FUTEBOL, UMA CIÊNCIA INEXATA
por Eliezer Cunha
Nostalgias sempre me consomem e de alguma forma passam a fazer parte do meu cotidiano. Positivo ou negativo não me importam, no mínimo servem de matéria prima para expor meus sentimentos traduzidos em indignação ou conformismo. Já há algum tempo me vêm à tona minhas lembranças pós-póstumas de quando respirava e vivia futebol. Dentre estas recordações uma em específico me marcou e me vem à memória ciclicamente. A tal “peneira” a que se referiu recentemente nesta página Serginho 5Bocas.
“Peneira” se constitui em uma etapa de seleção em que aspirantes sonham em ser um profissional bem sucedido em um clube de futebol. Para isso, precisa passar por uma ou mais etapas de avaliações realizadas por representantes de um clube.
Nos meus humildes sonhos de adolescente deslumbrava-se uma carreira de jogador tendo como espelho Zico e, vestir a camisa dez do Mengão, jogando no maior estádio do mundo para completar a realização deste sonho.
Nascido no subúrbio carioca, origem pobre, era minha mãe costureira que fixava em qualquer camisa de malha o Nº 10 tão sonhado. A bola sempre embaixo do travesseiro me ajudava a construir meus sonhos. Raramente ia ao Maracanã. Quando ia, era sempre levado pelo meu irmão onde por falta de recursos aprendi a me comportar na geral. Metade de minhas atenções era dividida entre o palco e o meu maior ídolo.
Em casa fazia meus trabalhos de casa, aperfeiçoava a perna esquerda chutando uma dente de leite contra o muro entre os jardins da casa de dona Alice (Mãe), pois sabia que somente a perna direita não me tornaria apto para construir meu sonho. Fundamentos de cabeçadas e domínio de bola completariam esse cardápio.
Nas peladas do bairro era o primeiro a ser escolhido, me chamava de Platini, astro francês.
Confesso que nos melhores campos, onde as peladas eram mais sérias, precisava de uma chuteira, quase sempre emprestada de um amigo. Meião e chuteira não combinavam comigo, queria era mesmo jogar descalço. Coisa de várzea, meu maior palco.
Mas a coisa estava ficando séria.
Enfim, final dos anos 70 o time do Campo Grande começava a se despontar entre os times pequenos e aí fui eu, carregando uma chuteira emprestada fazer um teste, a tal “peneira’”. O trem se encarregou de me levar há um campo bem próximo ao estádio Ítalo Del Cima. Lá se reuniam todos aqueles que de alguma forma ou de outra sonhavam com o mesmo destino. Começar no Campo Grande e depois triunfar em um grande clube brasileiro. Centenas de adolescentes alardeavam o gramado. O meu grande momento estava chegando, concentrações à parte, ouvi do treinador o soado do apito a me chamar. Entrei no gramado e em menos de dez minutos meu sonho foi desfeito, resumido a dois toques na bola. Naquele momento reconheci uma das partes da engrenagem desta lúdica estrutura, percebi um complô entre alguns meninos, onde a bola somente circulava entre eles, era a chamada “panelinha”. E foi assim que meu sonho foi desfeito para sempre, voltando para a geral do Maracanã de onde nunca deveria ter saído, carregando o sonho desfeito, desapontado e iludido em ser mais um, só mais um a entender que a ciência futebolística não e nunca será exata, salvo algumas raras exceções.
VOZES DA BOLA: ENTREVISTA MAURICINHO
Enquanto Fluminense e Vasco se enfrentavam pelo Campeonato Carioca naquele domingo, 13 de março de 1988, o ponta-direita Mauricinho sofria em silêncio no vestiário do Maracanã.
Olhos marejados e vermelhos como a cor da Cruz de Malta no peito que há minutos antes era aplaudido pelos 33.501 torcedores nas arquibancadas do estádio. Suas lágrimas que escorriam faziam ele se despedaçar em mil pedaços.
“Ele foi covarde. Não precisava entrar na minha perna daquela maneira. Ainda mais faltando apenas dois minutos para terminar o jogo”, lamentou ao lembrar do lance em que Jandir, cabeça de área tricolor, acertou de maneira criminosa o seu joelho direito aos 43 minutos do primeiro tempo.
O lance trouxe sérios problemas para a carreira de um dos maiores pontas do futebol brasileiro. Já com pré-contrato assinado com o Corinthians, Mauricinho vivia a incerteza de voltar aos gramados. E trouxe também à vida do pequeno ponta-direita veloz de dribles insinuantes um processo evolutivo de reconstrução dos ligamentos do cruzado anterior nos 120 dias em que realizou tratamento específico na clínica de fisioterapia Nivaldo Baldo em Campinas, São Paulo, após passar por uma intervenção cirúrgica no Hospital Samaritano, em Botafogo.
Muita coisa passou na cabeça de Mauricinho quando usou seu hipocampo – pequena região do cérebro responsável pelas lembranças – naquelas 2.880 horas longe da bola.
Família, amigos, saudades dos treinos e jogos, e um amor incondicional à carreira foram importantes nesse período em que pode demonstrar que um vencedor vence a dor.
No entanto, sentiu uma dor maior do que a ruptura dos ligamentos do joelho direito: o coração queria bater mais feliz com um pedido de desculpa do camisa 5 tricolor, autor da entrada criminosa.
“Nos enfrentamos algumas vezes e nem um pedido de desculpa foi feito por parte dele”, lamenta. “Mas é a vida”, diz o aniversariante do dia que completa 57 anos de vida de uma carreira recheadas de atuações inesquecíveis, dribles desconcertantes, jogadas memoráveis, títulos marcantes e cenas de pugilato naquelas extremidades do campo todas as vezes que o pequeno gigante camisa 7 recebia a bola e partia para cima de seus marcadores.
“Tenho uma história no Vasco, onde conquistei tudo que podia imaginar. O único título que não consegui foi o do Mundial de Clubes, quando perdemos para o Real Madrid (1 a 2 para o time merengue)”, destacou o ex-jogador, fazendo uma referência a quem tem um carinho especial.
Assim podemos descrever a história do inesquecível Mauricinho, que vive atualmente em sua Ribeirão Preto ao lado da esposa Adriana, com quem é casado há 32 anos, dos filhos Marcelo de 29 e Gabriela de 24 e da pequena Manuela de 4, xodó do vovô babão.
O Museu da Pelada conversou com um dos expoentes pontas-direita do futebol brasileiro da década de 1980 na série Vozes da Bola.
Por Marcos Vinicius Cabral
Edição: Fabio Lacerda
Como foi sua infância em Ribeirão Preto, antes de atuar profissionalmente com 17 anos, em 1981, no Comercial?
Na verdade o meu primeiro jogo no Comercial-SP, como profissional, foi com 16 anos, mas felizmente, até chegar lá, eu tive uma infância maravilhosa. Pude brincar de carrinho de rolemã, jogar bolinha de gude, estilingue, jogar bola na rua e desenvolver minha habilidade no ‘terrão’, campinho aqui em Ribeirão Preto, no bairro da Vila Seixas, e que a gente chamava de ‘Vilão.
Destaque da Seleção Brasileira no Mundial de Futebol Sub-20 de 1983, o título coroou aquela geração. Foi o momento mais alto da sua carreira como jogador de futebol?
Foi um dos momentos mais felizes da minha vida. Foi ali o pontapé inicial para eu partir para os clubes grandes e para a Europa e Japão. Mas não tenha dúvida que ali começou tudo. Fomos campeões sul-americanos e mundial invictos, e me elegeram o melhor jogador da América. Depois desse Mundial, a minha carreira deu a largada.
Você não teve o mesmo sucesso na seleção principal como teve no Mundial Sub-20. Na sua opinião, porque você não teve o mesmo desempenho?
Eu tive o azar de algumas lesões no momento errado, principalmente, no Pan-Americano de 1984. Estávamos na semifinal, e eu quebrei o quinto metatarso após receber uma pancada de um argentino. O Brasil fez a final com Uruguai e foi vice campeão. Em seguida, tive algumas lesões em 1984 e 1985 e, principalmente, no ano da Copa do Mundo do México, em 1986. Vivia grande fase no Vasco.
Em 1983, o Vasco da Gama te contratou mesmo você sendo alvo de grandes clubes de São Paulo. Como surgiu a equipe Cruzmaltina em sua vida?
Isso. Foi em 1983 que pisei em São Januário pela primeira vez. É verdade, recebi inúmeras propostas. Posso te revelar em primeira mão que alguns clubes da Europa quiseram me contratar, vários clubes de São Paulo também, e o Flamengo. Recusei todos os clubes e suas propostas, para jogar no Vasco da Gama e não me arrependo da escolha.
Você fez parte de uma geração vitoriosa do clube na segunda metade dos anos 80, que tinha, Geovani, Romário e o veterano Roberto Dinamite. Como foi jogar com esses jogadores?
Verdade. Eu fiz parte de grandes times do Vasco da Gama ao longo de sua história a começar com a minha chegada em São Januário, onde já estavam Cláudio Adão, Roberto Dinamite, Edevaldo, Acácio, Arturzinho e outros grandes jogadores. Logo em seguida a minha chegada, subiu Romário. Tive a oportunidade de jogar em um dos melhores times do Vasco da Gama que era formado por Acácio, Paulo Roberto, Donato Fernando e Mazinho; Dunga, Geovani e Tita; Mauricinho, Roberto e Romário. Isso não tem preço!
Você conquistou os Cariocas de 1987 e 1988 contra o Flamengo, últimos títulos do Vasco sobre o rival. Como era enfrentar a equipe rubro-negra e como foi vencê-lo duas vezes seguidas?
Fomos bicampeões estaduais em 1987 e 1988. Ganhamos a Taça Guanabara, Taça Rio, e havíamos perdido um Brasileiro, em 1984, para o Fluminense. Mas no Vasco não existe nada melhor do que você ganhar um título sobre o Flamengo. Imagina ganhar dois consecutivos? O próprio Eurico Miranda fazia questão de dizer publicamente que era um campeonato à parte quando jogava contra o Flamengo.
Ainda no ano de 1988, você foi vítima de uma ríspida e violenta entrada do volante Jandir no clássico contra o Fluminense que era sempre osso duro de roer na década de 80. O que tem a dizer do lance?
Um dos mais difíceis da minha vida. Como você mesmo frisou na pergunta foi uma entrada criminosa e que poderia ter acabado com a minha carreira. Te confesso que foi um dos piores momentos que vivi no futebol e acho que me prejudicou demais, já que eu estava praticamente negociado para o Corinthians, clube em que o Jair Pereira era o treinador e queria me levar para o Parque São Jorge. Com minha contusão no joelho, eu fiquei quatro meses afastados dos gramados. A negociação deu para trás. No retorno ao futebol acabei indo jogar no Louletano, em Portugal. Mas dei a volta por cima, anos depois. Voltei ao Vasco, conquistei um Troféu Ramón de Carranza, e graças a Deus, pude voltar a jogar futebol, que era a coisa mais importante para mim.
Depois disso, voltou a enfrentá-lo?
Enfrentei várias vezes depois e em nenhum momento houve um pedido de desculpas. Nas vezes em que nos enfrentamos, nem olhei para a cara dele.
Em 1989, você havia saído para jogar no Palmeiras. Como foi essa experiência em ter jogado no Verdão e ser comandado pelo Leão?
Foi maravilhoso fazer parte dessa equipe. Uma equipe vitoriosa e com Leão no comando que era um baita treinador. Ficamos 24 jogos sem perder. Me recordo que o Leão não queria que eu saísse do Palmeiras e chegou a oferecer o Neto para o clube lá de Portugal, mas eu acabei mesmo assim me transferindo para o Espanyol-ESP.
E como foi formar ataque com Neto, Gaúcho e Edu Manga?
Foi uma experiência muito boa. O Palmeiras não ganhava um título há anos e tinha uma grande equipe. Mas, infelizmente, uma derrota para o Bragantino no triangular de turno e returno, que ainda tinha o Novorizontino, não permitiu sermos campeões. Mas o Palmeiras daquela época era um timaço, ficou invicto 24 jogos, teve o melhor ataque e a defesa menos vazada. Velloso foi eleito o melhor goleiro da competição, e Gaúcho terminou como artilheiro. Mas bastou sermos derrotados para o Bragantino, treinado por Vanderlei Luxemburgo, para perdemos o Campeonato Paulista.
Por dois anos, você atuou no Espanyol, de Barcelona, e em seguida, no Louletano (time das divisões inferiores de Portugal). Como foi viver essas experiências jogando em dois clubes que não figuraram entre os grandes dos seus respectivos países?
Não vejo assim. Em primeiro lugar, acho que jogar na Espanha é o sonho de qualquer jogador e a valorização de todo atleta. A capital da Catalunha é uma cidade maravilhosa. Joguei no rival do Barcelona, então, eu não me arrependo de nada que eu fiz e das escolhas tomadas. Já em Portugal, eu joguei no clube que disputava uma divisão de honra, ou seja, não era a primeira e nem a segunda. Mas ali é porque o meu passe estava preso e fiquei durante três anos dessa forma, sendo emprestado para o Palmeiras, depois para o Espanyol, clube em que acabei retornando para encerrar o meu contrato.
Em 1991, na segunda passagem pelo Vasco, você não foi tão bem e acabou dispensado indo jogar no Bragantino, Remo e Ponte Preta. Ser dispensado do clube que viveu a melhor fase da carreira foi o momento mais triste na carreira?
Olha, se o Eurico ler essa pergunta, vai se remexer no caixão. Não teve nada disso. Vou explicar o que de fato aconteceu. Eu peguei meu passe no Louletano, e o Eurico Miranda perguntou se eu queria voltar. Aceitei de imediato. Lembro como se fosse hoje. Eu fiz um contrato de seis meses, e durante esse período, tive um problema no púbis. A cada intervalo de jogo eu tomava um antinflamatório para aguentar o segundo tempo das partidas. Quando terminou meu contrato, eu ainda estava não estava recuperado. O Eurico deixou as portas abertas para continuar o tratamento no Vasco, mesmo sem contrato, mas eu agradeci e não quis. Fui para Ribeirão Preto. Foi então que recebi uma ligação do Nei, um amigo que subiu comigo no Comercial e era zagueiro do Bragantino, à época, perguntando o que havia acontecido. Eu expliquei que estava com um sério problema no púbis e ele me indicou um fisioterapeuta muito bom chamado Rozan que trabalha em conjunto com o médico Márco Aurélio. Em 40 dias estava recuperado, comecei a treinar no próprio Bragantino para manter a forma e o Candinho, treinador do clube, não deixou eu ir embora. Fiz um contrato de risco de seis meses e renovei por mais um ano. Foi isso o que ocorreu nessa minha passagem por Bragança Paulista.
O bom futebol e Mauricinho fizeram as pazes em General Severiano, no Botafogo. Por que essa primeira passagem durou pouco?
Sinceramente, não acho que minha passagem no Alvinegro tenha durado pouco. Eu havia disputado o Campeonato Paulista pela Ponte Preta e assinei com o Botafogo para disputar o Brasileiro em 1994. Nesse ano, lembro perfeitamente, que o Túlio foi artilheiro com 19 gols e 14 desses foram com assistências minhas.
Em seguida, já veterano, você ‘fez as malas’ e foi se aventurar no Japão, para jogar no Kyoto Purple Sanga. Foi o lado financeiro que falou mais alto ou foi pelo desafio mesmo de jogar na Terra do Sol Nascente?
Eu não vou falar veterano, pois teve muitas histórias depois disso. Mas te garanto que eu fui porque nessa época, que falei do Botafogo e do Túlio, artilheiro do meu lado, ficamos seis meses jogando com salários atrasados. Mesmo assim, fiz um dos meus melhores contratos indo para o Japão, em 1995, e retornando ao Botafogo em 1996.
Aos 32 anos, na volta ao Brasil, retornou ao Botafogo, e novamente ficou por lá durante pouco tempo. Como foi ter jogado com a camisa 7 do Fogão?
Eu não fiquei por pouco tempo, apenas cumpri o meu contrato. Foi isso. Havia feito um contrato de um ano, e te garanto sem arrependimento que foi maravilhoso! Eu tenho um carinho muito grande pela torcida do Botafogo e acredito que ela tenha um carinho por mim também. Sobre a camisa 7, foi uma honra vestí-la, ainda mais sendo de Garrincha, Jairzinho e o próprio Túlio, com quem joguei. Mas graças a Deus, acredito que representei bem essa histórica camisa e pude honrá-la como ela mereceu ser honrada.
Pela terceira vez no Vasco, conquistou seus últimos títulos: o Brasileiro de 1997 e a Libertadores de 1998, o mais importante da história do clube. Na sua opinião, pelas contusões que teve, entre idas e vindas no Cruzmaltino, conquistar esses títulos foi uma maneira de fazer justiça pelo grande jogador que você foi?
Em 1997, 1998 e 1999, conquistamos o Brasileiro, o Carioca, a Libertadores e o Torneio Rio-São Paulo, respectivamente. No entanto, infelizmente, eu não pude fechar minha passagem no Vasco com chave de ouro porque perdemos a final do Mundial para o Real Madrid. Imagina, se ganhássemos do Real Madrid? Aí sim, eu seria muito mais feliz. Mesmo assim fico muito feliz em ter participado do maior título da história do Vasco da Gama que foi a Libertadores.
Quem foi seu ídolo no futebol?
Eu não vou falar apenas um, pois tenho alguns nomes que eu poderia falar e que jogaram ao meu lado. No entanto, escolher um é muito difícil, já que tem tanta gente que poderia ser considerado meu ídolo. Mas vou citar três, dos quais eu tive a felicidade de jogar com dois e enfrentar o terceiro: Roberto Dinamite, Romário e Sócrates.
Qual foi o marcador mais difícil de ser driblado por você?
Tive bons marcadores mas o Wladimir do Corinthians, foi o melhor. Além de ser um excelente lateral, muito bom de bola, excelente marcador, baixinho e que corria muito também, assim como eu (riso).
Na sua opinião, quais pontas-direitas eram os três melhores na época em que você jogava?
Eu vivi uma grande fase no Vasco, o Marinho no Bangu e o Renato Gaúcho no Grêmio. Inclusive na Copa do Mundo do México, em 1986, havia uma expectativa grande da gente ser convocados.
Quem foi seu melhor treinador?
Eu trabalhei com muitos treinadores top e posso citar alguns como Otto Glória, Carlos Alberto Parreira, Ênio Andrade, Antônio Lopes e Jair Pereira. Desses cinco eu destacaria Jair Pereira que foi um cara que me convocou do Comercial para a Seleção Brasileira e depois tentou me levar para alguns clubes em que ele trabalhou, como Corinthians, que acabou não dando certo. Já Antônio Lopes, que nas três passagens pelo Vasco da Gama, tivemos o prazer de conquistar vários títulos. Então, o Jair Pereira e Antônio Lopes, além de serem meus amigos até hoje, eu costumo chamá-los de pai.
Do que você sente mais saudades quando era jogador?
Eu me preparei muito bem para esse momento difícil na carreira de jogador de futebol. Então, vou abrir meu coração para contar uma coisa para o Museu da Pelada: a única saudade que tenho hoje é de São Januário. Lá, sempre foi e será a minha casa.
A gente sempre faz essa pergunta e com você não podemos deixar de fazê-la: O que o futebol representou para o Mauricinho?
O futebol foi tudo na vida do Mauricinho. Realizou o sonho dele, que era ser jogador de futebol. Depois que encerrei a carreira, tive a experiência de ser auxiliar técnico do Vagner Mancini no Botafogo-RJ, auxiliar técnico de Vagner Mancini, diretor de futebol no Olé Brasil Futebol Clube e presidente do Votoraty Futebol Clube por dois anos e meio. Vale ressaltar que o Fernando Diniz, treinador do São Paulo, líder do Brasileiro e semifinalista da Copa do Brasil, iniciou sua trajetória como técnico de futebol quando recebi indicação do Mancini e dei a ele a primeira oportunidade em sua carreira para dirigir uma equipe.
Defina Mauricinho em uma única palavra?
Realizado.
ADO: UM MOTIVO DE ORGULHO DO FUTEBOL BRASILEIRO
por André Luiz Pereira Nunes
O ponta-esquerda Miraldo Câmara de Souza, o Ado, sensação do Bangu na década de 80, tinha como característica o físico delgado, mais próximo de um maratonista do que de um jogador de futebol. Paraibano de nascimento, passaria por intensas agruras até se destacar no inesquecível time cujo patrono era o bicheiro Castor de Andrade. Com certeza, quem viveu os anos 80, se lembra com muito carinho da equipe cujo maior destaque era o ponta-direita Marinho, atleta completo e extremamente talentoso.
Ado foi levado para testes nas divisões inferiores do Vasco. Porém, lhe disseram que era muito franzino. Além disso, não queriam custear as suas despesas. Mas ele não desanimaria. Um amigo o levou até Marechal Hermes, em 1977, quando já tinha 15 anos. Outra decepção. O treinador Jair, das divisões inferiores do Botafogo, o achou raquítico e não quis sequer que mudasse de roupa. Alegou que não tinha corpo para jogar futebol. O companheiro que o tinha acompanhado ficou com pena e resolveu fazer uma última tentativa, dessa vez no Madureira, que o acabou projetando.
– Foi em Conselheiro Galvão que eu tive a melhor recepção. E devo tudo a dois treinadores. O primeiro foi Plínio Guedes, que me deixou treinando um ano, antes de jogar, para pegar corpo. Depois foi Célio de Souza que não cansou de elogiar meu futebol, alegando que era jogador para a Seleção Brasileira, relatou anos depois ao Jornal dos Sports.
De fato a ascensão foi meteórica. O atleta só permaneceria seis meses na categoria juvenil do Tricolor Suburbano. Com 16 anos foi convocado para a Seleção Carioca de juniores, dirigida por Joel Martins, mas o clube de Conselheiro Galvão não o liberou. Fora requisitado para o elenco de juniores do time, onde só atuaria por 4 meses. Jorge Ferreira, o treinador dos profissionais, o quis logo em suas fileiras.
Com 18 anos, Ado já era o destaque da equipe principal do Madureira. Mas a vida ainda era penosa. Nessa época ainda labutava numa obra em Copacabana. Treinava de manhã e misturava massa à tarde para poder viver dignamente. Trabalhava com seu pai. Ele conta que certa vez, quando passava pelas ruas de Copacabana, com duas latas de tinta, foi visto por dois jogadores do Madureira que estavam de carro. Ficaram com pena e lhe deram carona. Apesar do começo difícil, nem ele nem os colegas de profissão ficaram constrangidos com o fato de ser pedreiro.
– Estava fazendo o certo. Trabalhando. Jamais poderia ter vergonha disso, pois não estava cometendo nenhum crime. Tenho muito orgulho do meu passado, reitera.
Ado jamais se esqueceria dos dias que perdeu virando concreto. O garoto, que migrara de Campina Grande, munido de esperanças de se tornar um craque dos gramados brasileiros, olhava as mulheres, com seus biquínis mínimos, tomando sol no Posto 2, enquanto suava para conseguir uma grana extra.
Mas foi graças ao treinador Célio de Souza que não esmoreceu. Tudo mudaria quando certa feita ocorreria uma partida entre Bangu e Madureira, em São Januário. O treinador o chamou num canto e lhe disse que não se preocupasse com o placar. O adversário era favorito. O importante é que jogasse bem e demonstrasse o seu talento. Realmente o Bangu se saiu muito melhor, vencendo o rival pelo placar de 4 a 0, mas Ado, o melhor do time, levou pânico à defesa adversária, chegando a deixar o experiente Renê e o cabeça de área Índio caídos ao chão por conta de seus dribles desconcertantes.
A ótima atuação levou Carlinhos Maracanã, que assumira o cargo no Bangu de diretor de futebol, a comprar o seu passe junto ao Madureira. Na época, o treinador banguense era Jorge Vieira e Vilmar, o dono da posição. Durante um jogo-treino contra o Bonsucesso, o comandante chamou o titular num canto e lhe informou que gostaria de dar uma chance ao garoto estreante.
– Entrei no segundo tempo e me destaquei. Depois houve um amistoso contra o Guarapari, no qual entrei de cara e novamente fui o melhor em campo, marcando até gol. Nunca mais saí do time, recorda.
No início de 1985, o Bangu contratou o experiente Gílson Gênio, um dos destaques do America, campeão dos campeões, em 1982. Pela primeira vez desde que assumira a posição de titular, Ado teve que ir para o banco. Mas por muito pouco tempo. Logo recuperaria a posição, sendo peça determinante para que o time, de maneira surpreendente e inédita, chegasse ao vice-campeonato brasileiro e estadual. Em 1987, foi campeão da Taça Rio. Ainda conquistou a Bola de Prata, em 1985.
A carreira sempre foi marcada por grandes atuações e uma enorme infelicidade: o penal perdido durante a disputa de pênaltis na fatídica decisão do Brasileiro, de 1985, contra o Coritiba no Maracanã.
A ligação com o alvirrubro carioca é longa. Foram seis anos, entre 1983 e 1987, uma segunda passagem, em 1994, e ainda uma terceira, em 1997. Na temporada 1987/88, esteve no Espinho, de Portugal, intercalando um breve período no Internacional, no fim de 1988. Ao retornar a Portugal, jogou no Espinho por mais três temporadas. A carreira iria até 2002, pontuada por times como Friburguense e Barreira, e alguns da Indonésia e Peru, e finalmente encerrada no Campo Grande.
Foi considerado, em 2019, o técnico-revelação do Bangu, após promover uma excelente campanha à frente dos mulatinhos rosados de Moça Bonita.
RETROSPECTIVA DO CAJU
:::::::: por Paulo Cézar Caju ::::::::
Chegou o momento da retrospectiva do Caju! O problema será listar os bons momentos em um ano para ser apagado de nossas memórias. O clímax de 2020, sem dúvida, foi o furacão Jorge Jesus. Sua passagem relâmpago pelo Flamengo deu uma chacoalhada no arrastado futebol brasileiro. Causou uma ciumeira tremenda e abriu o mercado para outros portugueses tentarem a sorte por aqui. Josualdo passou pelo Santos e logo viu que não é assim que a banda toca. Hoje, Ricardo Sa Pinto, no Vasco, está quase pulando fora da banda. E o do Palmeiras ainda não emplacou.
Jorge Jesus deu uma liga danada e Rogério Ceni chegou ao fim de 2020 sem dizer a que veio. Uma pena, torço por ele. Fernando Diniz, mesmo perdendo alguns títulos, conseguiu ser o grande destaque do ano para mim. E falo isso porque ele, mesmo não tendo o reconhecimento da mídia, sendo massacrado regularmente, manteve seu estilo de jogo e o São Paulo, hoje, é o time mais gostoso de se ver jogar. Sem falar em Brenner, uma grata revelação, a maior de 2020.
Meu Botafogo começou ruim e terminou pior, assim como o Vasco. Fluminense e Inter, dois elencos fracos, chegaram longe demais. O VAR é o mico do ano, assim como o vocabulário dos comentaristas do novo normal: último terço, tomada de decisão, beirinha, atacar a bola, quebrar a bola e um monte de expressões que conseguem piorar ainda mais o futebol. Comentaristas que nunca chutaram uma bola e só soltaram pipa no ventilador. Chuparam laranja com quem?
Outro mico foi a dança das cadeiras dos técnicos da Segunda Divisão, uma palhaçada. E pela Segundona podemos perceber que estamos fritos, nenhuma novidade e os dois primeiros colocados, Chapecoense e América Mineiro jogando por uma bola, retranca na veia. Apostei em Thales Magno, do Vasco, e quebrei a cara, bacana ver Nenê ainda jogando com qualidade, legal ver Thiago Galhardo encontrando a posição, ruim demais ver Roger Machado sem clube, ótimo ver os clubes do Nordeste apostando em administrações profissionais, duro ainda sermos dominados pela filosofia da escola gaúcha e pior ainda ver uma seleção brasileira que não nos encante.
Fim de ano melancólico, com o Flamengo descendo de nível e se equivalendo a Palmeiras, São Paulo, Inter, Grêmio. E para piorar o comentarista ainda lembra que o Mengão não marca um gol de falta há dois anos. O Mengão do Galinho de Quintino, que colocava a bola aonde a coruja dorme. Peraí, eu também fiz muitos de falta. Mas vai aparecer alguém dizendo que hoje os goleiros são maiores, que é mais difícil, baboseiras que vamos escutar ao longo de 2021 porque sempre tem alguém para cornetar.
Com esses, dá vontade de fazer como os árbitros tem feito com os jogadores que demoram a sair de campo na hora da substituição: dar uma empurrãozinho de leve. Nesse fim de ano, perdoo todos que me xingaram nas redes sociais e agradeço aos que entenderam meus pontos de vista. E torço para que 2021 seja uma imensa Geral, todos juntos e misturados, respeitando-se independentemente das cores, dos credos e posicionamento político. Clamamos por um 2021 com mais Gerais em nossos corações!
CARBONE, UM BIGODE, O MARACANÃ E COISAS DE CRIANÇA
por André Felipe de Lima
Onde jogou, recebia apelidos dos mais inusitados. Na época em que defendeu o Internacional, de Porto Alegre, Carbone era o “Caminhão”, segundo o ex-centroavante Claudiomiro. Quando vestiu a camisa do Botafogo, Marinho Chagas batizou-o de “Charbon” (?!) e Ademir Vicente, de simplesmente “Veterano”.
José Luís Carbone, um dos mais aguerridos volantes do futebol brasileiro nas décadas de 1960 e 70, sobrinho do também ídolo e goleador corintiano Rodolpho Carbone, faz anos hoje.
Nasceu em 1946, na cidade de São Paulo, e começou a jogar bola aos onze anos, no Flor de Vila Formosa. Depois seguiu para a divisão de base do Juventus, quando contava dezesseis anos. Após um jogo do Juventus, foi levado ao São Paulo. E foi no tricolor do Morumbi onde começou a carreira profissional, em 1963. Perambulou pela Ponte Preta, em 1966, mas, no ano seguinte, regressou ao São Paulo, clube no qual permaneceu até 1968.
Passou rapidamente pelo Metropol, de Criciúma, que na época tinha um time bastante competitivo, de onde saiu o ponta-direita Valdomiro, e depois fincou os pés no Beira-Rio.
No Internacional, Carbone ganhou o estrelato. Era um dos ídolos da torcida e respeitado pela crônica esportiva gaúcha. Foi um dos ícones da equipe colorada que impôs um freio no ímpeto do Grêmio, que almejava o oitavo “gauchão” seguido. Logo na primeira temporada, em 1969, foi eleito o melhor jogador do estado. Nos cincos anos em que vestiu o manto Colorado, de 69 a 73, foi campeão estadual. Depois, sua história seria com o Botafogo.
Vi Carbone em campo defendendo o Botafogo. Embora vascaíno, meu pai levou-me ao Maracanã algumas vezes para ver o Fogão. Acho que foi uma forma de agradecer ao meu avô que, botafoguense, tentava convencê-lo a tornar-se alvinegro levando-o aos jogos para torcer pelo Otávio de Morais, pelo Nilton Santos, pelo Paraguaio, pelo Juvenal e pelo Geninho. Frustrada tentativa do vovô. Para o papai, era Deus no céu e Ademir de Menezes na terra. Segui o mesmo caminho.
Quanto a mim e ao dia em que “conheci” Carbone, confesso, era pequeno e não me recordo muito bem dos jogos. Sei que um deles foi contra o Bahia e terminou 0 a 0. Creio que em 1975 ou 76. Literalmente dormi no gelado cimento da arquibancada do velho Maracanã. Entre um cochilo e outro, chamava-me atenção o Carbone. Havia visto a foto dele no jornal. É, porém, certo: a cabeleira e o bigode do Carbone jamais saíram da minha memória. Tanto que achava bacana. Achava que ao crescer teria o mesmo bigode do Carbone. Coisas de criança. Fiz do craque um dos meus primeiros astros do futebol de botão, uma mistureba de jogadores do Vasco com os do Botafogo. No gol era o Andrada. Miguel e Osmar na zaga. Tinha, na meia, o Carbone, o Manfrini e o Zanata. Dinamite no ataque, com Jorginho Carvoeiro e por aí vai.
A cabeleira e o bigode do Carbone “rivalizavam” com outro famoso bigode, o do tricolor Rivellino. Um verdadeiro “Clássico vovô” dos bigodes. Divertia-me com tudo aquilo. Coisas de criança.
Hoje, aniversário do ídolo Carbone, esta memória veio à tona. Graças a Deus que ainda existem em mim… coisas de criança.