AS MÁQUINAS E O CASAL
texto: Marcello Pires | fotos: Ricardo Beliel
A Máquina Tricolor montada por Francisco Horta e recheada de craques como Rivellino, Paulo Cesar Caju, Carlos Alberto Torres, Edinho, Dirceu, Gil, Doval, entre tantos outros, é daqueles times que encantaram e foram eternizados na memória de todo apaixonado por futebol, seja ele torcedor do Fluminense ou não. Foi assim com o Santos, de Pelé; o Botafogo, de Garrincha; a Academia, de Ademir da Guia; o Internacional, de Falcão, tricampeão brasileiro; o Cruzeiro, de Tostão; e o Flamengo de Zico. Isso para citar os mais marcantes. Mas, nas Laranjeiras, há quem acredite que a verdadeira máquina a vestir as cores verde, branco e grená foi outra: o time tricampeão carioca e campeão brasileiro na década de 80.
A discussão gera polêmica, para alguns tricolores chega a ser inaceitável, mas o fato é que se levarmos em conta apenas os números e estatísticas, fatores preponderantes nos dias de hoje, a comparação não é nenhum exagero. Se, por um lado, os timaços que encheram os olhos entre 1975 e 1976 contavam com quatro tricampeões do mundo – Félix, Carlos Alberto Torres, Paulo Cesar Caju e Rivellino -, o escrete que começou a ser montado por Cláudio Garcia em 1983, passou pelas mãos de Carbone e Carlos Alberto Torres e teve os retoques finais de Carlos Alberto Parreira e Nelsinho marcou história pelos títulos, pela supremacia absoluta nos clássicos regionais e por uma das duplas mais carismáticas do futebol brasileiro, eternizada na sede das Laranjeiras em 2015, com dois bustos feitos em bronze, através de um crowdefunding (vaquinha virtual) que conseguiu levantar um valor total de R$ 197.572,00.
Pelé e Garrincha nunca perderam com a camisa da seleção, Pelé e Coutinho são considerados inigualáveis na época dourada do Santos e Romário e Bebeto talvez tenha sido a dupla mais badalada aos longo dos anos. Mas nenhuma outra foi tão marcante dentro e fora de campo quanto Assis e Washington, que assim que estrearam pelo Fluminense foram apelidados de Casal 20, seriado de TV da época, que tinha como personagens centrais Johathan e Jennifer Hart, protagonizados pelos atores Robert Wagner e Stefanie Powers.
Se na ficção a dupla investigava crimes pelo mundo e fazia o papel do mocinho, na vida real os atacantes do Fluminense não perdoavam as defesas e se tornaram os vilões mais indesejados pelos adversários. A ligação entre eles era quase sobrenatural e transcendeu as quatro linhas. É impossível descrever a trajetória de um sem lembrar dos feitos do outro. Se nas cerimônias de casamento nos acostumamos com a frase “até que a morte os separe”, no compromisso selado entre Assis e Washington essa promessa perdurou até o fim.
Nascido em 3 de janeiro de 1960, na cidade de Valença, no litoral sul da Bahia, Washington César Santos lutava contra uma doença degenerativa, a esclerose lateral amiotrófica (ELA), e morreu dia 25 de maio de 2014, em sua casa, em Curitiba. Fiel escudeiro de Washington em tantas batalhas ao longo da carreira, Assis sentiu o golpe e perdeu a fala durante o enterro do eterno amigo. “Desculpe, me desculpe, mas hoje não dá. Outro dia eu falo, mas hoje não consigo”. E, infelizmente, nunca conseguiu.
Internado dias depois, com problemas renais, Benedito de Assis da Silva não resistiu à falta do parceiro e deixou o torcedor tricolor órfão de vez da sua mais famosa dupla, no dia 6 de junho do mesmo ano, apenas 42 dias após o adeus do inseparável amigo. Autor dos gols contra o Flamengo que deram ao Fluminense os títulos estaduais de 1983 e 1984, o camisa 10 mais emblemático das Laranjeiras na década de 80 se eternizou como o carrasco rubro-negro e ganhou até uma música que a torcida tricolor canta até hoje nos Fla-Flus: “Recordar é viver, Assis acabou com você”.
A parceria, que começou timidamente no Internacional, em 1981, se apresentou para o cenário nacional no Athletico-PR entre 1982 e 1983, e se eternizou com a camisa do Fluminense, pode até ter se despedido desse plano no longevo 6 de junho de 2014, mas seguirá viva para sempre na memória e no coração de todo torcedor tricolor. Assim como as lembranças do toque sutil por debaixo do goleiro Raul e da cabeçada mortal que fez o argentino Fillol, campeão do mundo em 1978, brincar de estátua nas finais de 83 e 84, respectivamente, imortalizando Assis como o carrasco dos Fla-Flus, ou dos gols antológicos de Washington contra o Vasco, na vitória por 2 a 0, no estadual de 1987, quando colocou a defesa vascaína para dançar antes de balançar as redes do Maracanã, e diante do Flamengo, de voleio, dois anos antes, no empate em 1 a 1.
O legado deixado pela dupla, no entanto, vai muito além dessas doces lembranças contra os dois principais rivais. Além das nove taças que conquistaram entre 1983 e 1987, nas 160 vezes que pisaram juntos num gramado vestindo a camisa tricolor, foram 83 vitórias, 51 empates e apenas 26 derrotas. Um retrospecto respeitável para uma dupla que desembarcou no Rio de Janeiro numa fase de vacas magras apenas como uma aposta.
Assis se despediu do Fluminense em 1987, quando voltou ao Athletico-PR após cinco temporadas, 177 partidas e 54 gols. Já o camisa 9, que teve que se acostumar a escutar o famoso coro de “ão, ão, ão, na cabeça do Negão” sem seu fiel escudeiro, permaneceu por mais dois anos nas Laranjeiras antes de se transferir para o Guarani, após 301 jogos e 118 gols, que até hoje lhe mantém entre os 10 maiores artilheiros do Fluminense – Washington é o oitavo da lista.
Com tantos títulos conquistados, tantos craques marcantes e tantas histórias importantes, sinceramente o que menos importa nesta centenária jornada verde, branco e grená é qual é a verdadeira Máquina Tricolor. Sorte do torcedor que veste as cores do Fluminense de ter tido o privilégio de assistir a esses timaços em ação e de ter uma dupla eternizada no futebol pentacampeão mundial para chamar de sua.
TREINADORES TEÓRICOS?
:::::::: por Paulo Cézar Caju ::::::::
Semana passada, o técnico português José Mourinho disse orgulhar-se de ter quebrado a barreira de que apenas ex-jogadores poderiam ser bons treinadores. Hoje, segundo ele, qualquer jovem que tenha conhecimento científico, mesmo sem carreira no futebol, pode vencer na profissão. Disso, não tenho a menor dúvida, afinal esse mercado está repleto de professores de Educação Física e de gente que nunca chutou uma bola. Mas também não tenho dúvida que desde que essa turma do conhecimento científico assumiu o poder o nível do futebol despencou, a nível mundial, inclusive.
Mas essa briga é antiga e, em 70, Parreira já começava a surgir no cenário futebolístico. Já cansei de dizer que acho a preparação física importante para o atleta. Se eu não tivesse condicionamento não conseguiria dar dribles longos, me desmarcar, fugir das pancadas. Mas a conversa é outra. Preparador ensina o jogador a correr, mas nunca ensinará a chutar, driblar, cabecear. E o que vejo hoje, rodada após rodada, é o desconhecimento total de fundamentos primários nessa garotada. Por isso, louvo a paciência que Fernando Diniz está tendo com seu time, inclusive com os que não são mais garotos e que só agora estão aprendendo a tabelar, se deslocar, essas coisas. É um trabalho de formiguinha que levará tempo para ser consertado.
Existem comissões técnicas inteiras sem um ex-jogador. Isso é gravíssimo. Muitos jovens talentosos estão perdendo o bonde porque não existem profissionais para lapidá-los. Vejo a torcida crucificando jogadores sem dó nem piedade. E tem que criticar mesmo, afinal o produto tem que ser de qualidade. Não seria importante jogadores, como Roberto Dinamite, Adílio, Andrade, Leandro, Aldair, Mauro Galvão, Geovani, Moreno e sei lá mais quem fazerem oficinas com esses meninos? É importante que eles assistam vídeos exaustivamente desses jogadores. Muitos estão fora do mercado.
Mas eles só não podem ser engolidos pelo sistema, como vem acontecendo com os ex-jogadores comentaristas, que só querem saber do último terço do campo. O que vem acontecendo no futebol é mais ou menos como o estudante que chega ao ensino universitário sem saber escrever direito. Base fraca, futuro incerto. Ou resolvam logo, contratem professores de verdade, ou concluirão que no futebol só teoria tem data de validade. Por falar em teoria e prática, a diretoria do Flamengo tem envergonhado os torcedores com essa história da indenização dos meninos que morreram naquele trágico acidente! Apesar do discurso bonito, acabaram de reduzir pela metade o valor da pensão para as famílias.
ACEITA QUE DÓI MENOS
por Luis Filipe Chateaubriand
Verifica-se que, até os dias atuais, muitos ainda “cantam” a Seleção Brasileira de 1982 em prosa e verso e contestam a “injustiça” dos canarinhos terem perdido aquela Copa do Mundo.
Injustiça?
Sem dúvida, os amarelos eram um excelente time, porém, com falhas relevantes.
Tão relevantes que perderam o jogo para a Itália.
Merecidamente.
Em primeiro lugar, a azurra era um timaço!
Um goleiro como Zoff, um líbero como Scirea, um meia moderno como Tardelli, um goleador como Paulo Rossi, um artista como Antognioni, etc, etc, etc.
É time bom para mais de metro!
Além de bom, time entrosado.
Era praticamente o mesmo time da Copa do Mundo de 1978 – onde, aliás, a Itália já tinha feito uma excelente Copa, esteve a um passo da final, o que só não conseguiu por puro azar.
E, também, cabe ressaltar que a Itália jogou melhor que o Brasil, bem melhor, com mais gana, mais raça, mais vontade.
Inclusive, chegou a fazer o gol que determinaria o 4 x 2, com Antognioni, muito mal anulado, em impedimento inexistente.
Na época do jogo, eu era um menino de 11 anos.
Chorei todas as lágrimas que possuía.
Como virei adulto, parei de chorar, revi o jogo, e constatei o óbvio: mereceu perder.
Então, um conselho às viúvas de 82: cresçam, e parem de dizer asneiras como que aquela foi a melhor Seleção Brasileira de todos os tempos.
Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada
O NÚMERO 2, DO ANCHETA, COSTURADO TORTO
por Cláudio Lovato Filho
Era 1974, e o grande zagueiro central Atilio Genaro Ancheta usava a camiseta número 2. O lateral direito, Cláudio Radar, vestia a 4 (Everaldo jogou várias vezes na direita naquele ano, o último de sua carreira); o quarto-zagueiro, Beto Fuscão, a 3, e o lateral esquerdo, Jorge Tabajara, a 6. Naquele 1974, minha camisa era a 2, do Ancheta. Eram tempos em que o número era costurado na camisa,e o número da minha camisa tinha sido costurado de forma errada: o pé do 2 ficou torto, enviesado para baixo. Aquilo foi motivo de gozação por parte dos meus parceiros de bola na calçada, claro.
Quem costurou o número – uma pessoa muito querida, uma pessoa que estava em nossas vidas já havia muito tempo – não sabia ler nem escrever, nunca tivera a chance de se alfabetizar lá na periferia da cidade de interior (também minha cidade natal) na qual nascera e fora criada. Mas ela costurou o número, porque foi um pedido meu, porque percebeu o quanto aquilo era importante para mim. Tentou do seu jeito. Fez o que podia. E eu fiquei feliz, embora soubesse que, bom, o pé do 2poderia ter ficado mais reto.
Aquele foi o ano da minha primeira Copa do Mundo acompanhada de fio a pavio, o ano de conhecer Johan Cruyff, o ano de pelear mais uma vez com o propósito de voltar a levantar a taça do Campeonato Gaúcho. Era mais um ano de militares no poder e de ver cada vez mais muros no Bom Fim, no Centro e em todos os outros bairros da cidade pichados assim: “Abaixo a Ditadura”.
Eu tinha 9 anos e estudava no à época chamado “Grupo Escolar” Othelo Rosa, na Avenida Independência quase esquina com a Rua Fernandes Vieira, um pequeno colégio público com o retrato de Ernesto Geisel na parede dos corredores, o presidente-general admirado pela diretora, e as fotos estavam com certeza em lugares demais, como se nos vigiando, como se nos dizendo: “Estou de olho em ti”.
Morávamos na Fernandes Vieira, num prediozinhoverde de três andares na quadra entre a Henrique Dias e a Oswaldo Aranha. Era um edifício sem encantos, típica moradia da classe média residente na região central de Porto Alegre, mas havia na entrada um pátio murado, de piso de concreto, e quantas vezes aquele pequeno retângulo tão urbano, tão do Bom Fim, tão porto-alegrense, virou um campo de jogo, um estádio, o meu Olímpico particular. Quantos sonhos vividos ali.
Não foram tempos fáceis – nem em termos familiares nem nacionais -, mas o quanto isso realmente importava para um menino de 9 anos que andava pelas ruas do Bom Fim com a camisa 2, do Ancheta?
Pensando em retrospectiva, me lembrando daquele tempo, sou levado a crer que uma das poucas coisas que estavam certas, irretocavelmente certas, era aquele número 2, do Ancheta, costurado torto na minha camisa. Torto e sinuoso como é o caminho de cada um de nós, porque a vida não é exata. “Navegar é preciso, viver não é preciso”.
INSÓLITAS HISTÓRIAS DE UM REPÓRTER ESPORTIVO (PARTE 2)
por André Luiz Pereira Nunes
Corria o ano de 2010. Estávamos eu e o saudoso ex-árbitro e dirigente Walquir Pimentel, de carro, a caminho do CFZ, percorrendo a Avenida das Américas, no Recreio do Bandeirantes. Eu ia cobrir a final de um torneio, a Copa Yasmin Verão, da categoria juvenil, promovida pelo então recém-criado Clube Esportivo Yasmin, que posteriormente passaria a se chamar Clube Atlético da Barra da Tijuca. Atualmente integra a terceira divisão do Rio de Janeiro.
Chegando próximo ao nosso destino, Walquir me alertou para que ficasse atento. A próxima rua à direita possivelmente seria a que deveríamos virar. Era a rua do estádio, segundo ele.
– Preste atenção, André! É a próxima. Não podemos perder. Me avise.
Fiquei bastante atento esperando que a rua chegasse. Estava muito ansioso, pois nunca havia estado no clube do Zico. Quem sabe o encontraria por lá. Também faria contato pela primeira vez com o Yasmin, clube então estreante no profissionalismo. Seria uma ótima oportunidade para fazer umas matérias e também boas fotos.
De repente, surge uma rua. De imediato avisei ao Walquir.
– Olha, é aquela lá. Vamos entrar.
Viramos. A rua era simplesmente a entrada de um supermercado que estava em construção. Fomos parar dentro do estabelecimento. ___________________________________________
Outra história envolvendo meu saudoso amigo Walquir Pimentel. Tínhamos acabado de sair de um arbitral na Federação de Futebol do Rio. Para quem não sabe, trata-se de uma reunião em que se decidem tabela, regulamento e participantes, antecedendo ao campeonato. Vínhamos conversando, até que ele me perguntou se eu queria carona. Respondi que sim. Morávamos relativamente perto. Eu, em frente ao Colégio Militar, na Tijuca, e ele na Rua Carlos de Vasconcelos, próximo à Praça Saens Pena.
Quando já estávamos no carro, de repente o telefone dele tocou. Era o seu aspone favorito, Orlando Penteado. Foi aí que rolou um dos diálogos mais engraçados que já presenciei na minha vida de repórter esportivo.
– Olá, Orlando, tudo bem? Acabei de sair do arbitral. Você não sabe quem eu encontrei. O Lancetta.
Lancetta, Orlando!!! Lan-cet-ta!!! LAN-CET-TA!!! Tá surdo, Orlando???? Que buceta? Eu falei buceta, Orlando???? Lancetta!!! ____________________________________
Uma terceira história envolvendo meu saudoso amigo Walquir Pimentel. Dessa vez tínhamos como destino o Clube de Regatas do Flamengo. Haveria por lá algum evento esportivo, o qual já não me lembro. Entramos com o carro e estacionamos na garagem do clube.
Assim que descemos, Walquir me relatou que estava muito apertado. Precisava urinar. Eu, por acaso, também. Foi aí que avistamos um banheiro ainda na garagem da agremiação. Walquir entrou primeiro e começou a se aliviar. O interior estava escuro, não sei se por que não havia luz ou se meu amigo não havia achado o interruptor. Imaginei que o toilette de um clube como o Flamengo, mesmo situado na garagem, deveria ser enorme, daqueles que cabem 10 ou mais pessoas.
Para minha surpresa era apenas um banheirinho. Quando entrei, achando que se tratava de um grande compartimento, vi o Walquir muito irritado, no escuro, tentando mirar o alvo e, ao me ver, ainda reclamou comigo.
– Espera aí, André. Deixa eu mijar em paz. Aqui não dá pra dividir. Se não dá pra esperar, então, mija aí no chão mesmo. _________________________________________
Caio Júnior, quando era treinador do Flamengo, certa vez proferiu uma declaração que causou uma reação solitária e inusitada. Ele disse, após um período de derrotas que levou a sua permanência no clube a ser muito questionada, “que todo mundo no Flamengo dava palpite, até o diretor da bocha.”
Foi exatamente nessa ocasião que estive no Flamengo para fazer uma matéria, não sobre o Caio, mas sobre a bocha, e lá encontrei o tal diretor, puto da vida, dizendo que gostava do técnico, mas que não dava pitaco no futebol e exigia, portanto, respeito. Porém, ninguém o convencia de que o treinador apenas generalizara a imensa quantidade de corneteiros do clube, o que, cá entre nós, é uma realidade!
Dias depois conversei com o Caio e lhe relatei a indignação do tal diretor. Ele ao ouvir, riu e me falou: – Ah, você está de sacanagem!!! ________________________________________
Mário Sérgio me contou uma vez que a maior emoção de sua vida foi ter sido aplaudido por um estádio inteiro com torcidas rivais, do Inter e Grêmio.
Era o jogo das faixas do Grêmio, então campeão do mundo em 1983, e ele que jogara no elenco vencedor, acabara de se transferir justo para o Inter. Achou que ia ser vaiado. Acabou aplaudido.