O MAIS POLÊMICO DOS JORNALISTAS ESPORTIVOS BRASILEIROS
por Luis Filipe Chateaubriand
Mauro Cezar Pereira nasceu em Niterói, no Rio de Janeiro, e em terras fluminenses deu os seus primeiros passos no jornalismo esportivo.
Mais tarde, transferiu-se para São Paulo, onde exerce seu ofício atualmente.
Tornou-se conhecido nacionalmente a partir de seu trabalho nos canais ESPN, de onde saiu recentemente.
Atualmente, desenvolve seu próprio canal no YouTube e demais redes sociais, é colaborador do UOL e faz comentários de jogos nos Sistema Brasileiro de Televisão.
Muitos odeiam Mauro Cezar.
Acham-no chato, ranzinza, implicante.
Outros, muitos mais, apreciam o seu trabalho.
Acham-no preciso, cirúrgico, essencial.
Este escriba é profundo admirador de Mauro.
Acredita que ele “põe o dedo na ferida”, faz a crítica certa, no molde certo, no tempo certo, que o futebol brasileiro precisa.
O futebol brasileiro não é um oásis de perfeição, onde tudo corre às mil maravilhas e se tem o melhor dos mundos.
Bem ao contrário, as mazelas de nosso futebol têm uma imposição colossal sobre a realidade, constituindo um lamentável corolário de infelicidades e vicissitudes.
Mauro mostra tudo, expõe as mazelas, deixa claras as contrariedades, denuncia os malfeitos.
Com isso, faz um ótimo trabalho de purificação de nosso futebol.
Portanto, é justo, necessário e primordial, dizer: Ave, Mauro Cezar Pereira!
Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!
VASCO E AMÉRICA: A HISTÓRIA DO CLÁSSICO DA PAZ
por André Luiz Pereira Nunes
Em 1937, o futebol carioca se encontrava inteiramente dividido. De um lado, havia a Liga Carioca de Football (LCF), chamada “Facção das Especializadas” por reunir as agremiações de elite. Eram membros Flamengo, Fluminense, America, Bangu, Bonsucesso e Portuguesa. De outro, a Federação Metropolitana de Desportos (FMD) que agrupava Botafogo, Vasco, São Cristóvão, Madureira, Olaria e Andaraí.
A separação era absoluta e cada entidade vivia para o seu lado sem que houvesse qualquer possibilidade de reunificação. Eis, que de surpresa, no princípio do mês de julho, começaram a surgir rumores de que se trabalhava um movimento pacificador no futebol do Rio.
Vasco e America foram os grandes artífices da concórdia e da reunificação. Seus presidentes Pedro Novais e Pedro Magalhães Corrêa, de livre e espontânea vontade, se reuniram e traçaram planos para resolver a árdua questão. E, no dia 29 de julho, numa memorável sessão levada a efeito no antigo salão nobre da Associação dos Empregados do Comércio, nasceria a Liga de Football do Rio de Janeiro (LFRJ), reunindo em uma só divisão os doze clubes que pertenciam a uma e a outra das entidades que até então se achavam separadas. Pioneiros na pacificação, Vasco e America resolveram, portanto, promover um marco a essa colaboração: a disputa de um troféu em melhor de três. O primeiro jogo ocorreu na noite de 31 de julho, no estádio de São Januário. Foi uma noite de gala. Preliminarmente se exibiram dois times vascaínos de rúgbi, além de motociclistas da Polícia Especial, que fizeram um desfile magnífico com a apresentação de números de arrojo, equilíbrio e beleza. Depois, os times do Vasco e do America entraram juntos em campo com bandeiras entrelaçadas. O primeiro jogo da paz encerrou-se com a vitória do Vasco por 3 a 2 e foi dirigido pelo juiz argentino Sanchez Dias. Nelson e Carola marcaram para o America e Raul e Lindo (2) assinalaram para o Gigante da Colina.
Infelizmente, em 1937, dois acontecimentos desagradáveis se sucederam. Andaraí, Portuguesa e Olaria foram degolados após o certame. O Andaraí, acometido por essa primeira e grave apunhalada, não mais retornaria à primeira divisão, apesar dos enormes esforços de seus dirigentes. A Portuguesa, somente em 1953, conseguiu retomar seu lugar na elite do futebol carioca, mais por conta dos padrinhos na Federação Metropolitana de Futebol (FMF), em especial Lulu Murgel, Zé Alves Morais e Maninho, do que por méritos esportivos. A Lusa, na ocasião, havia abandonado o futebol e vinha se dedicando somente ao ciclismo e ao recreativismo. O Oriente, de Santa Cruz, então bicampeão do Departamento Autônomo (DA), pleiteava a vaga e foi preterido, a exemplo do Andaraí, o qual era também outro postulante e se baseava na tradição para conseguir o seu intento.
O último evento desagradável se deu com o São Cristóvão. O Clube Cadete disputava e liderava, sem poder ser mais alcançado, o campeonato da Federação Metropolitana de Desportos (FMD), o qual acabou interrompido no momento da reunificação das ligas. Antes de ser extinta, a FMD proclamou o São Cristóvão campeão, mas esse título até os dias de hoje ainda não foi reconhecido oficialmente como o de campeão carioca de 1937. Estou, particularmente, trabalhando em conjunto com o clube de Figueira de Melo na tentativa de produzir um dossiê totalmente documentado para ser entregue ao Tribunal de Justiça Desportiva (TJD), vinculado à Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FFERJ), para que essa injustiça seja finalmente sanada.
MAURICE CAPOVILLA E OS SUBTERRÂNEOS DO FUTEBOL
por Paulo-Roberto Andel
Falecido no último mês, Maurice Capovilla foi um dos cineastas que emergiram nas artes brasileiras durante a ditadura militar, especialmente numa ponte que liga o Cinema Novo à estética marginal em fins dos anos 1960.
Em 1965, Capovilla dirigiu “Subterrâneos do Futebol” (homônimo do livro definitivo escrito por João Saldanha), que não somente é um marco do chamado cinema verdade, mas também é um dos grandes registros cinematográficos brasileiros – para muitos especialistas no assunto, pode ser o maior de todos. Trata-se de um curta com cenas belíssimas e impactantes, mas também uma crítica social densa.
Enquanto convida para uma reflexão profunda sobre o esporte e seus desdobramentos, “Subterrâneos” traz cenas maravilhosas que povoam o imaginário dos que amam o futebol brasileiro: o impactante desembarque da massa popular do trem a caminho do Maracanã, a entrada em campo do time do Santos com sua escalação monumental, cenas lindas da decisão do Campeonato Carioca de 1964 entre Fluminense e Bangu. Para variar, mais uma vez se vê um gol de placa de Pelé: em sua fala, já como bicampeão mundial, o Atleta do Século XX dá um show de humildade e agradece a todos no Santos, dizendo que só chegou onde chegou por causa do apoio do clube e de seus companheiros.
Um outro grande momento do filme é a raríssima fala de Zózimo, craque bicampeão mundial pela Seleção em 1958/62. Articulado, poliglota, Zózimo era uma espécie de ponto fora da curva no futebol e talvez tenha pago o preço por isso. Falecido precocemente num acidente de carro, ele acabou de transformando num dos mais misteriosos campeões mundiais do nosso futebol.
Maurice Capovilla era apaixonado por futebol e aos 17 anos de idade, no começo dos anos 1950, veio para o Fluminense descoberto por olheiros do clube que buscavam jovens jogadores em todo o país. Com ele veio seu primo e amigo permanente de peladas, Écio. A temporada de treinos nas Laranjeiras durou dois meses, mas Maurice acabou não se firmando e voltou para São Paulo. Já seu primo Écio acabou se transferindo para o Vasco, onde se tornou ídolo, jogando em boa parte das décadas de 1950 e 60.
Não foi o primeiro caso de um namoro entre o Fluminense e o cinema brasileiro. Anos antes de Maurice, um dos grandes craques dos juvenis do Fluminense era Paulo Cezar, que só não disputou as Olimpíadas de Helsinque em 1952 porque se contundiu à última hora, sendo substituído por um certo Vavá – o final da história, todos sabem. Paulo Cezar transferiu seu talento para as câmeras e, com uma ideia na cabeça, juntou-se a Glauber Rocha e tantos outros nomes para fundar o Cinema Novo e marcar época na cultura brasileira. Ah, sim, Paulo Cezar Saraceni.
“Subterrâneos do futebol” é um curta-metragem, mas tem a força duradoura de um grande longa, tamanha a sua intensidade. Em sua realização, Maurice Capovilla se juntou a feras como Thomaz Farkas, autor de algumas das mais belas fotos da história do futebol brasileiro, e Vladimir Herzog. É um filme que merece ser visto e apreciado. Quase 60 anos depois de sua realização, ele ainda explica muito do que o futebol brasileiro tem de melhor e pior.
@pauloandel
A SELEÇÃO QUE NÃO NOS REPRESENTA MAIS
por Zé Roberto Padilha
Era tão bom quando a seleção era brasileira.
Jogavam em nossos clubes, viviam os nossos problemas, sofriam com os engarramentos, o aumento da gasolina e do gás de cozinha.
Quando eram convocados, iam para uma estância hidro mineral e treinavam ao lado de sua gente. A energia era repassada na beira do alambrado, na busca pelos autógrafos, no assédio dos torcedores.
De uns tempos para cá, foram trancafiados em condomínios de luxo do outro lado do atlântico. Falam outra língua, recebem outra moeda e quando são convocados desembarcam na área vip protegidos.
Dos seguranças, do assedio dos fãs.
Dos clamores, se protegem com headphones.
São incapazes de se posicionar sobre qualquer causa que afete sua gente. Nao são a favor ou contra a cloroquina. Ídolos são porta-vozes de quem os idolatra. Eles, tão distantes, não estão nem aí.
Não sou saudosista, que vive do passado. Sou saudoso das coisas boas que vivemos.
Jairzinho deixando o Botafogo e se apresentando na sede da CBD. E a sua gloriosa torcida presente, no centro da cidade, toda orgulhosa porque se sentia convocada também.
A sintonia se foi, a empatia desapareceu, a cumplicidade se perdeu. Até quando acertam o nome que está na boca do povo convocam o Fred errado.
Sério? Prefiro assistir Botafogo x Coritiba. Pelo menos vamos cruzar com seus jogadores em algum lugar do presente.
Porque o passado é uma camisa Athleta, verde amarela, sem patrocínios, feita a mão, disputada a tapa de uma seleção brasileira, que, hoje, tão fria, previsível e distante, não nos representa mais.
UM CAFÉ CONVIDATIVO
por Valdir Appel
No Recife, fiz amizade com o jornalista do Diário de Pernambuco, Amauri Veloso, hoje assessor de imprensa do Sport. O dia a dia do setorista do clube nos aproximou. Ético, limitava-se a divulgar as notícias do clube. Problemas extra-campo envolvendo jogadores ou problemas internos que pudessem manchar o nome do Leão eram abafados.
Amauri e eu tivemos a oportunidade de presenciar algo curioso. Um repórter novato do Diário de Pernambuco foi até o vestiário do leão, na Ilha do Retiro, e tomou um cafezinho que sempre ficava disponível, ao lado da água mineral, nos dias de jogos. Este foca e o nosso atacante Zezinho beberam o café quentinho. Eu e meus companheiros estranhamos o comportamento do Zezinho, após a degustação: não parava quieto no vestiário, agitava os braços, fazia agachamentos já durante a preleção do técnico, não via a hora de entrar em campo e jogar.
No primeiro tempo, o repórter do DP postou-se atrás do gol do Sport, acompanhando o ataque do Náutico. O rapaz, irrequieto, chamava a atenção de todos. Deslocava-se lateralmente na linha de fundo, enroscando-se com o fio do seu microfone e acompanhando todas as jogadas em cima. Em campo, Zezinho era o que demonstrava melhor preparo físico, só faltava bater escanteio e ir para a área cabecear. O público se divertiu o jogo inteiro com o atrapalhado repórter e vibrou muito com a disposição do atacante. Exagero à parte, sabe-se com certeza que os dois só dormiram 24 horas depois!
Pó mágico
Felizmente os demais jogadores não foram afetados pelo café. Eu nunca flagrei um doping espontâneo entre os companheiros. Mas, atividades de umbanda eram comuns e era bom respeitá-las. Colocar em dúvida as previsões dos macumbeiros de plantão podia quebrar uma corrente positiva. A maioria acreditava piamente. Eu só ficava impressionado com a quantidade de um pó vermelho que espalhavam pelo meu uniforme negro (calção, meias e camisa). O massagista Zé Ramos me aconselhava a usá-lo assim. Eu, que não sou bobo nem nada, ficava de bico calado, nem ousava sacudir o excesso de pó mágico. Porque eu não acredito em bruxas! Mas, que elas existem, existem!
(Recife 1969)