O GUARDIÃO DO REI
por Zé Roberto Padilha
Sempre bom lembrar, no embalo do aniversário de um Rei, que recebeu seu cetro no México onde se tornou o primeiro atleta tricampeão mundial, daquele que bravamente protegeu seu Castelo.
Felix Miélli Venerando. O último goleiro da fase romântica do nosso futebol. Não tinham treinadores, o deles era o de todo mundo, e como aparelho de aprimorar fundamentos de última geração, apenas um tanque de areia para se jogar pra lá e pra cá.
E viviam a suplicar que nós, os “jogadores de linha”, chutássemos contra eles, após os treinos, bolas pra cá e pra lá.
Mesmo assim, quando um inglês entrou armado com uma bola sozinho em sua grande área, pronto a derrubar todo esse reinado, Felix se atirou aos seus pés com a cara e a coragem.
Uma defesa tão extraordinária que são incapazes de mostrar para a posteridade.
Reprisam a bola do Rei que não entrou, seu passe para o Capitão decretar a conquista, o tiro certeiro do arqueiro Rivelino contra as fronteiras uruguaias. Sua defesa, não.
Félix sabia que poucos lembrariam do seu gesto patriótico. Que ousadia, não Papel, defender com as mãos, e ser condecorado, e ser reconhecido, quem sabe lembrado, uma nação que apenas exalta aqueles que a defendem com os pés.
ELES ACHAM QUE SOMOS IMBECIS?
:::::::: por Paulo Cézar Caju ::::::::
Flamengo, Galo ou Inter, tudo leva a crer que um desses três seja o campeão brasileiro. Três treinadores estrangeiros, três estilos diferentes. Flamengo, o mais técnico e ofensivo, Inter provando que dá para conciliar técnica e força, e Atlético, time que aposta na intensidade, mas que ainda não me convenceu.
Adoro o Sampaoli, mas mesmo sendo o clube com mais tempo para treinar, por disputar apenas uma competição, é o que mais peca nos fundamentos. Keno, o principal jogador, erra demais e contra um esquema defensivo bem armado, como aconteceu com o Sport, o time fica rodando de um lado para o outro, insistindo nas mesmas jogadas, sem sucesso.
Inter e Flamengo estão muito mais bem treinados e o Flamengo tem a vantagem de ter jogadores de mais qualidade, como Everton Ribeiro, Gerson e Pedro. E ao Inter falta um jogador de velocidade para ajudar nos contra-ataques.
Mas para não dizerem que gosto apenas de treinadores estrangeiros, assisti o ótimo jogo entre São Paulo x Fortaleza, de dois técnicos que admiro, Fernando Diniz e Rogério Ceni. Dá gosto ver times bem treinados. Deu Diniz, após uma disputa de pênaltis eletrizante! Bom ver surgir Brenner, um bom atacante. Outro bom de ver jogar é Claudinho, do Bragantino. Tomara que vinguem.
O que continua chato demais, beirando o insuportável, são os comentaristas querendo dar aula de futebol. Tem dois ex-jogadores que estão passando dos limites. No excelente jogo entre Flamengo x Inter o locutor, a pedido dos internautas, pediu para o comentarista explicar o que significava a expressão “quebrar a bola”, que ele já havia usado umas duzentas vezes. A resposta deve ter deixado o pessoal mais confuso ainda.
Tem uma comentarista que segue a mesma linha, se acha, e é posicional para lá, marcação alta para cá. O que eles acham, que somos imbecis? Falem a linguagem do torcedor! Se está precisando de tradutor é porque tem algo de errado. Vamos entrar na geração do futebol com legenda. Vou seguir os conselhos de amigos que se cansaram de ouvir tantas baboseiras, deixar a tevê no mudo e ouvir pelo rádio. Genial, adeus último terço!
Em tempo, falamos do VAR na última coluna, mas é importante ressaltar que na Inglaterra ele também falha! No clássico entre Manchester United x Chelsea, o árbitro de vídeo ignorou um pênalti escandaloso para os visitantes!
A ZEBRA
por Valdir Appel
Domingo, no Machadão, o América de Natal teve a oportunidade de ganhar do Internacional de Porto Alegre e somar os dois pontos que o classificariam para a fase seguinte do Campeonato Brasileiro de 1975. O empate em 1 a 1, obrigou o time potiguar a fazer contas. Restavam três jogos difíceis, fora de casa, contra adversários que também brigavam por uma vaga entre os cinco primeiros do seu grupo.
Teoricamente, o Ceub seria o oponente mais fraco dos três, e embarcamos para a capital federal, otimistas com a possibilidade de conseguir o pontinho que nos faltava. Mas, uma derrota por 2 a 1 para o time do folclórico Fio Maravilha, no estádio Mané Garrincha, debaixo de muita chuva, adiou novamente as nossas pretensões.
Na quinta-feira, voamos para o Rio de Janeiro. Ficamos hospedados no Hotel Argentina. O nosso treinador, Leônidas, quase não falava com ninguém, decepcionado com os seus comandados que haviam jogado abaixo de suas possibilidades em Brasília.
Sábado, o nosso adversário seria o Vasco da Gama, em São Januário. Eu era o mais ansioso e otimista do grupo. A perspectiva de enfrentar o Vasco naquele sábado me agradava. O meu otimismo era causado pelo retrospecto que me era favorável – havia jogado o campeonato carioca pelo Bonsucesso e os confrontos, todos em São Januário, terminaram assim: vitória de 1 a 0 para o Bonsuça; um empate de 1 a 1 em jogo amistoso; e uma derrota por 1 a 0, com gol anotado pelo Dinamite em cobrança de pênalti cavado pelo Jair Pereira e absurdamente marcado pelo árbitro. Portanto, buscar a classificação em cima do meu ex-time tinha um sabor especial pra mim.
Eu não tinha ressentimentos contra o Vasco, era apenas uma questão de amor próprio. Queria provar para mim e para os torcedores, que eu ainda tinha lugar no time da Colina.
Recebemos muitas visitas de colegas e familiares. O meia Samarone, ex-Fluminense, que jogara comigo no Bonsucesso, fez questão de mostrar uma cartela da loteria esportiva, onde cravara a seco, a nossa vitória, tentando nos injetar uma dose de confiança.
Fazia frio no Rio, coisa rara. Sábado à noite, nos vestiários de São Januário, enquanto nos preparávamos para o aquecimento com o Arthurzinho, propus um acordo ao Leônidas: em caso de vitória e com a vaga garantida, ele me concederia quatro dias de folga no Rio, que era a minha cidade sede. Ele topou.
O árbitro deste jogo era o senhor Silvio Luiz, hoje jornalista esportivo. Uns 5 mil torcedores vascaínos assistiram um jogo disputado, amarrado, e viram (perplexos!) a nossa vitória por 1 a 0: gol de Washington, aos 20 minutos do segundo tempo. Vitória esta que se transformaria numa conquista sem precedentes para um time potiguar, e tornaria o goiano Miron o maior milionário da loteria esportiva em todos os tempos. Hoje, a bolada embolsada pelo humilde lavrador seria algo em torno de R$ 8 milhões.
O feito nordestino e o prêmio pago ao apostador foram notícias de destaque em todo o Brasil. Nos anos 1970, as zebras não aconteciam com frequência e esta foi a maior registrada até então. Muitas histórias são contadas pela imprensa: “O sorriso de Miron, sem os caninos, o induziu a marcar o duplo aberto no jogo que derrubou todos os apostadores brasileiros” ou “Miron fez um duplo aberto, pensando que o era o América carioca e fez, sozinho, os 13 pontos”.
Em compensação, saí de campo com o Motorádio entregue por uma emissora local ao melhor jogador em campo. Logicamente, cobrei e ganhei os meus quatro dias de folga na cidade maravilhosa.
No Aeroporto Augusto Severo de Natal, a recepção da torcida aos jogadores foi fantástica, coroando uma magnífica campanha. A classificação antecipada permitiu ao América jogar a última partida contra o Náutico apenas para cumprir tabela. O Vasco buscou a dele no jogo seguinte, vencendo o Campinense, da Paraíba. Classificamos para a fase seguinte em 3º lugar, atrás apenas dois pontos do Flamengo e um do Grêmio.
Fato interessante aconteceu no jogo contra o Náutico: o presidente do Bahia, Paulo Maracajá, anunciou um prêmio extra, caso eu evitasse a vitória do time pernambucano por uma diferença de dois gols. Na época, esta diferença dava três pontos ao vencedor. Mesmo sem valer nada, resistimos ao Náutico com um time desfalcado e perdemos de 1 a 0. O Náutico, de Jorge Mendonça, era um timaço. Mas só a velha rivalidade nordestina era suficiente para que todos se empenhassem ao máximo.
Este resultado interessava ao Bahia, que esqueceu de fazer o dever de casa, perdendo em Salvador para o Figueirense. Conclusão: ficaram de fora os dois, Bahia e Náutico. Até hoje, estou esperando o prêmio do Maracajá, que eu pretendia dividir com a rapaziada.
Ficha do jogo: Vasco 0 x 1 América de Natal – CampBrasileiro – 27.09.75
Estádio São Januário – Árbitro: Silvio Acácio Silveira – Público: 4.046 pagantes
Vasco: Mazarópi, Toninho, Moisés, René, Deodoro, Alcir, Gaúcho (Uiliam), Ademir, Freitas, Jair Pereira e Luiz Carlos. Técnico: Mário Travaglini.
América: Valdir, Ivan (Carmindo), Odélio (Mario Braga), Queirós, Olímpio, Zeca, Washington, Pedrada, Humberto Ramos, Élcio e Ivanildo. Técnico: Leônidas.
PELÉ 80
por Paulo-Roberto Andel
Meio século depois de comandar o maior time de todos os tempos – a Seleção Brasileira tricampeã mundial em 1970 -, Pelé completa 80 anos.
Desde a vitória inesquecível no México, jamais foi superado, sequer igualado ou, pelo menos, tendo um concorrente em seu encalço, ainda que a cem ou duzentos metros de distância.
De lá para cá, vimos Cruiyff, Rivellino, Maradona, Rummenigge, Sócrates, Platini, Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo, CR7, Zidane, Messi, Neymar e mais um exército de super craques fantásticos, mas nenhum deles sequer ameaçou no o posto do Rei do Futebol, o Atleta do Século XX.
Ao contrário da praxe de um país que, a cada quinze anos, esquece o que se passou a cada quinze anos, a carreira de Pelé pode ser vista e revista de muitas formas e com franca digitalização: revistas, filmes, documentários, vídeos, livros e muitos, muitos gols e jogadas. Só desconhece sua obra quem quer.
Não é preciso concordar com as posições políticas nem com as questões familiares de Pelé – ambas dignas de crítica livre – para reconhecê-lo como o maior jogador de futebol de todos os tempos. E sua arte não pode ser diminuída. Não vale apenas para Pelé, mas também para Pablo Picasso, George Gershwin, Tom Jobim, Basquiat, Andy Warhol, Charles Chaplin, Charles Bukowski, Jack Kerouac, Paul McCartney, Madonna, Janis Joplin, Susan Sontag, Indira Gandhi, Glauber Rocha e uma antiga lista telefônica imensa de personalidades geniais que foram – e/ou são – seres imperfeitos, simplesmente porque a perfeição plena de um ser humano não existe. Você mesmo(a) que lê estas linhas, já cometeu erros que considera até graves, mesmo que não tenham resultado na morte de ninguém? Eu cometi, reconheço e alguns deles me doem diariamente, mesmo quando eu não fui diretamente responsável, assim como algumas das pessoas que mais admirei e admiro já cometeram, inclusive contra mim. Todas estão perdoadas. Nenhuma delas foi ou é Pelé.
Gostaria de compartilhar uma pequena história de um colega, hoje jornalista consagrado, iniciante há duas décadas. Ao saber que Pelé desembarcaria nas Laranjeiras para uma reunião no Palácio Guanabara, se mandou para lá cedinho e abordou o Rei quando não havia um repórter por perto, em pleno gramado tricolor. Foi atendido com toda a gentileza em plena alvorada e, quando os seguranças chegaram perto para intervir, Pelé imediatamente pediu para que se afastassem e continuou atendendo o jovem e desconhecido repórter.
O maior craque de todos os tempos levou o nome do Brasil por todos os quatro cantos do mundo, num tempo em que o país procurava seu lugar no planeta. Seus números falam por si. Voltando às referências artísticas, muitos dizem que Nelson Rodrigues – outro brasileiro genial e que também não está isento de críticas – era o nosso Shakespeare. Outros dizem que Miles Davis – outro monstro com histórias controversas – foi o Pablo Picasso do jazz. Outros dizem que o maravilhoso Tom Jobim – que hoje seria apedrejado – foi e é o nosso George Gershwin. Pois bem, dentro das quatro linhas Pelé foi a soma de todos esses artistas geniais e mais um pouco. Carregando consigo a tradição de heróis como Friedenreich e Zizinho, ele desenhou uma carreira sem precedentes na história do futebol e hoje, quase quarenta anos depois, todos alimentamos o sonho de ver algo parecido com Pelé em campo. É difícil imaginar que ele possa ser concretizado. Pelo menos o Google e o YouTube aí estão para provar tudo que foi realizado pelo Rei.
“Vê-lo jogar, bem valia uma trégua e muito mais. Quando Pelé ia correndo, passava através dos adversários como um punhal. Quando parava, os adversários se perdiam nos labirintos que suas pernas desenhavam. Quando saltava, subia no ar como se o ar fosse uma escada”, escreveu Eduardo Galeano, um Pelé da literatura, em seu espetacular livro “Futebol ao sol e à sombra”.
Antes disso, em 1958, escreveu Galeano: “Pelé magricela, quase menino, incha o peito para impressionar e ergue o queixo. Ele joga futebol como Deus jogaria, se Deus decidisse se dedicar seriamente ao assunto. Pelé marca encontro com a bola onde for e quando for e como for, e ele nunca falha.
Até pouco tempo, engraxava sapatos no cais do porto. Pelé nasceu para subir, e sabe disso.”
PELÉ – RABISCOS
por Mauro Ferreira
Rabiscos. A majestade foi construída sobre rabiscos. Toda ela. Rabiscos escritos por duas pernas, cada qual equipadas com meiões e chuteiras. Desenharam a graça e deixaram sem graça os atrevidos, os tais beques. Mal sabiam, estavam ali para servir de guia; “por aqui, não; por aqui, sim”. E o desenho sempre desenhava um espetáculo. E foram muitos. Muitos e em variados quadros verdes, verdinhos e às vezes, nem tão verdes assim.
Até que alguém resolveu rabiscar sobre o rabiscado e contar com letras as obras de arte. E assim, foram espalhando aos quatro cantos e a todos os outros espaços que não cantos, as maravilhas, as proezas, todos aqueles rabiscos geniais. Primeiro, com letras; depois, vozes cantando letras. Até as imagens surgirem para mostrar o zigue-zague de um balé sem linóleo. Palcos abertos, plateias silentes substituídas por gentes. Gentios, gentalhas, qualquer um. O que importava? O que importava? Importava assistir aquelas pernas, aqueles pés rabiscando e rabiscando… e urrar de prazer, obra pronta, impressa na memória. Na arena-teatro, o artista fazia da ponta da chuteira, sua ponta de pincel.
Arte tamanha, tão grande a ponto de interromper uma guerra, a maior manifestação do ódio humano. Talvez, porque o artista nada tem de humano. O maior artista do século. Perdão. O maior artista dos séculos. Sua majestade, primeiro e único.
Humilde, engraçado, solicito, gaiato, PELÉ, o artista maior, o Rei Uno, soberano sobre todos, disse love, love, love. No dia do seu aniversário, majestade, a plebe encantada repete:
WE LOVE YOU,
PELÉ!