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O “VELHO NORMAL” NO FUTEBOL CARIOCA

:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


Tenho ouvido muito a expressão “novo normal’’ durante essa pandemia, mas não acredito que as partidas de futebol do Campeonato Carioca se enquadrem nesse padrão pós-Corona. Se alguém assistiu Resende 2×0 Madureira vai entender o que digo. Caramba, PC, mas escolheu logo essa partida para avaliar, questionarão alguns. Tudo bem, vamos para o meu Botafogo que venceu a Cabofriense por 6×2. Não posso estar feliz quando vejo Cícero sendo eleito o melhor em campo. Fico imaginando a frustração dos olheiros – isso existe, ainda? – destacados  para acompanhar esses dois jogos. Na verdade, eu, com 71 anos, não desperdiço o gol que o Cano perdeu na vitória do Vasco por 3×1 sobre o Macaé. Fez três, mas perdeu um caminhão. Pelo jeito, o campeonato vai seguir no padrão “velho normal”.

Se a diretoria do Botafogo me colocar em um spa e melhorar meu condicionamento físico em dois meses volto aos gramados. Quem me acompanha sabe que sempre fui um defensor do futebol do Ganso, mas ele tem andado em campo. Não é possível um atleta se descuidar tanto da parte física até porque ela influencia na técnica. Sempre adorei treinar, tinha prazer, de verdade! Sem essa força não conseguiria dar um drible da vaca e pegar do outo lado, seria inviável ganhar na corrida dos brutamontes que tentavam me atingir. O Cristiano Ronaldo joga em alto nível até hoje porque é uma máquina de treinar. Para você dar uma bicicleta tem que estar bem preparado fisicamente. Os craques devem treinar mais do que os dobermanns ou serão presas fáceis.

Acho um desrespeito ao clube os jogadores que engordam e andam em campo. O Nenê vem conseguindo manter esse equilíbrio, afinal já está perto dos 40. Romário foi artilheiro do Brasileiro já quarentão porque era um fora de série e sabia usar a energia no momento certo. Na minha época, vários craques fumavam, o ponta Joãozinho, do Cruzeiro, Gerson e Aílton Lira, entre outros. A ponto de Telê Santana avisar, na convocação, que daria prioridade aos não fumantes. Mesmo assim se dobrou ao talento de Sócrates e Éder. O técnico Procópio colocava um cartaz no vestiário avisando que era proibido fumar no local. E mesmo com os pulmões podres aquela geração fez o que fez. Hoje, graças a Deus, o fumo foi praticamente banido do futebol, existem técnicas eficazes de emagrecimento e a tecnologia cria super-homens. Ou seja, não há desculpas para estar fora de forma.

Justamente por isso os raros bons de bola do futebol atual devem se preparar como nunca para esse “novo normal” do futebol. Fred, o rei do marketing, veio de bicicleta, de Minas ao Rio, para provar que estava em ótimas condições físicas, mas não fez nem cosquinha na defesa do Volta Redonda, na derrota por 3×0. Muitos irão dizer que estou sendo rigoroso, mas há quantas temporadas Fred vem mal? Será que uma crise como essa valia o investimento? Olha, a verdade é que os jogadores podem se descuidar a vontade porque seus empresários, esses, sim, sempre em plena forma, conseguem vender gato por lebre ou pintar listras em cavalos e transformá-los em zebras. E assim vamos nos iludindo com esse “novo normal”, que para mim não passa de mais uma versão do popular “me engana que eu gosto”.

QUANDO OS TÍTULOS BLINDAM DIRIGENTES

por Wilker Bento


Em entrevista ao blog Ser Flamengo, o vice-presidente de relações externas do rubro-negro, Luiz Eduardo Baptista (Bap), fez críticas severas ao trabalho de Abel Braga no clube durante o primeiro semestre de 2019. Responsável por trazer e manter o treinador, o dirigente afirmou que sua percepção sobre o trabalho de Abel não era boa, e que seu tempo no cargo chegaria ao fim em breve. E usou frases polêmicas: “Houve um momento em que a gente achava, e que a gente discutia internamente, que ele devia estar de sacanagem. A gente olhava ele dando entrevista e a gente falava ‘cara, tem alguma coisa que a gente não está entendendo. Ou ele bebeu ou ele está drogado’, disse Bap, se referindo às declarações controversas dadas pelo técnico em entrevistas coletivas, como “perder para o Inter é normal” e elogios ao Estádio Beira-Rio.

A crítica à postura de Abel Braga é válida, principalmente porque, ao assumir posteriormente o Vasco da Gama, o treinador seguiu dando declarações que viraram chacota nas redes sociais – como ao dizer “hoje foi lindo” após derrota para o Flamengo. No entanto, há uma fronteira entre crítica e ofensa, que precisa ser respeitada por ambas as partes. Vale tanto para o profissional que não aceita ser contestado quanto para o crítico que recorre a insultos pessoais. É o limite entre a liberdade de expressão e a difamação.


Bap ultrapassou esse limite quando se referiu ao treinador daquela forma. Obviamente, o dirigente não usou a frase de forma literal. Sua intenção não foi sugerir que Abel tivesse, literalmente, comandado a equipe sob uso de álcool ou entorpecentes. Trata-se de uma maneira de se expressar que muitas pessoas têm no cotidiano, em conversas informais, mas que jamais poderia ter sido utilizada por um dirigente de um clube profissional em uma entrevista pública. Quem exerce uma liderança desse porte deve ter um comportamento exemplar. Se age como um torcedor comum, corre o risco de desmoralizar sua imagem.

Apesar da fala inapropriada, muitos saíram em defesa do vice-presidente, alegando um suposto “mimimi” no meio futebolístico. De fato, o torcedor em geral sente falta de entrevistas mais sinceras, provocações entre jogadores, enfim, da “zoeira” característica do futebol brasileiro. Reclama da chamada “geração Nutella”. Nesse sentido, realmente retrocedemos, ficamos mais azedos.

Porém, é preciso fazer contrapontos. Para o bem ou para o mal, a sociedade mudou. Não estamos mais nos anos 1980 ou 1990. Antes era comum, por exemplo, fumar em ambientes fechados, propagandas de cigarro e comerciais de cerveja com mulheres seminuas. Hoje, isso não é mais aceito. Precisamos acompanhar a evolução da sociedade.


Mesmo naquela época, dirigentes de futebol não podiam falar e fazer o que bem quisessem. Um caso emblemático foi o desentendimento entre Eurico Miranda e Milton Neves, em 1999. Após o primeiro jogo da final do Torneio Rio-São Paulo, entre Vasco e Santos, Eurico se recusou a responder as perguntas de Milton e ameaçou bater nele, além de proferir insultos. O jornalista acusou o então vice-presidente do cruzmaltino de se proteger na imunidade parlamentar: “Ele é deputado federal e se esconde na covardia desse mandato”, disse Milton Neves que, no entanto, chegou a processá-lo.

É uma prática que pode acabar se tornando comum no contexto atual do Flamengo. Com bons resultados dentro de campo, os dirigentes ficam blindados e podem agir da forma como querem, acima do bem e do mal. A exemplo da gestão Ricardo Teixeira na CBF, ou como Andrés Sanchez no Corinthians e, mais recentemente, o Palmeiras na Era Crefisa. Situações diferentes em que o desempenho dos times acobertaram os problemas nos bastidores.

Assim, o rubro-negro, que jogou um futebol que encantou o país em 2019, caminha para se tornar, fora das quatro linhas, o time mais antipático do Brasil.

QUERIDO MARACA

por Leandro Ginane


Com oito anos você me fez presenciar nos ombros do meu pai um dos momentos mais marcantes da minha vida. Zico bateu o escanteio e Rondinelli marcou de cabeça o gol que fez do Flamengo campeão carioca e criou uma das maiores hegemonias do futebol brasileiro.

Cresci tendo você como a minha maior diversão. Aos domingos, em dia de jogo e céu azul com pipas colorindo, desde cedo um clima diferente rondava meu bairro. O papo nos botecos e nas esquinas era o grande clássico que aconteceria logo mais no Maior do Mundo.

Acordava cedo, meu coração infantil batia acelerado, as mãos pequenas e frias separavam cuidadosamente aquela camisa especial. O nó na garganta não deixava o almoço descer e as horas pareciam se arrastar. Ansioso, esperava o momento do meu pai nos levar para te encontrar. O caminho até lá era uma farra. Trem abarrotado, alegria que poucas vezes via meu pai sentir.

Ele levava a molecada da vizinhança, éramos nove crianças que se davam as mãos suadas. A tradição de levar os filhos até você passava de pai pra filho. Suas histórias eram contadas como alguém que fala do melhor amigo. Muitos vizinhos presenciaram o que você passou na final da Copa de 50, outros estavam no jogo do Brasil contra o Uruguai nas eliminatórias de 94, as histórias que ouvia só aumentavam o meu fascínio por você.

Talvez por isso, cresci com aquele sonho típico de todos que gostam de futebol aqui na rua: ter um filho e leva-lo para te conhecer. Quando tinha vinte e dois anos, nasceu o meu primeiro, batizado Arthur em homenagem ao maior jogador que vi jogar e quando fez dois anos levei o moleque e o avô para ver o segundo jogo da final do Campeonato Brasileiro de 92. Como um ciclo que se repete, os filhos se tornam pais dos seus pais e nessa época era eu quem o levava aos jogos.

Com mais de cento e vinte mil pessoas, minutos antes de a bola rolar você não resistiu a tanta gente amontoada e seu abraço, cedeu. Alguns torcedores caíram, três pessoas morreram e entre elas um amigo de infância. Com um gesto de companheirismo, torcedores amarraram uma faixa de tecido para servir como proteção para os que ficaram. Neto e avô se assustaram e queriam te deixar. Mas logo em seguida, o Mais Querido entrou no seu palco preferido e a festa começou. Neste dia, você foi novamente responsável por mais um momento marcante na minha vida, dessa vez ao lado do meu filho e do meu pai. Obrigado.

Sua velhice acompanha a do meu velho e as várias mudanças que te foram impostas nos últimos anos nos deixou apreensivos se um dia ainda poderíamos te ver até que veio a última e derradeira mudança. Te transformaram em arena. Sua magnitude sucumbiu junto com seu colossal tamanho. O que fizeram com você, querido Maraca, foi um golpe fatal em todos nós que crescemos ouvindo suas histórias.

Desde então, Arthur e eu não conseguimos mais te encontrar. Meu pai já bem velho dizia que não voltaria a te ver e ele tinha razão. Fico em paz que o velho Juca não esteja mais entre nós para ver o que aconteceu com o seu velho amigo, que em dia de jogo inundava as ruas cariocas e abraçava carinhosamente a nação.

Espero que a tradição se mantenha viva e que junto com Arthur e agora meu neto Junior, ainda possa desfrutar de mais domingos de festa com você. Aquele coração infantil ainda bate acelerado enquanto escrevo essas palavras no mês em que você completa setenta anos.

Parabéns, querido amigo.

GUALICHO

por Valdir Appel


Em 1967, Mané Garrincha já não era o mesmo.

Sem clube, sem oportunidade, desacreditado.

Mas, um pedido comovente dos jogadores vascaínos, liderados por Brito, nosso capitão, convenceu os dirigentes e o técnico do clube, a dar uma nova oportunidade ao genial ponta-direita.

Terça-feira.

Mané chegou com seu andar torto.

Trajando camisa aberta no peito, bermuda e chinelo de dedo.

Nos vestiários, vestiu seu agasalho de plástico escuro.

A chuva lá fora nos tirou o gramado, e o treino foi transferido para o ginásio.

O espaço menor aproximou o grupo.

As ordens de Gentil Cardoso eram passadas ao pé do ouvido.

O cone com o desenho da cruz e malta não teve o costumeiro uso.

O megafone ficou largado, oscilando junto ao corpo do técnico.

Lado a lado corríamos.

Manquitolando, Mané Garrincha faz par com Brito.

As bochechas enormes, as pálpebras caídas, os ombros pesados, denunciavam o seu pesadelo.

O plástico de seu esquente, derretia o excesso da noite mal dormida na sua rotina noturna – madrugada de doses de traçado, ao som da voz rouca de sua amada Elza nas boates de Copacabana.

O início dos trabalhos no clube para a necessidade de descanso do craque, era um pesadelo. Muito cedo para fazê-lo entrar em forma.

E, naquela manhã, não seria diferente. O espaço menor não diminuía o tempo de esforço.

Mais voltas para compensar os limites do ginásio e quebrar o pouco da resistência que sobrava ao Anjo Torto.

Naquela manhã, corríamos em silêncio.

Um pouco pelo tempo fechado e escuro, que nos manteve contidos.

As brincadeiras sem graça foram substituídas pelo sopro de cada um para o atleta cansado.

Sopro de respeito, de reconhecimento e de vida, injetado com vigor, para reerguer o mito Gualicho*.

Após as insuportáveis e intermináveis voltas, a ordem de parar nos jogou ao chão. Em círculo, para a sessão de ginástica, e suas longas sequências de exercícios localizados.

Mané puxou, com dificuldade, uma perna para abraçá-la. Depois a outra.

Estava ao lado do pássaro ferido, e não pude disfarçar a lágrima que desceu pela minha face.

Mané já não esperava a volta do adversário para driblá-lo de novo.

A vida já o driblara.

Só que ele ainda não sabia.

 

*Gualicho- Apelido do Garrincha antes da fama. Gualicho, cavalo argentino ganhador de Grandes Prêmios no Brasil, nos anos 50.

 

O MAIOR GRITO DE GOL DA HISTÓRIA

por Leandro Ginane


Terça à noite era o dia da pelada dos moleques. Jogavam em um campinho na Piedade, cinco na linha, um no gol. Ficava ali perto do Rei do Bacalhau. Campo de terra preta salpicada com uma espécie de purpurina cor de prata que pendia nas pernas dos garotos mesmo depois do escovão no banho. 

Se reuniam na pracinha quatro horas antes da pelada começar e ficavam ali jogando conversa fora até a hora de ir para o campo. Ritual que se repetia toda semana. Mas aquela terça foi diferente. Havia dois dias de um dos mais memoráveis Fla x Flus da história. Aquele do gol de barriga do Renato Gaúcho no finzinho do jogo. Esse mesmo, que ficaria marcado na memória daqueles moleques para sempre. Não pelo jogo em si, mas pela astúcia do João, tricolor mais chato da rua.

João presenciou no Maraca o gol épico marcado pelo craque tricolor. O detalhe é que em segredo, tinha deixado o jogo sendo gravado em fita cassete. Naquela época, as partidas eram transmitidas pela rádio Globo AM com narração do José Carlos Araújo, o Garotinho.

No dia seguinte, de alguma forma engenhosa, João conseguiu editar apenas o trecho da narração que descreve a hecatombe que estava prestes a acontecer no Maracanã. 

A partir daí, todos os dias religiosamente com início naquela terça dia 27 de junho de 1995, e durante os seis meses seguintes, ele repetiria a narração do Gol no mesmo horário, com o maior volume possível numa caixa de som presa entre a janela e a parede do prédio em que morava no primeiro andar. 

João obrigou velhos, crianças, bebês e todos os seus vizinhos a ouvirem no mínimo cento e oitenta vezes a mesma narração. Isto sem contar as vezes em que ele colocava a fita em loop com o grito do gol de barriga do Renato. Dizem até que ele é o responsável pelo surgimento de uma nova geração de tricolores nascidos nos meados da década de noventa ali pela região.

Fato é que esse som ficaria marcado na memória dos moleques da praça uma vida inteira, inclusive na minha, rubro-negro roxo, que hoje escrevo essas palavras 25 anos depois com a voz do José Carlos Araújo na cabeça.