MODA OU FUTEBOL?
:::::::: por Paulo Cézar Caju ::::::::
Estava assistindo Palmeiras e Santo André _ tomei Rivotril antes _ e não há a menor dúvida que para o jogador atual o futebol está em terceiro plano. A moda vem em primeiro, a maratona vem em segundo e a bola de vez em quando aparece. O jogo parecia um desfile de modelos velocistas. Como essa rapaziada de hoje corre! Tanto que às vezes esquece da bola. Todos com tatuagens de marcas de beijo, tigres, leões, aves de rapina e caveiras. Tem de tudo.
Os penteados são variados e vão do moicano ao que o Neymar esteja usando. As coxas precisam estar bem depiladas e musculosas para o shortinho ser levantado sem maiores problemas. Uma chuteira de cada cor, claro! Só para não acharem que é preconceito de minha parte vou logo avisando que na minha época ganhei o apelido de Craque da Moda, do locutor Valdir Amaral. Não sou contra piercing, sobrancelhas feitas e maquiagem desde que o futebol de qualidade venha junto. Assistam os jogos da NBA e entenderão o que falo.
Nessa foto com o Riva, de 1971, eu visto um terno francês Renoma e ele o uniforme da delegação, caretaço, da Casa José Silva. E olha que era uma viagem pela seleção brasileira, hein. Me vestir bem, de forma extravagante em algumas ocasiões, não era para afrontar ninguém, mas uma forma de me impor, de conquistar meu espaço em uma sociedade de maioria branca.
Sempre frequentei bons restaurantes, adorava a Churrascaria Carreta e o bar Zeppelin, em Ipanema. Vivia no Barril, no Arpoador, point do colunista Ibrahim Sued, de João Saldanha, e de Carlinho Niemeyer, do Clube dos Cafajestes e criador do Canal 100. Usava roupas da Biba, Company, Krishna, Smuggler e curtia belos relógios. Não me constrangia em entrar em lojas caras. Gostava de boates, da Zum Zum, da Sashinha, do Le Bateau e de carrões, como meu Puma mostarda e o Fiat Spider laranja. A Avenida Atlântica era lotada de concessionárias. Mas eu não via jogadores de futebol pretos em nenhum desses espaços, pouquíssimos, raríssimos.
O penteado, as roupas são formas de expressão, um grito de liberdade. Os jogadores quando entram em campo como se fossem para uma festa vulgarizam a moda e dão um bico no futebol e quem paga o pato é o torcedor. Se já não fosse o bastante, ainda temos que ouvir os comentaristas falando que fulano entrou pela diagonal, saiu pela vertical, quebrou a linha adversária e marretou a bola!
NARRADOR DE FUTEBOL
por Rubens Lemos
Sonhava ser narrador de futebol. Razão lógica: era um perna de pau, nunca teria chance de copiar meus ídolos. Incapaz de um drible, zagueiro medíocre, admirava a categoria dos domadores de multidões em estádios lotados.
Queria ser Marco Antônio Antunes, o Garotinho da Copa, queria ser Hélio Câmara(foto), maior comunicador de massa do Rio Grande do Norte, em centésimos transitando da emoção sequencial do jogo à tiradas hilárias da filosofal atmosfera de uma arquibancada de cimento quente.
Hélio Câmara irmanava alvinegros e rubros na explosão de um clássico em narrativa a transformar a peleja em última e apocalíptica. Os dois , Marco Antônio e Hélio Câmara, amigos e companheiros de jornada do meu pai, Rubens Lemos, o “Comentarista de Classe”. Hoje, o gaúcho Marcos Lopes, honra a tradição dos antepassados.
O jeitão rococó e empolado da TV Tupi, com velhos remanescentes preocupados em exibir conhecimento de vocabulário sem vibração, me levava à idolatria do rádio.
Aqui e no Rio de Janeiro, sintonizador pulando entre a Nacional de José Carlos Araújo(o melhor de todos os tempos) e a Globo de Waldir Amaral e Jorge Coury.
O narrador sempre protagonizou vitórias amplificadas e impossíveis. No silêncio vazio e amargo das tardes perdidas no Castelão, quando o América vencia por 1×0, criava, na insônia do domingo para a segunda, bordões e jogadas fáceis de acontecer na imaginação maior que a sentença do clássico.
No quarto mais escuro de tristeza, desenhava como se minha fosse a latinha: ” Atenção, Danilo Menezes, Rei do Castelão, limpou um, fintou o segundo, lançou, falhou Argeu, entrou Noé Silva, atirou é gol!” O 1×1 se restringia ao meu silêncio e ao conforto sem efeito algum. O narrador dentro de mim significava a alegoria do carnaval particular perdido.
Luciano do Valle
Emoção nas transmissões de TV chegou com Luciano do Valle, estabelecendo o bom meio-termo entre a eletricidade fantasiosa de quem descreve para quem está em casa, refém angustiado e o ritmo tenso que parecia contagiar os times em campo.
O primeiro gol que vi narrado por ele foi de Roberto Dinamite batendo o pênalti decisivo para o título carioca do Vasco em 1977. Vascaíno sobrevive do que já passou, do que é memória, nostalgia.
Me ganhou em outro grito de legitima verdade – relação que deve prevalecer entre o locutor e o ouvinte ou telespectador. O gol de Rivelino aos 44 minutos do segundo tempo, quase caindo, Ex-Maracanã lotado, no empate em 1×1 contra a poderosa Alemanha Ocidental campeã mundial na época.
Em 1977, estava selada a minha fidelidade a Luciano do Valle. Enquanto seus colegas se esgoelavam narrando o gol de Basílio, libertador dos 23 anos sem título do Corinthians no Campeonato Paulista, ele transmitia profissionalmente com a alma doída. Torcia com fanatismo fora do microfone pela Ponte Preta e cumpriu sua missão com voz grave.
Hoje a melhor diversão dos homens em paz reclusa(opcional e prudente) é ficar em casa. Refugiados por tédio, Covid e violência.O futebol se vê no Led da tela do aparelho moderno, o esporte se multiplica por canais inteiros, repetitivos e salgados no preço.
Nos anos 1980, Luciano do Valle nos oferecia tudo desse jeito e de graça. Claro, jogos do Brasileirão eram raros. Fartos para nós, adolescentes da escala distante dos deslumbramentos, por opção e circustâncias, sempre foram os shows dominicais. O boxe virou rotina com o caricato Maguila e o ótimo Tomaz da Cruz, o basquete encantava com Hortência e “Magic” Paula, Oscar e Marcel.
O voleibol da geração de prata, Renan, Bernard, Montanaro e o suspiro de nossas recatadas namoradinhas, fãs de Paulo Ricardo e do RPM . Sinuca virou febre. Saiu dos botequins para as telinhas. Rui Chapéu tornou-se ídolo, surrado por Cabra Gordo de Ceará-Mirim, caboclo canavial, ao vivo, no ginásio da Escola Doméstica, rua em que nasci, cresci e mandaria ladrilhar se fosse minha. Em Natal.
Os masters de Rivelino, Edu, Marco Antônio, Cafuringa, Djalma Dias, a arte ensinada como programa educacional de futebol, Norte a Sul. No Castelão fantasma, eles sofreram aos pés de Hélcio Jacaré, ídolo do América e do Deus adotado potiguarano Alberi. Foi 2×0 injusto, domingo revivido em colagens de paciência.
Luciano do Valle, porta-voz do timaço brasileiro de 1982. A cabeçada de Oscar, defendida na linha do gol pelo italiano Zoff. O grito que a ele faltou. Explosão represada. Garganta representando milhões de esperanças perdidas.
Nem o pênalti perdido por Baggio em 1994 compensou.
Talvez os dribles encantados de Zico em 1986 no Arruda, um, dois, três cartas humanas de baralho caindo até o toque sensual na perfeição contra a Iugoslávia, resumam o que a minha geração repete, inconformada, no clichê inútil : “Não há palavras para descrever! “
Luciano do Valle viveu de sangue nas veias e morreu(19/04/14), de coração costurado em gomo e quatro linhas coronarianas. Nunca haverá palavras definitivas para ele. Nem para Marco Antônio. Ou Hélio Câmara. O Super.
SAPUCAIA DEVERIA TER DISPUTADO O BRASILEIRO DE 75
por Wesley Machado
O time da Usina Sapucaia, em Campos, deveria ter disputado o Campeonato Brasileiro de 1975. O fato pode ser confirmado na Revista Placar, Nº 270, de 30 de maio de 1975, na coluna “Garoto do Placar”, assinada por Mauro Pinheiro.
O jornalista conta que no final do ano de 1974, a Confederação Brasileira de Desportos (CBD) manifestou o interesse de contar com mais um clube do estado do Rio de Janeiro no Campeonato Nacional.
E este seria definido pelo vencedor do Campeonato Fluminense, organizado pela Federação Fluminense de Desportos (FFD).
O Campeonato Fluminense começou no dia 16 de fevereiro de 1975 e teve as participações das seguintes equipes: Barbará, de Barra Mansa; Fluminense, de Friburgo; Flamengo, de Volta Redonda; Tiradentes, de São Gonçalo, mas que disputava a Liga de Niterói; e Americano e Sapucaia, de Campos.
O campeonato transcorria normalmente, o segundo turno havia acabado de começar. Quando no dia 4 de março de 1975, conforme relata Paulo Ourives, em “História do Futebol Campista”, uma notícia pegou os campistas de surpresa. O Americano havia sido convidado pela CBD para participar do Campeonato Nacional de 1975.
Americano e Sapucaia chegaram às finais do Campeonato Fluminense de 1975 ambos com 14 pontos ganhos e seis perdidos. A decisão se deu numa melhor de quatro pontos (na época uma vitória valia dois pontos).
No dia 27 de abril de 1975, o Sapucaia venceu o Americano por 1 a 0. No dia 1º de maio de 1975, o Americano venceu o Sapucaia pelo mesmo placar. No dia 4 de maio, os dois times voltaram a se enfrentar e empataram em 0 a 0. Finalmente, na 4ª partida, o Sapucaia venceu o Americano por 4 a 2 e se sagrou campeão fluminense.
Mas o título não garantiu a vaga no Brasileiro daquele ano para o Sapucaia, já que o Americano já havia sido convidado pela CBD e a promessa da FFD não foi cumprida.
Teria Eduardo Viana, o Caixa D’Água, que já trabalhava nos bastidores do futebol fluminense e brasileiro, interferido a favor do Americano, o time da ditadura, que foi Eneacampeão no período mais duro do regime militar no Brasil?
Coisas do futebol fluminense e brasileiro.
O certo é que o Americano estreou no dia 24 de agosto de 1975 com uma vitória de 2 a 1 sobre o Santos no Godofredo Cruz, num dia que parou a cidade de Campos, que ficou em festa após o fim do jogo.
O jornalista Péris Ribeiro, que viveu ativamente aquela época, conta que o Sapucaia formou um timaço. “O time do Sapucaia conseguiu acabar com a hegemonia do Americano de ganhar um monte de títulos. O Americano que chegou a Eneacampeão Campista, ganhava várias Taças Cidade de Campos, Campeonatos Fluminense, etc”.
– Quem acabou com a banca do Americano foi um timaço do Sapucaia, que tinha um “Trio Elétrico”, como Josélio Rocha tão bem narrava: “Lá vai o trio elétrico, que vai destruir, vai fazer a festa onde passar e vai destruir qualquer adversário”. Era Betinho, Valmir e Gonzaga, os três realmente eram atacantes espetaculares. Naquele momento, Gonzaga era o maior jogador do futebol campista. O Sapucaia foi campeão da Taça Cidade de Campos vencendo o Americano numa decisão e depois foi campeão fluminense também em cima do Americano”, lembra Perinho, como é chamado.
O Sapucaia, que tinha o escudo e o uniforme muito semelhantes aos do Flamengo, realmente marcou época no futebol campista e fluminense. Mas poderia ter ido muito mais longe. O destino não deixou.
O CRAQUE DO BRASIL EM 1986
Por Luis Filipe Chateaubriand
Se, em 1985, Careca já tinha sido o melhor jogador do Brasil, em 1986 o homem estava possesso…
No Campeonato Brasileiro, conquistado pelo seu São Paulo, fez gols geniais nas quartas de finais (contra o Fluminense), nas semifinais (contra o América) e nas finais (contra o Guarani).
Na competição como um todo, abusou da técnica, com passes precisos, tabelinhas com Muller e gols de todos os modos.
Mas não foi só no São Paulo não…
Na Seleção Brasileiro, fez uma Copa do Mundo absolutamente impecável!
Tão impecável que despertou o interesse do Napoli, de Don Diego Armando Maradona, que veio buscá-lo no ano seguinte.
Não dá para negar… Careca era o cara!
DEIXA COMIGO
por Rubens Lemos
O brasileiro perdeu o olhar do menino da foto. A imagem é de 1955 e o moleque magrelo estava a dizer calado: “Deixa comigo. Vamos botar a bola no chão e o resto eu resolvo,” para na imaginação soltar o martelo da sua superioridade divina: “É comigo e mais ninguém”.
Pelé chegou ao Santos e, nos primeiros treinos, provou que tudo era com ele, para surpresa de astros do quilate de Dorval, Jair Rosa Pinto, Vasconcelos, Pagão e Pepe, os primeiros mundialmente conhecidos, graças à fama do garoto que saiu a driblar um, dois, três, quatro, cinco, seis, a Via Láctea e as gerações de zagueiros e goleiros do mundo inteiro enquanto chuteiras calçou.
O olhar do brasileiro, porque o olhar é o espelho transmissor da alma, era altivo e superior, tal a face falsamente amena do jovem de canelas finas e repertório infinito.
Enquanto Garrincha ria e o seu sorriso fazia estádios gargalharem no balé de dribles e palmas humanas, Pelé era uma pantera em plantão observando a caça.
E esse olhar é o fato singular que os pobres marcadores temiam, como crianças vendo, pela primeira vez, um filme de terror.
Assombrava o mundo, o rapaz que ganhou uma Copa das três conquistadas, aos 17 anos e oito meses de idade, sem querer saber do poderio dos adversários.
Pelé olhava e seguia, trotando rumo ao gol e à glória. Vimos, hoje, rosto à meio-pau, o futebol com a exclamação das causas perdidas.