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PITA, O MENINO-MAESTRO, FAZ 62 ANOS

Centro de Memória do Santos


“Que gol fez o garoto!”, exclamou o jornalista Jéthero Cardoso, do Jornal da Tarde, na tribuna de imprensa do Morumbi. Lá no gramado o zagueiro Tecão ainda estava caído depois do drible seco do armador Pita, canhoto de 20 anos e muita habilidade, que corria em direção à pista de atletismo para comemorar o gol de virada contra o São Paulo, na primeira partida da decisão do título paulista de 1978.

Menino pobre nascido em Nilópolis, no Rio, em um 4 de agosto como hoje, Edivaldo de Oliveira Chaves veio com um ano de idade para Cubabão e passou a maior parte da infância jogando futebol e vendendo siris às margens da rodovia Anchieta.

Meia habilidoso, que não só lançava e chutava bem, mas também driblava como um atacante, Pita teve grandes momentos no futebol. Chegou até à Seleção Brasileira, pela qual fez 12 partidas, mas nada se compara com a explosão de sentimentos causada por aquele seu gol contra o São Paulo, aos nove minutos do segundo tempo, na noite de 20 de junho de 1979.

Do Casqueiro ao Santos em dois anos

Tudo estava acontecendo muito rápido na vida do menino que aos 13 anos foi defender o Casqueiro em um torneio de praia e acabou convidado para jogar na Portuguesa Santista. Dois anos depois já estava na Vila Belmiro, treinando ao lado de companheiros que, devido à eterna falta de dinheiro do clube, seriam promovidos ao time principal em 1978.

Pita passava tardes vendo os treinos de Edu, seu ídolo, e prestava atenção nos dribles do ponta para treiná-los depois. Ele acha que por isso se tornou um meia ofensivo, que se sentia à vontade perto da área adversária, a ponto de marcar gols como aquele contra o São Paulo.

Com ele e Ailton Lira lançando os rápidos Nilton Batata, Juary e João Paulo, o Santos infernizava os adversários. Após o título paulista de 1978, conquistado em meados de 1979, aquele Santos ainda venceu o primeiro turno do paulista de 1980, mas acabou derrotado na decisão com o São Paulo.

O título mais importante poderia ter vindo no Brasileiro de 1983, mas aí, além do bom futebol do adversário na final, Pita acredita que já estava tudo armado para Zico ter o seu último título antes de ir para a Itália:


– Em São Paulo ganhamos só de 2 a 1, mas era para fazermos mais dois ou três gols. No Rio, tomamos um gol logo de cara, mas estávamos equilibrando o jogo quando não deram um pênalti inacreditável em mim (o zagueiro Marinho atropela Pita na área e o árbitro Arnaldo César Coelho dá obstrução, cobrada em dois toques. Um absurdo).

– A gente já estava percebendo coisas estranhas em campo. Depois daquele pênalti não dado eu olhei para o Serginho e disse que já estava tudo armado, a gente não iria sair campeão dali de jeito nenhum.

Tímido? Nem tanto

O único defeito que os cronistas da época apontavam em Pita era a timidez. Às vezes parecia sumir do jogo. Isso também o atrapalhava fora de campo, principalmente no ambiente carnavalesco da Seleção Brasileira, dominado pelos espalhafatosos e super protegidos jogadores cariocas.

Na verdade, o futebol de Pita falava por si, não era preciso contar lorotas. Tanto, que no primeiro jogo depois de uma longa suspensão, Ailton Lira recusou a camisa 10 que o técnico Formiga lhe estendia, no vestiário. Apontou para Pita e disse: “Dê para o garoto, ele merece”.

Pita também tinha fama de bonzinho, mas também aprontava. Ele se lembra de uma noite em que colocou um siri embaixo do travesseiro de Serginho Chulapa, justamente o jogador mais temperamental do time.

– Ele estava fora. Pus o siri e antes que ele voltasse fui para o meu quarto e tranquei a porta. Eu sabia que o Serginho iria ficar furioso quando visse o bicho lá.

Realmente. Serginho viu o travesseiro se mexendo, foi checar e viu o siri enorme. Quase quebrou a porta de Pita. Hoje o meia ri, diz que gosta muito do centroavante e que o sentimento é recíproco.

Mesmo muito querido pela torcida, em 1984 Pita foi para o São Paulo, trocado pelos passes do ponta-esquerda Zé Sérgio e o volante Humberto (ambos campeões paulistas pelo Santos em 1984). No Morumbi, Pita foi duas vezes campeão paulista e uma vez brasileiro.

Em 1988 seguiu para o Racing Strasburg, da França, negociado por um milhão de dólares. Antes de encerrar a carreira de jogador e iniciar a de técnico de base, o meia que o técnico Cilinho chamou de “o último romântico do futebol” atuou pelo Guarani de Campinas e no futebol japonês.

Jogador que pouco se machucava, ele é o décimo sétimo jogador com mais atuações pelo Alvinegro Praiano. Foram 408 jogos e 55 gols marcados com a camisa do Santos, alguns deles belíssimos, que deixaram muitos zagueiros sentados, e a torcida de pé.

PRESIDENTE FLEUMÁTICO

por Valdir Appel


Joguei em vários clubes brasileiros, e tive a oportunidade de conhecer presidentes que fizeram história à frente deles. Alguns folclóricos, outros déspotas; alguns maquiavélicos, outros tirânicos; alguns autoritários…

Quando cheguei ao Vasco da Gama, o presidente era João da Silva ou simplesmente seu João, como os jogadores o chamavam, e seu vice era Antônio Soares Calçada.

Seu João era um dos donos da Carrocerias Metropolitana, instalada na Avenida Brasil. Chamava a atenção pelos hábitos elegantes e conduta de um lorde inglês, algo incomum para um homem que começou a vida como comerciante, dono de uma banca de jornais.

Gostava de circular com o seu chapéu de feltro, fumando cachimbo com um fumo aromático importado. De fleumático tinha algo: era categórico, imperturbável e decidido. Cordial e de fala mansa, transpirava credibilidade e confiança. Gostava e falava com orgulho das qualidades de sua Mercedes Benz conversível:

– Ninguém abre o motor de uma Mercedes antes de 15 anos de uso!

Observando-o, tornei-me um fumante de cachimbo e usuário de um chapéu idêntico ao dele, que comprei em Lisboa. Meus papos com o presidente, nas concentrações, eram sempre sobre cachimbos. As melhores marcas, tamanhos, filtros e formas. Tabacos, tipos de tabacos. Como encher o cachimbo, como acender, como mantê-lo aceso.

Por último, falávamos sobre a limpeza do cachimbo com escovilhões cônicos e a necessidade, por vezes, de usar alguma bebida com alto teor alcoólico para fazer uma limpeza mais profunda. Virei colecionador, cheguei a ter 27 cachimbos: inglês, italiano, americano e até japonês.

Em 1970, seu João era o vice-presidente do senhor Agarthino Gomes. Seu João participava ativamente de todas as atividades do clube e, nas preleções do técnico Tim, sentava-se no meio dos jogadores, absorto, enquanto o mestre estrategista mexia os seus botões, posicionando a sua equipe e revelando os segredos do adversário.

Na terceira rodada do campeonato carioca, Tim fazia sua preleção e, ao definir a lateral esquerda com Batista (que vinha atuando bem), João Silva o interrompeu. Tirou o cachimbo da boca e indagou:

– Tim! Batista?

E Tim respondeu:

– Batista, não. Eberval!

Nos olhares trocados entre os jogadores, a pergunta: seu João estaria escalando o time?

Com a ajuda do presidente ou não, o Vasco foi campeão carioca naquele ano.

COPA DE 78: O MAIOR ROUBO DE TODOS OS TEMPOS

por André Luiz Pereira Nunes


Já se passaram mais de 40 anos e a goleada da Argentina sobre o Peru, válida pela Copa do Mundo de 1978, segue polêmica. Os anfitriões precisavam vencer a partida por pelo menos quatro gols de diferença para ir à final, caso contrário, o finalista seria o Brasil. Porém, fizeram sem muito esforço 6 a 0, levantando sérias suspeitas de que aquele Mundial foi totalmente manipulado em meio ao auge de uma sangrenta ditadura no país. 

O Brasil retornaria com o honroso terceiro lugar, invicto e com a qualificação, aliás muito justa, de campeão moral. De acordo com o escritor argentino Edgardo Martolio, autor de “A Glória Roubada”, em todo esse lamentável episódio esteve presente a mão da ditadura argentina, além da complacência total da FIFA, então dirigida pelo brasileiro João Havelange. A versão é totalmente corroborada pelo atacante Gil, integrante do selecionado brasileiro, em depoimento ao MUSEU DA PELADA. Ele qualifica aquele torneio como a “Copa do roubo”. Segundo Búfalo Gil, os atletas brasileiros ao serem recepcionados no aeroporto por Havelange, teriam ouvido do dirigente que agradecia a todos pelo empenho, mas que desejava que o Brasil não fosse campeão, fato este que causou tremendo estranhamento e constrangimento por parte dos jogadores. Ele ainda recorda que na estreia contra a Suécia, o juiz anulou um gol legítimo de Zico ao final da partida, alegando que o tempo regulamentar havia terminado. Eram prenuncios de que algo não estaria legal.

Uma das maiores suspeitas de que houve realmente armação por parte dos generais argentinos com o total beneplácito de Havelange decorre que, em cima da hora e desrespeitando totalmente o regulamento, a FIFA arbitrariamente mudou o horário da primeira partida da semifinal, fazendo com que o Brasil tivesse que enfrentar a Polônia três horas antes do jogo da Argentina contra o Peru. Os selecionados se igualavam em pontos. Caso ambos triunfassem, a classificação se daria por saldo de gols. Como o Brasil atuaria antes, os argentinos saberiam exatamente quantos gols precisariam fazer no Peru para chegar à decisão contra a Holanda. 

Vale ressaltar que a CBF, sentindo-se prejudicada, apresentou protesto junto à comissão organizadora, mas o mesmo foi imediatamente rejeitado. O Brasil, portanto, bateria os poloneses por 3 a 1, esticando em três gols a vantagem sobre a Argentina. Esta teria que vencer o Peru, já desclassificado, por mais de três gols. Só que durante o torneio os argentinos não haviam batido nenhum adversário por essa diferença. O placar de 4 a 0 seria suficiente, mas e se o Peru fizesse um gol? Afinal de contas, aquela era uma geração composta por grandes jogadores como Oblitas e Cubillas. 


Em seu livro “Como eles roubaram o jogo”, o jornalista britânico David Anthony Yallop relata que o general Jorge Videla chamou o capitão da Marinha argentina Carlos Alberto Lacoste e lhe deu uma ordem taxativa: “garanta o resultado contra o Peru!” Lacoste, que teria em torno de duas horas para cumprir a sua missão, contatou três oficiais que acompanhavam a seleção peruana e ofereceu entre 30 e 50 milhões de grãos de toneladas de trigo da ótima colheita que a Argentina fizera naquele ano. Coincidentemente, o Peru também vivia sob uma ditadura comandada por Francisco Morales Bermúdez. Isso foi fundamental para o acerto imediato. Para o mandatário peruano o trigo era muito mais importante do que um jogo no qual a sua seleção já estava desclassificada. O resultado, portanto, não mudaria em nada o destino dos peruanos na Copa do Mundo. Lacoste então informou a Videla que tudo estava concluído. É importante frisar que os jogadores argentinos não tomaram parte da combinação, já que de todo modo teriam mesmo que fazer a maior quantidade possível de gols. 

Segundo Edgardo Martolio, Videla também fez algo que nunca fizera antes de algum jogo. Visitou  na companhia do secretário de estado americano, Henry Kissinger, o vestiário da equipe peruana antes do cotejo. Era a senha de que tudo estava realmente acertado em altas esferas. Conta-se que o próprio presidente da nação andina também teria feito telefonemas para o vestiário de seus atletas para dar “algumas orientações”. No livro “Fuimos campeones”, o jornalista portenho Ricardo Gotta escreveu que um craque peruano teria dito, referindo-se aos militares de seu país: “turma de merda. Pelo menos distribuam o dinheiro entre nós, jogadores.”

Em março de 2018, em entrevista ao jornal peruano “Trome”, José Velásquez, ex-jogador da seleção peruana, declarou que seis companheiros “se venderam” naquela partida. Um dos acusados foi o goleiro Ramón Quiroga, coincidentemente argentino de nascimento e naturalizado peruano.

– Seis de nós nos reunimos um dia antes com o treinador, Calderón, para pedir que Quiroga não jogasse por ser argentino. Ele aceitou. Mas no dia seguinte mudou de ideia. O que eu devo pensar, que se vendeu ou não? – questionou. 

Coube ao Brasil decidir a terceira colocação da Copa do Mundo contra a Itália, sua futura carrasca no mundial posterior, na Espanha. Os comandados de Cláudio Coutinho venceram por 2 a 1, com gols de Nelinho e Dirceu, e voltaram para casa com o honroso título de campeão moral invicto. 

O DIA DO ANIMAL

por Luis Filipe Chateaubriand


Naquela quarta-feira, 03 de Dezembro de 1997, Edmundo, o Animal, chegava ao ponto mais alto de sua bem sucedida carreira. Uma atuação de gala, contra o maior rival de seu clube, o Vasco da Gama.

Naquele Vasco da Gama 4 x 1 Flamengo, pelas semifinais do Campeonato Brasileiro, Edmundo só faltou fazer chover.

O Vasco da Gama atuou com: Carlos Germano; Filipe Alvim (Maricá), Alex, Mauro Galvão e César Prates; Nélson, Nasa, Juninho Pernambucano (Moisés) e Ramon; Edmundo e Evair (Fabrício Eduardo).

O Flamengo veio a campo com: Clemer; Leandro Silva, Junior Baiano, Juan e Gilberto; Jamir, Bruno Quadros (Renato Gaúcho), Iranildo (Lê) e Athirson; Lúcio e Sávio.

Naquele dia, Edmundo fez três belíssimos gols, um deles antológico, colocou o Vasco na finalíssima e chegou ao vigésimo nono gol na competição – recorde de gols em uma edição do Campeonato Brasileiro.

No primeiro de seus três gols, por volta de 15 minutos do primeiro tempo, Edmundo recebe a bola na altura do meio de campo, tabela com Ramon na intermediária direita, com incrível velocidade recebe a bola na entrada da área, dribla dois zagueiros e goleiro rubro-negros e toca para o gol vazio. Belíssimo gol.

No segundo de seus três gols, por volta de 10 minutos do segundo tempo, Edmundo recebe lindo lançamento de Juninho Pernambucano do meio de campo e, na entrada direita da grande área, de ombro adianta a bola, tirando goleiro e zagueiro da jogada e tocando, sem ângulo, para o gol vazio. Outro gol sensacional.

No terceiro de seus três gols, por volta de 40 minutos do segundo tempo, recebe a bola no lado esquerdo da grande área e, acossado por dois marcadores, em uma finta de corpo faz menção de ir para a direita, para, com uma letra, jogar a bola para a esquerda, concluir com chute de perna esquerda rasteiro e cruzado e deixar os marcadores absolutamente perplexos e desconjuntados. Inesquecível!

O Flamengo dominou o jogo inteiramente, teve um jogador a mais a partir dos 35 minutos do primeiro tempo (Nelson foi expulso) e, ainda assim, saiu goleado. Óbvio: Edmundo, o Animal, o maior jogador do Mundo em 1997, jogava no rival.

Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA CARECA


Hoje tem marmelada! 

Corria o ano de 1960, quando em outubro veio ao mundo um certo Antônio Oliveira Filho, na cidade de Araraquara, interior de São Paulo. O pai, Seu Antônio Oliveira, um santista, era ex-jogador de futebol que chegou a jogar na infância com Dondinho, pai de Pelé. Assim que o filho começou a dar os primeiros passos, seu Oliveira deu uma bola para o garoto e dos 7 aos 15 anos levava o menino para os campos de ‘peladas’ da cidade. Pode se dizer que foi o seu primeiro treinador. Dava gosto de ver o garoto marcando gols nos campos de várzea de Araraquara e correndo para comemorar com os companheiros. Mas, o que poucos entendiam era porque com aquela vasta cabeleireira balançando ao vento, a cada gol os torcedores gritavam: “Careca, Careca!”. Pois é, a história do apelido só ganhou fama e foi esclarecida anos depois, junto com os primeiros sinais de que Antônio surgia como um novo craque do futebol brasileiro, lá pelo final dos anos 70, jogando no Guarani, de Campinas, o Bugre: é que quando criança, enquanto não estava correndo atrás da bola nos campos de várzea, o pequeno Antônio estava ao lado do pai, acompanhado pelo rádio ou pela TV, os programas do palhaço Carequinha (nascido em Rio Bonito, mas morador de São Gonçalo por toda a vida), de quem era fã. Daí, o cabeludo Antônio, virou o Careca, que anos depois virou artista da bola, encantando plateias pelo mundo, como Carequinha fazia com seu circo e sua trupe. 

Para isso, Careca começou sua ‘turnê’ por Campinas, a 186,5 quilômetros de casa, onde aos 15 anos conheceu seu primeiro ‘palco’, o Estádio Brinco de Ouro da Princesa. Lá, antes de se tornar o protagonista do espetáculo, teve que dormir por muitas noites de calor e de frio no alojamento dos atletas amadores, sob as arquibancadas de concreto, de onde no futuro receberia os primeiros aplausos do público.

Do concreto, fez seu travesseiro, da laje, o cobertor, e assim, no chamado ‘quartão’, alojamento com 25 beliches, passou a sonhar em um dia vestir a camisa 9 do time principal do Guarani. 

E três anos depois o sonho virou realidade, ao ser lançado aos 17 anos na equipe principal do  Bugre, pelo treinador Carlos Alberto Silva, num time que tinha ‘feras’ como Zenon, Renato, Capitão, Zé Carlos, entre outros, e que despontava como o ‘azarão’ para disputar o título do Brasileirão de 1978.

E foi o que aconteceu naquela grande noite de 13 de agosto, com todos os 27 mil ingressos da bilheteria vendidos, e transmissão pela TV para todo o país, Careca brilhou durante os 90 minutos do espetáculo e foi aplaudido de pé pela multidão ao marcar o gol do único título brasileiro da história do Guarani.  

Depois da consagração daquela noite, o ‘circo’ do futebol levou o ‘astro’ Careca a se apresentar por várias partes do Brasil e do mundo, brilhando em várias ”companhias’ diferentes: São Paulo (onde recebeu a visita do ídolo Carequinha antes da decisão contra o Guarani, pelo Brasileirão de 1986), Napoli (Itália), Seleção Brasileira, Kashiwa Reysol (Japão), Santos, Campinas e São José (RS). 

Por tudo que fez pelo futebol brasileiro e mundial, Careca é o terceiro personagem na série ‘Vozes da Bola’, homenagem do ‘Museu da Pelada’ ao Dia Nacional do Futebol (19 de julho).

por Marcos Vinicius Cabral 

Como foi o seu início de carreira?

Jogava ‘peladas’ em Araraquara, nas categorias de base dos 7 aos 15 anos. Um amigo do meu pai que era ‘olheiro’ e havia jogado no Guarani, o Creca, me levou para fazer um teste lá. Passei, deu certo e fiquei por lá. Mas o começo de tudo foi lá no ‘rapadão’ do interior, que era mais terra do que grama. Mas, enfim, foi aonde comecei e graças ao apoio do meu pai que me levava nos campinhos de várzea. Profissionalmente eu estreei no final de 1977, contra o Juventus.

Como surgiu o apelido Careca?


O apelido Careca vem do palhaço Carequinha, que eu tive o prazer de conhecer pessoalmente na véspera do jogo da final do Brasileirão entre Guarani e São Paulo, em 1986. Ele ficou sabendo por meio de uma matéria que fizeram comigo, que o apelido Careca surgiu em sua homenagem. Aí, saiu de São Gonçalo e na véspera do jogo, visitou o hotel onde estávamos concentrados aqui em Campinas. Se maquiou todo, se vestiu de palhaço e foi até a porta do meu quarto e fez essa surpresa maravilhosa. Desde os 6 anos, já tinha o apelido de Carequinha, e conforme fui crescendo, me tornei Careca. Mas eu gostava muito dele, ouvia seus programas de rádio e foi um ser humano muito marcante na minha vida.

Quem foi sua grande inspiração no futebol?

Sem sombra de dúvidas foi o Tostão, que acompanhei na Copa de 1970. Comecei a conhecer um pouquinho de futebol com 9 anos, com a Seleção Brasileira. Na minha casa não tinha televisão e eu ia na casa de uma tia assistir aos jogos do Brasil, só para ver o Tostão jogar. Eu tinha uma admiração enorme e seguia alguns dos movimentos dele. Ele era um jogador de muita movimentação, inteligente, que fazia gols, mas dava muitas assistências, mais ou menos o meu estilo anos depois. Portanto, a minha inspiração, quando garoto, sempre foi o Tostão.

É verdade que para realizar seu sonho de ser jogador de futebol você chegou a dormir embaixo das arquibancadas do estádio Brinco de Ouro, em Campinas?

Venho de uma família de boleiros, pois meu pai jogou futebol, mesmo sendo criado em um orfanato, lá em Santos. Com 15 anos, em 1976, cheguei no Guarani e dormia no alojamento embaixo da arquibancada mesmo, pois era o que tinha naquela época. Mas fui muito bem acolhido, com alimentação,  treinamentos… enfim, fiquei duas ou três semanas sendo avaliado, até assinar meu primeiro contrato. Essas eram as condições do clube, mas mesmo assim sou muito grato.

Você apareceu para o mundo do futebol no Guarani, campeão brasileiro de 1978, o primeiro time do interior a conquistar o título nacional. Qual foi a sensação desse título?

Já no meu primeiro ano de profissional, em 78, conseguimos esse título, que para um time do interior, era inédito, e a conquista foi maravilhosa. Nosso objetivo era fazer uma boa campanha, pois no início, poucos se conheciam no time. Mas pelo que fizemos durante o campeonato, foi merecido. Não foi um título por acaso e sim conquistado com organização, disciplina e determinação, sem falar no elenco, que era maravilhoso.

Em cinco anos de Guarani, você marcou 118 gols, o que garante a terceira posição na lista de artilheiros da história do Bugre. Qual o seu sentimento em relação ao clube que abriu as portas para seu futebol?

Comecei profissionalmente em 1978, sendo campeão, e fiz 13 gols junto com Zenon, e nos tornamos artilheiros do time. Sem dúvida nenhuma é só gratidão e não me importo de ter feito 118 gols ou de ter jogado tantas partidas. O importante é o reconhecimento e a valorização que eu tenho até hoje aqui na cidade, já que foi a primeira camisa que vesti. Realmente, o Guarani foi tudo na minha vida, foi meu alicerce, a segunda família que eu tive aqui em Campinas. Sou muito grato por isso e do carinho de todos. Mas em especial aos treinadores, que me dirigiram nas categorias de base e ao primeiro presidente, Ricardo Chuffi.

O gol do primeiro título brasileiro de um clube do interior foi marcado por você com 17 anos. Foi o gol mais importante da sua carreira?

Não tenha dúvida. Fazer um gol no campeonato brasileiro, com 17 anos, em uma final, e, ainda por cima sendo campeão, realmente para mim foi marcante. Eu acho que não foi um gol bonito, mas o mais importante da minha vida e da minha história em tantos anos como jogador de futebol. Realmente me marcou muito e abriu as portas, não só para o Brasil, mas para o mundo. É claro que não existia a mídia de hoje, como internet, celular, mas com certeza a reprodução foi muito grande na época. Foi o gol mais importante da minha carreira.

O ex-treinador Carlos Alberto Silva disse que você foi um dos melhores atacantes com quem ele trabalhou. E quem foi o melhor técnico que te dirigiu?

Carlos Alberto Silva, sem dúvida nenhuma, foi o meu primeiro treinador profissional. Um cara que me ajudou bastante, era um treinador jovem, mas que já tinha a sua filosofia de trabalho. Eu moleque, com 16, 17 anos, e com certeza ele foi responsável por boa parte desse meu crescimento como jogador e da minha história. Depois tive outros treinadores, como Pepe, Telê Santana na Seleção, mas com quem me dei muito bem foi com o Cilinho, que foi um dos caras que me divertia bastante jogando, pois ele gostava do jogo bonito, com simplicidade e objetividade. Mas sem dúvida nenhuma, destacaria o Carlos Alberto Silva no começo da minha carreira, e no decorrer dela, o Cilinho, que merece um destaque legal na minha história.

Na Copa de 1982, na Espanha, você se contundiu e foi cortado. Quais suas lembranças daquele time?

Minha passagem pela Seleção Brasileira foi muito legal. Em 81, eu já estava com o time profissional, tendo o Telê (Santana) como supervisor na sub-23, em Toulon. O Vavá era o treinador e fomos bicampeões. Em 82, fui convocado e infelizmente, quatro dias antes da estreia tive uma distensão muscular, e acabei sendo cortado. Foi um momento muito triste, pois estava vivendo uma grande fase, com 21 anos, no auge. E aquela Seleção maravilhosa, que dava meio toque na bola e realmente, só de gênios, de jogadores diferenciados, mas que não ganhou. Apesar do corte, dessa tristeza, tenho ótimas recordações de Zico, Sócrates, Leandro, Júnior, Falcão, Cerezo, Serginho, Éder, Paulo Isidoro, Waldir Peres, Oscar, Luizinho… realmente jogadores muito diferentes na época, caras diferenciados.

Cortado da Seleção, você acabou indo parar no São Paulo. Como foi isso?

Foi em 83. Aconteceu oito meses depois da Copa do Mundo. Eu fiz minha recuperação no Guarani e voltei a jogar no Campeonato Brasileiro, e no fim do ano as negociações começaram. Jogar no São Paulo foi uma escolha minha e o clube tinha já naquela época uma excelente estrutura. Em janeiro de 83, acertei minha ida para o Morumbi. Ganhamos o Paulista, mas o Brasileiro foi muito importante não só para mim, mas para todo torcedor são-paulino.

O campeonato brasileiro de 1986 é especial para o são-paulino, pois era um grande time. Você marcou 25 gols naquela competição. Foi sua maior conquista com a camisa tricolor paulista?


Esse título em cima do meu ex-clube tem um lado triste para o torcedor do Guarani e muita alegria para o do São Paulo. Realmente, jogamos muito nesse campeonato e o Guarani tinha uma grande equipe. Empatamos com eles no Morumbi e depois decidimos no Brinco de Ouro, em Campinas. Foi um jogo emocionante, onde foi 1 a 1 nos noventa minutos e 3 a 3 na prorrogação. Eu me sinto abençoado, primeiro por ter dado o título ao Guarani em 78 e ter conquistado o bicampeonato Brasileiro pelo São Paulo, infelizmente, em cima do Guarani. Mas ali eu era jogador do São Paulo e com orgulho, honra, muita determinação, fomos ao nosso limite. Faltando 1 minuto para terminar o jogo, perdendo de 3 a 2, tive a felicidade de num sem pulo empatar o jogo e nos pênaltis, fomos campeões. Foi um título maravilhoso, onde fui artilheiro da competição com 25 gols e o Evair acabou  sendo o vice com 24. Mas o time do Guarani era muito bom, com Catatau, o próprio Evair, Ricardo Rocha, João Paulo, Boiadeiro… eram grandes jogadores, mas o São Paulo era uma máquina. Tínhamos Pita, Silas, Muller, Sidney, Nelsinho, Bernardo, eu, Márcio Araújo, Oscar, Darío Pereyra, Gilmar no gol, que já fazia a diferença na época. Foi um ano muito iluminado para todos nós.

Certa vez você afirmou: “Os momentos que vivi no Napoli, de 1987 a 1993, não têm igual. Chegava num lugar, tinha que chamar a polícia para fazer um cordão de isolamento para poder entrar no carro”. Podemos concluir que foram os melhores anos da sua vida como jogador de futebol?

Em 1987, me transferi para o futebol italiano que era o melhor naquele momento, considerado o número um no mundo. O meu sonho era jogar no futebol daquele país e também ao lado de Maradona. Foi programada a minha ida para o Napoli, mesmo tendo clubes espanhóis e franceses interessados na minha contratação. Me interessei pelo Napoli, que era um time que tinha acabado de conquistar seu primeiro título depois de 63 anos e Maradona era sua principal estrela. Foi um sonho realizado, onde nos divertimos muito, com uma cidade linda e um povo muito caloroso. Inclusive foi ali que meus filhos cresceram e foram alfabetizados, então, marcou bastante. Hoje, quando volto a Napoli, às vezes, não consigo realmente sair nas ruas, mas naquela época de jogador era muito pior, pois andar pelas ruas, dirigir nas estradas ou até mesmo fazer compras era muito difícil. Muitos vezes tive que chamar seguranças, policiais para abrir caminho para pegar meu carro e ir embora. Nesses anos todos como jogador de futebol, os torcedores napolitanos me marcaram bastante.

Nas eliminatórias para a Copa de 1994, você deixou a seleção. O que houve de fato?

Em 1993, estávamos nas eliminatórias e sempre fui uma pessoa muito transparente em querer o bem para um futuro melhor àqueles que poderiam vir a conquistar alguma coisa pela Seleção. Sempre busquei meu objetivo, mas tivemos nesse período muitas confusões, desde 90, com os dirigentes, diretores, patrocinadores. Enfim, problemas externos que acabavam os jogadores levando a culpa. Ali, me sentindo mais experiente naquele grupo, com 12 anos de Seleção, me sentia no dever de fazer algo, ou até tentar mudar as coisas. Mas o sistema era complicado de se mudar em virtude das gestões dos presidentes. Infelizmente, minhas passagens não foram das melhores, mas eu só tenho que agradecer, mesmo em 82, quando machucado fui cortado, depois em 86 e 90, com outros presidentes. Porém, me sinto honrado em ter vestido a camisa do Brasil e gostaria sim de ter conquistado uma Copa do Mundo. Infelizmente, não era para ser. Em 93, eu via tanta coisa errada e gostaria que não acontecesse mais ali no momento e dali para frente. E naquelas eliminatórias que cheguei ao meu limite e pedi a dispensa, chamando o Parreira, treinador, o Zagallo, auxiliar, o Ricardo Teixeira, presidente, e os jogadores, e comuniquei a minha decisão. A gente tentava fazer as coisas diferente e resultava na mesma coisa do passado e por isso, resolvi sair e dar oportunidade para outro jogador.

Como foi a experiência de jogar no Japão?

Foi positiva. Quando saí do Napoli, em 93, era um sonho pessoal conhecer o país e seu povo. Um povo disciplinado, um povo de superação e fiquei lá até 96. Aprendi muitas coisas lá, fiz grandes amigos, inclusive, que foram jogadores da Seleção Japonesa. Meus filhos cresceram lá, estudaram em escola publica e tudo foi bacana. Fui bem recebido, bem tratado pelo povo japonês e foi uma experiência enriquecedora.

Você sempre foi santista, correto? Ter jogado no time do Rei do futebol foi um sonho realizado?

Desde criança. Éramos santistas por influência do meu pai, que nasceu no Guarujá, foi criado em Santos e acabou sendo adotado por um casal em Bauru, onde chegou a jogar com o seu Dondinho, pai do Pelé. Esse é um motivo muito forte para nossa família toda ser santista, né? Tivemos o prazer de conhecer Seu Dondinho e Dona Celeste, pais do nosso Rei Pelé, e na sequência realizei o sonho de vestir a camisa do Santos. Tempos depois, reencontrei ali o Pelé e foi emocionante, mais um sonho realizado. Mas ter jogado lá por três meses, foi para realizar um desejo de meu pai, que eu sabia que ia gostar de me ver jogando  no Santos. Foi esse o motivo.

O Maracanã completou 70 anos recentemente. Quais são as suas primeiras lembranças como jogador no estádio?


O Maracanã completou 70 anos e as lembranças são maravilhosas. Tenho recordações de gols pelo Guarani e São Paulo, mas a mais marcante foi um amistoso pela Seleção Brasileira, jogando contra a Alemanha, em 1981. Se não me engano foi 1 a 0 esse jogo, antes da Copa do Mundo, e um estádio muito cheio em que  o Telê Santana já era o treinador. Esse jogo me emocionou porque quando era jogo do Guarani ou do São Paulo ali naquele estádio, sempre era torcida contra e especialmente naquela partida, a torcida era única, a nosso favor. O Maracanã era iluminado e naquele jogo, representar o Brasil foi de arrepiar.

Como você analisa a falta de atacantes no futebol brasileiro atualmente?

Hoje temos uma carência de atacantes, daquele verdadeiro matador, o camisa 9, o jogador que tem obrigação de fazer os gols. Tiramos esse foco dele, esquecendo um pouco de se encontrar esse goleador. Perdemos com isso referência, com os pontas direitas e esquerdas e o centroavante sendo aquele ‘pivozão’. Perdemos isso. Passamos a copiar coisas da europa e nossa referência de grandes atacantes, grandes jogadores de área, tanto no espaço curto ou na jogada aérea, foi deixada de lado. A bola está difícil de chegar com qualidade e os laterais que antes defendiam, se tornaram pontas e os pontas não existem mais. O sistema mudou bastante e hoje temos essa grande dificuldade.

Defina Careca em poucas palavras?

Fantástico em todos os sentidos, e que, quando jogava, gostava de se divertir.

No dia 19 de julho foi comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que o futebol representou para o Careca?

O futebol foi tudo para mim. Tem essa influência do meu pai, que na época jogava e buscou esse sonho. Então, foi uma realização desse sonho, que busquei com alegria e com prazer, com os amigos que fiz. Hoje, tudo o que tenho, realmente, veio do futebol por meio de conquistas, dos contratos que assinei, pelas propagandas que fiz e sou muito grato a Deus pelo dom de ter sido jogador.