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A FUNDAÇÃO DO VASCO E A DISPARADA DO CAVALO

por André Luiz Pereira Nunes


Por ocasião dos preparativos para a criação do Vasco, na primeira reunião, realizada em um sobrado na Rua Teófilo Otoni, em agosto de 1898, um dos presentes lembrou que o clube não teria dinheiro, tampouco barcos. É certo que todos os presentes eram honestos, mas a honestidade, embora seja uma virtude, não paga contas de absolutamente ninguém. A única solução seria conseguir alguém que tivesse condições de financiar os custos da agremiação. Foi então ventilado o nome de Francisco Gonçalves Couto, proprietário de uma serraria no bairro da Saúde, zona central do Rio de Janeiro.

No dia seguinte ele foi procurado. Como ninguém escapa de uma boa conversa fiada, dizem que ele caiu feito um patinho. Animados, os fundadores do Vasco investiram no Dr. Henrique Lagden. Tratava-se de um médico popular no bairro que gozava de grande prestígio político. Não demorou para que dias depois, não só ele aderisse, como também o Dr. Guarani e outros ao novo grêmio esportivo recém-criado.

Em 21 de agosto de 1898, na sede do Filhos de Talma, no mencionado bairro da Saúde, fundava-se o Club de Regatas Vasco da Gama e, nos moldes da boa política, foi eleito presidente Francisco Gonçalves Couto e tesoureiro o Dr. Henrique Lagden, justamente as figuras de maior projeção. Sete dias depois, após a posse da primeira diretoria, realizada na Estudantina Arcas, Francisco Couto foi tremendamente assediado por todos os presentes que lhe pediam “apenas” uma flotilha completa para que o clube pudesse fazer boa figura no remo.

Um dos requerentes, conhecido como Zé da Praia, passava a mão afetuosamente em seu ombro, dizendo-lhe:

– O Vasco precisa de “caravelas”. Sem a supremacia dos mares, jamais venceremos a batalha.

O presidente logo se animou e, em um tremendo arroubo de entusiasmo, respondeu que a agremiação teria não só os mares, como o céu também.

É provável que ele tenha posteriormente se arrependido, mas como naquele tempo promessa de homem se cumpria, o primeiro presidente vascaíno logo dotou o clube de uma flotilha completa, embora tivesse ficado com a reserva de domínio.

Porém, o Vasco precisava de um barracão para guardar os barcos, pois na doca do Largo da Imperatriz, as baleeiras e canoas ficavam à mercê do tempo. Na Ilha das Moças, na Praia Formosa, posteriormente aterrada por ocasião da construção da Avenida Francisco Bicalho, havia um perfeito barracão disponível. Somente o Francisco Couto poderia consegui-lo. A turma chorou, chorou, chorou e o presidente acedeu. Afinal, não podia ver lágrimas.

– Não há nada, rapazes. Tudo certo. Um homem quando está com a mão na massa, tanto amassa um saco de farinha como dois ou três.

E torcendo os fartos bigodes, acrescentou:


– Amanhã irei falar com o proprietário e dentro de poucos dias os barcos estarão na Ilha das Moças.

De fato, dias depois os vascaínos estavam de mudança para o local. Para ligar a ilha à Praia Formosa houve a necessidade de se construir uma ponte de madeira que foi feita pelos próprios sócios. Quando a passagem estava concluída, os policiais que faziam patrulhamento, amarraram seus cavalos no corrimão. Como o terreno era muito lamacento, os animais obstruíram a pequena passagem seca do local.

Em um domingo ensolarado de janeiro, um certo Antonio Mendes apareceu na Ilha das Moças de terno e sapato brancos, moda comum à época. Na hora da saída acendeu um charuto e ao chegar ao fim da ponte, encontrou um cavalo amarrado. Como não podia passar sem enlamear os sapatos, desamarrou o cavalo e enfiou-lhe o charuto aceso no ouvido. O animal saiu correndo. O policial, que de longe assistia aquela cena, vendo-o correr e relinchar, dirigiu-se a Antonio Mendes e perguntou-lhe:

– O que você fez ao cavalo?

– Eu? Nada, seu guarda.

– Como é que o animal saiu correndo feito um doido? – retrucou a autoridade.

– Coitado, é um animal de sentimento. Comuniquei-lhe o falecimento de sua mãe e ele saiu em disparada. Deve ter ido tratar do enterro. 

MEU IRMÃO TINHA DOIS TIMES

por Luiz Dias


Uma vez cheguei em casa com uma camisa do Santos, fruto do primeiro emprego.

O primeiro salário, me lembro bem, comprei um computador.

Depois vieram outros mimos. Aquelas tentativas infantis de compensar os desejos consumistas não atendidos na infância.

Em algum momento comprei a tal camisa.

Achava-a bonita.

Ainda acho.

Menino. Quem naquela fase de descobrir o amor ao futebol e de procurar um herói nas quatro linhas, nos jogos nos campinhos, reais ou nos imaginários, não sonhou ser Pelé?

Eu também sonhei.

Quando meu irmão José, Palmeirense, me viu com a camisa, percebi, olhou-me torto.

Nitidamente não gostara.

A opinião do meu irmão me era importante.

Do mesmo jeito que a camisa chegou. A camisa se foi.

[…]

Campeonato Brasileiro. Ano de 1983.

Grudado no radinho de pilha.

Tinha 13 anos.

Palmeiras precisava ganhar do Vasco para seguir adiante.

O jogo acaba.

Meu irmão chega do trabalho. Todo sujo de graxa por conta do ofício. Me pergunta quanto foi o jogo.

0 x 0.

Pensei que ele iria ficar chateado. Quase menti na hora dizendo que não tinha ouvido o jogo por falta de pilhas no rádio. Não queria eu ver meu irmão triste.

Meu irmão demonstrou não se importar. A mim, o interesse pelo resultado do jogo, soou apenas como curiosidade.

Seguiu para o seu quarto.

Eu esmurrei a parede e joguei a minha lata de linha longe.

[…]

Copa Mercosul. Ano 2000.

Palmeiras 3 x 0 no primeiro tempo.

Meu irmão em seu quarto vendo o jogo.

Quando o Tuta fez o terceiro, até saí de casa.

Segundo tempo, foi o que foi.

Voltei bem tarde pra casa.

Nem queria ver meu irmão.

[…]

Um dia, descendo a rua.

Vejo meu irmão no bar com os amigos.

Em seu corpo, a prova do crime.

Exibindo-se.

Meu irmão vestia uma camisa do Vasco.

Ainda que fosse a do time de basquete. Era do Vasco da Gama.

Descobri: meu irmão tinha dois times.

(Ainda sem entender o porquê, não fiquei triste).

Me lembrei da infância.

Do meu time de botão. 

Do Dinamite fazendo cinco gols em um jogo fantástico contra o Corinthians.

O tempo passou.

Bastante tempo passou.

O tempo, ao mesmo tempo que passa, empurra. Arrasta. Afasta.

Meu irmão não está mais entre nós.

Lembrança que tenho dele, além da voz e da falta, é da sua camisa do Palmeiras. Do pôster no quarto, feito um diploma, do time de 1993 e daquela camisa do Vasco. Que me libertou.

Comecei a torcer pelo Palmeiras porque meu irmão era Palmeirense.

Aprendi a jogar futebol, porque meu irmão jogava futebol.

Meu irmão me deu de presente, o Amor pelo futebol.

A saudade hoje me faz ver, nitidamente, que se meu irmão tinha dois times.

Eu tinha três.

VOLTAS DE DESPEDIDA

por Zé Roberto Padilha


Geraldo foi uma das maiores promessas do futebol brasileiro. Tinha a classe de Ademir da Guia e a plasticidade e a irreverência de Carlos Alberto Pintinho. Tão amigos que muitos passavam os anos imaginando o dia em que jogariam juntos. Que covardia! Melhor era esperar o duelo de cada Fla x Flu.

Geraldo não era um artista para ser treinado em quartéis. Seu improviso não combinava com ordem unida, muito menos havia Sentido! que podasse sua liberdade de expressão e circulação.

Nosso treinador, Carlos Froner, oriundo das casernas, não aceitava que não voltasse para marcar e guardar posição. Assobiando, procurava espaços vazios onde respirava para puxar contra ataques. E o fazia com rara beleza.

Aí o Flamengo foi jogar em Sergipe e Geraldo não foi relacionado. Na Gávea, ficamos os dois, eu por contusão, ele por insubordinação, dando voltas na pistas. Voltas que mal sabia serem de despedida.

Dr. Celio há muito precisava dessa brecha para retirar suas amígdalas, e essa parte triste da sua história não vamos rememorar.

É uma crônica de saudades de um grande amigo e um jogador acima da média.

Moral da História: nunca obrigue um talento a correr atrás de alguém. Zé Roberto, Merica e Tadeu são escalados para isso.

E deixe a arte livre para dar ao seu time o toque de qualidade que perdemos quando Geraldos são perdidos.

BFR – ACABOU O CHORARE

por Leymir Moraes


Quando alguém julga uma Instituição mais que centenária com olhos travados no presente, e em seu passado recente, desconfie!

Quando alguém tentar lhe vender que a historicidade e significância de um clube, é a relação fria entre faturamento X dívida, desconfie!

Um dos maiores ataques do Flamengo alinhava com Zizinho, Pirillo, Jair da Rosa Pinto e Vevé, um dos maiores meio de campo de todos os tempos, alinhava com Falcão, Cerezo, Sócrates e Zico, se alguém tentar desqualificar algumas dessas linhas, desconfie!

Já de mim desconfie menos, pois antes de entrar propriamente no assunto eu já cometerei sincericídeo. Eu não amo o BFR, e não amei o GRB, muito embora seja eternamente grato aos garotos que o iniciaram e roubavam já em seus primórdios as meninas do bairro vizinho. 

Eu cresci ouvindo meu pai lamentar e admirar a geração de Gerson, PC Caju e Jairzinho, meu avô dizer que entrava no Maracanã para torcer, mas saía de lá rindo, por intermédio do maior de todos os ponteiros que nasceram e nascerão, o excelentíssimo senhor Mané Garrincha, que gostava de andar bem acompanhado por Zagallo, Amarildo, Didi, Manga, Nilton Santos e Quarentinha.


Desconfie muito quando alguém disser, que o BFR se distancia do imaginário popular futebolístico! Poucas são as construções mais impossíveis que essa. Se lamentavelmente confesso que não conseguimos aprender com Mimi Sodré e seu jogo limpo, nossa obsessão pelo improviso e o drible, foi solidificada com o brilhantismo de Garrincha e nenhum clube foi mais importante do que o BFR em 58 e principalmente 62, ao dizimar nosso complexo de vira latas e nos transformar no país do futebol.

Talvez desconfie de mim, porque o primeiro título que me lembro em detalhes foi o de 1989, o cruzamento de Mazolinha, a conclusão de Maurício e as lágrimas do meu amado pai. Eu não tenho nenhum motivo para falar bem do BFR, excetuando-se a verdade e a humildade de reconhecer que o tamanho do meu clube também passa pelo gigantismo de seus rivais, nesse caso o Botafogo.

Quando você, Botafogo, ouvir de um irmão de camisa, que teu clube caminha para seguir os passos de Bangu ou América, (como todo respeito a estes) o repreenda e lembre o orgulho e sorte de torcer para o clube de Carvalho Leite, Heleno de Freitas, Mimi Sodré, Nilton Santos, Didi e Garrincha.


Quando um torcedor rival tentar lhe diminuir, sorria e saiba que é só o infantilismo da rivalidade e do clubismo, nem todos saem da puberdade.

Quando for a imprensa sempre “imparcial”, olhe para o céu e repita “oh pai, eles não sabem o que fazem”

Nada mais posso escrever ou caçam por aí minha carteirinha de Flamengo… Querido torcedor alvinegro, desconfie de mim, desconfie da imprensa, desconfie de tudo e todos, menos da imortalidade do teu Botafogo.

PELOTICÍDIO

por Rubens Lemos


Izabel nem percebeu minha tensão explícita. Dentro de casa e impaciente por um motivo a mais: o pânico de, na seleção brasileira de todos os tempos da Revista Placar, constar o nome do lateral-direito Cafu, que disputou três Copas do Mundo, foi o capitão de 2002 sem apresentar nada que o fizesse diferenciado.

Cafu marcava bem, era voluntarioso, não tremia, apoiava com timidez e cruzava de tornozelo, bola saindo pela linha de fundo antes de chegar à área para o confronto entre artilheiros e beques.

O currículo vitorioso não dá camisa a ninguém quando é para se escalar os melhores, sejam eles em qualquer posição. Anderson Polga, Paulo Sérgio, Baldochi e Dadá Maravilha nada jogaram e foram campeões em Copas.

Cafu perde para pelo menos oito laterais na minha avaliação: Leandro (sobrenatural), Carlos Alberto Torres (modelo de capitão), Djalma Santos (melhor lateral-direito de 1958 tendo jogado apenas a final), Nelinho do Cruzeiro e do Galo, canhão de Minas Gerais, Jorginho do Tetra, Mazinho, que era surreal nas laterais e na meia-cancha e Paulo Roberto, do Grêmio campeão mundial e do Vasco melhor do Vasco: nos anos 1980.

Quase omitia Luiz Carlos Winck, do Inter e do Vasco, seleção profissional e olímpica. Ou seja, oito antes de uma vaga que, nem tenho tanta certeza, seria de Cafu, afinal ainda tivemos Toninho Baiano do Flamengo e Zé Maria, tricampeão mundial em 1970 na reserva de Carlos Alberto e um dos ídolos eternos do Corinthians.

O anarquista Josimar, saltimbanco da Copa de 1986, De Sordi de 1958 e Edevaldo, o Cavalo, reserva de 1982, força e velocidade, características de Cafu. Cruzava divinamente.

Bicampeão mundial de clubes, Cafu foi invenção de meia marcador de Telê Santana e foi descendo até a defesa por falta de talento para ocupar posições que foram de Raí, Palhinha, Juninho Paulista e do bonitinho Leonardo. Foi ficando na lateral-direita e impressionou Zagallo e Parreira pelo empenho, no vigor, na ausência total do medo. Mas melhor de todos os tempos, Não.

Enfim, saiu a lista oficial elaborada por 170 jornalistas escolhidas pela Revista Placar. Tomei um remédio para pressão. De felicidade. Os escolhidos foram Taffarel; Carlos Alberto Torres, Bellini, Aldair e Nilton Santos; Falcão, Didi e Pelé; Garrincha, Ronaldo e Romário. Um aumentativo de time, sensacional.

Com Zagallo de treinador eleito, mandando-os recuar e sendo desobedecido sem puderes: “Cala a boca, mala, deixa a gente fazer o que sabe!”, Romário gritaria sem o menor constrangimento.

Constrangimento, aliás, é um termo que as escolas da Vila da Penha, subúrbio do Rio de Janeiro e berço do Baixinho, jamais pronunciaram nas aulas dele, que deveria ser o maior gazeteiro do seu tempo.

A seleção é espetacular e ganharia de qualquer esquadrão mundial. Mesmo Cafu na reserva. Ruim a ausência de Leandro. No meu time dos sonhos, com direito a reservas, escalo Taffarel; Leandro, Carlos Alberto Torres, Aldair e Nilton Santos; Gerson, Didi, Pelé e Zico; Garrincha e Romário.

Os reservas seriam Gilmar; Djalma Santos, Bellini, Orlando e Marinho Chagas; Falcão, Sócrates, Rivelino e Rivaldo; Ronaldinho Gaúcho e Tostão. Não protesto contra a Placar a não ser pela falta de Zico.

Quem viu Zico jogar, canta-o em oração ou o descreve em homilia pelos altares do velho Maracanã das gerais. Zico perdeu Copas, problema delas. É o maior brasileiro com a bola da história dos campeonatos brasileiros, ganhou um Mundial e é um dominador impecável de cada fundamento do futebol.

Pior será a chegada na lista de Casemiro, Fernandinho e Douglas Costa, quando nós formos caquéticos e os meninões de hoje resolverem escolher.

Tempo conspirando contra luminares: Leônidas da Silva, Zizinho, Danilo Alvim, Ademir Menezes. Julinho Botelho. Ademir da Guia, Dirceu Lopes. Perdendo para Roberto Firmino. Que o século dos modernos demore 200 anos. A bola se recusaria a maus tratos. Reagiria, furor feminino, ao peloticídio.

Bom

Maycon Douglas é um finalizador. Quem me agradou no ABC foi Marcos Antônio, camisa 10 com bossa e passes certeiros.

Comparando

Sem gracejo: o Vasco não mostrou mais do que o ABC na estreia.

Wallyson no América

O América do Rio de Janeiro sondou Wallyson. Não deu certo.

Mataram o filme

Tanta expectativa e o filme sobre Pelé na Netflix é ruim. Enredaram o Rei numa teia ideológica onde até a ex-governadora incompetente Benedita da Silva(RJ) aparece a dizer bobagens.

Gols

Golaços e um encontro com remanescentes do Santos evitam a nota zero da produção mais militante do que biográfica.

Juca e Trajano

Juca Kfouri e José Trajano, há anos deixaram o jornalismo para exercer raivoso discurso de esquerda. Parece uma lei em que filme sobre futebol tem que ter os dois, saudosos das verbas do Governo Federal.

Outro fracasso

O documentário se nivela em mediocridade a Isto É Pelé, de 1974, este sob tutela da repressão, do Brasil Grande na mensagem e torturante na vida real.

Pelé Eterno

De Aníbal Massaini, é o filme antológico do Rei.