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TÉCNICOS MEDROSOS

:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


Não quero fazer parte da turma dos estatísticos, mas posso garantir que o medo de perder está destruindo o futebol mundial. Pelo menos 80% dos treinadores não entram em campo pensando em jogar bonito e vencer, mas acovardados, na retranca, com um batalhão de zagueiros-gladiadores dispostos a tudo para acabar com a graça dos atacantes. Esses “professores” prestam um desserviço e destroem a carreira de muitos jovens talentos.

Vejam o caso de Portugal, por exemplo! O treinador Fernando Santos nos últimos 15 jogos venceu apenas três, País de Gales, Marrocos e Hungria. E jogando feio demais. Aposta apenas na inspiração de Cristiano Ronaldo, que nem sempre vem. Percebe-se que há uma geração boa de portugueses, pessimamente aproveitada. Do que adiante convocar e não usar? Pedro Gonçalves, do Sporting, artilheiro do campeonato português, muito pedido pela torcida, não entrou um minutinho sequer, nem contra a Bélgica quando precisava reverter a situação. Sabem a razão de não ter entrado? Porque os técnicos só gostam de marcadores. Essa mentalidade precisa mudar.

Atacantes estão sendo trocados por “homens de contenção”. Futebol virou canteiro de obra? A República Tcheca não era favorita nem da sua chave e eliminou a Holanda, que vem apostando em uma nova geração. Perdeu justamente por essa inexperiência. Mas qual contribuição a República Tcheca apresenta ao futebol? Zero! Áustria, País de Gales e tantas seleções medrosas também são mais do mesmo. Croácia, Dinamarca, Bélgica sempre tentam, mesmo que não consigam. Ah, mas a Bélgica ainda não mostrou o seu futebol, dizem os especialistas das bancadas. Vai jogar contra um time que apenas se defende, onze atrás! Marcar é fácil.

Não, por acaso, já pensam em eleger Kanté, um volante, como o melhor do mundo. Será que Kanté não funcionaria melhor em outra função, de criação? Lembram-se do fenômeno Toró, que seria o novo Pelé? Terminou a carreira como volante, correndo atrás dos outros quando deveria ser o contrário. Culpa dele ou de algum treinador medroso? Futebol não é isso!

A Itália vem conseguindo esse equilíbrio, defesa segunda ura e ataque criativo. Futebol é para ser jogado, leve, solto e não apenas de um lado. Por isso, torço demais para que o Nordeste continue mantendo suas boas atuações, assim como o Bragantino. Fernando Diniz deu uma aula no Atlético Dinheiro, que dizer, Mineiro. Seria lindo esses times avançando cada vez mais porque está insuportável aturar essa forma de jogar, essa geração de treinadores caras e bocas, treinadores faniquitos, de discursos prontos.

Me perdoem, mas para mim são estelionatários do futebol porque vivem nos entregando gato por lebre. Como de costume, fecho a coluna com uma frase dos analistas de computadores para vocês tirarem as próprias conclusões: “o time faz a ligação direta porque tem jogadores reativos pra finalizar no último terço do campo”.

PORTUGAL SOLIDÃO

por Rubens Lemos


Exausta pela viagem, Izabel subiu ao hotel em Lisboa e caiu no sono dos sertanejos, desacostumados com aeroporto, check-in e check-out. Subiu ao hotel despachada a bagagem, entregue o voucher e decidiu dormir. Era uma viagem(minha) a trabalho.

Acompanhava, há 21 anos, o governador Garibaldi Filho até a Espanha para receber um prêmio pelo maior programa de abastecimento de água do mundo, o das Adutoras, abençoado pelo Monsenhor Expedito Medeiros, de São Paulo do Potengi.

O pobre passava a ter direito ao direito que lhes era negado pela tacanha politicagem: o de beber água limpa. Garibaldi Filho fez a maior obra social do Rio Grande do Norte. Emocionante.

Exposto o trabalho pela equipe da Secretaria de Recursos Hídricos – lembro bem da ótima companhia de Ricardo Melo, filho do mestre Dalton Melo, Garibaldi ganhou de goleada.

Na noite da chegada, pois, fiquei sozinho no restaurante do hotel em Lisboa, posto que chegamos antes da delegação oficial e, juntados alguns caraminguás, mais diárias de contas bem prestadas, resolvi levar minha mulher à Europa. Fã de Garibaldi, julguei que ela merecia assistir à entrega do prêmio.

A solidão portuguesa é um estado de espírito. Pedi uma cerveja acompanhada por um sanduíche de ovos com batatas fritas. Absolutamente eu e a solidão.

Quando a cantora cantou Coimbra. Decidi, depois da terceira taça, que Amália Rodrigues era ela, mesmo morta Amália, um ano antes de nossa visita. A moça, de uma brancura santificada, musicava os versos olhando para cada um dos 10 ou 12 presentes ao restaurante.

Disfarçado, lacrimejei às primeiras letras do Fado-Hino: “Coimbra é uma lição/De Sonho e Tradição/ E a lua a faculdade/ O livro é uma mulher/ Só passa quem souber/ E a prende-se a dizer saudade”. Chorei, saudosista orgânico. A saudade em mim é uma companhia.

De repente, pensei nos meus ídolos lusitanos. Pensei em Mário Soares. O primeiro-ministro português herói da Revolução dos Cravos. Imaginem soldados revolucionários, depondo uma ditadura de décadas, sendo recebidos por flores pelos cidadãos comuns.

O capitão da conquista era Mário Soares, que, naquela noite, jamais imaginaria apertar a mão. Anos depois, em missão pelo Brasil, ele esteve em Natal e eu o conheci, reverente como um soldado de imensa insignificância. Mário Soares bem poderia ser sinônimo de estadista. Como de fato, foi.

Portugal, passional, não é sentimental no coletivo. Existiram Amálias, Mários, Eusébios. Tinha menos de dois anos quando Eusébio, o Deus da Bola, Pá!, jogou em Natal no tapete suntuoso do recém-inaugurado Castelão. Tenho o jogo, mas tenho em DVD, ele flutuando em velocidade e desmoralizando zagueiros do Equador. Foi 3×0 e Alex Medeiros assistiu, ao vivo.

Da noite da moça branca cantando Amália Rodrigues até hoje, a canção portuguesa entoou novamente em meu coração, no saudosismo e no seu primo, o sofrimento, na luta de Portugal contra a Alemanha e a França pela Eurocopa. Alemanha chama-se pragmatismo e França, ataque.

A Alemanha é um jogo eficiente e bonito quanto se vê Toni Kross, o maior-armador do planeta, enfiar bolas como um Didi sem gingado nem cintura maliciosa. A França é a patrulha avançada de Mbappé e Benzema.

A Alemanha bateu Portugal sem que Portugal abrisse mão da luta, como se das chuteiras, flores brotassem na batalha inglória. França é desfile virtuoso. Foi empate.

Portugal de Amália Rodrigues, Mário Soares, Eusébio, é Portugal hoje do Cristiano Ronaldo que um dia reneguei e rendo-me, sem armas, pela capacidade guerreira. De sonhar estar de novo sozinho numa noite a ouvir o canto quase lírico, de um atacante que faz da força, aumentativo de encanto.

COCA? NÃO, EU QUERO ÁGUA

por Idel Halfen


Uma cena chamou a atenção na coletiva de imprensa do jogador Cristiano Ronaldo na Eurocopa: seu gesto afastando duas garrafas de Coca-Cola e trazendo uma de água, a qual também não ficou à sua frente na entrevista, embora o nome do líquido tenha sido proferido em português.

Diante do ocorrido, a imprensa e as redes sociais despejaram dezenas de notícias conclusivas e comentários sobre o ocorrido, deixando evidente o baixo conhecimento dos “autores” acerca de gestão, além da péssima escolha de fontes.

A notícia mais “lacradora” talvez tenha sido a que responsabilizou o ato pela queda no valor da empresa, conclusão tirada sem sequer consultar analistas de mercado para entender como vinha sendo o comportamento das ações da empresa. Informo que no dia da coletiva, a ação da Coca-Cola fechou no valor de US$ 55,41, porém, um mês antes o valor era US$ 54,64, tendo chegado a US$ 54,17 em 19 de maio. Será que o mercado nesse dia previu que o craque português teria tal atitude quase um mês depois? Evidente que não, até porque no dia 20 a ação subiu.

Dentro do festival de “conclusões imediatas”, estiveram as que decretaram que o marketing sofreu um sério prejuízo com o incidente, certamente baseados na possibilidade de atos similares voltarem a acontecer, o que, sem dúvida, seria péssimo para a atração e retenção de patrocinadores. Contudo, deveriam ler os contratos de patrocínio na Eurocopa, para entender se a propriedade “objetos sobre a bancada da mesa de entrevistas” existe e como foi comercializada.

Não surpreenderia saber que a colocação das garrafas foi uma espécie de “ativação” do patrocínio, tal suposição tem como causa a infinidade de produtos que aparecem nesse tipo de evento – arroz, cimento, chuteira, etc. – em total dissonância com o que se espera do marketing, que é posicionar os produtos e serviços como algo atrativo.

Poderia também ser discutido – o que não foi feito – se o ato não se constituiu em um ambush marketing(marketing de emboscada), na medida em que a garrafa de água ganhou destaque em detrimento ao refrigerante. A possível alegação de que não era possível identificar a marca da água perde força quando entendemos que, em termos de categoria de produtos, elas são concorrentes, mesmo a Coca-Cola tendo água em seu portfólio.

Pelo histórico do jogador, não parece razoável, tampouco coerente, a hipótese de “rebeldia” contra uma marca que não estaria lhe remunerando para aparecer próxima a ele, afinal isso acontece costumeiramente no esporte, vide os backdrops e placas ao redor do campo, por exemplo.

O chamado “marketing de causa”, no caso uma manifestação de alerta sobre os eventuais malefícios dos refrigerantes, foi provavelmente a motivação do ocorrido, não cabendo aqui julgar a veracidade dessa convicção. No entanto, para que algo tenha o cunho de “marketing” é mandatório que se contemple um planejamento, no qual a ocasião, o local, a forma e o sequenciamento, entre outros, sejam contemplados, o que, definitivamente não aconteceu no caso relatado.

EDMUNDO, GOLS E FÚRIA

por Rubens Lemos


Era no meio-campo que os meus olhos estavam grudados naquela tarde de domingo, 26 de janeiro de 1992, escravo de Galvão Bueno, Estádio do Pacaembu com pouco mais de 15 mil torcedores. O Vasco enfrentaria o Corinthians e o (meu) desejo de uma lição exemplar: tirar a prova definitiva sobre quem, de uma vez por todas, seria o melhor meia-armador do Brasil.

Naquele tempo Gerson era comentarista, Rivelino criava seus curiós e Didi esnobava elegância para um senhor de idade avançada. 

Silvio Santos torturava os lares com novelas mexicanas no SBT e esquentava uma febre com sotaque de Supla, o filho de Eduardo e Marta Suplicy pelo camisa 10 Neto, que chegou a ser comparado com Maradona em delírio da Revista Placar. 



Chamava-se Geovani, o autor intelectual do Vasco, banido da seleção brasileira por Parreira e Zagallo que já preferiam os carrinhos truculentos de Mauro Silva e Dunga e o duelo bem desigual entre o iniciante Raí e o festejado Neto. Flamenguista fanático, o inesquecível Bussunda meteu-se na polêmica para defender Geovani. 



O duelo entre Geovani e Neto nunca houve. O vascaíno fez o jogo correr à sua cadência, com uma falsa impressão de comandar o samba em ronco de cuíca. Aos 15 minutos do segundo tempo, Neto dando gritos e empurrões inúteis no homem que jamais conseguiu barrar na seleção brasileira, o Vasco vencia o Corinthians por 3×0. 


Que meio-campo aquele armado por Nelsinho, clássico solista do Flamengo nos anos 1960, gêmeo de categoria de Carlinhos, o Violino. Ele montou o quarteto com Luisinho, Geovani, William e Bismarck. 

Os quatro destroçaram a dribles e olés a Neto, Tupãzinho, Wilson Mano e Ezequiel escalados ao impossível.

O jogo, para os tarados por estatísticas, acabou 4×1 e, segundo a edição do Jornal do Brasil guardada até hoje, Geovani recebeu nota 9 e Neto, 5,5. Era o padrão a cada confronto. 



Todo craque de meio-campo veio do berço com um cérebro na suplência. O da antecipação visionária. O atacante titularíssimo dos vascaínos, ajudante-de-ordens do talentoso Bebeto era Sorato, atacante herói do título brasileiro de 1989, com um gol de cabeça marcado no São Paulo em pleno Morumbi. 



Nelsinho contrariou a lógica e foi criticado por Galvão Bueno, o que simplesmente não conta e por Sérgio Noronha, veterano (já naqueles idos) e torcedor discreto do Vasco. Nelsinho escalou um moleque abusado que havia lhe seduzido numa preliminar de juvenis. 


Nelsinho, sem clube no fim de 1991, estava na Tribuna de Honra do Ex-Maracanã quando viu um rapaz driblador arrancar do seu campo e ultrapassar seis zagueiros do Botafogo, sentar o goleiro e marcar para o time dos jovens vascaínos. 

Disseram-lhe que o menino jamais teria futuro.

Na comemoração, correu ao banco do adversário, xingou o técnico, disse-lhe palavrões. E já havia marcado outros dois, encerrando com a jogada extraordinária, o placar de Vasco 3×0 Botafogo.

O atacante Edmundo havia deixado o Botafogo por andar nu na concentração, provocando meninas de um colégio religioso da vizinhança.

Se ganhou a ira dos cáusticos cartolas gloriosos, recebeu o convite do Vasco. Edmundo encantou Nelsinho, barrou Sorato e destruiu o Corinthians no Pacaembu, recebendo nota 10.



Seu jogo explodia em fúria incontrolável . Edmundo saiu do subúrbio para entrar na história, desmontando defesas e apavorando goleiros com uma artilharia raivosa e de técnica soberana. 


Perdeu o Campeonato Brasileiro, ganho por Júnior do Flamengo, que esfolou, sem querer, o joelho de Geovani num clássico de mata-mata de classificação e caneladas.

Edmundo foi campeão carioca invicto, vendido ao Palmeiras, bicampeão brasileiro, fracassou no Flamengo pela incompatibilidade sanguínea. Voltou ao Vasco para uma temporada individual sem adjetivações em 1997.

Edmundo é o Almir Pernambuquinho dos sonhos contados por meu pai. Edmundo que guardarei pelo que comecei e nunca vou querer terminar de ver. Para não esquecer por não enxergar cópia. Edmundo. Do Vasco da Gama Foi. Jamais epitáfio. Uma placa. De furiosa emoção.

REVERSO, CONTROVERSO E VERSO


O silêncio pelo fracasso na Copa de 1990, na Itália, produziu ecos em Dunga e o fez se afugentar ainda lagarta numa crisálida. Por lá, ficou sendo fustigado até a final da Copa do Mundo de 1994 depois de fazer uma bela Eliminatórias e a própria Copa da Terra do Tio Sam. Nestes 1.483 dias, virou uma bela borboleta numa metamorfose poucas vezes vistas na carreira de um jogador de futebol.

O jornalista Marcos Vinicius Cabral conta a trajetória de Carlos Caetano Bledorn Verri, marcado com a ‘Era Dunga’, denominação de um futebol defensivo, cauteloso, feio e de poucos gols, que o consagrou como capitão do título mundial quatro anos depois, em solo americano.

Reverso, controverso e verso

Por Marcos Vinicius Cabral

Edição: Fabio Lacerda

Estádio Delle Alpi, em Turim, na Itália. Maradona recebe a bola no círculo central do seu campo, em seguida dá uma finta em Alemão, sai da falta de Dunga e antes de receber o combate de Ricardo Rocha, toca na entrada da área por debaixo das pernas de Mauro Galvão, que tromba com Ricardo Gomes. Caniggia recebe o passe, dribla Taffarel e marca aos 35 minutos do segundo tempo o gol da vitória. Era terça-feira, 24 de junho de 1990, oitavas de final da Copa do Mundo da Itália.

Os jornais, a imprensa, os comentaristas e o mundo esportivo em geral, carregados de críticas sobre os 90 minutos daquele jogo, colocaram a culpa pela eliminação às costas de Dunga, camisa 4 da Seleção Brasileira. O insucesso tinha seu bode expiatório injustamente escolhido.

Estádio Rose Bowl, na Califórnia, nos Estados Unidos: ao receber a taça do tetracampeonato mundial, Dunga levantou-a acima da cabeça e bradou em direção aos fotógrafos brasileiros: “Esta é para vocês, traíras, filhos da p…!”.

A ira incontida do volante de 90 e 94 despertaria no jornalista Marcelo Barreto, dos canais SporTV, uma tragicômica definição daquela cena: “Se Bellini inventou o gesto de levantar a taça, Carlos Alberto Torres inventou o gesto de beijar a taça, Dunga inventou o gesto de xingar a taça”.

Era domingo, 17 de julho de 1994, final da Copa do Mundo dos Estados Unidos. Dunga era o mesmo. Era o mesmo jogador que – injustamente – havia sido ‘responsabilizado’ pelo fiasco em 90, e agora em 94, não receberia elogios vindos da imprensa e dos comentaristas esportivos. Desde o revés de 1990 até a consagração, em 1994, foram 1.483 dias no mais absoluto silêncio que Carlos Caetano Bledorn Verri guardou sua dor. Dor esta que o fez extravasar naquele momento de fúria, buscando como alvo jornalistas, comentaristas, colunistas e alguns ex-jogadores de futebol com quem Dunga nunca teve bom relacionamento. Estava caracterizada a volta por cima de uma liderança nas quatro linhas.


A cena que percorreu o mundo, chocou a todos que viviam a autoflagelação da morte brutal de Ayrton Senna, 47 dias antes, no GP de Ímola, em San Marino. O gesto, em si, foi feio, mas compreensível. Coloque-se no lugar de Carlos Caetano Bledorn Verri, que em outubro, soprará velinhas em comemoração ao seu 58° aniversário. Reflita de forma correta e sem pressa sobre o fracasso da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1990, que ganhou um selo, uma marca, uma alcunha, um apelido ou uma era com seu nome: ‘Era Dunga’.

Com um 3-5-2 ainda pouco disseminado na época e vários jogadores que só chegariam ao auge na Copa seguinte, a seleção teve uma primeira fase com vitórias sofríveis sobre Suécia, Costa Rica e Escócia e foi eliminada já na estreia dos mata-matas. Fato este que corrobora para afirmar que a pior campanha ‘canarinho’ desde o mundial de 1966, disputado na Inglaterra, ficou rotulada com o seu nome.

Mas 1990, já começara mal quando os jogadores e comissão técnica se indispuseram sobre o valor pago pela patrocinadora Pepsi à CBF, que teria vendido por US$ 3 milhões o direito do patrocinador colocar sua marca nos agasalhos e camisetas de treino do grupo convocado pelo técnico Sebastião Lazaroni.

Além disso, foram instaladas placas ao redor dos campos da Granja Comary, em Teresópolis, onde fica o Centro de Treinamento da Confederação Brasileira de Futebol. A quantia estava no contrato que, no inicio da preparação, não foi mostrado aos atletas.

Como represália, o plantel boicotou a marca de refrigerante na hora da foto oficial da delegação que seguiria para a Itália. Tanto que foi tirada perto dos alojamentos, no alto de um morro, apenas com a presença de fotógrafos e cinegrafistas. Depois de todos ficarem nos seus lugares, dois atletas gritaram: ”Agora vamos fazer a foto para que saibam que a gente não tolera sacanagem”. Todos colocaram a mão direita no lado esquerdo do peito tapando a marca na camisa.

Mas se fora de campo a situação era insustentável, como familiares dos jogadores tendo livre acesso à concentração da seleção e transformando o hotel em uma passarela de parentes, convidados, empresários e dirigentes, dentro dele, o Brasil estreou no dia 10 de junho vencendo por 2 a 1 a Suécia, no Estádio Delle Alpi, em Turim. No entanto, seis dias depois passou pela Costa Rica, por 1 a 0 e repetiu o futebol pobre das duas partidas anteriores no dia 24 ao vencer a Escócia.

Alvo de críticas e pressionado, Lazaroni – que definia sua ida para a Fiorentina com empresários em plena disputa do Mundial – viu alguns de seus reservas, como Renato Gaúcho e Aldair, se rebelarem, exigindo um lugar na equipe titular. O cenário fora de campo era assustador, ainda mais tendo pela frente, nas oitavas de final, a Argentina, atual campeã e com um Maradona voando.

A derrota merecida por 1 a 0, gol de Cannigia, mostrou ao Brasil que era preciso mais do que tradição e bons jogadores para conquistar o título. O tempo provaria, quatro anos mais tarde, que a seleção de 1990, tinha um elenco talentoso, mas mal preparado, sem organização e dominado por vaidades pessoais. Coube a Dunga carregar o peso de ter sido responsável pelo vexame e receber o batismo de “Era Dunga”. Uma injustiça. Algo semelhante ao ocorrido com Barbosa na Copa do Mundo de 1950, mas aliviada pela imprensa as derrocadas em 1982 e 1986.


Mas o volante reconstruiu positivamente sua biografia e colocou uma pá de cal naquilo que o taxaram como responsável pela eliminação na Itália. Em compensação, foi indispensável na difícil Eliminatórias e fundamental para fazer a Seleção Brasileira terminar com um jejum de 24 anos sem ser campeã mundial.

Nos Estados Unidos, o futebol de Dunga foi crescendo durante a competição. Jogando ao lado de Mauro Silva, na proteção à zaga – o Brasil sofreu apenas três gols durante todo o torneio – foi um guerreiro, campeão de desarmes e roubadas de bola, o que não chegou a ser uma surpresa. E até mesmo lançamentos como o realizado para Romário fazer um dos gols do Brasil na vitória contra Camarões. Dunga e Mauro Silva se completaram. Parecia que um havia nascido para o outro na volância da seleção brasileira. Uma barreira intransponível e jogando com lisura, sem dar pontapé ou apelar para outras artimanhas do futebol.

Surpresa para a imprensa é que Dunga mostrou muito mais do que isso, e no jogo decisivo contra a Itália, isso ficou marcado de forma inquestionável.

O camisa 8 e capitão da equipe não se limitou a tomar a bola dos italianos apenas. Ele armou jogadas, distribuiu o jogo com lançamentos longos e precisos que por vezes deixaram Romário e Bebeto, com boas chances de marcar. De seus pés saíram alguns dos mais perigosos ataques do time comandado por Carlos Alberto Parreira que, somente por vaidade, os deuses do futebol impediram que se convertessem em gol durante os 90 minutos e mais os 30 da prorrogação.

Sua cobrança de pênalti mostrava o quanto segura era aquela seleção. E a coroação veio com um craque italiano a cobrar o pênalti sobre o travessão de Taffarel.

Enfim, Brasil tetracampeão do mundo, e Carlos Caetano Bledorn Verri mostrou à população do país, aos jornalistas e a imprensa, de modo geral, que um pedido de desculpas seria muito bem-vindo.

Afinal de contas, nesta quinta-feira, 24, 31 anos depois de ter sido condenado por aquele Argentina 1 x 0 Brasil, crime este que não cometeu na esfera futebolística, o Magistrado – representado por cada um dos 211.755.692 brasileiros – pode rasgar esta sentença e conceder o indulto.

Ainda há tempo.