em frente com a parceria.
Aliás, não apenas preservou a parceria como passou a utilizá-lo como parte de suas campanhas, chegando ao ponto até de cancelar o lançamento de um produto, pelo fato do mesmo trazer impressa uma das primeiras bandeiras dos EUA com apenas treze estrelas e, dessa forma, remeter ao período em que a escravidão era permitida.
O que queremos mostrar aqui é como a empresa se aproveitou de uma situação, provavelmente inesperada, para daí fortalecer os conceitos associados à sua missão: “trazer inspiração e inovação para todos os atletas do mundo”. Não há como negar que a postura de Kaepernick simboliza com bastante propriedade essa missão.
Vemos assim, uma iniciativa que consegue encontrar uma solução de fortalecimento de sua marca em uma situação que muitas empresas prefeririam se omitir, seja rescindindo o contrato ou, pior, mantendo, mas deixando o assunto ser esquecido.
Por mais que se fizessem pesquisas sobre a decisão, nenhuma delas poderia prever que o mercado, no caso as vendas dos produtos da Nike, não seria impactado negativamente no decorrer do tempo, mais ainda os produtos que tivessem alguma relação com Kaepernick.
É certo que logo após o incidente do hino em 2016 suas camisas foram as mais vendidas, porém muitos o fizeram para queimá-las em forma de protesto.
Mas o que chama mais atenção e indica que a Nike acertou em manter e utilizar o citado jogador foi o lançamento do tênis “True to 7”, que traz o retrato do jogador bordado na aba do calcanhar, e mesmo vendido a $ 110 se esgotou no primeiro dia.
Independentemente da polarização que certamente vai existir acerca da polêmica causada pelo protesto realizado no momento do hino, creio que não haja dúvida quanto à eficácia de um trabalho com foco estratégico e que saiba aproveitar os recursos que lhes são disponíveis.