Escolha uma Página

PALADINO: O CLUBE QUE APLICOU A MAIOR GOLEADA NO VASCO DA GAMA

por André Luiz Pereira Nunes


Parece impossível imaginar, mas no dia 3 de maio de 1916 o Vasco sofreu a maior goleada de sua história recheada de glórias: 10 a 1 para o obscuro Paladino Football Club. Curiosamente o fato aconteceu quando a equipe cruzmaltina estreava o seu time de futebol no Campeonato Carioca da Terceira Divisão organizado pela Liga Metropolitana de Desportos Atléticos. Na preliminar sofreu a derrota por 1 a 0 para o mesmo adversário. O vexame é facilmente explicável. A maioria dos atletas era oriunda do Lusitânia, um modesto time da colônia portuguesa que se fundira ao Vasco para evitar o iminente desaparecimento. Até então o futuro Gigante da Colina era uma agremiação apenas voltada para o remo até que, em novembro de 1915, uma assembleia extraordinária decidiu pela criação do departamento de futebol.

O Vasco resolveu então adotar como área de treinamentos o campo da Praia do Russell e para as disputas dos jogos oficiais alugou General Severiano, que pertencia ao Botafogo Football Club (atual Botafogo FR). Naquele mesmo ano, os dirigentes procuraram reforçar a equipe com alguns jogadores vindos do subúrbio carioca. Em 1917, com a reformulação dos estatutos da Liga, os clubes que disputaram a Terceira Divisão subiram para a Segunda, dando lugar para que novos clubes acessassem a entidade.

O gol de honra do Vasco foi marcado pelo português Adão. Curiosamente, ele foi o único a permanecer no time até se sagrar campeão carioca em 1923, acompanhado de um plantel muito superior contendo majoritariamente negros e operários. No total, o Vasco permaneceria 7 anos em divisões/série de acesso, até que naquele ano estreou na Primeira Divisão e foi campeão.

Já o Paladino, criado em 16 de maio de 1914, possuía sede em Aldeia Campista, mas enveredaria por diversos outros bairros como Centro, Piedade, Praça da Bandeira e Campo Grande. Por decisão de seus sócios, a maioria residente na Zona Oeste, a agremiação se transferiria para Campo Grande, vindo a se fundir com o Campo Grande Football Club, criando a 22 de fevereiro de 1920 o Campo Grande Athletic Club, o qual segundo pesquisadores, não tem nenhuma relação com o atual Campo Grande. É importante frisar que até hoje nenhum pesquisador encontrou o escudo do Paladino, apesar das inúmeras e incansáveis tentativas. Em 1915, foi vice-campeão da Terceira Divisão e, em 1917 novamente vice, mas dessa vez do Torneio Início da mesma terceirona. Como Campo Grande disputou e foi segundo colocado da Primeira Divisão organizada pela Liga Metropolitana de Desportos Terrestres, em 1928, a qual contou apenas com equipes menores.

No que tange a títulos e glórias, o Paladino não tem muito com o que se orgulhar, mas ninguém jamais apagará da história a efeméride de ter aplicado a maior goleada de todos os tempos em um dos maiores clubes do futebol brasileiro.

A BATALHA DAS BATALHAS NO DEFENSORES DEL CHACO

por Luis Filipe Chateaubriand


Em 1985, Telê Santana havia voltado à Seleção Brasileira, depois de efêmeras passagens pelo Escrete Canarinho de Carlos Alberto Parreira, Edu Coimbra e Evaristo de Macedo. Adepto do futebol arte que era, tratou de escalar formações com jogadores técnicos.

Nas Eliminatórias para a Copa do Mundo, a Seleção havia vencido a Bolívia por 2 x 0 nos domínios adversários, em Santa Cruz de la Sierra. Agora, jogaria com o Paraguai em Assumpção, e um bom resultado deixaria encaminhada a classificação para a Copa do Mundo de 1986.

O Brasil formou assim: Carlos; Leandro, Oscar, Edinho e Júnior; Toninho Cerezo, Sócrates e Zico; Renato Gaúcho (Alemão), Casagrande e Éder.

Jogo extremamente disputado e nervoso, com um primeiro tempo tenso. Mas o Brasil sairia na frente: Renato Gaúcho dominou a bola pelo lado direito do campo, correu com ela por essa mesma faixa e cruzou alto para Casagrande, na pequena área e de cabeça, estufar as redes.

Brasil 1 x 0.

Veio o segundo tempo, e a pressão guarani foi inevitável. Mas a Seleção sairia dela com um gol antológico de Zico, o maior jogador brasileiro que este escriba viu em ação.

Leandro tinha a bola no lado direito da intermediária de ataque. Vendo Zico ao centro e um pouco adiantado em relação a si, fez o passe em trajetória diagonal.

A bola chegou em Zico quando este se encontrava bem no centro da intermediária ofensiva, mas, devido ao gramado irregular, não se apresentou ao craque em sua frente, mas um pouco atrás de seu corpo.

Zico não se fez de rogado: já que a bola chegou por de trás do corpo dele, com um leve toque de seu calcanhar direito, puxou-a para a sua frente.

A bola subiu um pouco, passou pelo lado direito do corpo de Zico, e se apresentou majestosa a sua frente.

Quando todos imaginavam que Zico iria ajeitar a bola novamente, para executar o passe ou um improvável chute, o Galinho de Quintino surpreendeu a todos…

Que ajeitar a bola que nada! Tal qual ela, a bola, descaiu e chegou em sua frente, ele já emendou de primeira para gol, sem que a deixasse tocar no solo antes que chutasse.

Desferida com precisão enorme, a bola seguiu o seu caminho, baixa mas não rasante, bateu no chão já na pequena área, e entrou bem no canto esquerdo do goleiro local, surpreso com a audácia de Zico. Um golaço!

Brasil 2 x 0.

Depois da obra prima do maior craque brasileiro pós Pelé, os paraguaios estavam batidos e abatidos, e o Brasil tinha ótimas possibilidades de ir à Copa do Mundo. Em novo jogo com o Paraguai, em um Maracanã lotado, com o signatário deste texto presente, a classificação foi confirmada. Mas esta é uma outra estória.

Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!   

REI NO COSMOS

por Rubens Lemos


O New York Cosmos representava para nós, meninos fascinados por uma bola de futebol, a força do Super Homem do cinema derrotando criptonitas. O Cosmos vestiu pela última vez o corpo do imponderável dos gramados. Pelé, a estrela, liderou a constelação verde e branca no Eldorado norte-americano ao implantar o  Soccer. 

Pelé reuniu multidões em campos de grama sintética, marcou velhos gols de Maracanã e Pacaembu, de bicicleta, calcanhar, falta, pênalti,  cortes secos, corpo ligeiramente agachado para enganar os marcadores de pé torto. 

Pelé reunia no Cosmos, em torno do seu repertório, harmonia, beleza e organização, confirmando na prática o sentido grego da palavra. 

Pelé, a luz, atraiu partículas referenciais: Franz Beckenbauer, Carlos Alberto Torres, o italiano Chinaglia e, depois da saída  do Rei, o anárco-lateral-esquerdo Marinho Chagas das Dunas Potiguares e o paraguaio Romerito. Jogar no Cosmos significava estar no Olimpo. 

Guardo, em imagens chuviscadas, o jogo da despedida (uma das 30) de Pelé. Foi em 1977 contra o Santos. Pelé contra o Santos. O Santos abrindo o placar com um chute potente do potiguar Reinaldo, centroavante revelado no América, contratado depois pelo ABC que o vendeu ao clube da Vila Belmiro. Na foto, Reinaldo corre atrás de Pelé. 

Reinaldo fez 1×0 e o Cosmos virou. Reinaldo nunca conseguiu driblar o azar e as seguidas contusões cujas cicatrizes o perseguem até hoje.  Ágil, Valente, bom cabeceador e ótimo nas três posições do ataque, Reinaldo poderia ter se aproximado de Marinho Chagas como Souza do América.  Faltou sorte ao cabra da peste de pernas de cowboy e, mesmo combalido, campeão mundial interclubes pelo Flamengo em 1981. 

Enquanto Reinaldo experimentava a glória passageira da idolatria, Pelé chorava e dizia love, dizia amor, dizia adeus. Pelé fora criticado por ter voltado aos campos depois de deixar a seleção brasileira em 1971 e o Santos em 1975. 

Em 1975, quando voou ao paraíso, o  Deus portava bolso e, feito de carne e osso simplesmente ao retornar à condição humana do Edson Arantes do Nascimento , precisava de grana.

Pelé foi um classe média  jogando no Brasil. Seu salário, em valores de hoje, segundo a Revista Exame, oscilaria entre 30 e 40 mil reais,  algo parecido ao que os clubes de Natal pagaram e pagam a pernas de pau com grife empresarial. O extra, Pelé juntava, avarento feito um comerciante de secos e molhados. O extra vinha de excursões ao exterior e de jogos amistosos. 

Jovens publicitários de Natal, em 1971 ,  trouxeram Pelé em dia de chuva, tomando prejuízo colossal no pequenino Juvenal Lamartine. Lá, na trave  que dá para a avenida Hermes da Fonseca, Pelé  fez de falta o gol da vitória de 2×1 no amistoso contra o América. 

O Cosmos e os Estados Unidos receberam Pelé semeador do que hoje é a Major League Soccer. Pelé fazia embaixadinhas na Casa Branca com os presidentes Gerald Ford e Carter, o poderoso Henry Kissinger, frequentava universidades, tentava ensinar meninos loirinhos e propensos ao beisebol a controlar com os pés uma bola estranha sem charme de brinquedo. 

Agora, a Major League Soccer – sem mais o Cosmos e antes da pandemia – atingia a media de público de quase 20 mil torcedores por partida. É pouco? É mais que a media dos últimos  Campeonatos Brasileiros. 

É, sim, uma vergonha para o ex-país do futebol. Que foi o maior até Pelé e contracenou com Itália, Alemanha e Argentina até os 7×1 da Copa do Mundo de 2014 e dos 2×1 da Bélgica em 2018.  Saudades do Cosmos. Lá, Pelé disse Love.

O JOGO DO PENETRA

por Pedro Barcelos


Capitão Zenon com a flâmula em homenagem aos 70 anos da CBF. Foto: Bob Thomas

A história do Brasil e Inglaterra de 1984

Há exatos 36 anos, o Maracanã estava em festa. O Brasil vivia um de seus períodos históricos mais conturbados, com a emenda Dante de Oliveira rejeitada na câmara dos deputados, representando o fim das esperanças de todos que estavam nas ruas pedindo o voto direto. Mas no Maracanã era diferente, era dia de festa. Festa que durou até as 17h14. 

O amistoso entre Brasil e Inglaterra de 10 de junho de 1984, com valor de ingresso referente a duas latas de óleos (na época) foi marcado por três comemorações. Primeira, a CBF comemorava os 70 anos de criação da FBS (Federação Brasileira de Sports), primeira instituição nacional criada para organizar todos os campeonatos esportivos no país. Pouco depois, a FBS passou a se chamar CBD (Confederação Brasileira de Desportos), para participar do primeiro Campeonato Sul-Americano, organizado na Argentina, e em 1979, finalmente, a CBD alterou seu nome e estatuto para respeitar as exigências da FIFA, tornando-se assim a CBF. 


Mauro (62), Carlos Alberto Torres (70) e Bellini (58) trazem a taça de volta para casa. Foto: David Canon

Outra comemoração era a volta da Taça Jules Rimet ao Rio de Janeiro, após o roubo na sede da CBF em 19 de dezembro do ano anterior. A réplica, encomendada pela Eastman Kodak Co., com autorização da FIFA, já havia passado por Brasília, para uma solenidade com o ditador Figueiredo, e em São Paulo, para a reabertura do Estádio do Pacaembu. Nesta última ocasião citada, Bellini, Mauro e Carlos Alberto Torres se encontraram com Paulo Machado de Carvalho, chefe das delegações das seleções de 1958 e 1962, e que após a reforma do estádio mais carismático da capital paulista, também passaria a dar seu nome ao mesmo. Na cerimônia carioca, apenas os três capitães estavam presentes.

A última novidade seria a estreia de Edu Coimbra como treinador da seleção brasileira. Após excelente passagem pelo Vasco da Gama (com o vice-campeonato brasileiro, perdendo a final para o Fluminense), ele começava sua curta passagem à frente do time. A equipe convocada não pôde contar com os jogadores de clubes estrangeiros. Falcão, Cerezo e Zico estavam na Itália. Sócrates, capitão brasileiro na última Copa, participava no mesmo dia do seu jogo de despedida pelo Corinthians, em Kingston (Jamaica), contra a seleção local. 2 a 1 para os caribenhos, com gol de desconto do Doutor.

Quem herdara a braçadeira e sua camisa 8 foi o companheiro de equipe, Zenon. No mais, a equipe brasileira era basicamente composta de jogadores de clubes cariocas. No gol: Roberto Costa (Vasco); na defesa: Leandro (Flamengo), Mozer (Flamengo), Ricardo Gomes (Fluminense) e Júnior (Flamengo); Meio de campo: Pires (Vasco), Assis (Fluminense) e Zenon (Corinthians); e ataque: Renato Gaúcho (Grêmio), Tato (Fluminense) e Roberto Dinamite (Vasco).


Seleção escalada por Edu para amistoso contra Inglaterra em 1984, no Maracanã. Foto: Bob Thomas

O time inglês era apenas um coadjuvante para aquela celebração. Como tudo no Brasil, a história fica ao relento dos pesquisadores, e as consequências dos nossos atos no presente viram livros de histórias vendidas em sebos empoeirados no futuro. Caso os dirigentes da CBF de 84 soubessem da partida histórica entre Brasil e Inglaterra em 1956, jamais teriam chamados os bretões para aquela festa. Sir Stanley Matthews, aos 41 anos, acabou com Nilton Santos, com 20, e consagrou uma das derrotas mais vexaminosas da seleção brasileira até então. 

Porém, o “otimismo” de nossos dirigentes quase sempre se confunde com arrogância. Naquele 10 de junho de 1984, até os melhores amigos da seleção vaiaram ao término do jogo. Márcio Guedes, comentarista do Globo Esporte na época, disse que aquela havia sido “a pior exibição de que se tem notícia no Maracanã, em termos de Seleção”.

A Folha de São Paulo destacou a “total falta de entrosamento entre os jogadores e da ausência de um esquema definido”, sendo surpreendidos por um 4-2-4 (“tática que caiu em desuso no futebol brasileiro”, segundo o veículo). Sandro Moreyra, em sua coluna “Bola Dividida”, n’O Globo, seguiu a semana inteira justificando os erros do Edu, tentando advogar por uma causa que não cabia ao mesmo.


Barnes avança sob cobertura de Zenon. Foto: David Canon

O problema daquela derrota não foi o Edu ou o abismo que o futebol brasileiro apresentava nos últimos anos. O problema daquela derrota não estava apenas nos 11 jogadores de amarelo e azul em campo, nem de qualquer problema político-eleitoral brasileiro. Naquele 10 de junho de 1984, o mistério do futebol aconteceu. Nenhuma de todas as possibilidades esperadas seriam capazes de prever a graça do futebol: o penetra. Ninguém organiza uma festa como aquela esperando que um não-convidado assopre as velas. 

O penetra: John Barnes, o jamaicano. Seus 20 anos de idade não resumiam toda a sua inconsequência. Jogador do Watford, não queria ver o adversário atacar sem revidar. Até os 11 minutos do primeiro tempo, só o Brasil atacou. Não abriu o placar porque Assis furou uma bola impressionante na marca do pênalti e porque Renato Gaúcho resolveu driblar o goleiro inglês. Vendo aquilo, Barnes deve ter entendido que o antigo Maracanã não servia apenas ao futebol, mas a todos os espetáculos que ali aparecessem.


Barnes comemora seu golaço aos 44 minutos do primeiro tempo. Foto: Bob Thomas

Não tardou muito, na primeira bola limpa que teve deixou Leandro (o latifundiário daquelas terras) com a bunda estatelada no gramado. E na segunda jogada, aos 44 minutos, um lance que os torcedores jamais deveriam ter esquecido: matou a redonda nos peitos, correu 35 jardas, driblou seis adversários e só não entrou com bola e tudo porque teve humildade. Sem dúvida, um dos gols mais bonitos da história do Maracanã (RIP 1950-2010). 

Não bastando ter acabado com toda a linha de defesa no primeiro tempo, ainda deu assistência para o gol de Hateley no segundo, forçando a substituição de Leandro por Vladimir (passando Júnior para a lateral direita), dois minutos depois. Sem dúvida, uma atuação digna de Mago dos Driblings, apelido do Sir Stanley Matthews. 

Conclusão do jogo para o Brasil: a população brasileira pouco se importou com uma réplica da Jules Rimet, a CBF chegaria ao seu centenário com pouquíssimos créditos (à exceção do uso de seus uniformes em manifestações reacionárias), Edu só duraria como técnico durante o período que fora contratado (três jogos), Roberto Dinamite se despediria da seleção na partida seguinte e aquelas duas latas de óleo nunca mais valeriam tanto.

Conclusão de jogo para a Inglaterra: Barnes continuaria sendo cobrado por atuações similares e, por mais que tentasse, os ingleses jamais aceitariam um jogador de país colonizado como protagonista de sua seleção. Sua cor da pele, que até hoje gera insultos entre os jornais galeses, nunca passou desapercebido, trazendo à tona o racismo estrutural tão dito atualmente. 


Barnes e Hateley com o troféu de 70 anos da CFB. Foto: Bob Thomas

Na Copa de 86, por exemplo, ainda como um dos maiores craques da seleção inglesa, amargurou o banco de reservas até os 30 do segundo tempo contra a Argentina, de Maradona. Já perdendo de 2 a 0, pouco poderia fazer. Mas, como qualquer bom penetra, fez. Um jogo rodeado pelas críticas à Guerra das Malvinas, poderia também ter sido lembrado como o jogo do penetra, não fosse o preconceito. Com apenas 9 minutos em campo, Barnes fez mais uma de suas jogadas surpreendentes, dando assistência para Lineker descontar o placar. Os 10 jogadores ingleses em campo foram eliminados, mas não Barnes. 

Décadas depois, a Inglaterra voltaria a enfrentar o Brasil na reabertura do estádio carioca para a Copa do Mundo. Em 2013, o “The Guardian”, principal jornal inglês, foi categórico sobre aquela partida de 1984: “O Carnaval pertence à Barnes”. É, pode ser. Carnaval fora de época, como qualquer penetra gosta.

JÁ FOMOS BAILARINOS, HOJE SOMOS ROBÔS

:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


O botafoguense Fábio Damasceno e sua mulher Roberta Agnese conversavam sobre Fórmula 1 e como o avanço tecnológico conseguiu reduzir drasticamente o encanto das competições. Fico pensando como será daqui a 20 anos, pois do jeito que a coisa anda não precisarão mais de motoristas. Qual será o apelo emocional de uma premiação para máquinas? É bem parecido com o que está acontecendo com o futebol. Formam super-homens e se esquecem de que essa modalidade é uma arte. No automobilismo da década de 70 e 80 os pilotos tinham que levar o carro no muque! A emoção era em dobro e não chamem isso de saudosismo.

Lembro que fui vendido para o Olympique de Marseille quando estava treinando com a seleção de 74, na Floresta Negra, região montanhosa da Alemanha. Fizemos dois amistosos na Suíça e recebemos a visita de Emerson Fittipaldi, que morava em Lausanne. Quando a Copa terminou e fui morar na França, ele me convidou para assisti-lo competindo no circuito de Paul Ricard, autódromo construído, em Le Castellet, vizinho de Marseille.

Imaginem minha emoção quando estava conversando com ele no boxe quando começam a surgir Clay Regazzoni, Jackie Stewart, Carlos Reutemann, James Hunt, Patrick Depailler, François Cevert, Jacky Ickx, Ronnie Peterson, Didier Pironi e Gilles Villeneuve. Em determinado momento, um carro parou bem próximo e o piloto pisou no acelerador pedindo que saíssemos da frente. Era Niki Lauda de brincadeira. Muitos deles eram fascinados por futebol e, mais ainda, pela seleção brasileira de 58.

No final daquele ano, Emerson Fittipaldi sagrou-se bicampeão mundial. Eu e Jairzinho, meu companheiro de Olympique, comemoramos como um gol! Depois a Fórmula 1 ainda viu Alain Prost, Ayrton Senna e Nelson Piquet, que era meu vizinho, na Praia de Geribá, em Búzios. Encontrei José Carlos em uma festa, no Barcelona. Acho que ele era palmeirense. São gigantes da Fórmula 1, pilotos consagrados, que nos faziam acordar de madrugada para vê-los correr.

A ausência desses ídolos faz despencar a audiência. Isso, claro, em qualquer competição. O futebol brasileiro atual carece de verdadeiros ídolos. Não adianta a mídia querer inventá-los se eles não existem. Neymar está chegando aos 30 e não vê ninguém pelo retrovisor. A referência do britânico Lewis Hamilton, seis vezes campeão do mundo de automobilismo, é Ayrton Senna. Seremos referências até quando?

Quem veio depois de Guga, no tênis, por exemplo? Vi Emerson correr em Monaco algumas vezes, circuito raiz, nas ruas da cidade de Montecarlo. Imagino que talvez alguns circuitos desapareçam ou sejam remodelados como aconteceu com nossos estádios, tudo em nome da modernidade. E assim caminha a humanidade, com máquinas e superatletas substituindo os artistas.

É como sempre digo e jamais cansarei de repetir, já fomos bailarinos, hoje somos robôs.