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OBRIGADO, MARINHO

por Ricardo Beliel


Eu soube agora que o ex-jogador Marinho faleceu em Minas Gerais. Marinho foi um jogador brilhante e chegou a ser convocado para a seleção brasileira. Teve uma infância difícil, criado pela mãe enfermeira:

”Ela era trabalhadeira. Enfermeira do Hospital Militar. Mas tinha dias que tinha de lavar defunto. Contava isso pra gente em casa.” (Declaração publicada no Jornal O Estado de Minas).

Com seis irmãos e muitas dificuldades, vagou pelas ruas de Belo Horizonte até ser convidado a treinar no Atlético Mineiro. Com o time do Bangu, chegou à final do Campeonato Brasileiro, mas foram vice-campeões.

No auge da carreira, da fama e de uma efêmera estabilidade financeira, vivenciou seu pior drama quando encontrou seu querido filho, ainda criança, afogado na piscina de casa.

“Meu chão desapareceu. Não sabia mais o que ia fazer. Meu filho tinha morrido, ali, pertinho de mim e eu não fiz nada. Foi na minha frente. Não tinha vontade de fazer mais nada. Eu acabei saindo de casa e fiquei morando no meu carro, uma Mercedes-Benz, por 10 dias. Bebia muito. Eu virei, praticamente, um mendigo. Perambulava pelas ruas de Bangu e Realengo. Dormi diversas vezes debaixo de viadutos”. (Declaração publicado no Jornal O Estado de Minas).

Me lembro dele como um cara alegre, boa praça e grande jogador. Minha homenagem a ele publicando aqui uma capa que fiz da revista Placar no melhor momento de sua vida.

A PAIXÃO PELO FUTEBOL E SUAS INFIDELIDADES

por Paulo Roberto Melo


Mês de junho. Mês dos namorados. Li por esses dias que com a quarentena, havia caído o número de casos extraconjugais, afinal, a obrigação do isolamento forçou as pessoas a ficarem em casa e consequentemente (ao menos fisicamente) serem mais fiéis. Portanto, esta é a ocasião perfeita, para ser posta à prova a paixão dos casais.

Paixão, amor, fidelidade e… futebol! Lembrei de imediato do meu pai, vascaíno ferrenho, que só tinha olhos para os jogadores do Vasco. Todos os outros jogadores de todos os outros times eram no máximo suportados, tolerados. Alguns, mediante qualquer estrago feito ao Vasco, em forma de gol ou declaração diminuindo o clube de São Januário, eram colocados em uma lista negra de ódio e dos piores desejos que um torcedor pode ter.

Ao longo de quarenta anos acompanhando futebol junto com meu pai, houve dois casos em que ele teve que mudar de opinião.

O primeiro aconteceu com o Tita. Jogador da base do Flamengo, o craque, junto com o Esquadrão do final dos anos 70 e início dos 80, maltratou o Vasco. Tita fez o gol de cabeça dando o tricampeonato carioca ao Flamengo em 79, contra o Vasco. Além disso, mostrava em campo uma técnica e uma superioridade que para o meu pai eram imperdoáveis. Algumas vezes o ouvi dizer: “Queria ser jogador de futebol por um dia! O Tita ia ver!”

Pois bem, o Tita saiu do Flamengo. De 1983 até 1986 jogou em Porto Alegre defendendo Grêmio e Internacional. Em 1987 chegou ao Vasco e coube a ele o golaço que deu o título carioca daquele ano, sobre o Flamengo. Meu pai?! Ai de quem abrisse a boca para falar mal do Tita! “Cracaço!” “Eu tenho a certeza de que ele está mais feliz agora no Vasco!”

O segundo caso foi com o Romário. Cria do Vasco, artilheiro implacável e debochado com os outros times, o Baixinho desfilava, pra deleite do meu pai, sua irreverência e seu futebol. Fez dois gols na final da Taça Guanabara de 1986 contra o Flamengo e foi colocado no altar destinado aos ídolos.

Em 1988, depois das Olimpíadas de Seul, Romário deixou o Vasco. Menos mal, que foi jogar na Holanda e depois na Espanha. Mas, em 1995, tendo ganhado a Copa de 94 e sido eleito o melhor jogador do mundo, veio para o… Flamengo. Pronto! Perdeu o lugar no altar e até o seu sorriso foi motivo de ódio para o meu pai.

Mas, como cantou Renato Russo: “Quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração?”

Quis o destino, os deuses do futebol ou uma escapada da concentração, que Romário saísse do Flamengo e fosse acolhido pelo seu clube de origem, o Vasco! Confesso que cheguei a pensar que dessa vez meu pai se manteria irredutível e não perdoaria aquela vil traição. Mas, logo pela manhã, depois da concretização da volta do Baixinho, meu pai me mostrou um jornal com uma foto enorme do Romário. “Olha o sorrisinho maroto dele!” E lá foi o Gênio da Grande Área ser entronizado de novo…

Esses dois casos ilustram de forma categórica o que um dia meu pai me disse: “Os jogadores terminam a carreira. O clube continua!” Pura e simples verdade. Neste momento, parece que escuto sua voz falando isso.

Ao escrever este texto, lembrei-me de outras “infidelidades futebolísticas”. No próprio Vasco, com Edmundo que jogou no Fla e no Flu. Edilson, do Palmeiras ao Corínthians. O corintiano Neto, jogando por São Paulo e Palmeiras, além do próprio Corínthians. Geraldão, que defendeu a dupla Grenal, além do já citado Tita. Reinaldo, ídolo do Galo, que chegou a jogar no Cruzeiro. E tantos outros, que partiram nossos corações apaixonados pelo futebol.

Na verdade, tanto para o amor quanto para o futebol, continua valendo o verso de Vinicius de Moraes no Soneto da Fidelidade: “Eu possa me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama. Mas que seja infinito enquanto dure.”

PALADINO: O CLUBE QUE APLICOU A MAIOR GOLEADA NO VASCO DA GAMA

por André Luiz Pereira Nunes


Parece impossível imaginar, mas no dia 3 de maio de 1916 o Vasco sofreu a maior goleada de sua história recheada de glórias: 10 a 1 para o obscuro Paladino Football Club. Curiosamente o fato aconteceu quando a equipe cruzmaltina estreava o seu time de futebol no Campeonato Carioca da Terceira Divisão organizado pela Liga Metropolitana de Desportos Atléticos. Na preliminar sofreu a derrota por 1 a 0 para o mesmo adversário. O vexame é facilmente explicável. A maioria dos atletas era oriunda do Lusitânia, um modesto time da colônia portuguesa que se fundira ao Vasco para evitar o iminente desaparecimento. Até então o futuro Gigante da Colina era uma agremiação apenas voltada para o remo até que, em novembro de 1915, uma assembleia extraordinária decidiu pela criação do departamento de futebol.

O Vasco resolveu então adotar como área de treinamentos o campo da Praia do Russell e para as disputas dos jogos oficiais alugou General Severiano, que pertencia ao Botafogo Football Club (atual Botafogo FR). Naquele mesmo ano, os dirigentes procuraram reforçar a equipe com alguns jogadores vindos do subúrbio carioca. Em 1917, com a reformulação dos estatutos da Liga, os clubes que disputaram a Terceira Divisão subiram para a Segunda, dando lugar para que novos clubes acessassem a entidade.

O gol de honra do Vasco foi marcado pelo português Adão. Curiosamente, ele foi o único a permanecer no time até se sagrar campeão carioca em 1923, acompanhado de um plantel muito superior contendo majoritariamente negros e operários. No total, o Vasco permaneceria 7 anos em divisões/série de acesso, até que naquele ano estreou na Primeira Divisão e foi campeão.

Já o Paladino, criado em 16 de maio de 1914, possuía sede em Aldeia Campista, mas enveredaria por diversos outros bairros como Centro, Piedade, Praça da Bandeira e Campo Grande. Por decisão de seus sócios, a maioria residente na Zona Oeste, a agremiação se transferiria para Campo Grande, vindo a se fundir com o Campo Grande Football Club, criando a 22 de fevereiro de 1920 o Campo Grande Athletic Club, o qual segundo pesquisadores, não tem nenhuma relação com o atual Campo Grande. É importante frisar que até hoje nenhum pesquisador encontrou o escudo do Paladino, apesar das inúmeras e incansáveis tentativas. Em 1915, foi vice-campeão da Terceira Divisão e, em 1917 novamente vice, mas dessa vez do Torneio Início da mesma terceirona. Como Campo Grande disputou e foi segundo colocado da Primeira Divisão organizada pela Liga Metropolitana de Desportos Terrestres, em 1928, a qual contou apenas com equipes menores.

No que tange a títulos e glórias, o Paladino não tem muito com o que se orgulhar, mas ninguém jamais apagará da história a efeméride de ter aplicado a maior goleada de todos os tempos em um dos maiores clubes do futebol brasileiro.

A BATALHA DAS BATALHAS NO DEFENSORES DEL CHACO

por Luis Filipe Chateaubriand


Em 1985, Telê Santana havia voltado à Seleção Brasileira, depois de efêmeras passagens pelo Escrete Canarinho de Carlos Alberto Parreira, Edu Coimbra e Evaristo de Macedo. Adepto do futebol arte que era, tratou de escalar formações com jogadores técnicos.

Nas Eliminatórias para a Copa do Mundo, a Seleção havia vencido a Bolívia por 2 x 0 nos domínios adversários, em Santa Cruz de la Sierra. Agora, jogaria com o Paraguai em Assumpção, e um bom resultado deixaria encaminhada a classificação para a Copa do Mundo de 1986.

O Brasil formou assim: Carlos; Leandro, Oscar, Edinho e Júnior; Toninho Cerezo, Sócrates e Zico; Renato Gaúcho (Alemão), Casagrande e Éder.

Jogo extremamente disputado e nervoso, com um primeiro tempo tenso. Mas o Brasil sairia na frente: Renato Gaúcho dominou a bola pelo lado direito do campo, correu com ela por essa mesma faixa e cruzou alto para Casagrande, na pequena área e de cabeça, estufar as redes.

Brasil 1 x 0.

Veio o segundo tempo, e a pressão guarani foi inevitável. Mas a Seleção sairia dela com um gol antológico de Zico, o maior jogador brasileiro que este escriba viu em ação.

Leandro tinha a bola no lado direito da intermediária de ataque. Vendo Zico ao centro e um pouco adiantado em relação a si, fez o passe em trajetória diagonal.

A bola chegou em Zico quando este se encontrava bem no centro da intermediária ofensiva, mas, devido ao gramado irregular, não se apresentou ao craque em sua frente, mas um pouco atrás de seu corpo.

Zico não se fez de rogado: já que a bola chegou por de trás do corpo dele, com um leve toque de seu calcanhar direito, puxou-a para a sua frente.

A bola subiu um pouco, passou pelo lado direito do corpo de Zico, e se apresentou majestosa a sua frente.

Quando todos imaginavam que Zico iria ajeitar a bola novamente, para executar o passe ou um improvável chute, o Galinho de Quintino surpreendeu a todos…

Que ajeitar a bola que nada! Tal qual ela, a bola, descaiu e chegou em sua frente, ele já emendou de primeira para gol, sem que a deixasse tocar no solo antes que chutasse.

Desferida com precisão enorme, a bola seguiu o seu caminho, baixa mas não rasante, bateu no chão já na pequena área, e entrou bem no canto esquerdo do goleiro local, surpreso com a audácia de Zico. Um golaço!

Brasil 2 x 0.

Depois da obra prima do maior craque brasileiro pós Pelé, os paraguaios estavam batidos e abatidos, e o Brasil tinha ótimas possibilidades de ir à Copa do Mundo. Em novo jogo com o Paraguai, em um Maracanã lotado, com o signatário deste texto presente, a classificação foi confirmada. Mas esta é uma outra estória.

Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!   

REI NO COSMOS

por Rubens Lemos


O New York Cosmos representava para nós, meninos fascinados por uma bola de futebol, a força do Super Homem do cinema derrotando criptonitas. O Cosmos vestiu pela última vez o corpo do imponderável dos gramados. Pelé, a estrela, liderou a constelação verde e branca no Eldorado norte-americano ao implantar o  Soccer. 

Pelé reuniu multidões em campos de grama sintética, marcou velhos gols de Maracanã e Pacaembu, de bicicleta, calcanhar, falta, pênalti,  cortes secos, corpo ligeiramente agachado para enganar os marcadores de pé torto. 

Pelé reunia no Cosmos, em torno do seu repertório, harmonia, beleza e organização, confirmando na prática o sentido grego da palavra. 

Pelé, a luz, atraiu partículas referenciais: Franz Beckenbauer, Carlos Alberto Torres, o italiano Chinaglia e, depois da saída  do Rei, o anárco-lateral-esquerdo Marinho Chagas das Dunas Potiguares e o paraguaio Romerito. Jogar no Cosmos significava estar no Olimpo. 

Guardo, em imagens chuviscadas, o jogo da despedida (uma das 30) de Pelé. Foi em 1977 contra o Santos. Pelé contra o Santos. O Santos abrindo o placar com um chute potente do potiguar Reinaldo, centroavante revelado no América, contratado depois pelo ABC que o vendeu ao clube da Vila Belmiro. Na foto, Reinaldo corre atrás de Pelé. 

Reinaldo fez 1×0 e o Cosmos virou. Reinaldo nunca conseguiu driblar o azar e as seguidas contusões cujas cicatrizes o perseguem até hoje.  Ágil, Valente, bom cabeceador e ótimo nas três posições do ataque, Reinaldo poderia ter se aproximado de Marinho Chagas como Souza do América.  Faltou sorte ao cabra da peste de pernas de cowboy e, mesmo combalido, campeão mundial interclubes pelo Flamengo em 1981. 

Enquanto Reinaldo experimentava a glória passageira da idolatria, Pelé chorava e dizia love, dizia amor, dizia adeus. Pelé fora criticado por ter voltado aos campos depois de deixar a seleção brasileira em 1971 e o Santos em 1975. 

Em 1975, quando voou ao paraíso, o  Deus portava bolso e, feito de carne e osso simplesmente ao retornar à condição humana do Edson Arantes do Nascimento , precisava de grana.

Pelé foi um classe média  jogando no Brasil. Seu salário, em valores de hoje, segundo a Revista Exame, oscilaria entre 30 e 40 mil reais,  algo parecido ao que os clubes de Natal pagaram e pagam a pernas de pau com grife empresarial. O extra, Pelé juntava, avarento feito um comerciante de secos e molhados. O extra vinha de excursões ao exterior e de jogos amistosos. 

Jovens publicitários de Natal, em 1971 ,  trouxeram Pelé em dia de chuva, tomando prejuízo colossal no pequenino Juvenal Lamartine. Lá, na trave  que dá para a avenida Hermes da Fonseca, Pelé  fez de falta o gol da vitória de 2×1 no amistoso contra o América. 

O Cosmos e os Estados Unidos receberam Pelé semeador do que hoje é a Major League Soccer. Pelé fazia embaixadinhas na Casa Branca com os presidentes Gerald Ford e Carter, o poderoso Henry Kissinger, frequentava universidades, tentava ensinar meninos loirinhos e propensos ao beisebol a controlar com os pés uma bola estranha sem charme de brinquedo. 

Agora, a Major League Soccer – sem mais o Cosmos e antes da pandemia – atingia a media de público de quase 20 mil torcedores por partida. É pouco? É mais que a media dos últimos  Campeonatos Brasileiros. 

É, sim, uma vergonha para o ex-país do futebol. Que foi o maior até Pelé e contracenou com Itália, Alemanha e Argentina até os 7×1 da Copa do Mundo de 2014 e dos 2×1 da Bélgica em 2018.  Saudades do Cosmos. Lá, Pelé disse Love.