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CHICÃO E PAQUETÁ

por Rubens Lemos


Uma das seleções menos charmosas com a camisa brasileira existiu em 1978. Uma seleção sem tempero, uma seleção assexuada. Frígida. Tinha tudo para ser até melhor que a de 1982. Nos anos 1970, escalávamos quatro escretes fortíssimos, pela quantidade de craques. Colocados todos juntos, fechariam um anel de arquibancada de Maracanã.

Nem foi quatro anos antes, na Copa da Alemanha, o pior momento. O caos veio em 1990, com Sebastião Lazaroni convocando cinco zagueiros, esnobando Geovani do Vasco e João Paulo do Guarani e inventando um líbero, enchendo a equipe de defensores.

Em 1974, faltavam jogadores de ataque. Não havia um só centroavante de brilho. A convocação de Mirandinha do São Paulo (ex-ABC de Natal em 1981) e de César Maluco, do Palmeiras, carimbam a certeza.

Em 1978, o Capitão Cláudio Coutinho contava com o manjar das artes em suas mãos. Vou escalar um time: Raul; Orlando Lelé, Carlos Alberto Torres, Luís Pereira e Marinho Chagas; Carpeggiani, Falcão e Paulo César Caju; Paulo Isidoro, Juary do Santos e Joãozinho do Cruzeiro. Esse time teria ficado entre os quatro. Permaneceu quase inteiro  no Brasil. Capita Torres oferecia classe no Cosmos (EUA). 

A constelação que lembrei como quem sai retirando livros de um armário, não agradaria ao Capitão Coutinho pela técnica fantástica. Ninguém daria um pontapé. Nem tanto unânime Luís Pereira, ainda que melhor zagueiro da Europa na época, porém Marinho Chagas, Falcão e Paulo César Caju foram mortos em vida. Caberiam entre os 11 titulares, embora as circunstâncias políticas barrassem rebeldes. Craques. Punidos.

A ditadura dos treinadores chegava ao seu ponto máximo. Palpitava ainda o Almirante Heleno Nunes, presidente da falecida Confederação Brasileira de Desportos e o médico Lídio Toledo era usado para justificar cortes inaceitáveis. 

Havia excesso. Nesse vai-e-volta, concentração em 1978. O Brasil jogou mais feio do que com Zagallo e os buracos da Argentina tiraram de combate os três maiores solistas: Rivelino, Zico e Reinaldo, o pequenino centroavante do Atlético Mineiro, um suprassumo, sem hífen desde a Reforma Ortográfica de 2009.

O Brasil empatou as duas primeiras jogando mal. Contra a Suécia(1×1) e 0x0 com a Espanha.  Na terceira, o Almirante Heleno Nunes tirou a farda militar e se impôs um agasalho imaginário de comissão técnica, sacando Zico por ranço vascaíno, escalando Roberto Dinamite por paixão cruzmaltina e justiça e o lateral-esquerdo Rodrigues Neto no lugar do improvisado Edinho, de origem quarto-zagueiro. Edinho de lateral-esquerdo revoltou o país.

Com um gol de Roberto Dinamite, matando no peito e virando com um arremate de direita, o Brasil se classificou passando pela Áustria em angustiante 1×0. Empatasse, estaria fora na primeira fase, copiando o fracasso de 1966. 

Brasil caiu no grupo da Argentina e o duelo aconteceu na Batalha de Rosário:0x0. O nosso principal nome, o truculento volante Chicão. Ele entrou no time, segundo o ponta-direita Búfalo Gil, porque o hábil Toninho Cerezo simulou uma contusão. Estava com medo dos Hermanos. 

Toninho Cerezo é um jogador que nunca entrará em minhas predileções. Aquele jeito mamulengo, elástico e de meiões arreados, coreografia de peladeiro, escondia um frouxo. Em 1982, entregou dois gols, o segundo e o terceiro (bola dominada, cedeu escanteio do 3×2) da Itália e chorou em campo, sendo esbofeteado pelo lateral-esquerdo Júnior.

Retorno para 1978. O Brasil terminou com a seguinte formação: Leão; Nelinho, Oscar, Amaral e Rodrigues Neto; Batista, Cerezo (Chicão) e Jorge Mendonça; Búfalo Gil, Roberto Dinamite e Dirceu, terceiro melhor jogador do Mundial. Time que perderia para o que escalei acima. Brasil invicto e “campeão moral”, no desejo de Cláudio Coutinho, rei do neologismo.

A recordação de 1978 e sua mediocridade me surge quando tento dedilhar alguma linha sobre o sujeito intitulado Lucas Paquetá, convocado pelo técnico Tite para as Eliminatórias 2020.

Lucas Paquetá espelha a escassez técnica de um país que produzia (bons) caras em modelo de manufatura. Hoje, cata duvidosos. Lucas Paquetá é a cara do Brasil. Vivo, Cláudio Coutinho o convocaria, ele jogando em 1978. Ele e Chicão no meio-campo. Uma tragédia.

AH, LAN, POR QUE VOCÊ SE FOI?

por Marcos Vinicius Cabral


Enquanto o Flamengo vencia por 3 a 2 o Athletico Paranaense na noite desta quarta-feira (4/11) e avançava às quartas de final da Copa do Brasil, Lanfranco Aldo, conhecido no humor gráfico brasileiro como Lan, perdia a luta pela vida.

Internado há dois meses no Hospital da Beneficência Portuguesa em Petrópolis, o italiano mais brasileiro que as folhas de papéis e tintas nanquim conheceram enfrentava problemas de saúde.

Normal para um senhor com quase um século de vida (na verdade, aos 95 ele disse tchau e simplesmente partiu).

Partiu sem que eu pudesse dizer meu muito obrigado.

Mas lembro com os olhos marejados que o mais próximo que eu cheguei do mestre de voz suave, cabelos e bigode brancos foi na faculdade Estácio de Sá, em Niterói.

Morador há mais de 40 anos do bairro Pedro do Rio, em Petrópolis, Lan buscava sossego longe da Cidade Maravilhosa, onde viveu por muitos anos.

Nascido em 1925 na cidade de Montevarchi, na região italiana da Toscana, o craque da caricatura trabalhou como jornalista gráfico na Argentina, França e Uruguai. 

Entre idas e vindas em solo verde e amarelo, em 1952, convidado por Samuel Wainer, começou a trabalhar no Última Hora, onde publicou um de seus trabalhos mais marcantes: uma caricatura do político Carlos Lacerda, em que retratava o arqui-inimigo de Getúlio Vargas como um corvo. 

Mais tarde, o animal foi incorporado pelo próprio Lacerda a suas peças de propaganda.


Mas desenhar figuras emblemáticas da nossa política e corvos,  não era a sua praia, embora mergulhasse em qualquer tipo de mar e surfasse com maestria nas ondas políticas, culturais, esportivas e figuras humanas.

Antes de se transformar no chargista _hors concours_ no humor gráfico nacional, entrou no departamento de artes do Jornal do Brasil pela primeira vez em 1962 – onde permaneceu por 33 anos – e em seguida, retratou com a percepção aguçada o cotidiano dos cariocas sempre bem ilustrado na coluna ‘Cariocaturas’, no O Globo.

Desbravador do caminho tortuoso dos cartuns, charges e caricaturas na imprensa carioca, foi ele com seu imenso talento e altruísmo peculiar, que abriu caminho para Henfil e Ziraldo.

Já o paulistano Chico Caruso – a quem trouxe para o Rio de Janeiro, em 1978 -, titular do O Globo desde 1985 e o matogrossense Ique – único chargista bicampeão do prêmio Esso em 1991 e 1992 – devem muito ao velhinho de cabeça branca e bigode fino que escondia o sorriso sincero de quem fez muito por muita gente.

Mas sua verdadeira paixão era pela boemia carioca e pela beleza das mulheres, sem dúvida!

No caso dele, especialmente as negras, desenhadas a exaustão por suas mãos que faziam como ninguém das curvas a marca mais inconfundível de seu estilo. 

Há seis décadas, era casado com Olívia Marinho, ex-passista do Salgueiro e da Portela, era integrante da Velha Guarda.

Lan será enterrado na tarde desta quinta-feira (5/11) no Cemitério de Itaipava, em Petrópolis.

Mas antes de fechar os olhos para a eternidade, o italiano mais rubro-negro do mundo pôde ver – graças a Deus no céu e a Jesus à beira do campo – os títulos do Brasileirão, Libertadores, Supercopa do Brasil, Taça Guanabara, Recopa Sul-Americana e o Campeonato Carioca.

Morreu feliz.

Lan não deixa filhos, porém, deixa órfãos nos quatro cantos do mundo pessoas que o consideravam o pai do humor gráfico.

Obrigado Lan, precisava escrever isso!

OS ESTRANGEIROS ASSUMIRAM A PONTA

por Zé Roberto Padilha


Falta de aviso não foi. Há quanto tempo a imprensa esportiva não fala seguidamente sobre as obsoletas  estruturas táticas  montadas pelos treinadores brasileiros? 

O futebol boleiro, de Joel Santana, o bom de grupo e do churrasco, de Waldir Espinosa, o amigo da rapaziada, como Jair Pereira, foram perdendo posições no G4, e se aproximando do ZR4, na medida em que o futebol moderno foi ocupando o espaço do futebol arte.

Por termos há alguns anos a genialidade que resolvia por si mesma, caso do quarteto Ronaldo, Rivaldo, Romário e Ronaldinho, que  dominavam os troféus de melhores da FIFA, nossos treinadores relaxavam no quesito aplicação tática na marcação. 

Se tomávamos 3, eles faziam 4. E tinha churrasco na segunda e chinelinho na terça.

Quando Neymar, Coutinho, Arthur foram embora e o Diego, Hernanes e o Nenê voltaram para jogar no Master do Luciano do Vale, e acabaram titulares das principais equipes do país devido a escassez de talentos, o Robinho quase veio nessa barca, não havia mais quem resolvesse uma partida com a bola nos pés. 

E sem sua posse e guarda, o espaço cada vez menor a ser ocupado precisava de treinamento tático organizado. Nada mais de improviso e muito de estudo e trabalho dentro de campo. E isso esses treinadores aí de cima sabem fazer muito bem. 

E por isso as três Mercedes, do Inter, do Flamengo e do Atletico-MG ocupam, hoje,  as primeiras posições do Grid de Largada, enquanto as nossas Ferraris, dirigidas pelos que ainda insistem em viver de romantismo e exaltar seu passado, vão ficando para trás na classificação geral.

SAUDAÇÕES AO GUERREIRO

por Claudio Lovato Filho


Ele foi um dos heróis que conduziram o Grêmio numa travessia fundamental.

Com ele, enfrentamos a seca de títulos em boa parte dos anos 70, mas também com ele viramos o jogo.

Formou com Victor Hugo e Tadeu Ricci um meio-campo que todo o gremista recita como parte de um poema épico.

Fez o gol mais rápido da história dos Grenais, aos 14 segundos de jogo, em 14 de agosto de 1977. Uma festa inesquecível no Olímpico. Um sinal claro de que as coisas estavam mudando.

Deu o passe para um dos gols mais importantes da história do Grêmio, o gol que decretou o título estadual que abriu caminho para a conquista do país, do continente e do mundo, o gol de André Catimba na final do Gauchão daquele abençoado ano da graça de 1977. Passe de esquerda, que não era a perna de preferência. Passe milimétrico, passe perfeito, passe de quem sabe – porque ele não era apenas raça e coragem; tinha muita bola no pé também.

Defendeu o Grêmio, como jogador, entre 1971 e 1980. Depois virou conselheiro e dirigente, mas tudo isso – jogador, conselheiro, dirigente –, tudo isso sempre esteve subordinado ao torcedor apaixonado que ele sempre foi desde menino. Ele lutou, chorou e sorriu por causa da camisa azul-preta-e-branca. E a honrou de forma exemplar.

Assim foi desde os tempos do bairro Jardim Floresta, na Zona Norte de Porto Alegre, onde foi criado. Filho de imigrantes russos, passou a infância trabalhando na loja de próteses dentárias fundada pelo pai – e jogando bola, claro.

Júlio Titow, o Iúra, o camisa 8 que foi o mesmo guerreiro nos tempos de vento contra e nos tempos de maré a favor, está completando 68 anos hoje.

Salve Iúra! Parabéns, Passarinho! A Nação Tricolor te parabeniza, te abraça e te agradece por tudo, que não foi pouco.

Tu és, dentre os nossos ídolos, um dos que, de maneira mais precisa, personificam a nossa história, a nossa identidade.

SUDERJ INFORMA

por Paulo-Roberto Andel


Às vezes algumas pessoas perguntam porque tantas outras gostam muito de futebol. 

Para mim, não é simples explicar porque praticamente já nasci dentro disso. Então faz parte da minha vida. 

Tem muita, mas muita coisa dentro e no entorno de uma partida de futebol. Muito além do esporte. 

Milhões de pessoas no mundo e bilhões no planeta têm no futebol às vezes a sua única distração, o seu único alívio. O jogo que nunca termina. Você perde hoje, recobra as esperanças para o próximo jogo, o próximo jogo. 

Único esporte em que o mais humilde pode derrubar o mais poderoso. 

Jogar bola, botão, ver jogos, games, futebol de preguinho, totó. 

Quando era criança, frequentei um lugar chamado Maracanã. Estive por lá durante 35 anos consecutivos e vivi tardes e noites da pesada. Certamente essa vivência impactou toda a minha vida para sempre. Eu olhava as pessoas rindo ou chorando, as bandeiras, a bola chutada para o alto que se perdia em meio aos refletores, os garotos feito eu, alguns bem ricos, outros bem pobres, todos juntos vendo o jogo. 

Sem o Maracanã eu teria sido outra pessoa, infinitamente pior. Deitei no chão da geral e fiz do desenho da marquise do Maracanã o meu disco voador. Vi partidas no degrau mais alto da arquibancada e me sentia feliz com aquele mar de gente. Ganhei, perdi, aprendi. 

Durante oito anos, ser aluno da UERJ me fez passar pelo Maracanã mais de duas mil vezes, afora os dias de jogos. Até hoje, mesmo com tudo mudado, chegando na Praça da Bandeira eu tenho a mesma sensação de quando meu pai me puxava pela mão, há mais de quarenta anos. Anos depois, eu é que puxei a mão do meu irmão.

Nunca vi o jogo como algo entre inimigos. Pelo contrário: futebol não existe sem o outro. No futebol o adversário é tudo. Já vi muitas partidas com amigos que torcem para outros times. Noutras, não teve jeito: cada um luta pelo seu. 

Quantas vezes não fui triste para o Maracanã e passei duas horas de alívio? Muitas, nem sei dizer, talvez a maioria delas. 

Apesar do futebol brasileiro estar mal dar pernas, ainda gosto muito do jogo. Mesmo com o meu Maracanã assassinado pela ganância corrupta, ainda vou ao novo em busca de vestígios. Às vezes encontro com amigos, noutras fico sozinho do mesmo jeito que fiz muitas vezes quando era garoto. 

O tempo passou muito rápido. Se pudesse escolher no que eu gostaria de voltar no tempo, seria em três vértices: ter minha família de volta, voltar a jogar campeonatos de botão e voltar ao Maracanã, o velho Maracanã de jogos abarrotados e outros muito esvaziados. Às vezes ficar uma ou duas horas em silêncio antes do jogo começar. 

Podia voltar ainda mais no tempo e escutar Jorge Curi com João Saldanha no velho Telefunken de luzes verdes. Eram tempos de Edinho e Pintinho, Moisés e Renê, Junior e Uri Geller. Mendonça e Ademir Lobo, Luisinho e Silvinho. Jorge Demolidor. O treinador Velha. Zé Duarte no Rio por algum tempo. Oto Glória. Othon Valentim. Jorge Vieira. 

Aquelas luzes piscando num placar de lâmpadas que não deve nada a nenhuma tela de computador da última geração, e que os garotos arregalavam os olhos ao ver o desenho do escudo do time do coração, mais a escalação das equipes. 

Hoje, alguns dos meus craques e heróis do gramado estão mortos, outros ainda estão por aí. Os grandes locutores e repórteres. Os cronistas. As rádios. Os líderes de arquibancada. Os árbitros. Mas é como se todos estivessem vivos demais. Penso diariamente em muitos deles, é como se continuassem aqui. 

É como se eu ainda tivesse dez anos de idade e ficasse louco para saltar do ônibus e ver meu pai comprar nossos ingressos no guichê, porque aquilo era a certeza de que logo estaríamos num espetáculo de luzes e gentes para todo lado. O que me move agora é isso: eu ainda tenho dez anos de idade, mesmo que o corpo e a lógica desmintam. E quero ter dez anos para sempre, até quando o fim vier. 

Miranda desarmando Mendonça, Assis e Washington pulando e trocando palmas. 

Cuidado com Luizinho das Arábias. Atenção aos cruzamentos de Perivaldo, do Rodrigues Neto, do Capitão Carlos Alberto Torres também. Tobias agarra demais. 

Dener é um perigo, senhores! 

No placar do Maracanã, uma narração inesquecível: “Suderj informa!”, obra de arte de Victorio Gutemberg. 

@pauloandel