ESPECIAL 70 ANOS DA COPA DE 1950: O OBA-OBA QUE FEZ MÁSPOLI SONHAR COM A TAÇA
por Marco Antonio Rocha
A bola cruzada na área uruguaia, Jair Rosa Pinto em desespero agarra o goleiro, o apito final; Gambetta segura a bola, enquanto uma multidão, não menos aflita do que o atacante brasileiro, pede pênalti. O lance seguiu vivo por décadas na memória de Roque Máspoli, o simpático velhinho que morava perto do Estádio Centenário. Arqueiro celeste, foi ele quem parou a Seleção Brasileira.
– Saímos correndo pelo gramado gritando ‘Uruguai! Uruguai!’ porque sabíamos que o jogo havia terminado. A Copa do Mundo estava ganha! – orgulhava-se.
Na verdade, para Máspoli o Mundial já era dos uruguaios muito antes da comemoração. Segundo ele, o gol de Schiaffino, decretando o 1 a 1, mostrou à torcida que havia a possibilidade da derrota, o que tornaria patética a euforia mostrada até então:
– Era lógico que o Brasil fosse o favorito e que os torcedores esperassem a vitória. Por isso a torcida acabou sendo a principal causa da derrota na final. Ela sentiu medo quando empatamos e isso se refletiu nos jogadores brasileiros, que agiram como agem todos os seres humanos em uma situação como essa.
Para o goleiro campeão do mundo em 1950, a imprensa também teve sua parcela de culpa na frustração que se instalou no país após a partida. Agindo como torcedores, os jornalistas deixaram de lado o senso crítico e acabaram entorpecidos pelas goleadas do Brasil.
– A imprensa brasileira certamente deu mais força para o Uruguai, pois nos deixou sem a mínima responsabilidade. Ela nos tirava o peso das costas ao dar como certo o triunfo máximo do Brasil! – avaliava Máspoli:
– Com tantos resultados maravilhosos, os jornais já estampavam os brasileiros como vencedores. É o tipo de coisa prejudicial, porque ofende a outra equipe.
Beneficiada pelo clima de festa que cercava a partida decisiva, a seleção celeste entrou em campo sabendo que poderia tirar proveito da figura de coadjuvante. O roteiro estava devidamente estudado, e o papel principal mudou de mãos…
– Ao jogar a Copa Rio Branco, dois meses antes do Mundial, passamos a conhecer cada jogador brasileiro, todo o time, ponto por ponto. Isso nos favoreceu porque, quando disputamos a final, já tínhamos um conceito perfeito de como eram todos os jogadores adversários. Se não tivéssemos nos enfrentado pouco antes da Copa do Mundo, não tenho dúvidas de que não teríamos ganho! – sentenciou.
Aos 32 anos, Máspoli era um dos veteranos que tinham voz ativa no grupo. Ao lado de Obdulio Varela, Gambetta e Tejera, o goleiro participava das decisões do técnico Juan López:
– Analisávamos juntos os adversários e dávamos todo o suporte aos jovens, que formavam nosso ataque.
Porém, não só de tática se fez a conquista. Como num ritual de batalha, em que a sabedoria é transmitida pelos guerreiros mais velhos, Máspoli ressaltava a importância do convívio com os bicampeões olímpicos (1924 e 1928) e com os campeões mundiais (1930):
– Foram todos excelentes conselheiros, além de ótimos amigos. Eram veteranos, a maioria já tinha parado. Eles nos davam muitos conselhos e, como nós, formavam um grupo extraordinário. Era gente de muita categoria, que passava um astral incrível para nosso time. Quando estavam conosco, cantavam as músicas que embalaram suas grandes conquistas.
Aos poucos, os ensinamentos se transformaram em força, e a geração de 1950 também entrou para a história do futebol uruguaio. Era a vez de os novos campeões entoarem seus próprios cantos:
– No dia seguinte à decisão, fomos a pé até a Embaixada do Uruguai. No caminho, de mais ou menos um quilômetro, cantávamos, fazendo a nossa festa. As pessoas, apesar de tristes, nos aplaudiam, como exemplo da amizade que sempre existiu entre os dois povos.
AFINAL, O QUE É AMOR À CAMISA?
por Wilker Bento
Quantas vezes já ouvimos que não se fazem mais jogadores como antigamente, ou que, no passado, se jogava por amor e hoje se joga por dinheiro? Será verdade que os atletas, antes românticos, se tornaram mercenários?
Para desvendar esse mistério, vamos começar analisando a história de dois casais fictícios: João e Maria estão juntos há 75 anos, sempre viveram no interior e se casaram atráves de um arranjo familiar. Ao longo do tempo, João se tornou frio e agressivo com Maria. Ela sempre trabalhou como dona de casa e, sem ter seu próprio dinheiro, permaneceu com ele apesar de tudo. Já Enzo e Valentina estão juntos há um ano e meio, conversam por horas na internet e sempre trocam presentes nas datas comemorativas. Depois de um tempo, eles se distanciaram, a família de Valentina se mudou para Portugal e Enzo ganhou uma bolsa numa faculdade norte-americana. Terminaram o namoro, mas são amigos até hoje.
Quem amou mais, João ou Enzo? Qual o peso do tempo numa relação, seja pessoal ou profissional?
No Brasil, jogadores de futebol atuam oficialmente por dinheiro desde os anos 1930. Mesmo antes do profissionalismo, transferências eram comuns. Maior jogador brasileiro da era amadora, Arthur Friedenreich passou pelo Germânia, Ypiranga e Flamengo, entre outros. Não havia a ideia do jogador leal, que precisava atuar pelo mesmo clube a vida inteira.
Mesmo com o profissionalismo, os jogadores de futebol não passaram a ter as condições de trabalho que têm hoje. A lei do passe mantinha os atletas presos aos clubes detentores de seus direitos. O primeiro a romper com essa lógica foi Afonsinho, que, em plena ditadura, entrou na justiça para ter direito ao seu passe. Foi o único jogador a obtê-lo até a Lei Pelé, de 1998. Três anos antes, a Lei Bosman alterou os rumos do futebol, permitindo que jogadores com cidadania europeia trabalhassem sem restrições pelo continente.
Assim, o fluxo de transferências aumentou porque o futebol se consolidou como um negócio, e não por degradação no caráter dos atletas. A intensa circulação financeira tornou-se evidente: em 1893, Willie Groves custou 100 libras ao Aston Villa, transferência mais cara da época; em 2017, Neymar foi vendido ao PSG por 200 milhões de libras. Cada um é fruto do seu tempo.
Mesmo se adotarmos a longevidade num clube como critério para definir “amor à camisa”, observa-se que não há muita diferença entre os tempos anteriores à Lei Pelé e os dias atuais. No século XX, grandes jogadores fizeram toda sua carreira no mesmo time, como Nilton Santos, Leandro, Baresi e Bergomi. São poucos, assim como no século XXI, onde nomes como Rogério Ceni, Marcos, Puyol, e Maldini foram exceções. Não parece haver uma diferença quantitativa muito grande.
Talvez o incômodo maior para os torcedores aconteça quando um jogador passa a vestir a camisa de um rival. No passado, tivemos exemplos de atletas que só atuaram em uma equipe em seus países de origem, como Pelé, Zico e Valdano. Mas isso também ocorreu em tempos mais recentes, com Raul, Henry e Kaká.
É natural buscar novos ares e mudanças às vezes são saudáveis. Totti, por exemplo, viveu toda sua carreira na Roma e é o maior símbolo recente de fidelidade a um clube, mas também passou por momentos de desgaste e em alguns episódios, sair parecia uma melhor opção. Messi, que está no Barcelona desde criança, por vezes é contestado por não buscar novos desafios em outros times, como fez Cristiano Ronaldo.
Amor à camisa é honrar a torcida e a equipe, mostrar raça e dedicação, mesmo que o contrato não dure para sempre. Como faz Loco Abreu, que mesmo já tendo passado por 29 clubes, costuma deixar boas lembranças. Ser um andarilho da bola não apaga o que ele fez pelo Botafogo, tendo se tornando um ídolo alvinegro. O mesmo vale para Túlio, outro peregrino muito querido pela torcida do Glorioso.
O torcedor que chama o ex-jogador do seu time de “judas” não pensaria duas vezes em trocar de emprego por um salário maior. Ou aceitamos a realidade como ela é ou fantasiamos atletas puristas de uma época que nunca existiu.
CHRISTINE VALETTE E A REPRESENTATIVIDADE FEMININA NA FORMAÇÃO DAS ULTRAS
por Bruno Sentone
Pouco antes de “Marielle, presente” ecoar pelo mundo afora, outra mulher, figura emblemática de um movimento de resistência, deixou este plano para viver na memória.
Christine cede entrevista à imprensa.
Ao contrário de Marielle Franco, Christine não foi assassinada. Tampouco sua morte em decorrência de um câncer foi mundialmente noticiada. Por estes fatores e, até mesmo, por ter falecido no Natal (de 2015), quando as notícias costumam ser mais agradáveis, Christine Valette, talvez, possa não ser um nome tão conhecido, quem dirá popular, quanto deveria. Isto porque Christine foi porta-voz e uma das principais líderes da primeira ultra do Olympique de Marselha, chamada Commando Ultra ’84. Porém, sua morte comoveu, inclusive, torcidas rivais, como do Bordeaux – dentre tantos outros clubes europeus -, pelas quais era muito respeitada e admirada.
Agora, você deve estar se perguntando: “tá, mas o que há de mais em tudo isso?”. E eu respondo com outro questionamento: quantas mulheres que você conhece e que são líderes de alguma torcida organizada? Christine esteve à frente da ultra desde 1984, ano de sua fundação. Se, hoje, o futebol, como um todo, ainda é um ambiente majoritariamente masculino, imagine, então, na década de 80.
Christine (sentada sobre a mesa) comandava uma ultra formada por mulheres, homens e crianças.
Atualmente, o estádio do OM, Vélodrome, recebe um notável público feminino para acompanhar os jogos do Olympique. Com certeza, isto também deve-se, e muito, à figura de Christine. Todavia, pode haver outros motivos: ao longo dos seus pouco mais de 35 anos de existência, o CU ’84 adotou um caráter antifascista, antirracista e, de certa forma, feminista (bem representado por Christine); e mais uma razão importante e que, sem dúvida, incentiva o apoio massivo das mulheres nas arquibancadas do Stade Vélodrome é a dedicação do clube para com o time feminino do OM. Em termos de estrutura, desde sua recriação em 2011, a equipe segue em constante evolução. A exemplo do rival Lyon – um caso de sucesso no futebol feminino dos últimos anos -, o Olympique tenta oferecer às mulheres as mesmas condições de trabalho dos homens. A paridade salarial, no entanto, continua sendo um tabu (não exclusivo do OM, mas, sim, global).
Normalmente, os ultras são anônimos, seus nomes raramente são divulgados e poucos são aqueles que possuem algum status especial ou papel, de fato, relevante dentro do clube. Não foi este o caso de Christine Valette, que faleceu aos 43 anos, ou seja, influente no Olympique desde criança, quando ainda só tinha apenas 12 anos de idade. Até hoje, quase 5 anos após sua morte, seu nome segue sendo lembrado e homenageado em cada partida do OM e também por torcidas aliadas, como do Sampdoria.
Torcida do Sampdoria apoia Christine na sua batalha contra o câncer: “CHRISTINE, VOCÊ É UMA GRANDE MULHER! LUTE COMO UMA ULTRA!” e “FORÇA, CHRISTINE, A JAMAICA NOS ESPERA!” foram alguns dos recados
Assim como Christine participou do início do movimento ultra na França, igualmente, colaborou para que o mesmo se fortalecesse na Itália. O Commando Ultra ’84 esteve presente em Gênova, no dia 4 de Janeiro de 1987, para assistir Sampdoria x Roma e conferir de perto a Ultras Tito Cucchiaroni, cuja Europa inteira estava comentando na época. Tratava-se da precursora do movimento ultra no país italiano. Ali, logo, formou-se uma grande e duradoura amizade.
Mais tarde, uma segunda organizada do Sampdoria, chamada Rude Boys, foi convidada a unir-se às duas e, a partir de então, o CU ’84 passou a viajar para Gênova, praticamente, todo final de semana, a fim de encontrar-se com as ultras amigas. As três eram associadas aos dois clubes e frequentavam ambas arquibancadas, carregando consigo suas respectivas faixas e bandeiras.
Portanto, hoje em dia, o Commando Ultra ’84 orgulha-se em dizer que conhece tudo a respeito das torcidas italianas. Afinal, não somente viu tudo acontecer com seus próprios olhos, como ainda envolveu-se diretamente, contribuindo para com a troca de experiências e, principalmente, com seu apoio diligente.
Christine Valette foi a principal responsável pelo êxito da aliança entre o CU ’84 e a Ultras Tito. Ao mesmo tempo em que a ultra francesa aprendeu muito com seus companheiros italianos – com, pelo menos, 15 anos a mais de existência (1969) -, Christine conseguiu aplicar sua ideologia igualitária em mais uma torcida. Não à toa, algum tempo depois, o Rude Boys acrescentou & Girls 1987 ao seu nome.
Desde jovem, Christine entregou-se de corpo e alma àquilo que acreditava ser correto. Foram cerca de 30 anos de comprometimento e dedicação com os menos (ou nada) favorecidos, brigando por justiça, ainda que fosse uma pacifista, famosa por sua calma e serenidade. Seus esforços ultrapassavam o universo da bola e Christine também ajudava desabrigados da melhor forma que podia. Após ficar sabendo da sua doença, isto não a impediu de manter suas atividades, com a mesma vontade e bondade de sempre.
Mesmo que o Commando Ultra ’84 recorde, em cada jogo do Olympique de Marselha, que Christine continua presente, seja com homenagens, cantando e/ou vibrando por ela, ainda é pouco. Não digo por parte dos adeptos do OM, mas, sim, sobre o reconhecimento de Valette. Nossa sociedade está habituada em reproduzir que “futebol não é lugar de mulher”. E, neste ambiente hostil, uma menina de 12 anos de idade conquistou seu espaço e provou, para dois países tradicionalmente conservadores, justamente o contrário. O legado de Christine não pode limitar-se à França e Itália; deve ser enaltecido para além do continente europeu.
VOZES DA BOLA: ENTREVISTA TÚLIO
Neste domingo (19), é comemorado o Dia Nacional do Futebol. Pensando nisso, o ‘Museu da Pelada’ preparou uma série chamada ‘Vozes da Bola’, coletânea de entrevistas que serão publicadas aos domingos até o fim de agosto.
O ‘Vozes da Bola’ contará um pouco da vida esportiva de ex-jogadores de futebol que se tornaram ídolos em grandes clubes do país.
Hoje, o primeiro é o artilheiro Túlio Maravilha, que bateu um papo descontraído e contou um pouco de seu amor ao clube da Estrela Solitária.
O coração dos torcedores alvinegros ficou triste naquele 15 de setembro de 1965, quando Garrincha, o eterno camisa 7 e ‘anjo das pernas tortas’, entrou em campo pela última vez com a ‘Estrela Solitária’ no peito, na abertura do Campeonato Carioca contra a modesta Portuguesa da Ilha do Governador, no antigo estádio de General Severiano.
É verdade, que depois outros vários craques desfilaram pelos gramados vestindo o manto alvinegro, como Jairzinho, Paulo Cezar Caju, Afonsinho, Dé, Mendonça, Maurício, entre outros. Mas, desde a saída de Garrincha, nenhum outro demonstrou ter o carisma, qualidade essencial para ser ídolo de uma torcida.
Esse vazio durou 30 anos, até ser preenchido pelos pés, cabeça, tronco e demais membros de Túlio Humberto Pereira da Costa, que chegou ‘chutando’ a solidão dos alvinegros para bem longe da sua área, como na cobrança de um tiro de meta, e fazendo nascer o fenômeno Túlio Maravilha.
‘Importado’ do Síon da Suíça, em 1994, o ‘Rei do Rio’ como se intitulava, conquistou o Campeonato Brasileiro no ano seguinte, quebrando um jejum de vinte e sete anos sem o título nacional.
Virou ídolo por meio de gols, muitos deles marcados por puro oportunismo.
Vira e mexe é lembrado pelos torcedores do Glorioso, principalmente pelos da geração mais nova, que cresceu acompanhando os feitos dentro e fora de campo do camisa 7 alvinegro, e que jamais o esquecerá.
Nesse mês que é comemorado o Dia Nacional do Futebol, Túlio, ‘artilheiro dos mais de mil gols’ e com mais de mil histórias, bateu um papo com o ‘Museu da Pelada’ e é o nosso primeiro personagem na série de entrevistas do ‘Vozes da Bola’.
por Marcos Vinicius Cabral
Como foi o início de sua carreira?
Comecei minha carreira aos 12 anos de idade nas categorias de base do Goiás, na famosa ‘peneirada’. De lá para cá, fui seguindo nas catetgorias até chegar na equipe profissional, em 1988. Cheguei no clube em 1982, então, foi uma longa caminhada com vitórias, derrotas, mas graças a Deus, cheguei ao objetivo, que era ser profissional da equipe alviverde.
Você começou no Goiás, em uma equipe que tinha o ponta-direita Niltinho, os meias Tiãozinho e Luvanor, e o volante Uidemar. Como foi se destacar nesse time que é considerado pelo torcedor esmeraldino como um dos melhores de sua história?
É verdade. Jogar no Goiás com esses craques foi um privilégio e me ajudou bastante a me destacar. A minha sorte era que não havia um atacante matador como eu nessa época. E parece que esse time foi feito para mim, e, graças a Deus, eu soube aproveitar a oportunidade, me sagrando artilheiro do campeonato com 20 anos de idade, nessa equipe que é considerada a melhor de todos os tempos do Goiás.
Quem foi sua grande inspiração na vida e no futebol?
Na vida foi o meu pai e graças a ele, eu me tornei jogador de futebol. Desde os 7, 8 anos de idade, ele me levava ao Estádio Serra Dourada, aqui em Goiânia, para assistir os jogos do Vila Nova. Aquilo acabou despertando o interesse em ser um jogador de futebol. Por isso, é o meu pai, que Deus o tenha em um bom lugar no céu e que ele possa estar olhando por nós. E no futebol é o Pelé, e não à toa é o ‘Atleta do Século’ e detentor de todos os recordes. O Rei é insuperável, insubstituível e o meu ídolo no futebol.
Quem foi seu melhor marcador e qual o gol mais bonito que você fez?
Vou citar dois: Ricardo Rocha, que jogou na seleção brasileira, foi tetracampeão, jogou no Vasco, Real Madrid e São Paulo. Era um jogador raçudo, rápido e difícil sair da marcação dele, porque sempre se antecipava nas jogadas. O outro, Mauro Galvão, pela sua leveza e inteligência. Os dois foram os meus melhores marcadores. Já sobre o gol mais bonito, foi com a camisa do Goiás, de bicicleta, no Serra Dourada, pelo campeonato goiano de 91. Ganhamos de 3 a 0 do América, de Morrinhos, e eu fiz os três gols nessa partida. Esse gol foi no bico da pequena área e foi antológico.
Como surgiu o Botafogo na sua vida?
Em 1994, precisamente em janeiro daquele ano. Eu estava no Síon da Suíça e um empresário chamado Luiz Orlando me ligou e perguntou se eu tinha interesse em voltar ao Brasil e vestir a camisa do Botafogo. Eu não pensei duas vezes, aceitei o convite, e graças a Deus, tomei a decisão mais certa da minha vida, em voltar ao futebol brasileiro, e vestir a camisa do Botafogo.
O Maravilha que acompanha seu nome foi dado pela torcida do Botafogo. Mas como surgiu esse apelido?
Esse apelido surgiu em 1994, no jogo de estreia do Campeonato Carioca, entre Botafogo e América, no Caio Martins. Esse jogo foi 6 a 0, fiz três gols, e no terceiro a torcida começou a cantar aquela musiquinha: “Túlio Maravilha, nós gostamos de você, Túlio Maravilha, faz mais um pra gente ver”. E isso me acompanhou em todos os jogos e cada cantoria da torcida era sinônimo de gol. Aí eu adotei esse apelido que acabou encaixando direitinho com a minha personalidade.
Na época do Botafogo, quando os treinos eram no Caio Martins, em Niterói, você chegou algumas vezes a ir de helicóptero. Queria que falasse dessa época e saber se você continua voando por aí?
É verdade. Naquela época eu ia para os treinos no Caio Martins, em Niterói, de helicóptero e sempre gostei de voar. O que me deixava estressado era o trânsito caótico da Barra da Tijuca, onde morava, até Niterói, onde se levava uma hora e meia de carro, tanto na ida como na volta. Então, algumas vezes, para poder ser mais rápido e prático, eu alugava um helicóptero para ir aos treinos e isso acabou provocando a ira de muitos torcedores, principalmente flamenguistas, quando chegava às 8h da manhã e fazia um barulho danado e acordava todo mundo. Mas foi muito legal e não me arrependo não. Agora dei uma parada e hoje só voo de avião.
Você é o oitavo maior artilheiro da história do Botafogo com 159 gols. O que o Glorioso representa na sua vida?
Com 159 gols, sendo o oitavo maior artilheiro da história do clube e em recente pesquisa, eleito o quinto em 116 anos de existência. O Botafogo representa tudo na minha vida. Foi o melhor momento da minha carreira e se hoje eu sou o Túlio Maravilha é graças ao clube e ao título de 95. Ou seja, resumindo: devo tudo ao Botafogo!
Você foi três vezes artilheiro do campeonato brasileiro: em 1989 pelo Goiás, e 1994 e 1995 pelo Botafogo. Um recorde que divide com Romário, Dadá Maravilha e Fred. De onde vem essa facilidade em fazer gols?
Para mim é uma honra dividir essa artilharia com Fred, Romário e Dadá Maravilha. Acho que esse dom eu sempre tive, de fazer gols, mas o que me proporcionou ser artilheiro várias vezes do Brasil, sem esquecer uma vez da série B e duas da C, ou seja, único atleta a ser ‘hexa artilheiro’ em campeonatos brasileiros das séries A, B e C. Então, o que me diferencia dos outros atacantes, é que sempre fui um obstinado, treinei, me dediquei para fazer gols de todos os jeitos. Essa era a grande diferença do Túlio Maravilha, além do dom, sempre me aperfeiçoei e acabei sendo 99% transpiração e 1% inspiração.
Em 1997 você saiu do Botafogo e foi jogar no Corinthians, sendo a maior contratação da época. Mesmo você sendo artilheiro e o time campeão, você não foi bem e ficou no banco. O que de fato aconteceu ali?
Realmente fui contratado como o maior salário do futebol brasileiro, maior contratação da época e comecei muito bem, fazendo gols na estreia. Mas o problema maior, foi com o técnico Nelsinho, que preferia jogar com dois atacantes de velocidade, de movimentação. Eu, como todos sabiam, tinha minhas características e era um centroavante raíz, fixo na área, que esperava as jogadas dos companheiros. Infelizmente, o treinador não gostava desse meu estilo e resolveu me deixar no banco. Mas mesmo assim, fui campeão e artilheiro do time mesmo estando no banco naquele ano. No entanto, eu particularmente, considero essa passagem no Corinthians boa e dei o meu melhor. Pena que ele (Nelsinho) tenha me barrado.
Você sempre foi movido a desafios e em 2014 fez o milésimo gol jogando pelo modesto Araxá, da segunda divisão do campeonato mineiro. Qual foi a sensação de chegar aos mil gols?
A sensação de chegar aos mil gols é a de dever cumprido. Como falei, aos 45 anos poder jogar uma segunda divisão de um campeonato tão competitivo, como era o mineiro naquela época, enfrentando jovens de 19, 20 anos. Foi realmente um sonho realizado, um dever cumprido, já que muitos duvidavam que eu pudesse chegar naquela idade e fazer o milésimo gol. Por isso, me considero um vitorioso e um predestinado em busca dos objetivos.
E afinal são quantos gols no total?
Em toda minha carreira eu fiz 1001 gols. Aos 45 anos eu fiz o milésimo gol com a camisa do Araxá em 2014 e depois em 2019, fiz o 1.001 jogando pelo Taboão da Serra, da terceira divisão do campeonato paulista. Essa é a contagem oficial.
Diante de um número tão expressivo, você se considera um dos grandes centroavantes de todos os tempo?
Claro! Não à toa, que pouquíssimos atletas conseguiram chegar a essa marca. Primeiro o Pelé, depois o Romário, e eu, que sou o terceiro da lista. Me considero sim, um dos dez maiores atacantes do futebol brasileiro e talvez do mundo. Por que não? Porque os melhores atacantes do mundo são brasileiros. Então, me considero sim, modéstia à parte, entre os dez maiores atacantes do mundo.
Com mais de 25 anos de carreira, tendo jogado em cinco países diferentes, participado de 47 transferências, defendido a camisa de 32 clubes, e se eternizado pelas atuações no Botafogo, o seu maior objetivo dentro das quatro linhas foi alcançado: chegar aos mil gols. Olhando números tão expressivos, faltou algo na sua carreira?
Diante de tantos números significantes em clubes, tempo de carreira, países diferentes, tendo jogado em todas as regiões do nosso Brasil e tudo mais, o que faltou foi uma Copa do Mundo. É o sonho de todo atleta, jogar uma e de preferência ganhar. Então, tirando isso, sou muito satisfeito e feliz com a carreira vitoriosa que tive.
De tantas histórias vividas nesse tempo todo como jogador qual a mais engraçada?
Foram muitas, mas teve uma que é imperdível. Eu jogava no Nacional Fast, de Manaus, Série C do campeonato brasileiro em 2006, e havia uma chácara onde nos concentrávamos. Como a gente sabe, na mata amazônica em Manaus, 90% é predominante, então, teve um dia em que fui concentrar no quarto, juntamente com um outro companheiro de clube, e na hora do banho fui usar o vaso sanitário e para minha surpresa tinha uma perereca. Imagine se eu não olho e sento ali? Certamente, a perereca teria feito um estrago. Foi uma cena engraçada que eu não esqueço nunca mais.
O Maracanã completou 70 anos recentemente. Quais são as suas primeiras lembranças do estádio?
Em 1987 eu estava com 17, 18 anos, e fui ver a decisão do campeonato brasileiro entre Flamengo e Internacional. Estava na arquibacanda, vi aquele estádio tremer e falei: “Isso aqui vai cair!”. E pensei: “Hoje estou aqui nessa arquibacanda, mas daqui a uns anos quero estar lá no campo, podendo fazer gols e ser campeão”, e não deu outra. Pude realizar meu sonho e em 1994, fazer meu primeiro gol no Maracanã com a camisa do Botafogo e no ano seguinte, em 1995, um dos gols da vitória contra o Santos, que me proporcionou ser campeão daquele ano. Foi um momento indescritível. E nesses 70 anos do Maracanã, eu poder fazer parte dessa história e ainda por cima ter os meus pés na calçada da fama do estádio.
Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao coronavírus?
Minha vida tem sido rotineira como a de todo mundo nessa pandemia. De manhã, faço um treinamento funcional aqui em casa, levantamento de peso, corrida, ando de bicicleta, às vezes corro de 3 a 5 quilômetros três vezes por semana. E sempre mantendo a minha forma física. Hoje, estou com 51 anos, então, procuro sempre cuidar da minha saúde, da alimentação, em companhia da minha esposa e dos filhos. Por um lado esse isolamento está sendo positivo por estar deixando a família mais unida, mais amorosa e logo isso vai passar.
Defina Túlio em palavras?
Alegria, carisma, irreverência e artilheiro nato, artilheiro raiz, matador. Túlio é igual a gol e gol é igual a Túlio. Está no dicionário.
No dia 19 de julho é comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que o futebol representou para você?
Para mim o futebol representa tudo. Foi minha ferramenta de trabalho e fui atleta profissional graças a esse esporte, que é o maior entretenimento popular no mundo. Então, feliz Charles Miller que inventou o futebol, e nós ex-jogadores, temos que agradecer todos os dias por ter o futebol em nossas vidas. Futebol transforma, realiza sonhos e supera desafios. Portanto, Túlio Maravilha é o que é, graças ao futebol.
ESPECIAL 70 ANOS DA COPA DE 1950: A AMARGURA DE UM CAMPEÃO MUNDIAL
por Marco Antonio Rocha
Do lado de um jarro de flores, um terço. Do outro, uma réplica da Jules Rimet, erguida em 1950 pelo capitão Obdulio Varela. A mesa, uma espécie de altar do futebol uruguaio, colocado estrategicamente em frente à porta de entrada da casa de Julio Perez, é mais um monumento à amargura do que à conquista da Copa. Cercado de três filhos e 12 netos, o ex-apoiador preferia contar histórias gloriosas que viveu com a camisa do Nacional a recordar aquele título.
– Aquilo não me deu de comer. Joguei futebol e carreguei caminhão com uma pá. Foi esse o trabalho que me deram por ter sido campeão do mundo no Maracanã. Tinha três filhos e precisava comprar comida! – dizia, quase se penitenciando:
– Não quero me lembrar de nada porque já passou. Estávamos defendendo nosso país e não podíamos fazer papel feio, mas voltamos ao Uruguai muito tristes com o mal que havíamos feito ao Brasil.
A falta de reconhecimento dos dirigentes era o combustível para a amargura de Perez. Uma amargura que ficava evidente em suas palavras:
– Depois da final de 50, retornamos ao hotel e conversamos por algumas horas sobre o jogo. Por volta das 21h, fui ao restaurante ver se o jantar estava servido. Quando vi a porta fechada, levei um susto e voltei para o quarto. Tivemos que dar o dinheiro que tínhamos no bolso para comprar sanduíches e cerveja num bar. Só no futebol uruguaio acontece isso! – lamentava, garantindo que nada mudara:
– Dizem que sou revoltado, que estou contra o mundo. Fizeram de mim um rebelde. As pessoas nas ruas são agradecidas, mas quem manda, não. Por isso não quero saber de homenagens!
Talvez o altar de Perez simbolizasse o que de melhor a conquista havia rendido a ele: amizades. Cinquenta anos depois, quando estivemos em Montevidéu para essa resenha, vencedores e vencidos continuavam se encontrando com alguma frequência:
– Não falamos daquele Mundial porque nos vemos há 50 anos. Sempre que alguém ameaça tocar no assunto, os outros dizem ‘Ah, lá vem ele com essa conversa…’. Melhor assim.
Uma das principais razões para esquecer o título era justamente a boa relação que existia entre uruguaios e brasileiros desde antes do Mundial.
– Jogávamos todos os anos pela Copa Rio Branco e éramos amigos! – ressaltou Perez, evidenciando um fantasma que parecia persegui-lo tantos anos depois:
– Se a decisão fosse contra a Espanha ou a Suécia, não teríamos sentido nada. O que doeu foi ter de ganhar do Brasil, dos amigos. Não ríamos no hotel, enquanto falávamos da final, porque sabíamos o que estava acontecendo lá fora. O povo ficou morto.
A tristeza que abateu o Brasil durou décadas para Perez. Inconformado, parecia querer pagar com a própria culpa a penitência dos amigos:
– Os brasileiros se comportaram mal com Barbosa e Bigode. Pobres homens, foram martirizados. Eles perderam e eu ganhei, por isso tenho dentro de mim uma amargura muito grande.