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O HOMEM DE PÉ NA ARQUIBANCADA

por Claudio Lovato Filho


O homem está de pé na arquibancada e olha para o velho ídolo que acena da pista atlética. O homem está acompanhado do filho, e o lugar que ocupam agora é muito próximo do lugar em que, muitos anos antes, 36 anos exatamente, o homem e seu próprio pai assistiram ao ex-jogador gordo e grisalho que agora recebe os aplausos do estádio lotado acabar com um jogo e humilhar os adversários com dribles impossíveis e fazer três gols que se eternizaram na memória de todos os que estavam lá como fábulas aprendidas em certa idade inocente e que são levadas para o túmulo.

Ao se lembrar do pai e ao olhar para o filho, agora ao seu lado, e ao aplaudir seu velho ídolo, que caminha com lentidão pela pista, o homem pensa que não é possível que isso, essa cena, essa situação, essa repetição de circunstâncias, essa reiteração estranha e bela não tenha um significado especial, mas por fim ele se convence que não, que não há ali qualquer sentido mágico ou mensagem extraordinária ou evento místico, mas que se trata apenas do tempo passando, apenas isso, o tempo passando e a vida acontecendo e a vida passando, e talvez isso seja tudo o que existe de especial nessa referida e a princípio milagrosa cena.

O velho ídolo acena mais algum tempo, posa para fotografias e então se dirige ao túnel que leva aos vestiários. Ele usa uma camisa número 9, de centroavante, com seu nome às costas, presente do clube, e veste uma calça social marrom e está feliz e sorri, mas o caminhar é cansado, como se suas pernas arqueadas já não oferecessem mais a base necessária para o peso do corpo e a cada passo fossem ficando mais e mais arqueadas, a caminho de tornarem-se um círculo alarmante e inevitável. E é então que o filho bate de leve no ombro do homem, o homem que é seu pai, e lhe diz para sentar-se (“Senta, pai, senta”), que o jogo já vai começar (“O jogo já vai começar, pai”) e que essa é uma partida que eles têm de vencer de qualquer maneira, porque é a única forma de seguirem vivos no campeonato, seguirem vivos, é isso o que o filho diz ao pai, seguirem vivos, e isso talvez seja tudo o que interessa.

O SALVADOR DA MERCOSUL

Se recentemente Gabigol decidiu a Libertadores para o Flamengo, há pouco mais de 20 anos uma outra canhotinha estufava a rede e dava um título internacional para o Flamengo: a Mercosul. O predestinado em 99 foi Lê, ídolo do Flamengo, que nos recebeu em sua casa para passar a limpo sua trajetória!

Tudo começou em 91, quando o supervisor Isaías Tinoco viu o talento do garoto no futebol de salão do Vasco e levou para o Flamengo. Na base, formou uma família e um time praticamente imbatível e quase todos fizeram sucesso no profissional:

– Juan, Alessandro, Júlio César, Fernando, Cássio, Reinaldo e Adriano. Craque o Flamengo faz em casa e esse time foi campeão de tudo. Fui campeão em todas as categorias que passei.

Ainda na base, teve a oportunidade de vestir a amarelinha e dividir os gramados com ninguém menos que Ronaldinho Gaúcho nas seleções sub-17 e sub-20. Após tanto sucesso, chegou a hora da verdade! O convite para os profissionais veio de Sebastião Rocha, em 97, aos 18 anos.

– Confesso que foi até meio precoce a minha subida! Fui disputar a Copa dos Campeões, joguei contra o Atlético-MG e me deu uma caganeira absurda! – relembrou aos risos.

Sincero, Lê revelou que não era um cara muito profissional. Adepto da frase “quem não bebe não joga”, a fera confessou que isso pode ter prejudicado nos primeiros anos da carreira e, coincidência ou não, foi puxado de volta para a base.

Apesar do baque, continuou deitando e rolando entre a garota até 99, quando fez um excelente carioca e foi chamado novamente para o time principal do Flamengo.

– Lembro que o time não andava muito bem e o grupo se fechou para conquistar a Mercosul. A meta era se manter no Brasileiro e depositar as fichas na Mercosul, que era mais curta e dava um dinheiro bom.

O desfecho dessa história todos já conhecem, mas poucos sabem que o herói daquele título foi relacionado às pressas, no dia anterior da partida, enquanto fazia um churrasco com a família.

– Eu fui, mas achava muito improvável entrar! Parece cena de filme!

Lê não só entrou, como decidiu aquele título contra um Palmeiras que jogava por música com Marcão, Arce, Junior Baiano, Alex, Zinho, Paulo Nunes, Galeano…

Mesmo após ter se tornado herói, Lê não foi tão aproveitado pelo Flamengo, sobretudo após a chegada de Denílson, e foi buscar novos ares no Internacional. De lá foi para o Brasiliense, onde foi vice da Copa do Brasil contra o Corinthians, teve experiências em Portugal e até na Angola.

Dê o play no vídeo acima e confira a resenha completa!

 

 

COMO SE SOLETRA A PALAVRA LÍDER? ASSIM: Z I t O

Por Gabriel Santana, do Centro de Memória


Na língua portuguesa, liderar é sinônimo de influência, comando ou ter controle sobre alguma situação. No Santos, liderar é sinônimo de José Ely Miranda, o Zito.

Treinador da equipe dentro de campo, ele também era o porta-voz dos jogadores junto à diretoria e, numa época sem empresários, chegava até a negociar a renovação de contrato de seus companheiros.

Nascido em Roseira, Interior de São Paulo, em 8 de agosto de 1932, Zito iniciou sua carreira no EC Taubaté, conhecido como “Burro da Central”. Após boas apresentações, foi contratado pelo Santos aos 19 anos, em 1952.

Em 29 de junho do mesmo ano vestiu pela primeira vez o manto santista, em um amistoso no Estádio Urbano Caldeira, contra o Madureira, que o Santos venceu por 3 a 1, com dois gols de Hugo e outro de Tite.

O seu primeiro título com a camisa alvinegra foi o Paulista de 1955, três anos depois de sua chegada à Vila Belmiro. A essa altura já era respeitado como um líder e um dos grandes jogadores daquela dinastia que estava se formando.

Aos poucos tornou-se um dos nomes mais importantes e imprescindíveis da era mais vencedora de um clube no futebol brasileiro, conquistando títulos estaduais, nacionais, continentais e mundiais. Sempre muito elogiado pela crítica, era um exemplo para outros atletas.

Nas suas broncas, ele não aliviava nem mesmo para Pelé. Caso julgasse preciso, também chamava a atenção do eterno Rei do Futebol.

Jogador completo, Zito era dotado de extrema capacidade técnica. Concedia passes e lançamentos precisos para seus companheiros. Na função de volante, estava avançado no tempo. Além de ser um especialista em desarme e um marcador implacável, quando necessário se tornava um sexto atacante.

Aos berros, a virada

Em excursão realizada pelo time santista à Europa, em 1967, Zito realizou algo que só grandes líderes poderiam fazer. O Peixe estava perdendo por 4 a 1 para o SV 1860 München no estádio Grunwald, em Munique, e ele, adoentado, acompanhava o jogo da arquibancada.

No intervalo do jogo, inconformado com o desempenho da equipe, foi ao vestiário e se apresentou ao técnico Antoninho, afirmando que queria entrar na partida. Com extrema autoridade, organizou e motivou a equipe apenas no grito. Sua voz firme ecoava em campo. O resultado dessa incrível liderança não poderia ter sido outro, a não ser a virada santista para a 5 a 4.

Referência na Seleção

Convocado para três Copas do Mundo, Zito teve fundamental importância nos dois primeiros títulos mundiais do Brasil. Realizou quatro jogos na Copa do Mundo da Suécia, em 1958, e seis jogos na Copa do Mundo do Chile, em 1962. Na grande final de 1962, contra a Seleção da Tchecoslováquia, marcou, de cabeça, o seu único gol em Copas, e justo o gol da virada. Sentiu a possibilidade de ir à frente, pediu aos berros o passe de Amarildo e cumprimentou a bola quase rente à trave, praticamente decidindo a partida que terminou 3 a 1 para o Brasil.

Convocado também para o Mundial de 1966, não chegou a atuar em nenhuma partida. Além de machucado, já estava quase chegando aos 34 anos. De qualquer forma, deixou seu nome na Seleção Brasileira. Estreou com a amarelinha em 1955 e se manteve com ela por 11 anos. Ao todo, foram 50 jogos e três gols pela Seleção.

Exemplo de amor à camisa

O grande líder vestiu o uniforme do Santos por 15 anos interruptamente, aposentando-se no em 1967. Conquistou 22 títulos oficiais, sem contar os inúmeros torneios amistosos.

Entrou em campo defendendo as cores do time santista em 733 oportunidades, tornando-se o terceiro jogador que mais atuou pelo Alvinegro, atrás apenas de Pelé e Pepe. É o volante que mais marcou gols pelo Peixe, com 58 tentos assinalados.

Após pendurar as chuteiras, Zito continuou morando em Santos e atuou diversas vezes como dirigente do time santista. Como diretor das divisões de base, foi um dos responsáveis pelo surgimento de Robinho e Neymar.
Poucos jogadores representam tanto para uma instituição como Zito para o Santos. Por isso, a faixa de capitão do time tem um Z, de liderança!

O grande gerente santista faleceu em um domingo à noite, 14 de junho de 2015, na cidade de Santos, a que adotou para morar e constituir família. Viveu 82 anos.

O QUE SERIA SER CONTRA O FUTEBOL MODERNO?

por Paulo Escobar


Ser contra o futebol moderno é acima de tudo levantar o questionamento sobre as estruturas que excluem os mais pobres, é ser contra essa uniformidade e engessamento de ter nos estádios somente aquele público de teatro e a cada dia mais os torcedores do lado de fora. Lembrar onde começou este processo de exclusão e embranquecimento dos públicos das arenas, ser contra esse padrão de arenas que tira as particularidades e demole a história contida nos antigos recintos.

Há uma corrente, que aparece acreditar que ser contra o futebol moderno é ser contra o futebol bem jogado, o futebol bonito de se ver. Esse que o cara na favela gosta de ver seu time praticar, a boa jogada que muitas vezes fica na mente sofrida de muitos torcedores, o futebol tem esse papel de gerar momentos de alegrias para aqueles que mais carregam dores.

O futebol bem jogado, tanto ofensiva como defensivamente, foi praticado desde que a bola rola e o esporte existe, e os exemplos poderiam ser muitos. Só no âmbito local poderíamos citar o Brasil de 1970, 1982 e tantas outras seleções, o São Paulo de Telê ou o Palmeiras de 1993, a própria democracia corintiana, ou o Flamengo de Zico e tantos outros.

E na América Latina outros tantos exemplos, como o próprio Newells do Loco Bielsa, o Boca de tantas glórias, o Uruguai ajustado pelo Maestro Tabarez tanto no seu sistema defensivo já conhecido como na frente, assim como inúmeros times e seleções ao longo do tempo que vivem na memória de seus torcedores.

Ser contra o futebol moderno, não significa ser a favor da feiura do futebol, não acredito que os torcedores gostem mais de ver o time rival com a bola do que o seu. Ganhar é bom, torcedor gosta, mas ganhar jogando bem é mais motivo para comemoração, quando o time deita e rola no rival.

Mas ganhar a qualquer custo, ou ser movido pelo resultadismo, também é um espelho do que o futebol moderno reproduz deste sistema, que é ganhar a qualquer custo, mesmo que para isso seja usado o artificio que seja.

Os legados deixados por belos times, mesmo que esses times não tenham ganhado o título, as vezes são mais lembrados que o campeão e isso não é de hoje. Vocês lembram mais do carrossel holandês de 1974 ou da Alemanha campeã? Se belos times não ganharam copas, azar das copas.

Futebol bem jogado e bonito de se ver está acima de épocas ou gerações, está na memória até dos rivais. A lembrança de belos times seja no ataque ou na defesa bem armada continua na memória e os avôs contam aos seus netos, o gosto de ver a bola bem tratada.

Não adianta ser contra o futebol moderno e não questionar as estruturas de poder que excluem os mais pobres, ou que reproduzem o racismo dentro dos estádios. É apontar essas estruturas que a cada dia que passa roubam mais o futebol dos pobres e os deixam de fora dos estádios.

Ser contra o futebol moderno é se arriscar e apontar as contradições, mesmo que isso te custe o emprego. É não se calar ou estar em paz quando este futebol insiste em ser jogado diante de quase 100 mil pessoas mortas pela Covid.

Sou contra o futebol moderno porque ele é classista, racista, mais homofóbico que nunca e porque o espetáculo está acima da vida.

NASCIDO PARA BRILHAR

por Alberto Lazzaroni


Equipe do Bahia campeão brasileiro de 1959. Léo é o terceiro agachado (esq. p/ dir.)

Vamos viajar para a Bahia, mais precisamente para a cidade de Itabuna, bem no meio da cultura do cacau. Se Itabuna é famosa por ser a terra natal de Jorge Amado, falaremos de um outro grande personagem nascido por lá: Léo Briglia. Imaginem vocês nascer numa família rica, filho de um coronel do cacau, em plena Itabuna, no início do século passado. Conseguiram imaginar? Pois bem, isso aconteceu com ele. Filho do lendário coronel Chico Briglia que, no contexto histórico da época, mandava “soltar e prender” quem quisesse, ele ousou desafiá-lo e, contra a vontade do pai, deixou de lado os estudos e foi ser jogador de futebol.

Léo era daquelas pessoas que sonham com algo e, para realizá-lo, vão em frente contra tudo e contra todos. Observado jogando numa preliminar de Bahia x América-RJ, não pestanejou: veio fugido para a capital federal jogar pela equipe rubra. Após dois anos no Rio de Janeiro, aconteceu algo inusitado. O América foi disputar um amistoso em Ilhéus e Léo decidiu visitar os irmãos. Moral da história: foi preso pelo próprio irmão, que era delegado, com a anuência do pai.


Léo recebendo a faixa de Campeão Brasileiro

Após alguns anos trabalhando “obrigado” na fazenda do pai, Léo não desistiu do futebol.  Continuou jogando por equipes de menor expressão da região e consegue retornar ao Rio de Janeiro em 1956 para jogar no Fluminense. No tricolor carioca sofreu com a concorrência de Waldo (simplesmente o maior artilheiro da história do clube) mas conseguiu mostrar seu valor a ponto de ser convocado para a Copa do Mundo de 1958 realizada na Suécia. No entanto, lesionado, acabou cortado, sendo substituído por Dida. Sobre esse episódio, Léo falava resignado que, apesar de ruim, foi graças à sua contusão que Pelé foi para a Copa e o resto todo mundo sabe.

Tinha fama de boêmio e mulherengo. Dizem as más línguas que era companheiro de boemia de Garrincha. Por conta desse histórico, ao retornar à Bahia, ninguém queria saber dele. Tentou sem sucesso jogar no Vitória. Investiu então no Bahia e a resposta também foi negativa e enfática: velho e boêmio. Foi aí que surgiu a figura do treinador Geninho que, à exemplo do que fizera Gentil Cardoso no ano de 1946 no Fluminense no episódio Ademir Menezes, disse: deem-me Léo Briglia e seremos campeões brasileiros. O ano? 1959. O resto, a história registrou. O tricolor da Boa Terra tornou-se o primeiro campeão brasileiro e Léo o artilheiro da competição com oito gols.


Casamento com Selma

Léo faleceu na sua Itabuna querida em fevereiro de 2016. Passou os últimos anos da sua vida na Ponta da Tulha, uma colônia de pescadores, junto aos amigos que considerava verdadeiros. Modernizou o local, levou energia elétrica e mandou construir uma igreja na comunidade. Léo não foi santo mas, em vida, mostrou toda a sua alegria e empatia. Como bem lembra a filha Fátima: “meu pai era um homem muito amoroso. Por onde passava, ninguém ficava triste”. Morreu feliz.