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ESFORÇO DE PACIFICAÇÃO DO FUTEBOL CARIOCA

por André Luiz Pereira Nunes


O futebol carioca sempre sobreviveu a graves crises financeiras. Possivelmente, a pior ocorreu, em 1933, a partir da implantação do profissionalismo. Daquele ano até o final de 1936, os clubes profissionais passaram por grandes privações.

O profissionalismo, fundado por seis clubes, contou nos primórdios com o apoio de quatro, a saber: Fluminense, Vasco, America e Bangu. O Botafogo negou-se a participar da Liga Carioca de Futebol e continuou na Associação Metropolitana de Esportes Atléticos (AMEA), entidade amadorista. O Flamengo também não aceitou o profissionalismo, só ingressando na nova entidade esperando grandes promessas que nunca foram cumpridas. Para completar seis clubes no campeonato, foi necessário conceder filiação ao Bonsucesso.

O São Cristóvão ingressou na Liga Carioca de Futebol, em 1934, conquistando o vice-campeonato, enquanto o Vasco venceu o certame da cidade. No ano seguinte, a entidade profissionalista se encontrava virtualmente falida e contava com os seguintes clubes: America, Flamengo, Fluminense, Bonsucesso, Modesto e Portuguesa. 

A Federação Metropolitana de Futebol, denominada de amadorista, passou a reunir os seguintes times: Botafogo, Vasco, Andaraí, Bangu, Madureira, São Cristóvão, Carioca e Olaria. Ao fim de 1936, as agremiações estavam todas na pindaíba. Nessa ocasião, dois desportistas sinceros, que não eram técnicos, tampouco advogados de causas perdidas, deliberaram pacificar o futebol carioca. Eram dois negociantes abastados, um pertencente ao America e outro ao Vasco. Pedro Magalhães Correia, presidente do America, era um dos maiores acionistas do Banco do Brasil, e Pedro Pereira Novaes, presidente do Vasco, era alto negociante de couros.


Ambos reuniram-se na Associação dos Empregados do Comércio, sem o conhecimento de ninguém, e tomaram as seguintes medidas: Reunir os 12 maiores clubes do Rio de Janeiro pertencentes às duas entidades para disputarem o campeonato de 1937. Esses times tinham um ano de prazo para se adaptarem às condições exigidas pela nova entidade. Os que não cumprissem as determinações seriam afastados.

Portanto, em 1937, os participantes foram Andaraí, America, Bangu, Botafogo, Bonsucesso, Fluminense, Flamengo, Vasco, Olaria, Madureira, São Cristóvão e Portuguesa.

Em 1938, três clubes deixaram de cumprir as exigências: Andaraí, Carioca e Olaria. O certame foi integrado por apenas 9 times. No ano seguinte, houve o mesmo número de participantes em três turnos. A classificação foi a seguinte: 1- Flamengo; 2 – Botafogo; 3 – São Cristóvão; 4 – Fluminense; 5 – America; 6 – Vasco; 7 – Madureira; 8 – Bangu; 9 – Bonsucesso.

Em 1939, os maiores goleadores foram Carvalho Leite (Botafogo) – 22 gols, Pascoal (Botafogo) – 19 gols, Jair (Madureira) – 15 gols, Roberto (São Cristóvão) – 14 gols, Perácio (Botafogo), Valido e Gonzalez (Flamengo) e Fogueira (Fluminense) – 13 gols, Odair (Bonsucesso), Patesko (Botafogo) e Carreiro (São Cristóvão) – 12 gols, Hortêncio (America) e Joaquim (São Cristóvão) – 11 gols, Caxambu, Sá e Leônidas (Flamengo) e Hércules (Fluminense) – 10 gols. 

Mário Viana foi o árbitro que mais apitou partidas: 20. Seguido de Carlos Monteiro e Fioravante D`Angelo, respectivamente, 19 e 16 partidas.

DESCULPE, MARIO FILHO

por Zé Roberto Padilha


Como um personagem do esporte, que deve ter feito muita coisa em sua época para merecer dar nome ao maior estádio do mundo, fez por desmerecer continuar a ostentar seu nome no Maracanã?

Como homenagear uma pessoa se, ao mesmo tempo, desmerecemos os já reconhecidos feitos de uma outra?

Desculpe, família Mario Filho, jornalista e escritor que deu, por unanimidade, seu nome ao estádio do Maracanã, pelo aparecimento de alguns imbecis propondo substituí-lo pelo Rei Pelé.

Até levantarmos uma Copa do Mundo, e descobrir que haveria um Rei entre nós, seu nome era exibido com orgulho ao entorno naquele que se tornou o mais respeitado estádio do mundo.

Não vamos deixar trocar. Alô, torcidas organizadas.

A Rua Manoel Duarte, aqui em Três Rios, vai sempre ser dele, embora outra atitude retardada tenha a mudado para Rua Prefeito Joaquim Ferreira.

Não se cobre um santo despindo o outro.

Não se apaga uma história ocultando a outra.

O tempo, senhor da razão, há de colocar as coisas no lugar. Mesmo porque em 1950, quando foi inaugurado, ainda não havia um trono para um Rei sentar, jogar, marcar gols a merecer ocupar o seu lugar.

Salve Mario Filho, imutável nome concedido ao templo maior do futebol mundial.

E que Deus conserve o nosso Rei Pelé fora dessa gratuita e inaceitável injustiça.

O INUSITADO DUELO DOVAL X CAFURINGA E A REVANCHE NO FLA X FLU QUE JAMAIS ACONTECEU

por Victor Kingma


Na minha infância eu gostava muito de jogar botão. Entretanto, jamais utilizei os tradicionais times comprados nas lojas de brinquedos.

Gostava eu mesmo de confeccioná-los usando casca de coco ou conseguindo tampas descartadas de relógios Lanco, na relojoaria do bairro, em Juiz de Fora, onde eu morava na época. 

Eu era um bom praticante, sem nunca ter conseguido ser um craque no jogo, como tantos amigos do bairro.  

Certa vez, recém casado, lá pelos anos 70, fui desafiado por um primo da minha esposa, então com quatorze anos, para uma partida.

Missão ingrata, pois o moleque jogava demais! Tinha sido inclusive o campeão da modalidade no seu colégio. Eu, flamenguista histórico, e ele tricolor fanático. Claro que nossos botões representavam esses times.

Iniciada a partida logo vi que a disputa era indigesta mesmo. Logo o Fluminense fez 1 x 0. Gol de Flávio, avante tricolor.

A partir daí, confiante, ele passou a me zoar, tocando a bola de um lado para outro do estádio “Estrelão”. Sabia que podia fazer gols a qualquer momento.

Entretanto, quase no final do jogo empatei a partida: golaço de Doval, do meio de campo. 


Comecei a zoá-lo, falando que a minha experiência faria a diferença. 

Ele partiu ferozmente para o ataque e, por três vezes, esteve para desempatar. Todas através do ponteiro Cafuringa. Duas bolas (na verdade dadinhos), bateram na trave e uma passou por cima do gol.

Aí eu catimbava ainda mais dizendo que Cafuringa não fazia gols nem no time profissional, como iria fazer em jogo de botões.

No finalzinho da partida, outra chance para o Fluminense. 

Era questão de honra para ele que o gol fosse de Cafuringa.

Mas ele desperdiçou de novo: o arisco e excelente ponta tricolor, que era juiz-forano, não era mesmo de balançar as redes adversárias e mais uma vez errou o alvo.

Era evidente o nervosismo do meu forte adversário.

Na saída de bola, pimba! Desempatei! Novamente com Doval, o cabeludo atacante argentino, ídolo da torcida rubro-negra.


E o Fla x Flu terminou 2 x 1 para o meu Flamengo.

A revanche tão reclamada por ele jamais aconteceu, claro.

Não correria o risco. Até porque, certamente, ele usaria como finalizador o gaúcho Flávio, o Minuano, terrível artilheiro tricolor daqueles tempos.  

Hoje, passados mais de quarenta anos daquela emocionante partida, finalmente estou pensando em conceder a revanche ao meu querido amigo Evandro Rossi. 

Quem sabe com Fred e Gabigol como protagonistas.

Depois conto o resultado!

RIVALIDADE É QUASE AMOR

por Leymir Moraes


Pode ser até que ame o BFR, e se o amo, o faço por linhas tortas. Não as linhas tortas que nos legou Deus nosso Senhor, e sim as linhas tortas dos dedos tortos, da muralha denominada Manga.

Manga o ágil, o milagroso, o membro de um esquadrão que juntava além de si, Zagallo, Garrincha, Nilton Santos, Quarentinha, Amarildo e Didi.

Dedos tortos de suicidas defesas, e sacolas de feira às custas do CRF de Dida, Carlinhos e Gerson.

O Flamengo que amo com linhas retas, retas sim, mas de arquitetos ébrios como Wilson Batista, Perácio e Vevé. Devoto ao Mengo um amor retilíneo como os desarmes limpos de Domingos.

Amar um rival é mais complexo, é quase um descuido, um drible que você não percebeu e te deixa espatifado diante de um Maracanã inteiro. O Maracanã verdadeiro, não este.

O Maracanã de 158.994 súditos que obrigou todo Flamengo a amar o anjo das pernas tortas, Mané Garrincha, em 15 de dezembro de 1962.

O homem, com a Copa embaixo dos braços, entortou sem piedade e empáfia o retíssimo e nobre Jordan, e seu então fiel escudeiro, Gerson, o Canhota, dono dos lançamentos mais retos da história do futebol.

Engraçado, amar Garrincha mesmo apanhando de três e com três gols seus (um deles generosamente dividido com Vanderlei), não me é difícil, difícil seria não amá-lo.

Tire o Sorriso do rosto torcedor Vascaíno, pois vocês em perjúrio também amaram e ainda amam Rivelino, que imortalizou o fidelíssimo Alcir Portela com seu elástico perfeito. Tal qual o torcedor alvinegro agradece entre os lábios ao “moço que mora em Caxias” que recebeu no peito, chapelou Osmar e fuzilou o arco de Wendel! Salve, salve Roberto Dinamite e Vitorino Vieira!

“E eu sei, meninos eu sei”, tricolores amaram em Fevereiro 1986 e ainda amam o “jogador de Maracanã”, o “pipoqueiro”, o “bichado” Zico, que é o Messias do meu amor mais reto e de mais 42 milhões de apaixonados que o proclamam Rei! Assim mesmo, sem aspas.

Ciente de vossas infidelidades eu sou, pois partilho do mesmo andor. Porque amo Queixada, o maior artilheiro brasileiro de todas as Copas, e lamento não poder abraçar e pedir perdão ao brioso e destemido Bigode, e ao craque campeoníssimo Barbosa. 

O amor em nosso mundo é um Maraca dividido entre retidão e sinuosidade, os dedos tortos de Manga e as faltas perfeitas de Zico, o mesmo drible que finge dividir vencedor e vencidos, agrega na eternidade os honestos Vanderlei, Alcir, Wendell, Osmar e Leomir , juntos a Deuses como Garrincha, Rivelino, Roberto e Zico.

Rivalidade é quase amor, e essa é a linha torta mais perfeita que traçou o Criador, o segredo mais íntimo de Geraldinos e Arquibaldos. Eu sei, é constrangedor, mas qual grande amor não é?

MARACANÃ, MAIS UM DESRESPEITO SEM TAMANHO

por Eduardo Lamas


Capa do Jornal dos Sports em 17 de junho de 1950

Não bastasse ser destruído por dentro, ter sua alma arrancada no início da década passada, o Maracanã passa por nova tortura. A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou nesta semana em regime de urgência (o que por si só já é um completo descalabro, como se não vivêssemos problemas muito maiores no país, em especial no mais que maltratado Rio de Janeiro) a troca do nome do estádio de Mario Filho, que permaneceria com seu nome ligado ao complexo inteiro, pelo de Pelé. Não que Pelé, o personagem criado para e por Edson Arantes do Nascimento que se tornou o maior jogador de futebol de todos os tempos não mereça homenagens e não tenha qualquer ligação com o Maracanã, muito pelo contrário. Porém, é um completo desrespeito com Mario Filho, o Criador de Multidões, como bem o apelidou seu irmão Nelson Rodrigues.

Para quem não sabe, Mario Filho foi o maior defensor da construção do estádio para a disputa da Copa do Mundo de 1950, incluindo uma campanha no Jornal dos Sports, que dirigia à época e onde tive o privilégio muitos anos depois de trabalhar em quatro oportunidades (1990/91, 94, 97 e 2002/03). Um povo que desconhece e, pior, desrespeita a própria História está fadado a definhar. É o que temos visto nas últimas muitas décadas no Rio, em particular, no Brasil, em geral. Infelizmente.

Minha ligação com o antigo Maracanã já é bem conhecida por quem acompanha este blog (é só ver algumas postagens lá embaixo). E aquele lugar que em determinado momento de minha vida cheguei a dizer que era a minha segunda casa (com certo exagero, admito) inevitavelmente acabou se tornando um personagem fundamental em vários dos Contos da Bola, livro que estou relançando pela Cartola Editora. Mas o que está nas páginas que você certamente terá em mãos (seja em papel ou em algum dispositivo eletrônico) é o maior e mais emblemático estádio do mundo, não a arena ou ginásio gigante em que se transformou a partir dos anos 10 deste século.

É muito triste saber de mais esta marretada no Maracanã. Parodiando o título de um livro de Jorge Amado, é a morte e a morte do Maracanã. Antes, destroçaram sua alma, concretamente. Agora, simbolicamente.