“TRÍPLICE COROA”?
::::::::: por Paulo Cézar Caju :::::::::
Em minha caminhada pelo Leblon para espairecer testemunho uma cena que retrata exatamente o comportamento de muitos brasileiros. Um rapaz distraído, celular no ouvido, tropeça em um mendigo deitado no chão e segue adiante como se tivesse chutado uma pedra. Nenhum pedido de desculpas, só faltou chamar o gari para retirar aquele entulho do caminho. Alguma diferença da torcida do Palmeiras comemorando, sem máscara, a tal da Tríplice Coroa? Sou do tempo em que só grandes elencos conseguiam tal proeza, mas virou bagunça.
O Campeonato Paulista foi patético, a Libertadores, medonha, e a Copa do Brasil, um fiasco. Mas centenas de palmeirenses, em plena pandemia, com milhares de pessoas morrendo diariamente, resolveram convocar o vírus para a festa e compartilhá-los com suas famílias na volta para a casa. Clubes de outros estados já haviam feito o mesmo. Ninguém se importa mais com o próximo e os próprios políticos seguem com suas farras. Estamos anestesiados, pouco se lixando. O novo normal é um porre. Me dá a impressão que as pessoas estão enlouquecendo.
Como explicar, então, o comportamento de Vagner Mancini após a vitória sobre a Ponte Preta, com um pênalti duvidoso: ‘Esse é o Corinthians que eu quero!”. Meu Deus, estamos fritos! A Ponte está na Segunda Divisão! Péricles Chamusca, treinador do Botafogo, também vibrou com a fantástica vitória de 3×0 sobre o Resende. A Portuguesa lidera o Carioca. Não é surpreendente porque há tempos a zebra pediu as contas, cansou, pendurou as chuteiras. O futebol está nivelado por baixo e, agora, o novo gênio da lâmpada é o português Abel Ferreira, mister do Verdão. Responde as perguntas sempre com rispidez, mas a imprensa é culpada.
Ouvi um comentarista dizendo que ele inovou ao mesclar jogadores jovens com experientes. Peraí, isso faziam antes mesmo de o futebol ter sido inventado! Estamos anestesiados de falta de ideias, sentimentos e critérios. Desde 1994, percebo que resolvemos nos contentar com pouco, mas para muitos a ficha só caiu após os 10×1, sete da Alemanha e três da Holanda. A partir daí, virou banal sermos chacotas, times tradicionais caírem para a Segunda Divisão e acreditarmos que “outro patamar” é sinônimo de extrema qualidade. Viramos bobos, irresponsáveis, alienados. Não precisamos de vacina, mas de um antídoto para eliminar o efeito danoso dessa anestesia.
A PIOR DAS DERROTAS
por Zé Roberto Padilha
Véspera do casamento, me aprontaram uma. A tal despedida de solteiro não autorizada.
Aos 26 anos, virgem etilicamente, desembarquei de Recife, onde defendia o Santa Cruz, na cidade maravilhosa onde almoçaria com minha irmã. No caminho, meu taxi foi interceptado por uma blitz organizada por irmãos, cunhados e amigos.
Passamos toda a tarde fazendo o tour dos botecos. Brindes no Castelinho, chope da Brahma no Caneco 70. Não teve um só bar que não fosse visitado em toda a orla.
Bebia muito pouco porque era obcecado pelo aprimoramento do meu preparo físico. Era ele, nunca tive dúvidas, que me mantinha em cena por 17 temporadas. Graças a tudo que investi treinando forte, dormindo cedo e tomando meu Ovomaltine Crocante do Bobs, poucos treinadores abriam mão do seu formiguinha.
Passava das 19h quando dei entrada no Hospital Miguel Couto. Glicose na veia, nem precisou passar pela triagem. Quando a enfermeira se aproximou para aplicar o soro, meu irmão, notando seu chaveiro rubro-negro, disse a ela:
– Trata com carinho que ele defendeu seu time!
Sua resposta jogou por terra todos os meus cuidados e afundou de vez minha autoestima:
– Agora eu sei porque ele não joga mais!
Inerte, desorientado, tentei me defender mas não tinha mais voz, orgulho, chuteiras, mais nada.
“Agora eu sei porque ele não joga mais!” foi, em toda minha carreira, por não poder sequer marcar os adversários ou dar um chute a gol, a pior das derrotas.
A FUNDAÇÃO DO VASCO E A DISPARADA DO CAVALO
por André Luiz Pereira Nunes
Por ocasião dos preparativos para a criação do Vasco, na primeira reunião, realizada em um sobrado na Rua Teófilo Otoni, em agosto de 1898, um dos presentes lembrou que o clube não teria dinheiro, tampouco barcos. É certo que todos os presentes eram honestos, mas a honestidade, embora seja uma virtude, não paga contas de absolutamente ninguém. A única solução seria conseguir alguém que tivesse condições de financiar os custos da agremiação. Foi então ventilado o nome de Francisco Gonçalves Couto, proprietário de uma serraria no bairro da Saúde, zona central do Rio de Janeiro.
No dia seguinte ele foi procurado. Como ninguém escapa de uma boa conversa fiada, dizem que ele caiu feito um patinho. Animados, os fundadores do Vasco investiram no Dr. Henrique Lagden. Tratava-se de um médico popular no bairro que gozava de grande prestígio político. Não demorou para que dias depois, não só ele aderisse, como também o Dr. Guarani e outros ao novo grêmio esportivo recém-criado.
Em 21 de agosto de 1898, na sede do Filhos de Talma, no mencionado bairro da Saúde, fundava-se o Club de Regatas Vasco da Gama e, nos moldes da boa política, foi eleito presidente Francisco Gonçalves Couto e tesoureiro o Dr. Henrique Lagden, justamente as figuras de maior projeção. Sete dias depois, após a posse da primeira diretoria, realizada na Estudantina Arcas, Francisco Couto foi tremendamente assediado por todos os presentes que lhe pediam “apenas” uma flotilha completa para que o clube pudesse fazer boa figura no remo.
Um dos requerentes, conhecido como Zé da Praia, passava a mão afetuosamente em seu ombro, dizendo-lhe:
– O Vasco precisa de “caravelas”. Sem a supremacia dos mares, jamais venceremos a batalha.
O presidente logo se animou e, em um tremendo arroubo de entusiasmo, respondeu que a agremiação teria não só os mares, como o céu também.
É provável que ele tenha posteriormente se arrependido, mas como naquele tempo promessa de homem se cumpria, o primeiro presidente vascaíno logo dotou o clube de uma flotilha completa, embora tivesse ficado com a reserva de domínio.
Porém, o Vasco precisava de um barracão para guardar os barcos, pois na doca do Largo da Imperatriz, as baleeiras e canoas ficavam à mercê do tempo. Na Ilha das Moças, na Praia Formosa, posteriormente aterrada por ocasião da construção da Avenida Francisco Bicalho, havia um perfeito barracão disponível. Somente o Francisco Couto poderia consegui-lo. A turma chorou, chorou, chorou e o presidente acedeu. Afinal, não podia ver lágrimas.
– Não há nada, rapazes. Tudo certo. Um homem quando está com a mão na massa, tanto amassa um saco de farinha como dois ou três.
E torcendo os fartos bigodes, acrescentou:
– Amanhã irei falar com o proprietário e dentro de poucos dias os barcos estarão na Ilha das Moças.
De fato, dias depois os vascaínos estavam de mudança para o local. Para ligar a ilha à Praia Formosa houve a necessidade de se construir uma ponte de madeira que foi feita pelos próprios sócios. Quando a passagem estava concluída, os policiais que faziam patrulhamento, amarraram seus cavalos no corrimão. Como o terreno era muito lamacento, os animais obstruíram a pequena passagem seca do local.
Em um domingo ensolarado de janeiro, um certo Antonio Mendes apareceu na Ilha das Moças de terno e sapato brancos, moda comum à época. Na hora da saída acendeu um charuto e ao chegar ao fim da ponte, encontrou um cavalo amarrado. Como não podia passar sem enlamear os sapatos, desamarrou o cavalo e enfiou-lhe o charuto aceso no ouvido. O animal saiu correndo. O policial, que de longe assistia aquela cena, vendo-o correr e relinchar, dirigiu-se a Antonio Mendes e perguntou-lhe:
– O que você fez ao cavalo?
– Eu? Nada, seu guarda.
– Como é que o animal saiu correndo feito um doido? – retrucou a autoridade.
– Coitado, é um animal de sentimento. Comuniquei-lhe o falecimento de sua mãe e ele saiu em disparada. Deve ter ido tratar do enterro.
MEU IRMÃO TINHA DOIS TIMES
por Luiz Dias
Uma vez cheguei em casa com uma camisa do Santos, fruto do primeiro emprego.
O primeiro salário, me lembro bem, comprei um computador.
Depois vieram outros mimos. Aquelas tentativas infantis de compensar os desejos consumistas não atendidos na infância.
Em algum momento comprei a tal camisa.
Achava-a bonita.
Ainda acho.
Menino. Quem naquela fase de descobrir o amor ao futebol e de procurar um herói nas quatro linhas, nos jogos nos campinhos, reais ou nos imaginários, não sonhou ser Pelé?
Eu também sonhei.
Quando meu irmão José, Palmeirense, me viu com a camisa, percebi, olhou-me torto.
Nitidamente não gostara.
A opinião do meu irmão me era importante.
Do mesmo jeito que a camisa chegou. A camisa se foi.
[…]
Campeonato Brasileiro. Ano de 1983.
Grudado no radinho de pilha.
Tinha 13 anos.
Palmeiras precisava ganhar do Vasco para seguir adiante.
O jogo acaba.
Meu irmão chega do trabalho. Todo sujo de graxa por conta do ofício. Me pergunta quanto foi o jogo.
0 x 0.
Pensei que ele iria ficar chateado. Quase menti na hora dizendo que não tinha ouvido o jogo por falta de pilhas no rádio. Não queria eu ver meu irmão triste.
Meu irmão demonstrou não se importar. A mim, o interesse pelo resultado do jogo, soou apenas como curiosidade.
Seguiu para o seu quarto.
Eu esmurrei a parede e joguei a minha lata de linha longe.
[…]
Copa Mercosul. Ano 2000.
Palmeiras 3 x 0 no primeiro tempo.
Meu irmão em seu quarto vendo o jogo.
Quando o Tuta fez o terceiro, até saí de casa.
Segundo tempo, foi o que foi.
Voltei bem tarde pra casa.
Nem queria ver meu irmão.
[…]
Um dia, descendo a rua.
Vejo meu irmão no bar com os amigos.
Em seu corpo, a prova do crime.
Exibindo-se.
Meu irmão vestia uma camisa do Vasco.
Ainda que fosse a do time de basquete. Era do Vasco da Gama.
Descobri: meu irmão tinha dois times.
(Ainda sem entender o porquê, não fiquei triste).
Me lembrei da infância.
Do meu time de botão.
Do Dinamite fazendo cinco gols em um jogo fantástico contra o Corinthians.
O tempo passou.
Bastante tempo passou.
O tempo, ao mesmo tempo que passa, empurra. Arrasta. Afasta.
Meu irmão não está mais entre nós.
Lembrança que tenho dele, além da voz e da falta, é da sua camisa do Palmeiras. Do pôster no quarto, feito um diploma, do time de 1993 e daquela camisa do Vasco. Que me libertou.
Comecei a torcer pelo Palmeiras porque meu irmão era Palmeirense.
Aprendi a jogar futebol, porque meu irmão jogava futebol.
Meu irmão me deu de presente, o Amor pelo futebol.
A saudade hoje me faz ver, nitidamente, que se meu irmão tinha dois times.
Eu tinha três.
VOLTAS DE DESPEDIDA
por Zé Roberto Padilha
Geraldo foi uma das maiores promessas do futebol brasileiro. Tinha a classe de Ademir da Guia e a plasticidade e a irreverência de Carlos Alberto Pintinho. Tão amigos que muitos passavam os anos imaginando o dia em que jogariam juntos. Que covardia! Melhor era esperar o duelo de cada Fla x Flu.
Geraldo não era um artista para ser treinado em quartéis. Seu improviso não combinava com ordem unida, muito menos havia Sentido! que podasse sua liberdade de expressão e circulação.
Nosso treinador, Carlos Froner, oriundo das casernas, não aceitava que não voltasse para marcar e guardar posição. Assobiando, procurava espaços vazios onde respirava para puxar contra ataques. E o fazia com rara beleza.
Aí o Flamengo foi jogar em Sergipe e Geraldo não foi relacionado. Na Gávea, ficamos os dois, eu por contusão, ele por insubordinação, dando voltas na pistas. Voltas que mal sabia serem de despedida.
Dr. Celio há muito precisava dessa brecha para retirar suas amígdalas, e essa parte triste da sua história não vamos rememorar.
É uma crônica de saudades de um grande amigo e um jogador acima da média.
Moral da História: nunca obrigue um talento a correr atrás de alguém. Zé Roberto, Merica e Tadeu são escalados para isso.
E deixe a arte livre para dar ao seu time o toque de qualidade que perdemos quando Geraldos são perdidos.