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VASCO, UM AMOR FORA DE SÉRIE

por Marco Antonio Rocha


Nasci Vasco. Os laços de amizade começaram a se estreitar nos gols de falta do Dinamite, nos lançamentos do Geovani, nas arrancadas do Mauricinho, nos chutes certeiros do Romário. A mesa de botão, grande demais àquela altura, reproduzia lances fantásticos saídos da cabeça do menino com menos de 10 anos e do radinho de pilha. Quando José Carlos Araújo anunciava “casa cheia, casa cheia oi…”, logo imaginava o espetáculo das bandeiras com a Cruz de Malta e da chuva de papel na entrada do time em campo. No bate-bola com meu pai, eu era o Acááááááááácio, homem-elástico que, de São Januário, seria capaz de defender um chute certeiro no ângulo do Maracanã…

Não fazia ideia de quem eram Alexandre Campello, Jorge Salgado, Julio Brant e Leven Siano. Mas sabia de cor os times que conquistaram o Bicampeonato Carioca de 1987-1988. Comprei nas Casas Sendas um dos LP mais tocados na Ilha do Governador naquela década: de um lado, o Hino do Vasco; do outro, a gravação do Garotinho narrando o gol do Cocada. O disco se perdeu no tempo, talvez tenha se desintegrado de tanto rodar no três em um, com a caixa de som devidamente posicionada na janela de casa.


Não fazia ideia de quem eram Alexandre Campello, Jorge Salgado, Julio Brant e Leven Siano. Mas o sentimento pelo Vasco virou algo ainda mais forte quando acompanhei meu primeiro título de Campeonato Brasileiro, em 1989. Lá estavam Acácio, Winck, Quiñonez, Marco Aurélio e Mazinho; Zé do Carmo, Boiadeiro e Bismarck; Sorato, Bebeto e William. Comandados por Nelsinho Rosa, representavam o adolescente que não teve coragem de encarar a Dutra de ônibus, às escondidas, para ver a SeleVasco entrar para a história.

Não fazia ideia de quem eram Alexandre Campello, Jorge Salgado, Julio Brant e Leven Siano nos anos 90. Mas já estufava o peito para falar da luta contra o racismo, essência de nossas origens. De quebra, vi em São Januário e no Maracanã boa parte das vitórias que nos deram o Tricampeonato Carioca de 1992-1993-1994. Uma trinca marcada por momentos inesquecíveis e sucessivos: a estreia do Edmundo nos profissionais, a despedida do Dinamite e a trágica morte do Dener.

Não fazia ideia de quem eram Alexandre Campello, Jorge Salgado, Julio Brant e Leven Siano. Mas o Vasco já fazia parte da minha rotina. Dia e noite, noite e dia. Da Ilha até Niterói, dava tempo de sobra para devorar o Jornal dos Sports e a Placar antes de chegar à UFF. Na volta para casa à noite, sacolejando na Ponte ou cruzando suavemente a Baía, o radinho me contava as últimas. E o que começava a nascer não era um time, mas o time. Veio mais uma final de Brasileiro, e desta vez era só cruzar a Linha Vermelha, bem menos curta do que a Dutra… Espremido entre palmeirenses no Maracanã, vi Carlos Germano salvar de forma milagrosa uma cabeçada de Oséas. Não sei como cheguei em casa naquele dia, só sei que foi sem buzina – espécie de releitura do LP do Cocada…

Já fazia ideia de quem eram Alexandre Campello, Jorge Salgado, Julio Brant e Leven Siano quando me formei jornalista e passei a frequentar o clube na cobertura pelo Lance e, posteriormente, pelo Extra. Fui proibido de entrar em São Januário por Eurico Miranda, contrariado com reportagens que escrevi. Do lado de fora, sob sol e sob chuva, na calçada que dá para a arquibancada, tentava entrevistar os jogadores na saída do estádio. Poucos, muito poucos tinham coragem de parar o carro e desrespeitar a ordem do chefe. Mas jamais deixei de gritar o nome de todos eles nas partidas em dias de folga. Fui à loucura com o gol monumental de Juninho Pernambucano, festejei o quarto título do Brasileiro e experimentei uma das melhores sensações que senti na vida quando Romário sacramentou a Virada do Século.


Já fazia ideia de quem eram Alexandre Campello, Jorge Salgado, Julio Brant e Leven Siano nos rebaixamentos. E chorei. Não pelos cartolas ou candidatos derrotados em intermináveis eleições, mas pelo time que escolhi amar. Vejo gente promovendo campanhas de desassociação em massa, boicote aos produtos oficiais e à VascoTV. Somos pioneiros ao criar torcedores de dirigentes. E choro mais uma vez. A mesa de botão, agora, reproduz lances fantásticos saídos da cabeça do meu filho de 11 anos e das histórias que conto a ele. Como sempre, darei ao clube minha fidelidade incondicional. Seguimos um ao lado do outro, em uma relação de amor que não tem data (nem divisão) para acabar. Morrerei Vasco.

Manga + PC Caju

O GIGANTE DOS DEDOS TORTOS

texto: Sergio Pugliese | fotos e vídeo: Daniel Planel

Escuto falar em Manga desde que sou criança, mas não as mangas que derrubei do pé com estilingadas certeiras, em Santa Teresa. Comia dezenas por dia, com bicho e tudo. “Aí está a vitamina”, afirmava Maria, saudosa Maria, que nos enchia de carinho, a mim e meu irmão, Bruno, quando minha mãe estava no trabalho. Goiaba com bicho, então, foram incontáveis. Mas esse outro Manga era algo inatingível e nem a potência de um estilingue moleque o alcançaria.

Sempre que escutava falar em Manga era como se tratasse de algo mítico, um chefe de estado, um rei, um personagem, um extraterrestre. Uma vez, cheguei ao Capri, campinho de futebol onde passei as horas mais fascinantes de minha vida, e me deparei com um goleiro gigante, de camisa cinza, com Manga escrito no peito. Havia matado aula e o Capri ficava nos fundos do Colégio Machado de Assis. Era um molequinho, escola primária, e perguntei a um amigo de turma se aquele era o Manga. Ele não soube responder, mas para mim era.

Naquele dia, Manga estava inspiradíssimo, defendeu bolas impossíveis, voou magistralmente, mas alguém gritou: “Boa, Romeu!”. Tudo bem, Romeu passou a ser meu ídolo e Manga continuou guardado no baú dos sonhos. Manga campeão no Botafogo, Manga campeão no Nacional, de Uruguai, Manga campeão no Inter, Coritiba, Grêmio, ídolo incontestável no Operário, de Mato Grosso. Cresci ouvindo esse nome, cria do Sport, de Recife, sendo idolatrado, suas histórias sendo lustradas e conquistas, reverenciadas.

Sem luvas, pegava com apenas uma das mãos as bombas disparadas pelo lateral Nelinho, João Saldanha tentou contê-lo a tiros, mas super-heróis são blindados. Manga jogou com dedos quebrados, cabeça rachada, recém-operado, Manga era indestrutível! O tempo não seria capaz de freá-lo.

Até que veio convite de PC Caju, outro monstro sagrado, para visitarmos Manga, no Retiro dos Artistas. Engoli seco, lembrei do Capri, de Santa Teresa e de Romeu com sua camisa cinza. Topei, claro, afinal não é todo dia que uma lenda, um ser imaginário, aceita recebê-lo. Esticou a mão para mim, “Prazer, Manga”. Mirei em seus dedos totalmente retorcidos, tomados por artroses e pelo devastador efeito do tempo. Olhei profundamente em seus olhos, Manga existia e estava ali, intacto, devastador, sublime.

 

 

O DOUTOR CRAQUE A SERVIÇO DO FUTEBOL

por Jack Alves


A primeira lembrança que tenho do Sócrates é da Copa de 82. Apesar de uma criança ainda muito pequena e com pouco entendimento, nunca esqueci do grito de gol e do barulho do banquinho quebrando na sala: era meu saudoso pai comemorando o gol do Brasil contra a então União Soviética, na estreia brasileira na Copa. Eu estava dormindo no sofá da sala e acordei com a entusiasmada festa do meu pai, que depois foi até mim para me abraçar e me acalmar do susto.

O tempo foi passando, eu fui crescendo e, como a maioria das crianças brasileiras, o amor pelo futebol foi sendo cultivado dia após dia. Meu pai, um grande torcedor do Fluminense, era fã do Doutor Sócrates. Suas palavras eram sempre de admiração em relação à classe, categoria e até sobre as comemorações dos gols do grande craque brasileiro. Falava pra mim:

– Olha a comemoração do Doutor, sem palhaçada, apenas o punho cerrado no ar!


Só essas lembranças maravilhosas com meu pai já seriam suficientes para eu também gostar do Sócrates, mas a influência foi além por outros motivos. O craque mostrou pra mim, desde pequeno, que era possível jogar futebol, estudar, ler e se preparar para vida, pois o futebol não era uma “ciência exata”. Acima de tudo, estudar e se informar para não ser um alienado. Um jogador profissional, craque da Seleção Brasileira, do Corinthians e ainda médico, não tinha como ser uma má influência.

O vasto repertório de dribles, a categoria para dominar a bola, o chute preciso com ambas as pernas e, claro, os geniais passes de calcanhar. Enquanto os jogadores sem categoria usavam o calcanhar para aplicar verdadeiros “coices” nos adversários, Magrão usava para fazer a bola chegar nos companheiros. Era bonito ver o Sócrates jogar, assim como foi emocionante ir vê-lo jogar no Flamengo com o genial Zico, mesmo que por pouco tempo.


A primeira Copa que eu vi já com uma maior percepção foi a de 86. Com o amor sacramentado pelo futebol, vi Sócrates, Zico e companhia em busca do tetra. Vi o Magrão fazer o gol da vitoria na difícil estreia contra a Espanha. Mas, infelizmente, mais uma vez ficamos pelo caminho, dessa vez com a França como algoz. A admiração pelo Sócrates, no entanto, continuou. Afinal, um craque do futebol mundial, médico, com nome de filósofo e com Brasileiro no nome, não tem como passar despercebido. O Doutor sempre tinha algo relevante pra falar em suas entrevistas. Enfim, um craque em diversos sentidos!

Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, ou simplesmente Doutor Sócrates, fica aqui minha gratidão nessa singela homenagem no dia do seu aniversário. E é claro, com o punho cerrado no ar!

DIA DE CRAQUES

por Paulo-Roberto Andel


Se tem um dia em que se pode celebrar o talento do futebol brasileiro, ao menos daquele que conhecemos no passado, esse 19 de fevereiro cai perfeitamente na celebração.

Os aniversários de Sócrates, que infelizmente não está mais entre nós, e de Aílton Lira, firme por aí.

Dois cracaços, daqueles que dava gosto ver um simples passe, um lançamento – nada de assistências. Dos maiores da história do futebol brasileiro.

Sócrates é mais conhecido nacionalmente por causa de sua longa trajetória na Seleção Brasileira, enquanto Lira se manteve como uma fera do futebol paulista. Mas não custa lembrar: naquele tempo a camisa 10 do Brasil tinha como potenciais candidatos Rivellino, Paulo Cezar Lima, Dicá, os próprios Aílton Lira e Sócrates, Zico, Mendonça, Jorge Mendonça… e mais um monte. Falcão era volante, para vocês terem uma ideia.

Em fins dos anos 1970, Aílton Lira era o decano do timaço de 1978 do Santos, o dos famosos Meninos da Vila. O maestro que teve como sucessor ninguém menos do que Pita – e que, como Lira, também jogaria pelo São Paulo. E Sócrates era a sensação corintiana com seus passes de calcanhar, seus chutes certeiros, sua elegância discreta que iria muito além do futebol. O Santos e o Corinthians, dois gigantes.

Cobrança de falta. Aílton Lira na bola. O terror dos goleiros adversários. Várias vezes a torcida santista vibrou antes da bola entrar. É que a trajetória já era certa.

Anos depois, o Doutor também vestiu a camisa sagrada da Vila Belmiro.

Os dois passaram pela casa de Pelé. Justo e compreensível.

Aílton Lira e Sócrates desfilaram em campo o melhor do futebol brasileiro, aquele que fez os garotos se apaixonarem para sempre pelo jogo de futebol. O autêntico, dos passes e dribles, dos chutes e miras, da precisão e do talento.

Uma coisa é certa: 19 de fevereiro é dia de craque.

HISTÓRIA DE REPÓRTER NO MORRO DOS VENTOS UIVANTES

por Wendell Pivetta


Celebramos no dia 16 de fevereiro o Dia Nacional do Repórter, comemorado anualmente no Brasil. A data homenageia os profissionais responsáveis por transmitir através dos meios de comunicação fatos e informações de interesse público. Todo o repórter é jornalista, mas não são todos os jornalistas obrigatoriamente repórteres (Site: Calendarr).

No futebol, uma das figuras que deixa a jornada esportiva mais descontraída e cativante com entrevistas muitas vezes engraçadas e emocionantes é a do repórter. Seja no pré-jogo entre a torcida ou na beira do campo, este sagaz comunicador busca a informação e humaniza um belo dia de futebol.

O narrador e seu comentarista com fervor atendem à demanda dentro de campo, vislumbrando a partida em sua cabine de imprensa. O repórter na beira do gramado cria olhos para sua equipe nos mais variados detalhes. Grandes equipes de jornalismo conseguem executar com exímio estas funções, dividindo as ações, porém uma equipe reduzida transforma o jornalista em comentarista e repórter.

Este caso do jornalista se transformar em uma tartaruga ninja, com várias funções, é tradicional no interior do Rio Grande do Sul, e eu vivenciei estes momentos acompanhado do colega Vinicius Carvalho, narrador e, neste texto, também repórter. O jogo era de extrema importância: a SER Cruz Alta enfrentava o Nova Prata para conquistar a última vaga para as eliminatórias da Copinha, promovida pela Federação Gaúcha de Futebol, famosa competição por dar acesso ao campeão para a Copa do Brasil ou Série D.


Iniciamos a jornada esportiva! Naquele ano, eu estava comentando praticamente um jogo a cada final de semana, com a narração do Vinícius, uma dupla que estava muito entrosada, tanto que quase não olhávamos para as escalações, os nomes dos jogadores já estavam na ponta da língua. O estádio Morro dos Ventos Uivantes, naquela tarde de decisão, estava com o clima igual ao nome, uma tremenda ventania em pleno outono, gelando a garganta, judiando na dupla que estava na humilde cabine de imprensa, formada por tijolos que fechavam um quadrado sem porta, dois degraus normais igual ao que o torcedor se sentava, para largar ali equipamentos e sentar junto dos mesmos. Sentar no modo de dizer, a final, as vigas de proteção da cobertura dos assentos faziam com que a equipe ficasse de pé acompanhando até a ponta do degrau cada lance protagonizado pelos jogadores.

Era dia de fazer história, e os jogadores venceram a partida, protagonizando uma classificação histórica: vitória de 1×0 e muita comemoração por parte dos jogadores, e o personagem da equipe, o padeiro, gandula e presidente, Renato Chagas de Souza. Depois de 20 anos, a cidade de Cruz Alta voltaria a enfrentar um clube da primeira divisão do Estado, e foi o Pelotas, 111 anos de tradição. Mas o que comoveu mesmo naquele ano, e que ficou gravado na memória, foi o fim do jogo, quando o presidente estava celebrando assim como toda torcida, a equipe que antes era formada por narrador e comentarista, se transformou instintivamente em repórteres na beira do alambrado, entrevistando o presidente e vislumbrando o mesmo tomar o banho da vitória.

A emoção tomou conta, apenas anunciamos o apito final e descemos correndo degrau abaixo para pegar a fala do presidente e jogadores, deixamos boa parte do equipamento na cabine totalmente insegura, e nos contagiamos com aquela história nascendo em nossa frente. O frio da cabine foi deixado com a mesma, e o calor da emoção tomou conta diante de uma das principais histórias do futebol cruz-altense. Assim como o jogador, o bom repórter tem que estar em cima do lance.