1970: A SEMIFINAL QUE DEFINIU O JOGO DO SÉCULO
por Sergio Monteiro

Jogo do Século muitas vezes se torna uma jogada de marketing para promover embates que, teoricamente, nutrem muita expectativa, e tal expectativa nem sempre se cumpre.
Porém, quando um jogo ganha a denominação “Jogo do Século” após acontecer, pode saber que estamos falando de uma partida fabulosa.
E no século XX, Itália e Alemanha receberam a honra de seu confronto na semifinal de 1970 ganhar a alcunha pelo show promovido no Estádio Azteca.
A Itália simplesmente jogou muito melhor que a Alemanha, e o gol de Bonisegna aos 8 minutos do primeiro tempo confirmava a vitória italiana por um placar simples.
Porém, os alemães e um ímpeto impressionante empataram o jogo nos acréscimos do segundo tempo, garantindo uma prorrogação eletrizante, na qual Gerd Muller virou em favor dos alemães em 4 minutos.
Nos minutos seguintes, uma chuva de gols aconteceria na Cidade do México, com a Itália empatando e virando novamente.
Gerd Muller não deixou barato e empatou novamente, colocando 3×3 no placar.
Os alemães só não contavam com o meia do Milan, Gianni Rivera, mais acordado que todos em campo, promovesse logo após o gol o banho de água fria com o gol italiano que os colocou na final da Copa.

BÊNÇÃO
por Cláudio Lovato Filho

Um velho e um cachorro (também velho) estão atravessando a rua. Eles caminham em direção ao campo. Há um jogo acontecendo lá. É uma partida entre dois times de garotos de 13, 14 anos.
O velho se posiciona numa das laterais, quase na marca do escanteio. O cachorro senta ao lado dele. Os dois olham para o campo, que não tem marcações. A grama, porém, é parelha e bem cortada, e não há muitos buracos. É o campo do bairro.
É uma correria só. Correria e gritaria. Todos tentando ficar o mais próximo possível da bola, ou ao menos do lance em que a bola é a estoica protagonista.
Então, de repente, alguém consegue dar dois toques seguidos na bola. E três. E quatro. E se afasta do bolo que parece ser formado por mais de mil e quinhentos garotos (ainda que sejam menos de vinte).
O garoto de pernas arqueadas conduz a bola bem perto do pé esquerdo, rápido e concentrado. Ele vai deixando o enxame de companheiros e adversários para trás, cada vez mais para trás, e por fim invade a área, aplica uma finta que faz o goleiro se estabacar na grama e depois manda a bola rasteirinha para o fundo do gol.
Ele ergue os braços no exato momento em que é cercado pelos companheiros de time, que o felicitam e dão tapas na sua cabeça. Uma euforia só.
Depois, quando o alvoroço se desfaz, ele começa a voltar aos trotes para o seu campo, mas no meio do caminho desvia a trajetória e corre em direção ao local onde estão o velho e o cachorro.
Quando chega lá, diz:
“Bênção, vô” – e recebe em troca um afago no alto da cabeça e um sorriso do velho, além de um latido do cachorro, que fica de pé, com as duas patas da frente apoiadas na barriga do menino (logo recolhidas, porque as articulações não estão ajudando). A camiseta, suada, fica com as marcas do cumprimento do cão.
“Deus te abençoe, garoto”, o velho diz, mas o neto já está de volta ao jogo, fazendo aquilo de que mais gosta na vida.
Passa-se algum tempo, e então o velho e o cachorro dão as costas para o campo e começam a caminhar em direção à rua. Vão devagar, e não se sabe ao certo quem conduz quem.
Atravessam a rua. O cachorro late para outro que passa. O velho olha para o campo do outro lado da rua e sorri.
A lembrança do gol do garoto faz valer o dia, ou muito mais que isso. A corrida do garoto com a bola dominada. A finta no goleiro. A bola rolando para dentro do gol. Lance de craque. O garoto fez de novo. Faz quando quer. O velho sorri mais.
Para o velho, nada é mais importante, neste momento, do que o que acaba de presenciar. Nenhuma preocupação, nenhum medo, nenhum pensamento sobre finitude. Tudo isso transformado em pó, ou ainda menos que isso, diante da soberana lembrança do gol do garoto.
O CORINGA
por Elso Venâncio

O excelente livro “O negro no futebol brasileiro”, do jornalista Mário Filho, sugere reflexões sobre a luta e a importância dos negros, que sofrem historicamente com a discriminação
Em boa hora, o Flamengo tem valorizado um ídolo negro, agora com importância também reconhecida pelo italiano Carlo Ancelotti. Gerson teve o contrato renovado com seu clube até dezembro de 2030 e, nesta segunda-feira (26), apareceu na primeira convocação do novo técnico da Seleção Brasileira. Mesmo com Arrascaeta sendo um dos destaques e o artilheiro do Campeonato Brasileiro, o Coringa simboliza hoje o torcedor rubro-negro em campo. O estafe do camisa 10 uruguaio queria prorrogar seu contrato, que termina em dezembro de 2026, assim como ocorreu com Gerson, cujo acordo anterior era até o final de 2027. Porém, a negociação do Flamengo com Arrascaeta saiu de pauta, pelo menos no momento. Por mais que Arrasca tenha sido o goleador, Gerson é o capitão e líder do time. Raçudo, carismático e sempre lembrado para a Seleção, tem apenas 28 anos, com enorme potencial para continuar fazendo história.
O excelente livro “O Negro no futebol brasileiro”, do jornalista Mário Filho (que empresta seu nome ao Maracanã), sugere reflexões sobre a luta e a importância dos negros, que sofrem historicamente com a discriminação. Nos cinco títulos mundiais conquistados pelo Brasil, os maiores nomes foram Didi (1958), Garrincha (1962), Pelé (1970), Romário (1994) e Ronaldo Fenômeno (2002), todos eles negros.
Numa demonstração de apoio ao movimento antirracista, o Flamengo tem lançado campanhas relacionadas ao tema. O projeto Fla Master 2025, por exemplo, promete resgatar o passado, incluindo ídolos negros que não podem ser esquecidos. Jarbas “Flecha”, Domingos da Guia, Dr. Rúbis, Adílio, só para lembrar poucos e evitar injustiças. Fio Maravilha já foi exaltado, mas três craques eternos deixaram a Gávea precocemente, magoados.
Figura marcante no primeiro tricampeonato carioca do Flamengo, em 1942, 1943 e 1944, o gênio Zizinho sucedeu Leônidas da Silva, outro fera da bola, inventor da bicicleta. Sem ser consultando, o Mestre Ziza acabou negociado com o Bangu, que passou a ser tratado como time grande a partir da chegada do ídolo de Pelé.
Outro caso emblemático é o de Silva, que, na década de 1960, após quatro anos e muitos gols no Corinthians, foi emprestado ao Flamengo, clube que se tornaria sua paixão e pelo qual conquistou o Carioca de 1965. Natural de Ribeirão Preto, Walter Machado da Silva foi convocado para a Copa do Mundo de 1966, na Inglaterra, chegando a formar o ataque brasileiro com Jairzinho e Pelé. O eterno Jorge Curi, na época locutor da Rádio Nacional, o apelidou de “Batuta”. Mas Silva não se sentia prestigiado no Flamengo, a ponto de ir para o Racing Club, onde se tornou o único brasileiro a ser artilheiro do Campeonato Argentino, em 1969. Antes da adaptação para o chamado padrão FIFA, o Estádio Presidente Perón (El Cillindro), em Avellaneda, tinha um enorme pôster fotográfico do craque: “El Ídolo Machado da Silva”.
Não se pode esquecer de Paulo Cézar Caju, apontado por Pelé, no fim da carreira, como seu substituto. Revelado pelo Botafogo, Caju foi tricampeão mundial pela Seleção Brasileira em 1970 e, em 1972, comprado pelo Flamengo. Fez história ao vencer o Fluminense de Gérson, o Canhotinha de Ouro, no Fla-Flu decisivo daquela temporada, encerrando o jejum rubro-negro de sete anos sem o título carioca. Dois anos mais tarde, Paulo Cézar acabou vendido para o Olympique de Marseille em plena Floresta Negra, na Alemanha, na Copa do Mundo de 1974. Com isso, o Flamengo (que tinha Zico, Caju e Geraldo Assoviador) passou a ter dois craques. Após o falecimento precoce de Geraldo, com apenas 22 anos, em 1976, Zico assumiu a liderança da sua geração, imortalizada com o maior título da história rubro-negra: o do Mundial de Clubes de 1981, em Tóquio.
O DIA EM QUE ESCOLHI O BOTAFOGO
por Sergio Luiz Monteiro

De família majoritariamente tricolor, infiltrada por alguns poucos elementos do “clube da Gávea”, eu tinha tudo mesmo pra continuar sendo Fluminense… mas Jacira, a empregada (vascaína) da minha casa, arranjou um namorado que era paraense, torcedor do Paysandu e no Rio, um fanático alvinegro. Ele começou a me abordar com camisas, flâmulas, bandeiras, e principalmente, papos com maravilhosas histórias sobre o Glorioso… e de histórias, o Botafogo sempre foi insuperável… mas sabem quando eu me tornei de fato, botafoguense?
Demonstrando talvez alguma fragilidade emocional e antecipando os seríssimos problemas psicológicos, de autoestima, e existenciais que viriam a ser ratificados posteriormente, foi na decisão do carioca de 1971, rodeado por uma multidão tricolor ensandecida, e observando do outro lado da arquibancada, a torcida botafoguense se retirando, atônita, inconformada, desolada, com o lance do gol irregular no final da partida, que eu tive um estranho — àquela altura — sentimento de identificação com esse sofrimento íntimo, injusto e acolhedor: e naquele sublime instante eu me tornei, com todas as forças, delírios, desânimos, decepções e orgulhos… um legítimo torcedor do Botafogo de Futebol e Regatas…
JOGOS INESQUECÍVEIS – ARGENTINA 0X0 BRASIL, EM 1978
por Luis Filipe Chateaubriand

A partida, válida pela segunda fase da Copa do Mundo de 1978, foi realizada em Rosário, na Argentina, país-sede do torneio. O jogo épico ficou conhecido como a célebre “Batalha de Rosário”.
De um lado, a formidável Argentina com Mário Kempes, Daniel Passarella, Osvaldo Ardiles, Daniel Bertoni e o goleiro Ubaldo Matildo Fillol. Do outro, o Brasil com Dirceu, Roberto Dinamite, Jorge Mendonça, Zico (que entrou no decorrer do jogo) e Émerson Leão.
O confronto foi nervoso. O Brasil teve boas chances com Gil e Roberto Dinamite, mas todas foram defendidas pelo mítico Fillol. A melhor chance, no entanto, foi da Argentina, com Ortiz chutando para fora, livre na área.
O empate por 0 x 0 foi justo. Contudo, o técnico brasileiro Cláudio Coutinho, gênio tático, cometeu um grande erro: acreditou que empatar seria um bom resultado e escalou uma formação mais defensiva, retirando Toninho Cerezo e optando pelos volantes Batista e Chicão.
Essa estratégia custou caro: o empate permitiu que a Argentina goleasse o Peru por 6 x 0 — resultado considerado eticamente discutível — e avançasse à final no lugar do Brasil.
Se o Brasil tivesse adotado uma postura mais ofensiva e vencido, teria disputado a final da Copa. Não venceu, e o resto é considerado “conversa fiada” e desculpas típicas.