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MARADONA E O DEMÔNIO

por Marcos Fábio Katudjian


Em nossa cultura, a palavra demônio foi apropriada por muitas religiões, especialmente pela tradição judaico-cristã, como algo pejorativo e sempre associado ao maléfico. Os demônios, assim, seriam anjos caídos do céu que teriam se rebelado contra Deus com o objetivo de levar a humanidade à perdição, algo sempre a ser evitado na caminhada humana a caminho do Divino. Trata-se é claro de um ponto de vista maniqueísta que distingue claramente bem e mal, certo e errado. 

A origem grega da palavra demônio, porém, não é essa. Na antiguidade, demônio se referia a um gênio que inspirava os indivíduos tanto para o bem quanto para o mal. Etimologicamente, refiro-me à expressão grega “daimon”, entidades contraditórias da natureza humana como a loucura, a ira, a angústia, a tristeza, de um lado. E a criatividade, de outro.

Maradona pertence ao seleto grupo de seres humanos a terem nascido com uma benção que ao mesmo tempo era maldição. Refiro-me aos demônios que o habitavam, múltiplos e imensos, responsáveis por seu talento desconcertante, sua tremenda criatividade e sua intuição superlativa. Desfilou seus demônios em campo de uma forma rara, raríssima, tendo sido ironicamente, chamado de “Deus” por alguns.

A origem de seus movimentos em campo não eram apenas improváveis, mas muitas vezes absurdas, quase impossíveis. A origem desses movimentos eram certamente desconhecidas, provavelmente até mesmo dele próprio.

Maradona inquestionavelmente trouxe muito mais benefícios para o futebol do que para si mesmo. A vida frenética que teve não é por acaso. Trata-se da contraparte, do outro lado da moeda. É inimaginável o tamanho de sua dificuldade na tarefa de suportar esses mesmos demônios que durante sua vida profissional o elevaram ao penúltimo degrau entre os maiores do futebol, a conviver com eles após a aposentadoria. Não se iludam os senhores que inadvertida e até cruelmente o recriminam por tudo em sua vida que se deu fora dos campos. Com o tamanho de seus demônios, ninguém faria melhor.

Com sua partida, nos restam as imagens de sua poesia, de seus verdadeiros concertos em campo. Maradona, como poucos jogadores, elevou o patamar do esporte. Através dele, o futebol pode ser comparado a qualquer outra manifestação artística humana, sendo que para poucas personalidades mundiais, o agradecimento e o desejo sincero e profundo cabem tão bem: 

Descanse em paz, Maradona.

MARADONA ETERNO

por Luis Filipe Chateaubriand


Maradona foi o maior jogador que vi jogar!

Dribles variados, de todo tipo, um repertório inacreditável, que deixava os adversários tontos, atordoados, embasbacados.

Maradona foi o maior jogador que vi jogar!

Passes precisos, milimétricos, fossem curtos, fossem longos, deixavam os companheiros na cara do gol frequentemente.

Maradona foi o maior jogador que vi jogar!

Incursões pelas extremas do campo, que resultavam em cruzamentos, muitas vezes de letra – sim, cruzamentos de letra, pensem na dificuldade –, que resultavam em precisas oportunidades para arremates para os companheiros.

Maradona foi o maior jogador que vi jogar!

Inteligência tática ímpar, de acordo com a necessidade jogava mais adiantado, onde ficava mais perto do gol, ou mais recuado, onde colocava os colegas mais perto do gol – decisão que era tomada de acordo com o andamento do jogo.

Maradona foi o maior jogador que vi jogar!

Seu carisma incendiava a torcida, dava confiança aos companheiros, fazia que ele próprio confiasse ainda em seu perfeito controle de bola.

Maradona era como um tango de Astor Piazolla, criativo, elegante, insinuante.

Maradona morreu.

Viva Maradona!

Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!

DIEGO, O CAVALEIRO DA GUARDA DO RISO E DO SONHO

por Marcelo Mendez


Era uma tarde de 1986 quando o Pai me chamou para assistir Argentina x Inglaterra pelas quartas de final da Copa do Mundo. E o que aconteceu no Estádio Azteca naquele domingo elevou o que era pra ser apenas futebol a algo épico, imortal.

Vestido com uma camisa 10 azul, um pequeno homem vindo de uma favela de Lanús carregava em seus ombros todo o peso de ser esperança de um País dilacerado por uma guerra imbecil nas Malvinas, dilacerado por uma ditadura sangrenta, à margem da miséria por conta de uma inflação absurda. A única chance daquela nação sorrir era ter naquele camisa 10 algum tipo de esperança. Sempre foi isso.

Maradona era o triunfo dos desfavorecidos. Era o riso surgindo na cara dos pobres que só conheciam a dor. Não foi diferente naquela tarde.

Com a mão, socou a razão para dentro do gol dos ingleses e para que não restasse a dúvida, munido de apenas a bola rente ao seu pé esquerdo, driblou um punhado de ingleses deixando a bola onde ela gostaria de estar, fazendo um gol que entrou para história do futebol e das vidas de muito gente como a minha. Ali se fez uma premissa de vida; Maradona jamais frustrou só que o amavam.

Nunca foi um peso para ele ter todos nós, ávidos por encanto em seus ombros. Sempre encarou com maior prazer a responsabilidade de ser o Cavaleiro da Guarda do Sonho e do Riso. Viveu sua vida para isso, para nos fazer ver que o sonho era possível, que a vida dura seria um pouco mais suportável com ele a defender em campo as causas que acreditava, a guardar pelo riso dos Napolitanos, aos torcedores Argentinos e a todos nós que o saudavam. Tudo isso foi muito rápido.

Como narrou Vitor Hugo Moráles, Maradona foi um “Barrilete Cósmico, vindo de um planeta incerto e distante da nossa compreensão de mortais. Na narração, Vitor diz “Quero Llorar…”, como faço agora. A lágrima grossa que escorre da minha barba para o teclado, me impede que eu revise essa crônica, a emoção não me permite. Sabe, dias atrás eu pedi pra você “Fica Diego, por favor” e você não ficou. Tudo bem. Em sua vida você nunca fez o que os outros quiseram, não iria mudar agora. Você foi Diego…

Você foi o melhor sonho da minha vida.

Gracias Diez

EL PIBE

por Paulo-Roberto Andel


Maradona acabou de falecer. 

Com ele, também morre uma era. 

Polêmico, instigante, admirável, ferino, libertário, gênio, craque. Craque demais. Não pode ser resumido em adjetivos. 

Poucos personagens puderam encarnar tão bem a mistura de garra, poesia e tragédia tão típicas do imaginário portenho. 

Nele, o mais poderoso estava em sua condição humana. Ídolo de milhões de pessoas pelo mundo afora, mito de verdade, semideus em sua terra, ele nunca abdicou de sua condição humana, tanto por alguns erros quanto por incontáveis acertos. Seu discurso era genuíno: vivia o que acreditava.

Sinceramente, por mais que fosse previsível, eu não esperava por esse dia. A imagem que tenho de Maradona é a do jovem no Maracanã fazendo Leão, o poderoso goleiro da Seleção Brasileira, se esticar todo para evitar um gol em 1979. Dez anos depois, um chutaço do meio de campo explodindo no travessão.

Por mais que ele mesmo provocasse, e a imprensa adorasse, não precisou ser maior do que Pelé no campo para ser gigantesco, eterno, senhor supremo e absoluto. Também não foi Garrincha, mas assim como o craque brasileiro conduziu o Brasil no Mundial do Chile, Maradona o fez na segunda Copa do México. 

Em sua história há de tudo um pouco: tango, papel picado, jogadas espetaculares, uma Copa do Mundo nas mãos, a Máfia, as drogas, os prazeres, a sinceridade, o amor, a empatia, o carisma e um talento para o futebol que atravessou continentes e memórias.

À essa altura, em algum lugar nosso Fernando Vanucci está narrando uma jogada fantástica de Maradona num Globo Esporte. Jorge Curi, narrando um golaço-aço-açooooo. João Saldanha comentando e aplaudindo da cabine de rádio.

Ou talvez tudo seja apenas o último capítulo, silencioso, de um filme impecável: a história de um garoto que ganhou a Terra com a bola nos pés.

Maradona, nosso ídolo e algoz, herói do povo argentino e mosca na sopa dos moralistas.

Nós, simples mortais, lamentamos. Ele, não: já estava condenado à eternidade desde sempre. 

@pauloandel

CRAQUE NA BOLA E NA TELINHA: HELENO DE FREITAS

por André Luiz Pereira Nunes


Expoente de uma época em que o futebol ainda não se transformara em um mercado altamente lucrativo, na qual o jogador se identificava com as cores de seu clube, Heleno de Freitas foi um dos grandes nomes do futebol sul-americano dos anos 40. Contudo, a exemplo de seus companheiros de geração, não se tornaria milionário como qualquer atleta de nível médio dos tempos de hoje.

Ao contrário do que se poderia prever, a produção cinematográfica dirigida por José Henrique Fonseca, de 2012, não deve ser resumida a uma temática futebolística, mas sim um drama. Não haveria outra maneira de se narrar a triste trajetória do polêmico ídolo amado pela torcida botafoguense e precursor de uma série de “bad boys” do futebol brasileiro. Quem acompanhou as trajetórias de Edmundo, Ronaldinho, Adriano e outros atletas, talvez nem imagine que tiveram um célebre antecessor.

Referencial do Botafogo, na era pré-Garrincha, foi apelidado pela torcida adversária de Gilda, personagem estrelada por Rita Hayworth, no papel da mulher tão bela quanto complicada. O ídolo marcaria sua trajetória pelo time de General Severiano com 209 gols, em 235 partidas, tornando-se o quarto maior artilheiro da história da agremiação alvinegra. Em 1948, fora vendido ao Boca Juniors, até então a maior transação do futebol brasileiro. De volta ao Rio de Janeiro, atuou pelo Vasco da Gama, conquistando o título de campeão carioca de 1949, coadjuvado pelos companheiros do inesquecível “Expresso da Vitória”. No Júnior de Barranquilla, da Colômbia, marcou 14 gols em 47 jogos. Entre 1950 e 51, ainda defenderia as cores do Santos ao assinalar a incrível marca de 18 gols em 20 jogos. Encerrou melancolicamente a carreira no America ao jogar somente uma partida, a sua única no estádio recentemente inaugurado do Maracanã. Acabaria expulso aos 35 minutos ao atingir violentamente um zagueiro rival. Faria ainda 18 partidas pela Seleção brasileira, marcando 19 gols. Sagrou-se artilheiro do Campeonato Sul-Americano, em 1945, com 6 gols.


Espetacularmente interpretado pelo galã Rodrigo Santoro e encenado de maneira realística em preto e branco, correm em paralelo a imagem do ídolo em pleno sucesso e do doente magro e louco internado em um manicômio em Barbacena, conseqüência da vida desregrada e do avanço da sífilis, doença a qual se negara a tratar, apesar dos insistentes protestos de médicos e dirigentes. 

Para interpretar o personagem, Santoro foi obrigado a perder 12 quilos. As duas horas de projeção relembram a memorável, entretanto decadente, trajetória de um personagem que pensava que sua fama se estenderia por toda a eternidade. Ele, de certo modo, estava certo.