ESPECIAL 70 ANOS DA COPA DE 1950 – EM MONTEVIDÉU, CARA A CARA COM OS FANTASMAS
por Marco Antonio Rocha
A ideia veio como um chute seco, que passa rente à trave antes de morrer no fundo do gol. Eu estava no 328, ônibus que liga a Ilha do Governador ao Centro, quando vi de longe o Maracanã. O gigante já havia passado por plásticas mal-sucedidas e perdido boa parte da velha forma, mas ainda guardava sua essência intocada. Como quase sempre fazia, por minutos recordei vitórias que ali comemorei, derrotas que ali me fizeram chorar… Mas naquele dia foi diferente: devia ser fevereiro ou março de 2000 e me dei conta de que em poucos meses seriam evocados os 50 anos da Copa do Mundo, do malfadado Maracanazo. O ponto que me deixaria perto do Lance! chegou logo e desci, com uma pressa maior que a habitual. Já na redação, liguei o computador e comecei a pesquisar quais uruguaios que fizeram nossos pais e avós chorarem ainda estavam vivos.
Depois de algumas ligações para jornais do Uruguai, tinha em mãos o mapa que me levaria a um tesouro: eram números de telefone de quatro heróis que viviam em Montevidéu. Na mesma semana a ideia foi comprada por Álvaro Oliveira Filho, então editor-chefe do Lance!, que retrucou com apenas uma recomendação: não poderia ser uma viagem cara, era preciso economizar na quantidade de diárias. A pequenina capital uruguaia seria uma aliada e tanto. No dia seguinte, liguei para o quarteto, a começar por Schiaffino, elegante meia-armador que abriu caminho para a virada que gelou o Maracanã. E, assim, a agenda de entrevistas foi sendo preenchida com o apoiador Pérez, o goleiro Máspoli… Faltava, porém, fechar essa pequena grande seleção com o maior de todos: Ghiggia, sete letras capazes de fazer tremer alguém que, entre todas as Copas, tem como lembrança mais antiga a de 1982! O telefone toca uma, duas, três, quatro vezes. Quando achava que não atenderia, uma voz grave paralisou meu corpo. Expliquei num espanhol gaguejante que desejava encontrá-lo; ele me disse que morava na rua tal, em frente ao McDonald´s. Sua pronúncia e meu nervosismo fizeram com que as letras da lanchonete se tornassem uma só. Pedi que falasse de novo. E de novo, de novo. Enfim deduzi o que se tratava e desliguei. Definitivamente, aquele contato, como o de 50 anos atrás, não havia terminado bem…
Nesta altura o jornalista Pedro Paulo Malta Santos e o fotógrafo Nelson Almeida já haviam entrado na aventura – o primeiro para produzir o material digital; o segundo para fotografar todos (e tudo). Desembarcamos no finalzinho de uma tarde de sábado, de olho no relógio para o bate-papo marcado com Schiaffino. Antes, porém, precisávamos comprar uma camisa da seleção. De táxi, peregrinamos por lojas de rua e shoppings. Absolutamente nenhuma tinha. A associação uruguaia havia rompido o contrato com a antiga fornecedora sem que tivesse fechado com uma nova. A hora ficava cada vez mais apertada até que, na última tentativa, enfim conseguimos a Celeste! E lá fomos nós para a orla de Montevidéu encontrar nosso personagem.
De suéter vinho e calça comprida, o elegante ex-meia-armador que acumulara títulos por Peñarol, Milan e Roma nos aguardava na porta de casa. Com sorriso largo, recebeu-nos com a simplicidade de um gênio. Durante a entrevista, fez questão de tirar de um armário recuerdos e regalos de 1950: uma bandeja imitando o calçadão de Copacabana, registros e mais registros fotográficos em momentos de folga no Brasil. As memórias guardadas na cabeça, porém, por vezes se perdiam no tempo e nas falas. Mas recorreu a uma precisão extrema para desqualificar não apenas seu gol, mas o de Ghiggia. Com a camisa devidamente autografada, fomos enfim para o hotel.
No domingo pela manhã, chegar à casa de Pérez não foi fácil. Uma feira livre bloqueava a rua de árvores enormes e casas de muros baixos. Não fossem os vendedores anunciando seus produtos em espanhol, poderíamos imaginar que estávamos no subúrbio carioca. Em um canto da sala, evidências da época de jogador: um quadro seu com a camisa do Nacional; um pequeno boneco de louça, em referência ao tempo em que desfilava uma técnica refinada pelos gramados; e a réplica da Jules Rimet. Aquele altar, porém, colocado estrategicamente de frente para a porta de entrada, era mais um monumento à amargura do que à Copa de 1950. Entre a tristeza que causou aos amigos brasileiros e a falta de reconhecimento dos dirigentes do Uruguai, Pérez deixava claro que não guardava boas lembranças do dia em que, em sua visão, brasileiros e uruguaios saíram derrotados. Antes da despedida, fomos brindados com doses de uísque caubói — não é todos os dias em que se bebe com um campeão do mundo!
A conversa com o craque, ídolo tardio do Nacional, dificultou a digestão do almoço de domingo, por melhor que seja a carne uruguaia. Ainda mais quando a sobremesa é uma entrevista com… Ghiggia. “Osso duro de roer!”, muitos diziam quando comentávamos sobre nossos planos. “Ele cobra para dar entrevistas. E caro!”, avisavam outros. Foi preciso pagar para ver, ficar frente a frente com uma fera que, do seu modo milongueiro, mostrou-se um doce. Quando chegamos ao endereço anotado, vi o tal McDonald´s e abri um sorriso. Era ali, em um sobrado acanhado e escuro, que vivia um Rei de Copas. Subimos por uma escada estreita, rente à parede sem pintura. A poucos degraus do fim, ele surgiu: cabelos milimetricamente alinhados para trás, bigode fino como o dos vilões da Disney e camisa preta de mangas compridas e gola rolê. Com 1,69m, visto de baixo, parecia mais alto; olhos nos olhos, parecia um gigante.
Já acomodados em torno de uma pequena mesa, achamos por bem puxar papo com assuntos triviais. Comentamos algo sobre sua coleção de fitas-cassetes de músicos brasileiros, cuidadosamente arrumada sobre a lareira: “Me encanta Gal Costa”, disse, como se quisesse deixar seus visitantes à vontade. Imaginamos que fosse a senha para falar do Brasil, do Mundial. A interrupção veio acompanhada de reticências, as mais demoradas de nossas vidas: “Pero yo cobro…”. As pernas tremeram, era como se estivéssemos diante de Ghiggia no Maracanazo de 50 anos antes. Um silêncio ensurdecedor tomou conta da casa nos segundos seguintes. E só foi quebrado pelo próprio craque: “Mas vou falar de graça com vocês, que saíram do Brasil só para recordar essa história. Aqui a imprensa parece não saber o que represento”. Após uma longa entrevista, saímos de lá com a sensação de termos virado, à moda uruguaia, um jogo improvável. Um jogo em que vilões e heróis se confundem. Tudo é divino e maravilhoso.
Da apreensão ao encantamento, começamos a segunda-feira sabendo que nada poderia dar errado naquela viagem. E tivemos certeza quando chegamos à casa de Máspoli, um simpático velhinho de 82 anos. Com visão muito particular sobre aquele 16 de julho, o goleiro campeão de 1950 nos surpreendeu ao dizer que o Brasil, pelo vexame que a derrota em casa provocaria, sentira o peso do gol de empate. E mais: que a seleção brasileira havia sido devidamente analisada antes da grande final — ao lado do capitão Obdulio Varela, Tejera e Gambetta, Máspoli era uma das vozes mais ativas junto ao técnico Juan López.
Estávamos bem perto do mítico Estádio Centenário que, por feliz coincidência, abrigava o museu dedicado às glórias uruguaias. A sorte, definitivamente, estava ao nosso lado. Ou pelo menos parecia estar… Procura daqui, procura dali e eis que, enfim, encontramos a entrada. Provavelmente passamos por ela mais de uma vez, já que estava escondida por um… caminhão de mudança! Caixas e mais caixas saíam de lá. “Vamos levar tudo para a associação, ficará guardado antes da exposição no shopping central”, explicou um dos funcionários. Gol do Uruguai, o Maracanã se cala, lágrimas ameaçam escorrer com aquele gol já nos acréscimos da nossa viagem. “O diretor virá em breve, ele pode falar com vocês”, disse outro homem, a caminho do veículo. E de fato logo chegou, mostrando surpresa pelo nosso interesse: “Vocês estão aqui para fazer uma reportagem sobre a Copa que nós ganhamos de vocês!? Venham comigo, há muitas coisas ainda lá dentro”.
O que vimos dentro daquele museu improvisado embaixo da arquibancada era uma espécie de arca perdida, o Santo Graal dos deuses de chuteiras: a réplica da taça; a camisa celeste usada por Obdulio, com o 5 em vermelho às costas; a bola que enganou Barbosa e condenou um dos maiores goleiros brasileiros do Brasil à sua prisão perpétua… Já fora das redomas, cada objeto passou pelas nossas mãos para serem fotografados por Nelson Almeida. Minutos antes, achávamos que não chegaríamos nem perto daquele tesouro; naquele momento, tínhamos a História entre os dedos. A vida é mesmo tão imprevisível quanto o futebol. As poucas horas em Montevidéu tiveram o valor de anos, décadas, uma vida inteira. A bordo do 328, passei outras tantas vezes pelo Maracanã, mas jamais olhei para o velho estádio da mesma forma.
O SOCO NO AR E AS TENTATIVAS DE SUPERAR O INSUPERÁVEL
por Claudio Henrique
Diário de Bordo: direto da máquina do tempo, “Comentarista do futuro” revela que as formas de se comemorar o gol serão capítulo à parte do futebol
Eu já estava com um dos dois pés – não me lembro qual pois, como Pelé, também sou ambidestro –, ou melhor, uma das duas mãos dentro da máquina do tempo quando chegou, esbaforido, um “velho homem da imprensa”, com bigodes e suspensórios à frente. Falou-me rapidamente sobre o sucesso que minhas crônicas fizeram em seu periódico mexicano, que teria crescido em vendas, blábláblá… E me fez um pedido: uma última resenha, mesmo que escrita de dentro da geringonça que me permite viajar entre as décadas. Topei e depois explico como enviei de volta para publicação. Precisava mesmo falar ainda algumas coisas (calma, prometo que este texto será menor que os anteriores), em especial sobre o “soco no ar” do Pelé, que enalteci na última resenha e ficou batucando nesses meus neurônios cansados de guerras (serão muitos nos próximos 50 anos, inclusive contra vírus) e de algumas doses de THC na juventude. Há mais coisas entre o Gol e o reinício do jogo do que supõe a nossa vã filosofia.
Preciso confidenciar a vocês que no futuro as formas de se comemorar um gol se transformarão em “assinaturas” no futebol. Sim, marcas associadas aos atletas, e muitas vezes veículos para mandar mensagens, pessoais ou coletivas. Inteligentes serão os craques que demonstrarem habilidades também em marketing pessoal. Será um desfile de criatividade, amigos, acreditem: aviõezinhos, sambadinhas… Vai ter jogador deitando no campo, falando no orelhão (telefone público) do campo… E pensar que tudo começou com Pelé – até isso o “negão” deixou de herança para o futebol.
Mas a gênese dessa história paralela à do esporte, o “soco no ar”, se manterá no cardápio deste espetáculo de diferentes coreografias. E insuperável. Vejam vocês: na Copa de 2018, a última que testemunharei antes de minha partida rumo ao passado, o jornal O Globo, aquele mesmo que, como já contei, um dia indenizará um fotógrafo por publicar imagem do gesto do Rei, juntará uns trocados para analisar as formas como serão comemorados os 163 gols do Mundial. Cultura inútil? Não para quem ama futebol. E se você chegou até aqui nesta resenha é porque é um dos nossos. Siga comigo…
Daqui a 50 anos ainda veremos na Copa 2018 nada mais nada menos que 24 tentos (quase 15% do total) seguidos por soquinhos “a la” Pelé. Sendo 8 deles desferidos por brasileiros; 16 por atletas de outras nacionalidades. Ok, 1/3 dos gols ganharão uma comemorarão meio boboca, só abraços ou afagos protocolares, mas o Mundial será na Rússia, considere-se (a propósito, avisem aos camaradas!). O show que se sucederá aos estufar das redes será rico em folclore, curiosidades e polêmicas. Nessa Copa do próximo século, atletas chegarão a ser punidos pela Fifa por manifestarem posicionamentos políticos após balançar as redes. Só citando um jovem repórter esportivo brasileiro que tá estreando este ano na rádio Jovem Pan: “ô, loco!”.
O negócio vai mesmo tomar proporções de… Negócio. Chegará o momento em que os jogadores, esses espertinhos, passarão a levantar a camisa após o gol, mostrando marcas ou mensagens que estão ali por conta de algum capilé previamente acertado, claro. A Fifa não tardará a proibir e existirão, como sempre, os que tentarão arrumar um jeito de burlar a regra. Um marca de cerveja no Brasil contratará um craque da nossa Seleção para festejar seus golaços levantando o dedinho indicador pro alto, numa alusão ao seu slogan: “Número 1”. E pensar que neste Mundial do México a outra comemoração marcante foi aquela do Jairzinho após seu gol contra a Inglaterra, quando, copiando o tcheco Petras, que dias antes fizera o mesmo contra nós, se ajoelhou e fez o sinal da cruz. Em nome do pai… No futuro, não existirá mais bobo no futebol. Nem santo.
O salto de Pelé, que no futuro será inspiração para monumentos em Santos e Três Corações (cidade em que nasceu), veio à luz há quase 11 anos, em 2 de agosto de 59, quando o craque, jogando num obscuro mas romântico estádio paulista, na Rua Javari, contra a Juventus, pela primeira vez comemorou um gol desse jeito – isso após converter aquele que, muitos juram, ter sido o mais belo gol de sua carreira, mas do qual não existem registros visuais. É sempre assim… Bem, naquele dia, Pelé estava pouco inspirado, coisa rara, e a torcida adversária, que foi ao jogo também esperando ver show do “hômi”, vaiava o Rei, coisa ainda mais difícil em sua carreira. Incomodado, o Rei fez um primeiro gesto com a mão, aquele com o qual costumamos avisar: “Guenta aí, que já-já eu mostro a vocês o que é bom pra tosse”…
Logo depois, recebeu uma bola na área e, sem deixar a pelota cair, salpicou quatro lençóis seguidos, o último no goleiro, e “guardou”. Como tratava-se de uma resposta aos apupos das arquibancadas, correu em direção à galera e largou esta espécie de cascudo no ar, num desabafo. Ou seja: um gesto universal nascido da raiva. Mas, como todo bom Deus, o do Futebol sabe compensar e equilibrar forças e valores da natureza humana. Tanta que anos depois, já adianto, quando encerrar a carreira nos Estados Unidos, comandará ao microfone um estádio lotado pedindo em alto e bom som para o mundo: “Love! Love”! Mas na Javari foi ódio mesmo.
Nasceu assim o salto de euforia do Rei que agora todos conhecem e no futuro se tornará imagem em selos e cartões postais (não apenas no Brasil, como em outros países dos cinco continentes), estátuas, esculturas, quadros… Daqui a 50 anos até a silhueta desta emblemática comemoração será identificada e reconhecida em todo o planeta, tal qual a face de Jesus Cristo, a garrafa da Coca-Cola ou a latinha de sopa Campbell, que o artista Andy Warhol lançou no mesmo ano em que fomos bicampeões no Chile, sacam? Um pouquinho de pop-cultura não faz mal a ninguém. Coca-Cola também não, acreditem. Não fará! Na próxima década eles vão lançar uma em versão “Diet” e, melhor, no próximo século uma sem açúcar, rebatizada de Coca Zero. Mas ouvi dizer que, quando chegar este momento, algum publicitário americano pensará em batizar de Coca 10, numa homenagem ao Pelé. Podem levar esta ideia. Não cobro nada por isso.
Mas voltemos a 2020 (aliás, é pra onde estou me dirigindo mesmo, nesta máquina barulhenta). A estatística de estilos de comemorações de gols feita pelo Globo mostrará um empate técnico em primeiro lugar. Junto ao números de “jabs” no ar, estará, também com os mesmos 24 tentos, um estilão que, no próximo século, ganhará força, ou virará “modinha”, como gostaremos de dizer: uma espécie de terraplanagem, em que os jogadores vão se atirar ao chão, escorregando pelo gramado. Desconfio que será inventado em algum jogo disputado sob chuva, Talvez na Várzea, mas os registros do futuro creditarão seu surgimento a um atacante alemão, Klinsmann, que justificará seu gesto como um deboche de sua fama de cavador de faltas e pênaltis. Outro formato que será comum: a ostentação de marra, de superpoderes, geralmente com os artilheiros cravando as duas pernas no solo, cruzando os braços e lançando para as câmeras olhares de “imbatíveis”, que se aproximarão do que conheceremos no Brasil como “Olhar 43”, um rock dos anos 80. Mais cultura pop…
Justiça seja feita: além de Pelé, nada disso acontecerá não fossem as imagens antológicas feitas na Copa por algum dos “cameraman” no estádio, esse fadado ao anonimato (alguém aí conhece o sujeito?), e por pelo menos dois fotógrafos brasileiros: Orlando Abrunhosa e Lemyr Martins, donos de fotogramas deste instante mágico em seus acervos pessoais. Daqui a meio século, antes de viajar ao passado, fui aos arquivos do jornal (na verdade eles não existirão mais, será um troço chamado Google) mas não consegui responder três das cinco perguntas obrigatórias que um jornalista deve trazer em suas reportagens: quem, como e quando. Ambos terão belas carreiras, e ao Lemyr, inclusive, caso venha a ler estas mal traçadas linhas, gostaria de avisar que, além do futebol, deveria se dedicar ao automobilismo, pois na Fórmula 1 em breve teremos nossos craques. Esse vai longe, padrão Evandro Teixeira de qualidade, se é que isso é possível. O Orlando Novais, como já contei no tijolaço anterior, processou a Globo na Justiça por seu uso “sem autorização”. A Coca-Cola não cria caso. Se quiserem, podem publicar e falar dela à vontade.
A forma muito autoral com quem Pelé festeja e festejará seus mais de mil gols será copiada por gerações. Eu mesmo, moleque nos anos 80, gostarei de dar meus soquinhos no ar após meus golaços nas peladas da vida (todos lindos, mas pouparei todos de descrições detalhadas). Mas as próximas décadas nos brindarão com outras marcas indeléveis. Ainda nesses anos 70, um baixinho bom de bola que aparecerá no Atlético Mineiro vai assinar seus gols levantando apenas um dos braços, e com o punho cerrado, tipo Jesse Owens. Sócrates, não o filósofo mas um politizado e longilíneo camisa 8 que teremos nos anos 90, fará algo bem parecido. Bebeto, um de nossos atacantes na futura Copa de 94, vai dizer ao mundo que foi pai comemorando um de seus tentos fingindo embalar uma criança nos braços. Este vão copiar muito. Jogador de futebol tem filho cedo.
Cristiano Ronaldo, que será apontado como o melhor do mundo muitas vezes na minha época, terá como marca também um escorregão nos gramados, mas de joelhos. Possivelmente alguém vai contar ao português que, no Brasil, já tinha um malandro fazendo isso, Neto, do Corinthians, pois depois o atacante acabará mudando seu pós-gol para outra postura: em pé, braços abertos, num gesto que treinará exaustivamente, como chutes e dribles, para compensar sua cintura dura pro futebol. Outra comemoração que surgirá e acabará meio que afastada do esporte será uma mania de, após marcar, fingir que está dando tiros ou disparando uma metralhadora. Mas neste caso a proibição não será da Fifa, mas do bom senso comum e da marcação cerrada do “politicamente correto”, lembram? Já falei a vocês deste “cara”. Tirar a camisa não vai poder. Se abraçar com a torcida? Na-na-ni-na-não. Futebol vai ficar meio chato mesmo.
Que fique aqui registrado meu pedido para que todos vocês lutem e não deixem isso acontecer. Antes de entrar na atmosfera de 2020, falta contar como combinei a entrega deste texto ao passado, visto que escrevo na máquina do tempo, no trajeto até os dias de amanhã. O tal editor do jornaleco mexicano me garantiu que, quando eu chegasse ao Século 21, encontraria um sinal, deixado por ele no passado, e orientações de como proceder. Achei enigmático, mas de toda forme escrevi. Se você estiver nos anos 70 e lendo esta pitomba, portanto, saiba que tudo deu certo. O eterno Pelé foi uma prova de que a magia supera qualquer barreira do tempo. E vou aproveitar para deixar aqui uma piadinha que talvez vocês ainda não conheçam nesses anos 70. Pelé sempre foi Rei…
Já “Era Antes do Nascimento”.
Claudio H – alguma data estelar entre 1970 e 2020
O FIGURINO DO AMOR E DO FUTEBOL
por Wendell Pivetta
Tem magias que só o futebol reserva. Ser fotógrafo na beira da quadra ou do gramado apresenta histórias lindas, e acaba atraindo amizades muito agradáveis com os atletas, sejam eles profissionais ou não.
Em 2019 ocorreu a primeira experiencia em minha nova jornada fotográfica quanto ao futsal feminino. O citadino na cidade de Cruz Alta reuniu um bom número de equipes, e foi nas fotos de comemorações que percebi algo além da quadra. Entre as equipes finalistas da competição estava a ALF. O time treinava bastante e vinha bem encaixado, e diferente das demais equipes, tinha no comando técnico a personagem de nossa história, a Carolaine. Treinadora e jogadora, percorreu um caminho duro para chegar até a competição fisicamente e mentalmente bem.
– Eu tive problema de saúde, um Cavernoma Cerebral (quase um aneurisma). Não sabia se ia poder jogar, fora que eu tenho lCA rompido, mas em todos os jogos eu não senti nada, somente na final eu senti.
É fato que diante das dificuldades, buscamos forças para superação, e o amor é uma bela arma para superarmos as barreiras da vida. Um sentimento que nos reserva forças imensuráveis, no caso da atleta pelo futebol, e por uma pessoa em especial. Cada gol de Carolaine era uma comemoração simples, porém forte. Um abraço como fora repetido durante a competição. E nestes abraços, sempre fotografados, percebi que a atleta buscava alguém em especial no meio da equipe:
– Comemorar com ela era como se eu quisesse pausar nessa foto aí e não sair mais. Com certeza sentia algo extra quadra, porque a gente sempre quis comemorar gol juntas nesse campeonato, era um sonho. Infelizmente não estávamos juntas, mas ali dentro era o único momento que a gente podia chegar mais perto sem receio sabe.
Carolaine relata seus momentos de abraços calorosos após os gols com a sua namorada, a artilheira Ana Kelly.
– Então era emoção, gratidão, alegria, saudade. Olhar pro nosso time que nós montamos e preparamos o ano inteiro para jogar. As gurias tão novinhas. A gente só sentia orgulho e queria dar tudo de nós pra cada uma delas, eu como treinadora e jogando lá dentro vi o quanto elas são esforçadas para me mostrar o melhor.
Naquela competição municipal elas estavam separadas fora de quadra, e após o citadino, reataram sua relação. Hoje fica como aprendizado. Aliás, em sete anos de relação, a dupla foi logo na edição de 2019 do citadino jogarem juntas pela primeira vez. Acredite, sempre jogavam como rivais, e exatamente como adversárias a dupla se conheceu. Jogando juntas emoções foram resgatadas e tudo acertado.
Aliás uma brilhante dupla dentro de quadra. Carolaine sempre de cabeça erguida, ótima armadora de jogadas, pensativa na tática. Ana Kelly mais avançada, pronta para dominar os lançamentos de Carolaine e finalizar as jogadas superando a defesa adversária. Uma completa a outra, e vice versa, como manda o figurino do amor e do futebol.
FÉLIX, ELES NÃO SABEM O QUE DIZEM
:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
Sabe o que eu acho mais engraçado? Eu ser chamado de nostálgico. Nessa quarentena, algumas emissoras resolveram transmitir Copas do Mundo do passado e não se falou em outra coisa. Os grupos de zap estavam tinindo: “vai começar Brasil x Uruguai”, “viram a arrancada do Furacão?”, o Pelé era demais!”. E saudosista sou eu.
O que mais me incomodou foram as mesas-redondas atuais comentando essas partidas. Deveria ser proibido. Deixei no mudo, claro. Até porque os analistas de computadores engomadinhos seguem falando baboseiras! Não dá para tratarem o goleiro Félix com tanto menosprezo. Félix foi um goleiraço!
Falhava, claro, mas até Pelé dava suas caneladas. Vocês viram quantos chutes errados o Riva deu contra a Itália? Eu já errei dribles, dominei mal e perdi um gol feito contra a Holanda. E o Félix, como todos nós, também errava. Quem acompanhou a carreira dele inteira? Quem tem bagagem para tratá-lo com esse desrespeito?
Outro dia ouvi o Paulo Victor, ídolo tricolor, dizer que antigamente tínhamos grandes goleiros e hoje temos goleiros grandes. Hoje temos atletas, bem diferente de jogadores. Algum jornalista foi medir a grossura das coxas dos italianos, romenos e uruguaios, na Copa de 70, para compará-las com a de Gerson e Tostão, por exemplo?
Hoje todos jogam de camisetinha colada no corpo, com um GPS instalado, para saber quantos quilômetros correram e quantas calorias foram perdidas. O que percorrer a mais longa distância será o mais elogiado pelos fisiologistas. Agora, mande baterem uma falta com precisão, lá onde a coruja dorme! Falar mal do Félix é fácil.
Já joguei com goleiros altos que nunca souberam sair do gol e baixos que tinham uma agilidade impressionante. Ubirajara Mota é um deles. O ditado diz que quanto mais alto maior é o tombo. Hoje o jogador brasileiro mais valorizado na Europa é o goleiro Alisson. Se não é o mais é um dos mais.
E isso só mostra a decadência avassaladora de nosso futebol. Talvez pela desmoralização sofrida por Barbosa, Félix, Waldir Peres e, porque não Jeferson, os treinadores resolveram investir pesado nessa posição. Esqueceram o resto.
É inadmissível falarem mal de Félix. Teve uma carreira brilhante no Fluminense e, reza a lenda, que em 1964, ainda na Portuguesa, de Ivair, o Príncipe, durante um amistoso, nos Estados Unidos, com o jogo já em 9×0 foi colocado de centroavante e fez um gol.
É fácil dizer que Almir Pernambuquinho era brigão, era mesmo, e omitir que ele jogou muita bola. Félix foi um goleiraço. Mas a imprensa prefere colocar holofote na defesa de Banks, coisa de cinema, na cabeçada de Pelé.
Nesse mesmo jogo, contra Inglaterra, Félix salvou o Brasil. O verbo é esse mesmo, “salvou” o Brasil. Quero saber se algum jornalista preocupou-se em saber quanto Gordon Banks mede, se é mais alto que Félix ou se apenas foi mais um baixinho sortudo. Exaltamos Banks e menosprezamos Félix sem conhecer suas carreiras, seus títulos.
Félix, descanse em paz porque eles não sabem o que dizem.
Geraldão
ARTILHEIRO DAS MASSAS
entrevista e texto: Marcelo Soares | fotos: José Manoel Idalgo/Dep. Cultural S.C.C.P.
O encontro estava marcado. Acompanhado do filho, Geraldão iria conversar com o Museu da Pelada no Parque São Jorge, local onde treinou por anos. Com a camisa do Corinthians de 77, emocionou os torcedores que estavam presentes no memorial do clube.
Solícito, calmo e divertido, atendeu a todos os pedidos com a mesma eficiência que tinha para completar os passes dentro de campo. Artilheiro do clube campeão paulista de 1977, com 23 gols, contou sobre a sua infância como boia-fria no interior de São Paulo, sua trajetória, e o momento em que percebeu que realmente, era um dos ídolos do Sport Club Corinthians Paulista.
Manteiga, como era apelidado, viu de perto o nascimento de Sócrates para o futebol, no Botafogo de Ribeirão Preto. Mais tarde, reeditou a dupla com o Doutor e revelou histórias entre os dois na equipe alvinegra.
Geraldão não faria feliz apenas os paulistas apaixonados por futebol. No Rio Grande do Sul, foi amado e odiado. Brilhou pelos dois lados do clássico Grenal, mas foi no Inter que se sagrou campeão estadual e marcou cinco gols nas finais contra o Grêmio, seu ex-clube. De quebra, ainda falou abertamente sobre a posição de alguns diretores gaúchos em certo momento da carreira.
Exaltou tudo o que viveu no futebol, as dificuldades e os caminhos tortuosos por onde passou, questionou a falta de compromisso dos jogadores atuais com os times e, relembrou a jogada do gol do Corinthians contra a Ponte Preta, que tirou o time da fila.
Confira agora no Museu da Pelada, a história de quem sonhou e realizou o desejo de jogar pelo time do coração.