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A NOITE DOS DESESPERADOS EM VERDE E BRANCO

por Marcelo Mendez


Horace McCoy, há muito tempo atrás, mais precisamente em 1935, escreveu o livro “A Noite Dos Desesperados”.

O livro conta a história de um grupo de pessoas que durante a grande depressão americana, pós quebra da bolsa, que tem uma única chance de aliviar a miséria a qual se encontram, num campeonato de dança, onde o vencedor tem que resistir, dançar até as pernas não aguentarem mais pra levar uma grana de prêmio. A partir daí, todo o drama humano começa com as mazelas das pessoas que vivem por ter que aguentar, que tirar do fundo da alma a força para lutar por sobrevivência.

Ontem, evidentemente, guardada as devidas proporções, vimos algo parecido na Arena do Palmeiras durante a semifinal da Libertadores da América, entre Palmeiras e River Plate. O placar final de 2×0 construído pelo time argentino na primeira etapa reserva um recente drama alviverde que há tempos não era vivido pelos seus.

Um time lento, frouxo na marcação e nas atitudes, pesado nas pernas e na mente, não conseguia reagir, não conseguia superar a pequenez sazonal que o acometeu e que fez com que a equipe verde ficasse atrás, recuada, com medo, vendo os argentinos jogarem. O resultado foi catastrófico e se não fosse pelo VAR, que corretamente agiu para corrigir marcações feitas, teríamos ontem uma das maiores derrotas palmeirenses de sua história. Ufa!

Foi um sufoco, mas o apito final com os 2×0 deu a classificação ao Palmeiras para a disputa da decisão da Libertadores de América. Vale a vaga. Vale muito. Todavia, assuntos relativos ao que aconteceu ontem precisam ser tratados. Futebol é um jogo demasiado humano, onde a execução de fatores táticos depende da boa cabeça e da boa preparação desses humanos para tal prática. Não foi isso que constatamos ontem.

O Palmeiras não estava la em seu estádio. As cabeças alviverdes vagaram para um lugar onde o que habita é medo, a descrença, a inoperância e, dessa forma, o time que perdeu para o River não era aquele time vivaz e alegre que vinha desempenhando muito bem as orientações do ótimo Abel Ferreira. Isso precisa mudar.

Seja lá quem vier da decisão de hoje, Santos ou Boca, o Palmeiras não pode mais ir a campo da maneira que foi ontem. Que fique a lição com esse vareio de bola que os argentinos deram nos alviverdes.

Que a noite da desesperança não se perpetue no Maracanã!

FOGO!

por Paulo Roberto Melo


Em 1979, com 13 anos, eu enfrentava alguns desafios. Pelo menos um deles de ordem pessoal: lutava para me aceitar como pessoa. Fisicamente as coisas não iam muito bem. A balança se tornara minha inimiga número 1, teimando em mostrar, através da subida impiedosa dos seus ponteiros, que eu não era mais aquele menino “fofinho” ou o garoto “forte” que alguns familiares e conhecidos carinhosamente ainda me chamavam. A dura realidade se evidenciava sobretudo na minha barriga e nas minhas bochechas. Sim, eu era…gordo! 

Era assim que me chamavam no colégio. Depois de estudar minha infância toda em colégios públicos, fui matriculado em uma escola particular, Essa mudança foi particularmente dura comigo. Vim de um colégio pequeno, em que todos me conheciam pelo nome, para um onde eu não era ninguém, ou pior do que isso.  Em dois anos, na nova escola, eu só escutei o meu nome ser pronunciado no momento da chamada. Fora isso, eu era o “gordão” ou o “gordinho”, dependendo da afinidade de quem se referia a mim. Mas, no geral, eu era mesmo o “gordo”.

Há algo interessante sobre esses apelidos jocosos. Os que se dizem entendidos no assunto costumam, falar que não se deve ligar para o apelido que quando a pessoa se importa, aí sim o apelido pega. Ok, mas isso é muito cruel. Os catedráticos em apelido certamente não sofreram esse tipo de perseguição, possivelmente estavam do outro lado, se não colocando apelidos, pelo menos incentivando o seu uso, ou não dariam uma recomendação tão simplista. Afinal, em qual página desse manual sobre apelidos, está escrito a forma de não ligar para um chamamento que ignora o seu nome e exalta uma característica no seu corpo, da qual você não gosta – especialmente quando se tem apenas 13 anos?

Agora, como afirmam os mais sábios, não há nada que esteja tão ruim que não possa piorar. Pois bem, em paralelo com meu peso, eu ainda sofria de uma miopia galopante, que me obrigava a usar óculos com lentes muito grossas, que, precisavam, para serem sustentadas, de uma armação igualmente grossa e pesada. Não, não era fácil ter 13 anos em 1979, tendo um apetite voraz, sendo míope e estudando num colégio de burgueses onde ninguém sequer sabia o meu nome. 

Outro desafio, este de ordem familiar, era lutar para ficar acordado depois das 22h, a fim de poder ver a programação noturna da TV. Com poucas opções de canais, a TV Globo, com suas novelas (Saramandaia, Nina, etc) séries americanas (Kojak, As Panteras, etc) era a emissora preferida para uma programação, digamos, mais adulta. Mas é claro, isso não me era permitido. Definitivamente, ser o temporão, caçula de dois irmãos, com pais não tão jovens, era um desafio difícil de ser vencido.

No futebol, como torcedor, eu também tinha meus desafios. O principal deles, era ver o Flamengo perder! Sim, desde que o Rondinelli, na final de 1978, subiu para cabecear e dar o título de campeão carioca ao Flamengo, o clube da Gávea ganhava de todos. As péssimas administrações de Vasco, Fluminense e Botafogo haviam enfraquecido os times, enquanto o time rubro-negro se fortalecia para ficar marcado na história com sua melhor geração. Assim, em 1979 ( como seria pelos próximos três anos) o time a ser batido era o Flamengo.

Todas as conversas no colégio, principalmente na segunda-feira, giravam em torno desse assunto. Fiz amizade com alguns pobres coitados, tão rejeitados quanto eu e, juntos, representávamos os quatro grandes clubes do Rio de Janeiro. O Marcelo tinha orelhas de abano e era Flamengo, o Mauro, era incrivelmente feio e torcia pelo Botafogo, o Ricardo, ruivo e sardento era Fluminense e eu… – gordo e quatro olho… vascaíno, claro. As nossas conversas invariavelmente giravam em torno de meninas que nunca conquistaríamos e do bom e velho futebol, abrigo confortável dos mais desafortunados.

Quando falei acima que o Flamengo ganhava de todos, eu não usei de sentido figurado para me expressar. Desde outubro de 1978, o Flamengo não perdia, somando 52 partidas de invencibilidade! Assim, ganhar do Flamengo, nessa época, podia ser comparado a conquistar um título.

Na primeira semana de junho de 1979, em plena disputa da Taça Guanabara, o assunto era o clássico entre Flamengo e Botafogo, que se realizaria no domingo. O jogo tinha um ingrediente a mais: de setembro de 1977 a julho de 1978, o Botafogo também teve uma série de 52 partidas invictas, sendo derrotado pelo Grêmio.

Dessa forma, o jogo do dia 3 de junho de 1979 era uma decisão. Se o Flamengo ganhasse ou empatasse, passava o Botafogo em número de partidas invictas. Por isso, a vitória do Glorioso era importantíssima, para quebrar a invencibilidade rubro-negra e dar a todos nós assunto para algumas semanas.

Mas a semana havia começado mal para o Botafogo. O goleiro titular, Zé Carlos, havia sofrido um acidente e quem vinha jogando era o reserva, Ubirajara. Acontece que o Ubirajara se machucou e quem iria para o jogo era o terceiro goleiro, um certo Borrachinha. Certamente, essa notícia deu à torcida do Flamengo a certeza de que um terceiro goleiro não conseguiria parar o poderoso esquadrão rubro negro, formado por Tita, Claudio Adão, Júlio César, Zico e cia. 

No domingo, mais de 100 mil pessoas lotavam o maior do mundo para ver o clássico da invencibilidade. Como todo jogo cercado de expectativa, esse começou tenso e estudado. Mas logo aos 9 minutos, o jogador do Botafogo, Renato Sá, aproveitou uma bola rebatida da defesa e tocou no cantinho do goleiro Raul. Botafogo 1×0! Refeito do susto de um gol sofrido no início da partida, o Flamengo se lançou todo ao ataque.

Pelo velho Spica, o radinho de pilha do meu pai, eu escutava Jorge Curi e Waldir Amaral narrarem o bombardeio à meta botafoguense. O gol de empate parecia uma questão de tempo –  mas aquela tarde estava reservada para consagrar outro atleta, não o rei Zico nem algum dos seus companheiros. Com o nome de um improvável filho de super-herói, o goleiro Borrachinha pegou tudo nesse jogo e, garantiu a vitória do time de General Severiano, interrompendo a sequência de partidas invictas do Flamengo.

Um detalhe curioso desse jogo, é que o Renato Sá, autor do gol da vitória, também ajudara a quebrar a longa invencibilidade do Botafogo, dois anos antes, jogando pelo Grêmio, quando marcou dois gols.

Como complemento do grande domingo de derrota do rival, consegui junto ao conselho familiar a graça de poder ficar acordado até mais tarde, para ver o videoteipe do jogo, que começaria perto da meia – noite, na TV Bandeirantes.

Com todos dormindo, sozinho na sala e no mundo, longe dos meus problemas, eu experimentei naquela hora uma sensação diferente. Foi assim, feliz, relaxado, me sentindo adulto, que com todos dormindo, eu escutei a voz do Paulo Stein, começar a narrar o jogo, já pensando nas gozações que faria pela manhã no colégio, com meu único colega rubro-negro.

Mal o jogo havia começado, ouvi, um grito forte, vindo da rua: “Fogo!” Sorri, compreendendo a alegria do torcedor alvinegro. Novo grito: “Fogo!” Dessa vez, eu achei um pouco de exagero, principalmente pelo adiantado da hora. O terceiro grito de, “Fogo!”, me fez levantar do sofá, desconfiado e ir até a janela para conferir aquela súbita alegria botafoguense.

Quando cheguei à janela, ao mesmo tempo vi uma grande labareda tremeluzindo à minha frente e senti um forte calor nas paredes do apartamento. Algumas pessoas, do outro lado da calçada, sinalizavam, nervosamente, apontando na direção do nosso edifício.

Corri para chamar meus pais e meus irmãos, e saímos todos do prédio. O incêndio era em uma loja de tecidos, que ficava ao lado da portaria do prédio, e as chamas rugiam, subindo de forma assustadora. Alguns minutos depois, os bombeiros chegaram, e o fogo enfim foi controlado.

Quando voltamos para casa, meu pai botou suas mãos em meu rosto e me disse:

– Que bom que você estava acordado!

Fui dormir radiante de felicidade naquela noite, com a certeza de que os desafios se apresentam em nossas vidas, para testar o quanto somos fortes e o quanto estamos preparados para enfrentá-los. E tinha no meu peito de adolescente a forte convicção, de que, em algum lugar do Rio de Janeiro, o Borrachinha experimentava o mesmo sentimento.

OBITUÁRIO

por Cláudio Lovato Filho 


Ergueu-se da cama num pulo, como se pregos e facas e agulhas e cacos de vidro tivessem emergido subitamente do colchão de encontro ao seu corpo. Antes mesmo de conferir o horário no celular soube que estava atrasado, e muito. Voou para o banheiro, jogou água no rosto, escovou os dentes, voltou ao quarto, vestiu as mesmas roupas da noite anterior, torceu para que a carteira e as chaves do carro estivessem no lugar de sempre – na mesinha do abajur, na entrada do apartamento – e, quase feliz por ter encontrado o que queria, saiu do apartamento. 

Só quando chegou à garagem se deu conta de que não havia tomado nada para combater a ressaca, e a cabeça começava a latejar ferozmente. Ele pensou (pela quarta ou quinta vez nos últimos dez ou doze dias) que precisava mudar seu estilo de vida. Um pensamento obviamente inócuo. Então acionou o controle-remoto da garagem e tomou o rumo do jornal. 

Entrou na redação sob o olhar irônico dos colegas, mas sabia que o pior viria ao ingressar no aquário da editoria de Esportes, onde trabalhava. Ali teria de enfrentar a carranca condenatória de seu editor, que, para começo de conversa e dizendo bem a verdade, não queria que ele estivesse ali; apenas o aturava em razão de um pedido feito por um velho amigo.

– João Carlos, o obituário do Valério Dias é com você! – disse o editor.

Ele ficou olhando para o editor. Teve dificuldade para vencer a pasmaceira. 

– Manda brasa! – emendou o editor, apontando para o computador.

Ele se deixou desabar na cadeira. Teve de se esforçar para se livrar da prostração trazida pelo choque e ligar o computador. 

Valério Dias estava morto. 

O técnico que era o herói das torcidas de quatro clubes gigantes do país, com passagem muito digna pela seleção e o feito de ter criado uma vencedora e celebrada escola de treinadores. E ele de ressaca, tendo de escrever o obituário de uma lenda. Mas a coisa era muito mais complexa que isso. 

Pensou que seu editor ou era um baita filho-da-puta ou um dos melhores sujeitos que já encontrara em sua vida.

Aquele bate-boca com o técnico lhe custara o emprego no jornal em que trabalhava havia mais de 20 anos. Mais que isso, lhe rendera o tipo de condenação que fica estampada na cara de cada colega, mesmo daqueles que ele considerava os mais próximos, quem sabe até mesmo amigos. Isso sem contar as portas fechadas, sabia-se lá por quanto tempo, talvez para sempre, no seu clube do coração. 

Ele chamara Valério Dias de “ultrapassado” e “arrogante” no meio de uma entrevista coletiva. Valério Dias, em resposta, o chamara de “ignorante” e “venal”.

Então ocorre que, menos de um ano depois daquele evento sombrio que transformou João Carlos Nunes Filho numa espécie de pária na comunidade jornalística local (e não apenas na comunidade local), Valério Dias morre aos 67 anos, vítima de um infarto no começo de uma madrugada em que ele, o próprio estereótipo de jornalista veterano cuja carreira iniciava imparável descida em direção ao ocaso, estava enchendo a cara em um bar perto da rodoviária, sozinho e com o celular descarregado.

“Puta que pariu”, ele pensou, e decidiu que escreveria aquele obituário da melhor forma que pudesse, produziria o melhor texto que conseguisse. Que fosse seu último texto decente nesta porra de vida sacana.

Sentiu vontade de fumar. Pensou em descer para pitar, mas não levou a ideia adiante. Perguntou-se se devia ir até a copa, mas decidiu que não faria aquilo também. Era tudo procrastinação. Ele podia ter muitos defeitos, e com certeza os tinha, mas um deles não era a covardia. 

Pôs-se a escrever.

A tentar escrever.

“Se liga, porra. Acerta logo o tom desse negócio”. 

Então digitou:

Morreu na madrugada desta segunda-feira…

Deletou. Este não poderia ser um texto burocrático.

Ficou olhando para a tela em branco. Porra, um cigarro ajudaria. Só um cigarrinho.

“Um infarto na madrugada desta segunda-feira tirou a vida do técnico Valério Dias, 67 anos…”    

Deletou. Começar o texto com a causa da morte? Ele se perguntou, com irritação, se não deveria pedir uns conselhos ao estagiário.

Deu uma rápida olhada para o fundo do aquário e viu que o editor o estava observando, sem sequer se dar ao trabalho de disfarçar. Pensou de novo no café. E no cigarro.

Digitou:

“O futebol perdeu na madrugada desta segunda-feira o técnico…”  

Continuava protocolar, ele pensou. Continuava impessoal. Uma bela bosta. 

Recostou-se na cadeira. Respirou profundamente duas, três vezes. Passou a mão nos cabelos ainda desgrenhados, um recuerdo da noite passada, tristemente embalada à cerveja e tequila. Ah, se arrependimento matasse (ou se pelo menos aliviasse a ressaca)…

Um cigarro. Um café. Talvez uma fuga a toda velocidade para casa ou para lugar nenhum. Um copo até a boca de uísque sem gelo. 

Mas não era um covarde. 

Abriu mais um botão da camisa, passou a mão no pescoço, tocou o terço que usava há muitos anos, presente da madrinha.

E então digitou:

“Uma vez, em uma entrevista coletiva, eu o chamei de ultrapassado e arrogante. Ele respondeu dizendo que eu era ignorante e venal. Nós nos ofendemos. Eu perdi meu emprego. Mas isso, de todos os danos, foi o menor”.

Ele olhou para as palavras que acabara de alinhar, pesando-as uma a uma. Já não sentia mais vontade de fumar nem de beber nem de fugir. 

“Agora, sim, temos um bom começo”, ele pensou.

E deu prosseguimento – a muito custo, com o necessário e inevitável sofrimento, enfrentando seu ego, numa empreitada irreversivelmente transformadora – à construção daquele que seria, de todos os textos que já escrevera, o mais honesto e, exatamente por isso, o melhor.

BOTAFOGO SEGUE O CAMINHO DO CRUZEIRO

:::::::: por Paulo Cézar Caju ::::::::


Quando o Vasco fez 1 x 0 fui dormir porque sei que o Botafogo não tem time para reverter um resultado e, pela manhã, não fiquei surpreso ao concluir o placar final: 3×0. Tenho 71 anos e ao longo dessa estrada venho acompanhando as destruições causadas pelos dirigentes, sanguessugas, destruidores de patrimônio, coveiros da memória. Vocês têm notícia de algum presidente, diretor, gerente, conselheiro ou vice preso? Não estão encarcerados e, pior, aproveitam-se da popularidade de alguns desses clubes, candidatam-se a cargos políticos. E me expliquem o que leva alguém a querer administrar, presidir, um clube falido?

Os clubes trocam de técnico como se bebe água, acumulam dívidas e deixam o abacaxi para as administrações seguintes. A CBF deveria dar uma freada nessa dança de cadeiras, pois é um jogo de interesses que só prejudica as instituições porque de alguma forma essas dívidas terão que ser pagas. E aí começa a dilapidação do patrimônio. Na Segunda Divisão, isso foi vergonhoso. Outro dia, vi a Portuguesa de Desportos comemorar a vitória em um torneiozinho. Portuguesa, de Enéas, Leivinha, Marinho Peres, Ivair, Badeco, Elói, Dener, Zé Maria, Djalma Santos, Julinho e Servilho. Jairzinho, o Furacão da Copa, já atuou pelo Noroeste. Por anda esse clube?

Muitos jogadores em fim de carreira atuaram pelo Nacional e Rio Negro, ambos de Manaus, pelo Operário, de Mato Grosso, e tantos outros. Os clubes estão minguando, a história se esvai pelos bueiros e ninguém faz nada. Os estádios são reduzidos, a torcida migra para outras modalidades e só nos restam as lembranças. O Cruzeiro correu o risco de cair para a Terceira Divisão, os times do subúrbio carioca foram soterrados por administrações desastrosas.

O Botafogo vinha falando de clube empresa e aguardava cair do céu a ajuda de uma família rica. “Quem dorme sonha, quem trabalha conquista” ensina a mensagem que vem colada aos pacotes de balas, que os meninos penduram nos retrovisores dos carros, nos sinais de trânsito. Botafogo, Portuguesa e Cruzeiro já conquistaram, viveram dias de glória, mas pelo jeito seus últimos presidentes não seguiram os ensinamentos da garotada dos sinais e agora estão engarrafados, sem saída, presos em um sinal vermelho que talvez não fique verde nunca mais.

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA ACÁCIO


Nascido na cidade de Sobral, no Ceará, Antônio Carlos Gomes Moreira Belchior Fontenelle Fernandes já era o consagrado Belchior (1946-2017) quando compôs os versos de Divina Comédia Humana, em 1991, e logo na introdução da canção cita um goleiro:

“Estava mais angustiado que um goleiro na hora do gol

Quando você entrou em mim como um Sol no quintal

Aí um analista, amigo meu, disse que desse jeito

Não vou ser feliz direito”… ou seja, essa música é capaz de captar a realidade de uma forma logopathos (emoções+lógica), segundo o filósofo grego Aristóteles.

Mas se ouvir as músicas de Belchior é como o ato de retirar o ‘capuz mágico’ que nos impede de captar a realidade em prosa e verso de suas canções, o que dizer de Acácio Cordeiro Barreto desnudo de dúvidas botou na cabeça que seria goleiro de futebol?

Convenhamos, não existe ingratidão maior do que vestir a camisa número 1, usar as mãos para defender e não os pés para atacar, calçar luvas e ficar parado numa determinada faixa do campo (a grande área) esperando a bola chegar para participar do jogo.

Mas explica isso para Acácio, que se tornou profissional dos 17 anos no gol do Americano e pensa que ser goleiro é ser herói e vilão numa bola vadia. É querer evitar o inevitável sempre achando, lá no fundo, que dava pra defender o mais indefensável dos chutes.

Para ele que vestiu com maestria a camisa 1 do Vasco da Gama, ser goleiro é jogar um jogo coletivo de forma quase individual e depois de uma grande defesa, ainda que não te agradeçam, saiba que você é tão importante quanto o atacante.

Que os digam os 915 minutos sem tomar gol no campeonato brasileiro de 1988, tornando-se o quarto arqueiro a ficar tanto tempo sem ver suas redes desvirginadas pelo ímpeto das bolas salientes e libidinosas.

Mas Acácio soube reconhecer suas falhas em momentos inconvenientes e sabe melhor do que ninguém, que falhas fazem parte, pois só quem joga lá sob as traves sabe o quanto defesas que parecem fáceis podem ser bem mais difíceis do que se espera.

Enfim, ser goleiro como Acácio foi é ser o coração do time, mesmo num jogo onde o principal objetivo você deve evitar: o gol!

O Museu da Pelada traz Acácio, um dos maiores goleiros do Vasco, do futebol brasileiro e que bateu um papo descontraído para a série Vozes da Bola.

Por Marcos Vinicius Cabral

Edição: Fabio Lacerda

Como foi a infância do pequeno Acácio Cordeiro Barreto em Campos dos Goytacazes?

Minha infância foi cercada de cuidados porque eu venho de uma família de sete irmãos e sou o caçula. Minha infância resumiu-se ao colégio e jogar futebol. Eu jogava em um time chamado São Cristóvão, que ficava próximo à minha casa, e ali a coisa mais ou menos começou. Eu tinha um amigo com bom relacionamento com pessoas do Americano e acabei indo jogar lá. Na época era dente de leite e foi nesse momento que iniciei no futebol.

Acácio, como foi o começo de sua carreira em 1978?

Foi no Americano. Vale frisar que em Campos sempre existiu uma rivalidade muito grande entre três clubes: Americano, Goytacaz e Rio Branco. Lembro que fomos campeões invictos no dente de leite, e eu como goleiro menos vazado do que o rival, que era do Goytacaz, time que torcia na minha infância. Coisas do destino e do futebol. Após ter sido campeão pelo Americano no dente de leite, preferi ir para um outro clube de menor potencial que era o Municipal Futebol Clube. Lembro que essa escolha teve um peso ainda maior porque amigos meus estavam jogando no Municipal e o treinador era um ex-goleiro chamado Paulo. Na minha concepção, eu tinha certeza que eu sendo treinado por um ex goleiro eu iria melhorar muito a minha condição técnica e foi por esse motivo a minha opção de mudança do Americano para o Municipal.


Antes de chegar ao Vasco, em 1982, você foi o camisa 1 do Rio Branco-RJ, clube em que foi titular com apenas 17 anos. Como foi essa experiência?

Eu estava jogando pelo Municipal Futebol Clube aos 17 anos e aconteceu uma história curiosa, pois pouca gente sabe e vai ser legal os leitores do Museu da Pelada ficarem sabendo. Eu estava no colégio assistindo aula quando a diretora pediu licença, entrou e dirigiu-se em minha direção dizendo que tinha alguns senhores lá na sala dela que queriam falar comigo. A professora me liberou e acabei indo lá para falar com aqueles homens. Conversamos e eles falaram que tinham passado na minha casa e conversado com meu pai e que ele havia assinado um contrato, e que se eu assinasse, seria profissionalizado com 17 anos pelo Rio Branco de Campos. A gente sabe que, quando o pai assina, é uma obrigação nossa respeitar essa assinatura. O que eu fiz foi respeitar a assinatura do meu pai e assinei com o Rio Branco aos 17 anos, me tornando profissional. Basicamente, eu me tornei titular no Rio Branco e joguei por dois anos. Em seguida, fui emprestado para o Comercial-MT, onde treinei por um tempo, mas não quis ficar, pois era muito novo e estava longe dos amigos e familiares. Retornei ao Rio Branco, fui emprestado para o Goytacaz e retornei seis meses depois. Entre idas e vindas de empréstimos, em 1978, meu pai faleceu e a pessoa que me dava a maior estrutura no futebol, além dos meus irmãos. Depois disso eu pensei em abandonar o futebol. Prestei vestibular de Direito em Campos e fui aprovado. Minha ideia era essa, ou seja, largar o futebol e fazer a faculdade. Certa vez, era início de janeiro, estava em casa, e o Ronaldo Soares Bastos, supervisor do Serrano de Petrópolis, que já havia trabalhado comigo no Goytacaz, me convidou para fazer um teste no Serrano. Eu disse que não iria porque não queria mais saber de futebol e faria minha faculdade de Direito. Ele entrou em contato com o Ricardo Batata, um amigo meu, sem eu saber, para ele me convencer a treinar lá no Serrano. O Ricardo foi na minha casa, conversou comigo e me convenceu a conhecer a cidade. Como estava de férias mesmo eu fui. Era época de muitas chuvas no Rio, em 1980. Lembro-me como se fosse hoje a serra de Petrópolis quase fechada, árvores caídas, muito frio. Numa sexta-feira o Ronaldo foi me buscar na rodoviária com um casaco e tremendo de frio. Passei um fim de semana lá. Na segunda-feira, fui ao treinamento, descemos a Serra Velha e fomos em Pau Grande, Magé, cidade do Garrincha, onde o Serrano fazia alguns treinamentos para poder preservar a condição do gramado do seu estádio. Logo no meu primeiro coletivo, cujo treinador era o Denílson, ex-atleta do Fluminense, conhecido como o Denílson Rei Zulu, acabei voltando para Petrópolis onde fui selecionado para ir a Campos e que era para tentar um acordo com Rio Branco para ser contratado pelo Serrano.

Destaque no Serrano, de Petrópolis, e no Campeonato Carioca de 1980, você fechou o gol contra o Flamengo de Zico & Cia. Pode nos contar um pouco dessa partida histórica para o time petropolitano?

Em 1980, pelo Serrano, tivemos um jogo histórico que marcou todos os atletas do Serrano Futebol Clube. Foi a célebre partida contra o Flamengo de Zico, Júnior, Adílio, Tita, e Cia. Nós ganha por 1 a 0. De vez em quando as pessoas me perguntam qual a maior partida que eu fiz na minha carreira? É lógico, que fica sempre aquela que você conquista títulos, porque isso é o que marca na carreira de um jogador de futebol. E aí, as pessoas logo lembram do jogo contra o São Paulo, no Morumbi, em 1989, onde fui campeão brasileiro pelo Vasco. Mas de todas as partidas que joguei em toda carreira, sem sombra de dúvidas, a maior delas foi contra o Flamengo, em Petrópolis, vitória nossa com gol do Anapolina. E pouca gente sabe que eu estava nessa partida, porque, infelizmente, no futebol, só fica marcado quem faz o gol. Quando se fala de Serrano x Flamengo, as pessoas citam muito mais o Anapolina do que eu, e poucos sabem que eu estava nesse jogo. Mas pouquíssimas pessoas têm ciência disso. Mas reafirmo que foi a maior partida que eu fiz em toda minha carreira. Depois desse jogo contra o Flamengo, começaram a me olhar de uma outra forma. Muitas equipes se interessaram na minha contratação mas nada concreto. Fiquei mais um ano no Serrano, até 1981, e nesse período o Guarani despertou interesse em mim, mas já estávamos conversando com o Vasco e fui contratado fazendo minha estreia em 1982.

Sua chegada ao Vasco foi marcada por uma missão árdua: assumir o lugar de Mazaropi. Na reta final do campeonato de 1982, o então técnico do Vasco Antônio Lopes, modificou cinco posições do time, a começar pelo goleiro, e assim você passou a titular no lugar do Mazaropi. Como encarou o desafio?


Assinei meu primeiro contrato em janeiro de 1982 no Vasco e saí em 1991. Foram nove anos e meio como jogador do Vasco da Gama. Confesso que não foi fácil! Meu início foi muito difícil porque eu lutava pela posição de titular contra um goleiro que tinha uma história linda no clube, cria do Vasco chamado Mazaropi, goleiro este com títulos incontestáveis. Mas em 1982, ano de Copa do Mundo, no início do segundo semestre, houve a Copa dos Campeões e o Mazaropi estava sem contrato. Recordo-me que joguei essa competição e fui muito bem. Depois veio o Campeonato Estadual que o Vasco não ganhou turno nenhum, porém, somou mais pontos que os campeões do turno e returno, e se não me falha a memória, foram o Flamengo e o América. Mas houve um Flamengo e Vasco em que o nosso treinador Antônio Lopes, mesclou a equipe e um desses jogadores fui eu. Jogamos bem e ganhamos por 3 a 1 do Flamengo. Eu fiz uma partida muito boa. Na semana da decisão, estávamos sentado no gramado e alí mesmo o Antônio Lopes já começou a falar que ia fazer algumas alterações para o primeiro jogo da decisão, que seria entre América e Vasco. Uma delas seria eu entrar nesse jogo decisivo no lugar do Mazaropi. Ganhamos de 1 a 0 com gol do zagueiro Ivan e fiz uma partida espetacular. Em seguida o Flamengo vence o América, e a final fica entre Flamengo e Vasco, ano em que conquistei meu primeiro título em cima do Flamengo. Vale ressaltar que foi o mesmo Flamengo que havia perdido dois anos antes para o Serrano, quando eu era goleiro lá. Mas esse título foi especial por ser contra um grande time do Flamengo, campeão Brasileiro, campeão da Libertadores, do Mundial.

Durante nove anos seguidos, você se tornou o dono absoluto da camisa 1 vascaína, com exceção apenas no ano de 1984, quando fez revezamento com outro grande goleiro. Como era a convivência de vocês e o que aprendeu com ele?

Em 1983, o Vasco contratou um goleiro chamado Roberto Costa, que havia feito uma campanha excepcional pelo Atlético Paranaense naquele ano. A partir dali, eu tinha uma sombra, já que é muito bom para que a gente não se sinta titular absoluto e se acomode. Isso foi muito importante para mim, pois ficamos fazendo um revezamento com ele em que joguei algumas partidas e ele permaneceu titular por alguns jogos em 84 chegando a ser convocado para a seleção brasileira quando o treinador era o Edu, irmão do Zico. Mas depois eu retornei e com muito trabalho retomei a titularidade para nunca mais sair da equipe do Vasco.

Em 1987 e 1988, o Vasco conquistou o bicampeonato Carioca em cima do Flamengo que tinha um super time, campeão da Copa União.

O Flamengo sempre foi nosso maior rival, no entanto, sempre encarei qualquer jogo com seriedade e profissionalismo. Não existe jogo motivacional, pois penso que jogo é jogo, e sempre entrei nos jogos concentrados para vencer. O bicampeonato de 87 e 88, foi contra o Flamengo. Em 87, o gol do Tita, e em 88, o gol do Cocada, acabaram ficando na história porque o Cocada era reserva, entrou aos 42 minutos, fez o gol aos 43 e foi expulso dos 44. Mas foi o que ficou na história e é como eu sempre digo, é uma pena, mas o goleiro às vezes, faz uma partida espetacular, garante o resultado e não é muito comentado nem em partidas como essas duas. É bom ressaltar que estou comentando isso não porque fico triste, muito pelo contrário, me dá satisfação imensa lembrar dessas conquistas, mas parece que os gols tanto do Tita como do Cocada, parecem ter mais valor e é mais falado que a minha atuação junto com meus companheiros de defesa que foram brilhantes também nesses títulos.

Na Copa União de 1987, Flamengo e Vasco se enfrentaram em um jogo marcado pela polêmica e violência. No entanto, o segundo gol da vitória rubro-negra, em cobrança de pênalti, você abraçou o Zico e deu uma força para ele que um ano antes havia perdido um pênalti na Copa do Mundo do México em 1986. Lembra dessa partida em que o Vasco perdeu por 2 a 1? O que você disse para o camisa 10 do Flamengo?

O campeonato brasileiro de 1987 foi muito difícil para todos, pois existia uma briga pelo poder entre clubes e CBF. Tanto que o nome daquela competição foi Copa União, exatamente porque o futebol brasileiro naquele ano precisava de união. Entretanto um ano antes, em 1986, na Copa do Mundo do México, o Brasil foi eliminado nos pênaltis pela França e durante o jogo o Zico perdeu um pênalti que poderia ter levado o Brasil para próxima fase (semifinal). No retorno do Zico ao Brasil, um ano depois daquela eliminação, Flamengo e Vasco se enfrentaram pela Copa União. Lembro que nós perdemos para o Flamengo por 2 a 1 e o gol da vitória deles foi um pênalti cobrado pelo Zico, em que ele bate, eu vou na bola e ela passa próxima da minha mão. Depois do gol, eu me levanto e abraço o Zico em respeito pelo profissional, pelo ser humano, independente de ser adversário, tem que reconhecer o ser humano que ele é, a pessoa e o atleta exemplar. E eu o abracei em reconhecimento a tudo isso e também por ter, além disso, cobrado bem aquele pênalti. Mas vale frisar que durante toda semana a torcida do Vasco comentou que eu tinha deixado o gol do Zico com “peninha” dele e essas bobagens todas. Foi tanta coisa que eu ouvi do torcedor do Vasco, sabe? Jamais eu me sujeitaria a uma coisa dessa. Sempre fui profissional e se tivesse que pegar o pênalti do Zico eu pegaria, pois fui na bola para defendê-la, apesar de achar que o Zico merecia sim, fazer aquele gol e provar que todo jogador de futebol é passivo de erro. Mas por respeito aos torcedores vascaínos e pela lisura do futebol, eu sempre tive esse cuidado em respeitar as coisas e sempre fui honesto com meus princípios. Mas essa história acabou marcando porque os torcedores do Vasco acharam que eu deixei aquele pênalti entrar.

Na história do campeonato brasileiro, você é o quarto goleiro que ficou mais tempo sem tomar gols, feito de 1988, com impressionantes 915 minutos, sendo superado por Rogério Ceni do São Paulo em 2007 com 988 minutos; Leão do Palmeiras em 1973 com 1.057 minutos; e Jairo do Corinthians em 1978 com 1.132 minutos. O que esses números representam na sua carreira e o que você acredita ter sido fundamental para ficar tanto tempo sem tomar gol?

Eu joguei nove anos e meio pelo Vasco e foram nove anos e meio maravilhosos. Mas eu tive três anos importantes com a camisa do Vasco que foram em 1987, 1988 e 1989. No entanto muito mais marcante do que os outros anos foi o ano de 1988, já que que eu fiquei 915 minutos sem tomar gols e sendo superado dezenove anos depois por Rogério Ceni, em 2007. O motivo desse recorde é o goleiro reconhecer que o mérito não é só dele, e sim, de toda equipe, pois a marcação começa lá na frente com os atacantes. Então, nada mais justo do que dividir com meus companheiros essa importante marca que é um recorde que me orgulha muito. Esse período em que fiquei no Vasco me ajudou muito, principalmente, o ano de 1988, pois pude jogar a Copa América de 1989 e a Copa do Mundo da Itália em 1990. Essa longevidade sem tomar gols contribuiu para isso.

Você foi convocado pela primeira vez para a Seleção Brasileira em 1989 e participou da conquista da Copa América daquele ano como reserva. Como foi conquistar um título tão aguardado e como era a disputar a titularidade com Taffarel?

Vivi quatro anos consecutivos maravilhosos em São Januário. Conquistei os bicampeonatos contra o Flamengo, depois o Brasileiro de 89 contra o São Paulo e meu caminho para a seleção brasileira foi se tornando acimentado. Fui convocado pelo Sebastião Lazaroni, treinador no Vasco em 87 e 88, e em alguns momentos, até briguei com o Taffarel pela camisa 1. Mas era indiscutível que o Taffarel seria o titular, jogador que iniciou sua carreira no Internacional muito novo e já disputando títulos. Foi muito cedo para Europa jogar na Itália, então, isso tudo isso ajuda na escolha do treinador. Mas o Taffarel nem se discute, dispensa comentários e fomos campeões juntos na Copa América. Ele, titular, e eu, seu reserva, o que não me inferioriza em nada. Pelo contrário, foi uma conquista importante na carreira.

No ano de 1989, além de levantar o caneco do tricampeonato do Troféu Ramón de Carranza (em 87 e 88 os títulos foram vascaínos), você contribuiu de forma efetiva fechando o gol no segundo título nacional do Vasco, na decisão contra o São Paulo, em pleno Morumbi. Como foi aquele título?

Depois de ganhar a Copa América no Brasil, em 89, eu conquistei dois troféus Ramón de Carranza, torneio importantíssimo disputado na Espanha. Se você for visitar São Januário e entrar nasala de troféus, você vai ver três taças Ramón de Carranza, dos quais duas eu ajudei a conquistar. São os três troféus mais bonitos de São Januário, não os mais importantes, mas os mais bonitos que têm lá dentro. Para fechar com chave de ouro esses três anos espetaculares que tive no Vasco em 87, 88 e 89, vem o Brasileiro e a decisão contra o São Paulo no Morumbi. Foi um título inesquecível com a vitória por 1 a 0, gol do Sorato Fiz uma partida para ficar guardada no coração do torcedor vascaíno. Lembro de duas defesas extremamente difíceis que garantiram o título. Uma delas foi especial, milagrosa em que o jogador do São Paulo dá uma cabeçada para o chão e eu vou lá buscar. Mas graças a Deus deu tudo certo, quebramos um jejum de 15 anos sem título brasileiro e essa conquista foi muito importante para minha carreira.

Ainda em 1989, você quase barrou Taffarel às vésperas do Mundial de 1990, no entanto, após levar quatro gols em uma partida amistosa contra a Dinamarca, em uma tarde de sol em Copenhagen. Porque Acácio não repetiu as boas atuações naquele jogo? O que houve ali?

Neste jogo contra a Dinamarca só jogaram atletas que atuavam no Brasil. Infelizmente, por obra do destino, acabamos perdendo por 4 a 0 da Dinamarca. Me lembro bem desse jogo. Não tive uma boa perfomance, mas o time todo não esteve bem. Não tive culpa nos gols sofridos sendo um deles de penalti. A seleção dinamarquesa era espetacular e regida pelo grande Michael Laudrup, um grande jogador à época. Mas mesmo com essa atuação nesse jogo e bem próximo da Copa do Mundo da Itália, quase houve uma indecisão do nosso treinador sobre o goleiro que começaria jogando, porque os problemas com a premiação com o patrocinador afetaram a parte psicológica do Taffarel. Mas ele contornou a situação, foi titular daquele mundial e acabou escrevendo uma bonita história na seleção brasileira.

Na Copa do Mundo de 1990 na Itália, na condição de segundo goleiro, como foi fazer parte daquele Brasil, que até hoje, é chamado por parte da imprensa ‘Era Dunga’?

A seleção brasileira de 1990 tinha todas as condições de conquistar a Copa do Mundo da Itália. Mas ela saiu daqui com muitos problemas e isso começou quando, nós jogadores, descobrimos que o valor da premiação que nos apresentaram não era verdadeira. Isso gerou um desconforto enorme no grupo e decidimos que os jogadores e comissão técnica iriam tapar na foto oficial o patrocinador master que vocês sabem quem era. Ficou também decidido que membros da comissão técnica como roupeiros, massagistas e outros, não fariam isso, ou seja, não tapariam o patrocinador na foto oficial, para não serem prejudicados. Quando chegamos na Itália o valor total do dinheiro em dois envelopes, um sendo divididos apenas pelos jogadores, e o outro com toda comissão técnica que não taparam o patrocinador, um problema seríssimo. Este fato rachou o grupo totalmente. E aí você vai para uma Copa do Mundo com esses problemas internos que acabam interferindo no desempenho dentro de campo. E deu no que deu, fomos eliminado pela Argentina numa partida em que o Maradona fez uma única jogada e o gol do Caniggia nos eliminou. Mas depois o Brasil perdeu gols incríveis. Foi melhor na partida e acabou sendo eliminado da Copa do Mundo precocemente. Infelizmente, ficou marcado pela “Era Dunga’ injustamente, porque o Dunga foi um jogador com uma breve passagem pelo Vasco em 1987, ano em que jogou a Taça Guanabara. Foi um atleta exemplar, de um caráter irretocável e personalidade acima da média, que ficou marcado. Mas ainda bem que depois ele conseguiu reverter toda aquela situação e se tornou campeão e nosso capitão na Copa do Mundo seguinte.

Qual goleiro foi fonte de inspiração para você?

O melhor que eu vi jogar foi o Manga. Ele, na época que jogava no Botafogo, eu lembro que fui emprestado pelo Rio Branco de Mato Grosso, e na oportunidade, fui ver um jogo entre Operário x São Paulo em que o Manga teve uma atuação simplesmente espetacular. Depois desse dia eu me inspirei nele e quis ser goleiro profissional.

E o melhor preparador de goleiros com quem trabalhou?

Eu não poderia citar o melhor preparador de goleiros porque seria uma injustiça da minha parte. Na minha carreira, graças a Deus, tive bons preparadores. Alguns iniciaram a carreira comigo e se tornaram grandes profissionais. Por exemplo, eu poderia citar o Nielsen, que foi meu treinador quando iniciei a carreira no Vasco, e anos depois, chegou à seleção brasileira, treinando-me, assim como o Taffarel e o falecido Zé Carlos. Tive também um grande treinador chamado Jair e que era do Rio Grande do Sul. Ele muito importante na minha vida. Tive o Jair Bragança, ex-goleiro do Vasco na época do Andrada e do Mazaropi, campeão brasileiro em 1989 com a gente e meu amigo até hoje. Então seria muito injusto em citar o melhor, mas te afirmo que esses citados foram os melhores que passaram enquanto fui goleiro.

Ano passado o Maracanã completou 70 anos. Quais as suas recordações do estádio?

O ano de 2020 foi difícil para todos nós, mas tenho algumas lembranças boas e positivas. Uma delas foi o aniversário do Maracanã, que comemorou seus 70 anos. Foi mais que um simples estádio de futebol, pois um palco em que tive a oportunidade em ter conquistado três títulos estaduais e onde fiz grandes jogos. Costumo dizer que o Maracanã, assim como São Januário, eu conheço na palma da minha mão.

Qual foi o melhor Vasco que você viu jogar?

O melhor time que foi Acácio, Paulo Roberto, Fernando, Donato e Mazinho; Zé do Carmo, Geovani, Tita e Bismarck; Roberto e Romário.


Ao longo de sua história, o Vasco teve grandes goleiros como Nelson da Conceição, Jaguaré, Barbosa, Andrada, Mazaropi, Roberto Costa, você, Carlos Germano, Fábio e tantos outros. Na sua opinião, porque – com exceção de Barbosa em 1950 – nenhum foi titular numa Copa do Mundo?

A história do Vasco da Gama sempre foi recheada por grandes goleiros, como Nelson da Conceição, e Jaguaré. Esses eu não os vi jogar, assim como Barbosa. Depois tivemos Andrada, Mazaropi, aí vem a minha geração no início da década de 1980 e na década seguinte a do Carlos Germano, em 1990. Depois tivemos Hélton, Fábio e muitos outros que eram crias das categorias de base do clube. No meu caso, especificamente, cheguei aos 21 anos, muito jovem, me sinto como se tivesse começado ali em São Januário. Agora sobre os grandes goleiros do clube não terem sido titulares na seleção brasileira, com exceção do Barbosa, é questão de momento a explicação para isso, né? Eu acho que o futebol é momento, e quando fui convocado, lembro bem que chegamos a fazer um revezamento com o Taffarel, mas são coisas que acontecem na vida profissional do goleiro. Eu era o goleiro titular na derrota para a Dinamarca por 4 a 0 no amistoso em 89 e, em seguida, entra o Taffarel no jogo seguinte e a seleção ganha. Independente da atuação, ele permanece como titular. Assim é o futebol. E teve também a geração do Carlos Germano que escreveu uma história linda no Vasco com vários títulos conquistados e o mais importante: foi o goleiro do centenário em 1998 na Copa Libertadores, que é o título mais importante da linda história do Vasco. No entanto, ele é convocado em seguida para a seleção, mas tem que encarar o Taffarel, campeão do Mundo em 1994, para brigar pela camisa 1. É complicado, né? O mais importante na minha opinião é o Vasco ter jogadores convocados para fazerem parte do grupo na seleção, coisa que aliás, há muito tempo isso não acontece.

E como foi o “Jogador de jogo grande”, apelido popularizado por Romário na época do Vasco?

Às vezes minhas atuações em competições eram razoáveis, sem cometer falhas, no entanto eu crescia quando chegava em jogos importantes ou decisivos. E o Romário me deu esse apelido, porque ele viu as minhas atuações em grandes jogos e com toda humildade do mundo, reconheço isso (risos). Então, a gente tem que falar a verdade e eu fui um goleiro de jogos decisivos pelo Vasco da Gama. Isso não tenho dúvidas!

Como tem enfrentado esse isolamento social?

Em relação a esse momento que nós atravessamos, minha vida é como a de todos que têm consciência do momento. Tenho me preservado muito, saindo pouco, torcendo para que essa vacina venha logo e que a gente consiga passar dessa situação o mais rápido possível. Infelizmente, tem muitas pessoas que não têm a consciência do grave momento que estamos atravessando. Rezo muito a Deus que ilumine a todos e, principalmente, os governantes, que consigam liberar essa vacina e que a gente possa passar por isso com mais tranquilidade.

Como definiria Acácio em uma palavra?

Eu me definiria como uma pessoa amiga.