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UM SER DO OUTRO MUNDO

por Zé Roberto Padilha


Tem pessoas que passam pelo mundo que, por não serem comuns ao mundo, poucos no mundo conseguem entender. Muito menos lembrar, respeitar, escalar.

Como, então jornalistas de todo o mundo votariam nele se ele, vocês sabem…

Como entenderiam um jogador que estreia em uma Copa do Mundo e vendo uma Inglaterra, toda de branco, entrar em campo num país só de brancos, no lugar de tremer, ironiza: “Oba! Hoje é contra o São Cristóvão…!”

Hoje, o camisa 07 da seleção desfila conectado ao mundo de fone de ouvido e IPhone. Garrincha carregava uma gaiola pela concentração. Não desligava um só instante da pureza da natureza que vivem a pulverizar.

Ninguém entendeu como driblava daquele jeito, ia e voltava com seu marcador como se brincasse de pique-esconde às vistas de todos que mal escondia seus encantos.

Garrincha teve mais filhos do que podia, relações que não deveria, suecas encantadas que viraram prato de comida, joelhos que não poderiam ser infiltrados e desobedeceu tantas ordens vindas do banco que caminhou por um gramado à parte em nosso universo esportivo. 


Aliás, nem teria acesso a ele se uma enciclopédia, sábia como Nilton Santos, após levar um desmoralizante drible entre suas canetas, no primeiro teste que realizou no Botafogo, no lugar de ir tirar satisfações com ele, se dirigiu ao treinador e pediu sua contratação.

Esse aí é melhor ter do lado do que contra.

Ninguém votou contra ele na seleção dos melhores do mundo. Não votaram a favor porque são jornalistas reais, óbvios, previsíveis.

Como todo o mundo. Como escalariam um ser de outro mundo?

INTERCÂMBIO FAJUTO

::::::: por Paulo Cézar Caju ::::::::


Sou cem por cento favorável ao intercâmbio de jogadores, mas essa invasão de argentinos, chilenos, paraguaios, venezuelanos e de vários outros países está virando piada. E por um simples motivo, são ruins demais. Nosso futebol está tão no fundo do poço, mas tão no fundo do poço, que estamos perdendo espaço para uma turma muito ruim de bola. O Inter, por exemplo, está lotado de “gringos” fraquíssimos e o Vasco contratou um colombiano que, me perdoem a franqueza, não poderia estar vestindo a camisa do clube. Os empresários estão fazendo a festa e vendendo gato por lebre.

Na Segunda Divisão também está uma farra. Mas os estrangeiros não estão dispostos a atuar apenas como coadjuvantes. Chegaram devagarzinho, avaliaram o nível, constataram que era possível avançar algumas casinhas e hoje são ídolos em muitos clubes. Exagero meu? As grandes estrelas do time da Colina são três argentinos, no Flamengo, Arrascaeta, mesmo não sendo titular da seleção uruguaia, aqui distribui os coletes, assim como Soteldo, no Santos, mesmo não sendo titular da seleção venezuelana. Ainda da Venezuela temos Savarino, no Atlético-MG, que formará o ataque com o recém chegado Vargas, chileno. E esse, mesmo rodado, velho de guerra, chega com status de líder.

Otero e Cazares, dispensados do Galo, brilham no Corinthians e o paraguaio Gustavo Gómez é o capitão do Palmeiras. Sem falar no meu Botafogo, que ousou voos mais longos para trazer Honda e o marfinense Salomon Kalou. “Mas, PC, o Fogão tem outros gringos no elenco”, me alerta o vendedor do quiosque quando soube que abordaria esse tema na coluna. Quais, perguntei. E ele respondeu: “Gatito, paraguaio, Lecaros, peruano, Cortez, equatoriano, e Barrandeguy, uruguaio, mas nem sei se ainda estão por lá…”. Pior eu que nem sabia que haviam sido contratados.

Olha, nenhum problema que os gringos sejam ídolos e líderes por aqui, afinal já tivemos brilhando em solo brasileiro Doval, Figueroa, Andrada, Fischer, Perfumo, Pedro Rocha, Gamarra, Hugo de Leon, Tevez, Passarela e muitos outros, mas acho que os presidentes de clubes não estão dando mais importância ao peso das camisas e talvez, por isso, muitos times, inclusive o meu Botafogo esteja despencando ladeira abaixo. O Brasil não pode ser a lixeira do futebol, afinal respeito é bom e o torcedor gosta. Se já não fosse o bastante, ainda temos que escutar os “analistas de computadores” falando que o jogador “quebrou a bola”. Quantas vezes vou ter que falar que bola não é pedra para se quebrar?

GERSON AO SOM DE MILES DAVIS

por Marcelo Mendez


Eu não tenho muita paciência para assistir futebol.

Salvo as vezes de que por dever de ofício devo acompanhar a rodada, procuro fazer outras coisas, decerto, coisas que me dão prazer. Este, não encontro em partidas modorrentas disputadas por times bundões, treinado por técnicos burocratas que só apregoam o medo para conseguir seus parcos pontinhos na tabela.

O compromisso desses sujeitos é tão somente com a manutenção de seus empregos, jamais veremos um técnico de futebol no Brasil preocupado com o torcedor que consome a duras penas, o produto futebol. Mesmo assim, liguei a TV para dar uma olhada em Flamengo x Santos. Abaixei o volume da TV porque ninguém merece as obviedades das narrações futeboleiras, fui no som, peguei um vinil (Sim, amigos, sou desses que ainda ouvem vinis), meti o Miles Davis para tocar e aí se fez a magia da coisa toda.

Na pick up tinha Miles Davis tocando “Smoke gets in your eyes”, em campo,  jogava Gerson.

A perfeita simetria que se dá entre a blue note de onde vem todo improviso, magia e encanto jazzístico, encontra-se na camisa 8 do Flamengo vestida por Gerson. Seu futebol é sinuoso, malemolente, suingado e furioso na medida certo do verso que forma o poema. Desfila pela cancha a elegância de antigos que vestiram sua mesma camisa. Adílio, Dr Rubens, jogadores que levavam para o meio campo o raciocínio rápido dos bailarinos de imortais gafieiras cariocas. 

Na abafada tarde que se passava, ver Gerson jogando ao som de Miles Davis iluminou minhas expectativas. Que coisa linda de se ver. Um outro há de me dizer; “Mas e a Seleção? Por que não vai?” – Eu até poderia começar responder isso com uma daquelas teses chatíssimas sobre técnicos de seleção e suas verdades idiotas, mas agora não. Azar da seleção.

Quero ver o pôr do sol que chega, com o futebol de Gerson ao som de Miles Davis na mente. Assim o fiz.

Em nome do Futebol Brasileiro que um dia existiu.

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA BALTAZAR


“Deus está reservando algo melhor para o Grêmio”, disse Baltazar, centroavante da equipe portoalegrense ao ser questionado por ter chutado para fora uma cobrança de pênalti no primeiro duelo da final do Campeonato Brasileiro de 1981 contra o São Paulo, em pleno estádio Olímpico.

A partida era para os amantes do futebol um confronto épico entre tricolores, para a imprensa apenas uma decisão de título das duas melhores equipes daquele ano e para a revista Placar a religiosidade de Baltazar contra a malandragem de Serginho Chulapa, estampada em sua capa com o título: ‘Deus contra o Diabo’.

Uma semana depois, no dia 3 de maio, aos 19 do segundo tempo, o lateral-direito Paulo Roberto cruza, Renato Sá escora de cabeça para Baltazar, que domina no peito na entrada da área e sem deixar a bola cair, bate de primeira no ângulo esquerdo de Waldir Peres e marca o gol do título.

A profecia dita uma semana antes da grande decisão se cumpria. Assim, no jogo de volta, o Imortal se sagrou campeão do torneio e, claro, com gol do ‘Artilheiro de Deus’, apelido dado sabe-se lá por quem mas que serve para reverenciar o El-Shadday.

“E eu queria tanto fazer um gol em uma final, que o Deus Todo-Poderoso me agraciou com isto”, conta o centroavante que marcou 131 gols na história do Grêmio, mas o chutaço no ângulo do arqueiro são-paulino vale por todos. Duvida? Pergunte a qualquer gremista.

Contudo, Deus sempre esteve ligado à vida de Baltazar Maria de Moraes Júnior, atualmente com 61 anos, desde os seus 18, quando entrou em seu quarto, fechou a porta e buscou na Bíblia respostas para as suas aflições.

Filho caçula de seu Baltazar Maria de Morais e de dona Conceição de Faria Chaves, Baltazar se apaixonou por futebol muito cedo, pois os fundos da sua casa davam para o estádio Antônio Accioly, conhecido como Castelo do Dragão, localizado na região Centro-Oeste, de Goiânia.

Nascido Baltazar Maria de Morais Júnior, em 27 de julho de 1959, por conta dos gols e do sucesso em campo, abandonou o curso de Matemática, na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), porém, dentro das quatro linhas, não precisou se graduar, pois somava gols, diminuia derrotas, multiplicava alegrias e dividia títulos com os companheiros e torcedores dos clubes em que jogou.

Assim foi gritando gol, ação que evidenciava o número 9 de sua camisa e exorcizava as defesas adversárias sendo centroavante do Atlético Goianiense, Grêmio, Palmeiras por duas vezes, Flamengo, Botafogo, Celta de Vigo-ESP, Atlético de Madrid-ESP, Porto-POR, Rennes-FRA, Goiás e Kyoto Sanga-JAP.

Atualmente, o ‘Artilheiro de Deus’ e um dos criadores do movimento ‘Atletas de Cristo’, ao lado de João Leite, goleiro do Atlético Mineiro, mora em São Carlos, interior de São Paulo, é pregador da palavra do Senhor e evangelista na Igreja Presbiteriana da Vila Prado, além é claro, se ser o nosso vigésimo segundo personagem do Vozes da Bola.

texto: Marcos Vinicius Cabral

edição: Fabio Lacerda

Baltazar, como foi o início de carreira?

Foi no Atlético Clube Goianiense, onde eu joguei desde as categorias de base até me tornar profissional. O interessante é que a minha casa era vizinha ao campo do clube e bastava pular o muro que eu já estava no terreno do Atlético Goianiense. Posso te afirmar que o Dragão foi a extensão da minha casa, era como se fosse o quintal do lugar onde morava.

Como foi jogar no profissional, em 1978, atuando pelo Atlético-GO, e mostrando fato de gol e sendo o artilheiro do Campeonato Goiano?

Jogar no Atlético Goianiense foi uma grande alegria, pois era o time da minha cidade e o que eu torcia. Era o clube que estava ao lado da minha casa, e em 1978, no meu primeiro ano como profissional, já experimentei a artilharia do Campeonato Goiano com 31 gols marcados. Isso me fez aparecer para o futebol nacional, e consequentemente, ser transferido para o Grêmio. 

Seus primeiros títulos no Grêmio foram o bicampeonato Gaúcho de 1979 e 1980, no qual ficou confirmado nos 28 gols em 1980, e 20 em 1981. De onde veio essa facilidade de fazer gols?

Eu sempre fui obstinado a buscar o gol. Era incessante nisso e trabalhava muito para ser artilheiro. Sabia das minhas limitações técnicas, não era um craque de bola, e por esse motivo, para sobressair no meio de tantos grandes jogadores, era preciso treinar. E treinar muito. E foi o que fiz. Sempre treinei as conclusões de perna direita, perna esquerda, cabeceio, chutes de pequena, média e longa distâncias. Então, se eu fiz muitos gols nos clubes por onde passei deve-se muito ao fato de ter me aprimorado nos fundamentos importantes para se destacar como centroavante. Lembro que, ao chegar no Grêmio, fiz muitos gols no primeiro ano, em 1979 e depois em 1980. Tornei-me artilheiro também no Campeonato Gaúcho. 

Ainda em 1981, o gol do primeiro título brasileiro do Grêmio na final contra o São Paulo, no Morumbi, foi seu. Quais as lembranças desse gol e desse título?

Boas lembranças! Em 1981, na final do Campeonato Brasileiro, no estádio do Morumbi, vencemos por 1 a 0. Foi o gol mais marcante da minha carreira. Lembro, perfeitamente, que, no primeiro jogo da decisão, eu havia perdido um pênalti, batendo para fora. Mas no segundo jogo, consegui me redimir e fazer o gol mais importante da minha carreira. O lance não sai da minha cabeça. Foi uma jogada muito bonita em que o Paulo Roberto cruzou, o Renato Sá ajeitou de cabeça, e eu dominei no peito, na entrada da área e sem deixar cair, bati no canto esquerdo de Waldir Peres. Gol bonito e que deu ao Grêmio o título.

Por seus feitos com a camisa do Tricolor Gaúcho, você se transformou em um ídolo da torcida e está entre os dez maiores artilheiros do clube com 131 gols marcados. Fale um pouco do Imortal?

É uma alegria enorme ter marcado 131 gols e figurar entre os dez maiores artilheiros da história do Grêmio. Isso, sem dúvida, representa muito para mim, e sou muito grato ao Grêmio, que foi o clube de futebol que eu tive a maior identificação na minha carreira, além de ter sido a equipe que me projetou nacional e internacionalmente. Foi vestindo a camisa do Tricolor Gaúcho que cheguei à seleção, e por tudo isso, sou eternamente grato. Até hoje, tenho um carinho especial pelo Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense.

Você jogou no Flamengo, em 1983, e sagrou-se campeão Brasileiro. Como surgiu o convite para jogar no clube?

Ter jogado no Flamengo para mim foi a realização de um sonho, porque desde garoto era torcedor do Atlético Goianiense e do Flamengo. Na verdade, foi um sonho realizado, no entanto, é bom frisar, que eu tive oportunidade de ser campeão e jogar todos os jogos do Campeonato Brasileiro de 1983 como titular. Título muito importante para minha carreira e para minha vida.

Do Flamengo você foi para o Palmeiras e depois voltou ao Rio para defender o Botafogo. Como foi jogar nesses dois clubes?

O Palmeiras foi a única equipe em que eu pude jogar por ela em duas ocasiões: emprestado em 1982, e na outra eu fui vendido em 1984. Mas isso foi bom, pois foi sinal de que fui bem recebido, bem aceito, gostaram do meu trabalho e fiquei satisfeito e muito contente. No Botafogo foi o clube que me deu condições de ser artilheiro do Campeonato Carioca de 1985, e que tínhamos um ambiente muito bom. O Botafogo abriu as portas do mundo ao me transferir para a Espanha. Fui jogar no Celta de Vigo no mesmo ano. Posso te afirmar que tive bons momentos nesses dois clubes e com um ambiente maravilhoso em cada um deles.

No Celta de Vigo-ESP, em um jogo válido pela segunda divisão espanhola, você chocou-se com o goleiro Gallardo, do Málaga, que sofreu uma comoção cerebral e morreu 18 dias após ficar internado em coma. O que aconteceu de fato?

Posso dizer que o que aconteceu foi um acidente. Lembro, perfeitamente do lance, pois mesmo passado tantos anos, ficou marcado na minha vida esse trágico acontecimento. Foi uma bola lançada, em que consegui chegar e chutá-la antes do choque com o goleiro Gallardo. Quando eu chutei, ele já vinha com toda velocidade se atirando aos meus pés tentando segurar a bola e não conseguiu. Houve o choque e foi inevitável, mas foi um acidente de trabalho. Infelizmente, a gente fica bastante consternado, foi um momento dramático no qual passei alguns dias absorvidos com aquilo Triste mesmo, mas pude superar porque Deus pode trazer consolo ao meu coração.


Na Espanha, você jogou no Atlético de Madrid-ESP, conquistando o Troféu Pichichi como artilheiro na temporada 1988/89, ao fazer 35 gols. Como foi essa passagem e essa experiência?

O Atlético de Madrid me proporcionou isso e é uma das grandes equipes do futebol europeu. Na Espanha, talvez seja atrás do Barcelona e do Real Madrid, a terceira força do futebol. Eu tive esse privilégio que foi receber esse troféu jogando nessa grande equipe, onde fui artilheiro logo no meu primeiro ano marcando 35 gols. Foi algo que eu jamais pensei que pudesse acontecer, fazer parte de um grupo seleto com Messi, Cristiano Ronaldo, Romário, Ronaldo, e tantos jogadores que já passaram por ali e que foram artilheiros. Agradeço a Deus por estar entre esses grandes jogadores do futebol mundial.

Ao conquistar o tradicional Troféu Pichichi (prêmio entregue ao final de cada temporada da La Liga pelo jornal espanhol Marca ao artilheiro do campeonato), você entrou para o seleto grupo de Cristiano Ronaldo, Romário, Ronaldo, Raúl, Diego Forlán, Ruud van Nistelrooy, Alfredo di Stéfano, Samuel Eto’o e, recentemente, Lionel Messi, aliás, o maior vencedor do prêmio. Qual a sensação de ganhar tal honraria e ser colocado ao lado desses jogadores?

Ter alcançado o sucesso que tantos jogadores também alcançaram como Cristiano Ronaldo, Messi, Ronaldo e Romário, e todos outros craques citados na pergunta, e que foram artilheiros, me deixa muito feliz de verdade. Eu sendo formado na base do Atlético Goianiense, fico vendo que este clube proporcionou ao futebol mundial um dos grandes artilheiros. E não nos resta dúvidas de que a base é importante na carreira do atleta e a minha especificamente foi muito boa para mim a ponto de ter me profissionalizado pelo clube. Passados tantos anos, sou muito grato ao Atlético Goianiense por ter me dado essa oportunidade para que eu pudesse desenvolver meu trabalho e meu futebol. Me sinto muito honrado em ter vestido a camisa de uma grande equipe como o Atlético de Madrid e ser lembrado na história do futebol espanhol como sou agora.

Uma breve passagem pela Seleção Brasileira conquistando o título da Copa América de 1989 e totalizando três gols em sete jogos. Por que o Baltazar não fez tanto sucesso com a amarelinha como fez nos clubes?

A Seleção Brasileira é sempre uma realização de um sonho. Pude vestir a amarelinha por sete vezes, disputei a Copa América de 1989, fiz três gols jogando pelo Brasil, mas não é fácil se manter na Seleção. O que eu posso dizer é que existem muitos fatores internos e externos, é uma concorrência muito grande, são poucas chances, muitos bons jogadores, tem a questão do entrosamento com os companheiros e isso dificulta muito para que a gente possa fazer um fazer um bom trabalho. Mas eu sou feliz em ter participado da Seleção e foi uma experiência maravilhosa.

Você foi um dos primeiros jogadores a declarar-se ‘Atleta de Cristo’. Como foi a sua conversão?

Fui um dos primeiros ‘Atletas de Cristo’, juntamente, com João Leite, goleiro do Atlético Mineiro. A minha conversão ocorreu no ano de 1978. Eu estava com 18 anos e chegou uma noite que não consegui dormir de tanta inquietação e angústia no meu coração pelas coisas que eu fazia, lugares que frequentava, os namoros e as conversas que eu tinha com as meninas. Confesso, eu não estava bem, não estava feliz, estava angustiado e naquela noite eu fiz o que a Bíblia diz para a gente fazer em 1 João 1:9: “Se confessarmos os nossos pecados Ele é fiel e justo para nos perdoar de todos os pecados e nos purificar de toda injustiça”. Nesse momento, me ajoelhei, pedi a Deus perdão pelos meus pecados e ele me perdoou, transformando a minha vida e me fez uma nova criatura. A partir dali, foi algo tremendo e maravilhoso o que o Senhor fez na minha vida.


O que representou a conquista da Bola de Prata concedida pela Revista Placar em 1980?

A Bola de Prata era um prêmio que todo jogador gostaria de ganhar, era o Oscar do futebol brasileiro, além de ser um dos mais valorizados no Brasil. Ser eleito o melhor atacante do ano pela revista Placar, um veículo muito respeitado, era o máximo na carreira de todo jogador. Particularmente, foi uma honra, uma alegria e uma satisfação enormes ver a carreira se firmar e se fortalecer naquele momento.

Seu sonho era ser engenheiro, mas acabou estudando sem terminar o curso de matemática. Entretanto, o talento com a bola parecia seduzir-lhe mais que os números e equações. Se arrepende em ter optado pelo futebol?

É verdade. Eu realmente tinha um sonho que era em ser engenheiro civil. Inclusive, já havia feito um curso técnico de edificações e já podia fazer construções e tudo, além de, também, ter ingressado na faculdade de matemática sem concluir. Contudo, não foi o que Deus reservou para mim. Pude me realizar não foi sendo engenheiro ou matemático, mas tive a oportunidade de construir muitas casas ao longo dos anos e isso me trouxe uma satisfação muito grande. Por isso eu nunca me arrependi de ter seguido a carreira de jogador de futebol, porque ela era muito mais promissora. Sei que o futebol traria mais resultados e me trouxe muito mais alegria também. No entanto, creio que fui muito feliz nas escolhas que eu fiz na vida.

Seus 34 gols ajudaram o Celta de Vigo-ESP a retornar à primeira divisão, um recorde da segundona espanhola, que perdurava desde 1969. Você chegou a ser chamado de “El Rei” pelos fanáticos torcedores. Como lidava com esse fanatismo todo?

Outro lugar que eu gostei muito de ter jogado foi no Celta de Vigo na Espanha, onde me tornei artilheiro com 34 gols jogando na segunda divisão. O time havia caído e com muito trabalho e profissionalismo, conseguimos voltar à primeira divisão. Sempre fui muito bem tratado, respeitado por dirigentes e torcedores, e o Celta foi um dos clubes que mais tempo joguei. Uma experiência muito boa.

Você trocou a Espanha por Portugal, e no Porto, onde jogou em 1991, não se adaptou e foi para o Rennes-FRA, onde permaneceu até 1993. Como foi jogar nesses três países?

Muito complicado. Depois que saí do Atlético de Madrid, na Espanha, fui jogar em Portugal, defendendo o Porto. Cheguei e peguei o campeonato em andamento. Tive muitas dificuldades na adaptação, pois era um futebol diferente do praticado na Espanha. Nesse caso, a adaptação não se fez tão rápida e eu senti muitas dificuldades. Não fui bem, e em seguida, na França, vesti a camisa do Rennes, que era outro local completamente diferente da Espanha e de Portugal. A dificuldade foi ainda maior, pois era um time considerado pequeno que não atacava muito e se limitava em se defender. Imagine ser centroavante de uma equipe com esse esquema tático? Foi muito complicado para mim essas passagens nesses países.

Como surgiu esse apelido ‘Artilheiro de Deus’?

Normalmente a gente não gosta muito de apelidos, seja na infância, na fase adulta ou no meio do futebol. Mas confesso para vocês do Museu da Pelada, que esse apelido foi especial e me marcou muito. Recordo-me que foi no Rio Grande do Sul que começaram a me chamar de ‘Artilheiro de Deus’ e eu gostei e muito! Imagina, ser chamado de ‘Artilheiro’, coisa maravilhosa e de suma importância para quem vive do ofício de marcar gols e ‘de Deus’, mais importante ainda. Esse apelido é curioso, pois surgiu no Grêmio e até hoje não sei exatamente quem foi a pessoa abençoada que o profetizou pela primeira vez. Eu sei que todas às vezes que eu ia conceder uma entrevista, eu sempre queria agradecer a Deus, falar do amor de D’Ele para as pessoas, do que Ele podia fazer por nós, e com isso se associou o que eu dizia de Deus. Eu tenho muita gratidão a quem me deu o apelido que ficou marcante para mim e até hoje marcado na história do futebol brasileiro.

Qual foi o melhor treinador com quem você trabalhou?

Orlando Fantoni. Foi um grande treinador que passou na minha carreira, tanto no Grêmio, clube que me deu oportunidade e passou muita confiança, e depois no Botafogo. No início da carreira, quando eu precisei de mais apoio e confiança, “Seu” Orlando acreditou em mim e no meu futebol. Foi um treinador com muita experiência.

Defina Baltazar em uma única palavra?

Gratidão. Essa é a palavra que eu posso me definir. Gratidão a quem? A Deus. Porque ele mudou a minha vida, as circunstâncias no meu trabalho no futebol, meus relacionamentos. Eu olho para trás e vejo que não merecia nada, mas Deus pode me abençoar muito. Devo tudo ao Senhor e sou eternamente grato por tudo que ele fez na minha vida.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao Coronavírus?

Esse isolamento social não tem sido fácil. Estamos isolados, eu, meus dois filhos e minha esposa, mas uma coisa importante na nossa vida é a presença de Deus. Apenas a sua presença nos traz paz mesmo no momento turbulento como esse. Estamos aqui como família buscando a Deus a todo momento. O Senhor tem trazido esperança, alegria e paz para o nosso coração. No mais, espero que em breve tudo possa voltar ao normal, mas estamos bem, graças a Deus.

ESCURINHO, O QUE BRILHAVA COMO UMA SARAH BERNHARDT EM PRIMEIRA AUDIÇÃO

Nelson Rodrigues estava certo, Escurinho foi um grande ponta-esquerda e tornou-se merecidamente ídolo histórico do Fluminense. Após deixar os gramados. o craque passou a dirigir um táxi. Escurinho morreu ontem, no Rio de Janeiro, aos 90 anos.

por André Felipe de Lima


Não foi somente o torcedor do Fluminense a perder seu ídolo ontem [12]. Escurinho era querido também por torcedores do Villa Nova, de Minas Gerais, pelo qual foi, inclusive, campeão mineiro pouco antes de migrar para as Laranjeiras. Benedito Custódio Ferreira [seu nome de batismo] nasceu no dia 3 de julho de 1930, em Nova Lima, interior de Minas Gerais. Começou no Olaria, de sua cidade natal. Depois, foi para o juvenil de Morro Velho e mais tarde transferiu-se para Itabira, atuando no elenco do Valeriodoce, ficando na cidade por cinco anos.

Em 1951, Escurinho foi levado por Americo de Souza para o Villa Nova, time que dirigia e que foi campeão mineiro no mesmo ano, permanecendo no clube até 1953. Foi convocado por Martin Francisco para defender a seleção de Minas Gerais. Seu primeiro contrato no Villa Nova foi de 500 cruzeiros mensais, passando depois para 1.200. Recebeu 10.000 cruzeiros de prêmio pela conquista do título de campeão mineiro, além de um emprego de motorista de caminhão e 2.000 mensais.

No Villa Nova. Escurinho jogava com o meia Gato, jogador vindo do Triângulo Mineiro. Ambos eram considerados “almas gêmeas”. Com os dois tocando a bola, era gol na certa. Escurinho ganhou o apelido de “Homem-gol” e Gato o de “garçom”.

Defendendo o Villa Nova, Escurinho conquistou a torcida. Logo aquele rapazola extremamente simpático começou a se destacar pela velocidade e habilidade, despertando o interesse do Tricolor carioca.

Em 1951, disputavam a “melhor de três” pelo título mineiro o Atlético e o Villa Nova. Os olheiros do Rio de Janeiro voltaram-se para Minas, principalmente para o quadro do Villa Nova, com craques que já demonstravam futuro. Ondino Vieira, então técnico do Bangu, viajou para ver, especialmente, Escurinho. Ao final da partida, Vieira confessou não ter visto nada de mais no atacante, que só chutava com o pé esquerdo. Levou para “Moça Bonita” o arqueiro Arizona e o centromédio Lito. Em 1956, Escurinho já fazia parte da seleção brasileira.

Escurinho vinha se destacando tanto que Zezé Moreira mandou chamá-lo para treinamento nos meses que antecederam a Copa do Mundo de 1954, na Suíça. Apesar de seu bom desempenho, Escurinho foi dispensado por condições físicas desfavoráveis. O extrema-esquerda acabou chamando a atenção do Fluminense, que o contratou por um valor inicial de 12 mil cruzeiros, mais os prêmios e “bichos” pelas vitórias. Chegou às Laranjeiras em 1954. Gato, a “alma gêmea” de Escurinho também ganhou um lugar ao sol e seguiu para o Botafogo.


Quando saiu do Villa Nova para o clube das Laranjeiras, Escurinho recebeu como prêmio pelos serviços prestados ao clube mineiro além de profissional correto e exemplo de disciplina, 100 mil cruzeiros.

Não demorou para que Escurinho se transformasse em ídolo tricolor. Nelson Rodrigues, ilustre torcedor do Flu, definiu o atacante em uma de suas antológicas crônicas: “Escurinho não foi um jogador de duas ou três jogadas. Absolutamente. De fio a pavio das batalhas, ele brilhava como uma Sarah Bernhardt em primeira audição […] os mesmos que xingavam Escurinho já começam a chamá-lo de “o maior”. Eu próprio já me incluo entre os seus entusiastas mais recentes e mais apopléticos.”

Escurinho envergou a camisa verde, branca e grená durante 10 anos. Atuou ao lado de ícones da história do clube, como Castilho, Pinheiro e Telê Santana e ajudou o clube a conquistar os campeonatos cariocas de 1959 e 1964, além de dois torneios Rio-São Paulo, em 1957 e 1960. Escurinho disputou 490 partidas e marcou 111 gols. Está entre os cinco jogadores que mais vestiram a camisa do Fluminense.

O ponta-esquerda esteve em campo em um dos maiores Fla-Flus de todos os tempos. Era a final do campeonato carioca de 1963 e — como diria Nelson Rodrigues — o “profeta tricolor” já cantava a vitória do Fluminense. No dia do jogo, 178 mil pessoas… isso mesmo, o maior público já registrado em uma partida entre clubes em todo o mundo, se acotovelavam nas arquibancadas do estádio para ver um encontro épico entre os dois eternos rivais. No fim do jogo, Escurinho teve a oportunidade de marcar o gol do título para o Flu. Errou a conclusão e o goleiro rubro-negro fez a defesa que garantiu o 0 a 0 e o título foi para a Gávea. No dia seguinte, a emblemática crônica de Nelson Rodrigues: “Amigos, eu sei que os fatos não confirmaram a profecia. Ao que o profeta só pode responder: — Pior para os fatos! E só.”

Escurinho também defendeu o Atlético Júnior Barranquilla, da Colômbia, a Portuguesa da Ilha do Governador — com a qual bateu o poderoso Real Madrid dentro do estádio Santiago Bernabéu, em 1969 — e o Bonsucesso, em 1970, onde encerrara a carreira.

O ex-ponteiro, diziam, fazia muito sucesso também com as mulheres, inclusive, a ponto de a imprensa vasculhar cada passo do jogador, como o noivado com Dalita, que se dizia encantada com Escurinho. A reportagem abordava, no entanto, de forma preconceituosa o que teria levado a jovem a enamorar-se de Escurinho. O título evidencia isso: “Quem ama o preto, branco lhe parece”. Mas o craque estava cima de qualquer deslize editorial. Nelson Rodrigues incumbiu-se de colocá-lo em um patamar bem mais elevado no altar dos ídolos tricolores. Mas de nada adiantou tanta badalação se apenas histórias o craque guardou daqueles tempos.

Escurinho não enriqueceu com o futebol. Logo após deixar a bola, em 1970, passou a dirigir um táxi na cidade do Rio de Janeiro. Esteve como quando começou a trabalhar ainda garoto, ou seja, na época em que dividia o futebol do Villa Nova, Escurinho dirigia caminhões. Poucos conheciam essa história, a do Escurinho caminhoneiro antes de chegar ao Fluminense.

Mito ou verdade, não se sabe, mas há uma história cômica contada por Gerson Soares — filho da intérprete e ex-companheira de Garrincha — da qual os personagens são Sabará, ex-ponta-direita do Vasco, Garrincha e Escurinho. Logo após a Copa de 1958, na Suécia, todos da comissão técnica e jogadores brasileiros ganharam um Renault Dauphine, um carro, notoriamente reconhecido, minúsculo. Mal cabem nele duas pessoas. Quiçá, quatro.


O roupeiro e massagista Assis, na lista dos felizardos. Mas o camarada não sabia dirigir o carango. Vendeu-o a Sabará, que por sua vez também desconhecia o ofício do volante. Como a amizade entre craques adversários estava acima dos embates campais, Sabará pediu a Escurinho que assumisse o volante. O roteiro diário era este: Escurinho deixava Sabará em São Januário; Quarentinha e Garrincha em General Severiano e Clóvis, nas Laranjeiras. Mas antes do despejo de craques em seus clubes, fazia o caminho inverso. Uma hora ou outra, o dono do carro teria que aprender a dirigir. E Escurinho, toda vez que passava por uma rua deserta na Ilha do Governador, ensinava Sabará os macetes do volante. O ponta vascaíno ouvia, às gargalhadas, as chacotas dos amigos. Garrincha, então, se esbaldava. O Mané era quem mais insistia que estava na hora de Sabará dirigir logo aquele carro. Passou um mês, lá foi Sabará, com a coragem que exibia nos gramados, fazer o mesmo no seu Renault. Quarentinha e Clóvis, aflitos. Garrincha, como sempre, sorrindo. Na Avenida Brasil, só barbeiragem. Quarentinha e Clóvis — espremidos no banco traseiro — pediam a Escurinho que os salvassem do “piloto” Sabará.

Ao chegarem a São Cristóvão, o inverossímil, vá lá, “acontece”. Escurinho pediu ao Sabará que entrasse na segunda rua à direita. Entrou na primeira. Uma carreta estava atravessada na pista. Sabará acelerou ao invés de frear. Já pensou, no mesmo carro, mortos, aquela leva de craques? Deus nos livre. E só poderia ter sido Ele mesmo para livrá-los do desatinado Sabará. O carro — de tão pequeno, mais parecia um brinquedo — passou por debaixo da carreta. Apenas, milagrosamente, um arranhão no teto do automóvel. Um guarda viu a cena. Ligou a sirene da moto, seguiu-os e emparelhou com o carro de Sabará, que estava sem habilitação e acelerou ainda mais. Imagine o desespero dos “caronas”? Garrincha, aliás, o único que se divertia com a situação, pediu a Quarentinha para pôr a cabeça para fora do carro, somente assim, o guarda o reconheceria. Obviamente, o “Quarenta” mandou Mané para aquele lugar…

Sabará, enfim, parou o carro. O guarda, com a arma em punho, disparou: “Amigo, você é um ás do volante…”. Mas o guarda austero, não deu cancha para os craques e intimou todos a descerem do carro. Logo, reconheceu todos. Pediu que Escurinho assumisse o volante e fez questão de dar uma carona, na garupa da moto, a Garrincha até o treino do Botafogo. Uma época de lendas saudáveis sobre os nossos craques que não volta mais.