PARABÉNS, FLAMENGO!
por Zé Roberto Padilha
Como tricolor, senti uma pontinha de inveja por durante tanto tempo não ver as ruas inundadas com a nossa camisa. E olha que poucos clubes tem uma camisa tão bonita.
Tamanha mobilização, parecia que a partida era pela Copa do Mundo.
Moramos num país em que poucos passam em primeiro lugar em concursos, mas não são capazes de respeitar quando um clube de futebol tira em segundo lugar em toda a América Latina.
Já imaginaram quantos clubes possui a América Latina?
Outra coisa, por que não reconhecer os méritos do adversário e procurar culpados pela derrota. Fazemos isso quando nosso time ganha?
A vitória encobre todos os erros, mas a derrota não pode continuar a encobrir todas as virtudes.
Jogou mal, sim, e daí? O primeiro tempo, então, foi um horror. Mas não acontece no ofício da gente? Pegar uma folha em branco, uma caneta, ter uma ideia na cabeça e não conseguir traduzi-la para o papel?
Inspiração. Essa não está a venda nem no Black Friday.
Não somos robôs, que bom, pra sorte da humanidade, pra sorte do futebol somos Andreas num dia, Deyverson no outro.
A vida continua. As ressacas de quem ganhou ou perdeu vão passar juntas. Quem duvida?
Parabéns Bruno, Aline, Roberta, Priscila, Luísa, Felipe , meio Gabriel, Jane, Daniela, Gustavo e Fabio, a porção rubro-negra da nossa família pelo vice-campeonato. Quem sabe um dia será respeitado?
Parabéns, Flamengo!
CABELO, CABELEIRA, CABELADA
por Paulo-Roberto Andel
Houve um tempo no Rio de Janeiro, mais especificamente na década de 1980, em que só os grandes jogos e lotes de craques não bastavam: a arbitragem também era marcante, com seus membros praticamente alçados à condição de estrelas do gramado também.
Depois dos tempos de Sansão e Armando Marques, a new order da arbitragem carioca tinha decanos como José Roberto Wright, Arnaldo César Coelho, Wilson Carlos dos Santos, Valquir Pimentel, Luiz Carlos Bregalda e grande elenco. Depois viriam Claudio Vinicius Cerdeira, Leo Feldman e Daniel Pomeroy. Mas na segunda metade dos anos 1980, três estrelas se destacavam na constelação da arbitragem carioca: Valter Senra, Jorge Emiliano e Luiz Carlos Gonçalves. Talvez pelos nomes, nem todos os torcedores lembrariam desse trio; agora, pelos apelidos, ninguém se esquece de Bianca, Margarida e, claro, Cabelada.
Os dois primeiros foram marcados pela segurança nas arbitragens e pelo jeito desinibido de arbitrar. Eram gays assumidos numa sociedade muito homofóbica, onde era normal que fossem sacaneados e sofressem diversas declarações pejorativas, até mesmo de dirigentes e jornalistas. Independentemente de qualquer coisa, Senra e Emiliano foram craques da arbitragem.
E Cabelada? Bom, esse não se pareceu com ninguém, dada a sua condição de personagem único. Dotado de incrível capacidade para ser o centro das atenções, boêmio convicto (inclusive antes dos jogos), divertido, espalhafatoso e um tremendo fazedor de média, Luiz Carlos Gonçalves colecionou histórias de arbitragens que beiram o quase inacreditável, seja por erros extraterrestres (de propósito), tumultos generalizados e principalmente por sua vida extracampo, movida a hectolitros de chope, samba, carnaval galhofa e uma intensa vida social – que o levou à amizade de ícones cariocas como os compositores Nei Lopes e Guinga, o sambista Toninho Geraes e outros craques. Acredite: por pouco Cabelada não se tornou ator global, dentre outras façanhas, tudo isso enquanto arbitrava jogos do Carioca numa das melhores épocas da competição.
Prestes a completar 75 anos, Luiz Carlos Gonçalves ganha um livro tributo que será lançado em 11 de dezembro, dia de seu aniversário, em seu aquário natural: o endereço do eterno Petisco da Vila, na Vila Isabel em que o ex-árbitro marcou época como personagem das ruas. O livro se chama “Todo juiz é ladrão, Cabelada não!”. Este cronista teve a honra de produzir a obra ao lado do escritor Zé Augusto Catalano e assegura: o texto de Leandro Araujo, o autor, é de fazer rolar de rir com talento colossal, muito amparado pelas histórias (todas reais, mas quase todas inacreditáveis) de Cabelada, personagem que merece ser revivido por representar um Rio de Janeiro e um futebol carioca muito mais divertido, pulsante e, honestamente, galhofeiro.
Os clássicos eram monumentais, os jogos dos times de menor investimento eram desafiadores e, acredite, mesmo com toda a esculhambação, o Brasil tinha o melhor futebol do mundo, muitas vezes jogado no Rio de Janeiro e no Maracanã cheio de estrelas, até mesmo na arbitragem. Foi outro dia mesmo, mas já faz mais de trinta anos. O tempo não para.
O FIM DE UM SONHO OLÍMPICO
por Zé Roberto Padilha
Disputei o Pré-Olímpico e o Torneio de Cannes, em 1971, ambos preparatórios para as Olimpíadas de Munich, em 1972. Como o Fluminense foi campeão carioca Sub-20, em 1970, formamos a base da seleção com seis titulares. Nielsen, Abel, Rubens Galaxe, Marinho, Marco Aurélio e eu.
Ganhamos invictos o Torneio de Cannes e nos classificamos, com alguma dificuldade, no Pré-Olimpico disputado no Paraguai. E foi na partida decisiva, contra a Argentina, que eu assinei meu atestado de óbito. Fui cortado por contusão e permaneci no Rio enquanto meus companheiros de clube partiam para viver o sonho maior de todo o atleta.
Envergonhado, fiquei uma semana sem ir ao Fluminense. E com contrato vigente.
Na véspera da partida, decisiva com a Argentina, nosso massagista preparou o contraste porque eu e o Marinho éramos dúvidas. Ambos lesionados nos tornozelos.
Um balde de água gelada, outro de água quente foram preparados. Você começa no gelo e acaba no quente. Ao final, uma massagem com Reparil Gel e uma atadura de crepe enfaixada para proteção fecham o sofrimento.
Não é um tratamento agradável. Mas funciona.
Entre as camas, minha e a do Marinho, os baldes foram colocados. E fizemos juntos o tratamento. Pela manhã, o médico veio nos avaliar. Vetou o Marinho e ficou impressionado de ver como meu tornozelo desinchara.
– Milagre, Zé! Esta liberado para o jogo!
Tão feliz, dei um salto da cama e fui escovar os dentes antes de ir tomar um café. E ao pisar, soltei um grito de dor. Foi tudo em vão. Passei toda a noite tratando o pé contrário. O esquerdo. A contusão era no direito.
Como faço tudo com a canhota, na hora de começar ela foi acionada por instinto. Daí o pé vai ficando vermelho e você não percebe mais o erro. Tem mais: ainda queimei levemente a inocente canhota que me conduzira com a bola até lá.
Fui motivo de piada, com razão, e sofri bullying, sem razão. Eles foram pra Munich e só me restou retomar os estudos. Fiz vestibular de Direito e comecei a estudar na Universidade Gama Filho. A decepção foi muito grande, precisava procurar um novo ofício.
Só voltei ao clube quando as más notícias começaram a chegar da Alemanha. Houve um atentado terrorista e a nossa seleção bancou o maior vexame de sua história olímpica: perdeu para o Irã e a Dinanarca, e empatou com a Hungria por 2×2. Terminou em último e voltou bem cedo para casa.
– Bem feito!
Essa foi a senha que me levou de volta às Laranjeiras.
Tinha 20 anos e era um ser humano comum.
De carne fraca, ossos dos tornozelos queimados e lesionados, magoado com tudo e que se consolava no fracasso alheio para recuperar a sua autoestima.
“Bem feito!”
DIA 27
por Marcos Fábio Katudjian
Quando a bola rolar na tarde do sábado será apenas mais uma etapa de um jogo que já dura dois meses, os dois meses mais longos da história da humanidade, como bem sabem palmeirenses e flamenguistas.
No dia 27, essa espera terá fim. Até que isso aconteça, como tem sido nessas semanas excruciantes, não se pensará em mais nada. O dia 27 está em tudo e todas as coisas: nos meios de comunicação, nas ruas, escolas, supermercados, hospitais, nos shopping centers e nas igrejas. No ar e no éter, no Céu e na Terra, nas mesquitas e sinagogas de uma hipotética Jerusalém concebida pelos deuses do futebol.
O dia 27 guarda um clássico dos milhões. Dos milhões de reais, dos milhões de torcedores, dos milhões de sonhos delirantes de vitórias épicas, dos milhões de pesadelos de derrocadas irremediáveis e, sobretudo, dos milhões, dos bilhões de palpitações que assolarão cruelmente os corações aflitos dessas criaturas pobres e coitadas, vulneráveis e frágeis que são os torcedores, que entre sístoles e diástoles se encherão e esvaziarão de esperança como um cálice de vinho tinto de sangue derramado no chão da existência.
O torcedor do dia 27, como de praxe acontece com todos os torcedores, vê nesse dia a infantil possibilidade de redenção e extinção das dores, das amarguras e dos sofrimentos todos da vida. É o que é a vida e o próprio mundo diante do sonhado dia 27? Apenas poeira cósmica a centenas de anos luz da praia de razão mais próxima. Nascido cinco minutos antes do nada, não há vida, nada resta além do dia 27, apenas um imensurável vácuo no qual o universo se contrai e desintegra num deja vu dramático de um Big Bang ás avessas.
Para uns o dia 27 trará os mais insofismáveis píncaros da glória mais suprema, pura e soberba. Para outros, o calabouço mais subterrâneo e imundo, onde ardem as chamas abrasadoras do mais perverso e nefando inferno.
Estará aberta a temporada do “ai, Jesus”, pois que o dia 27, meus amigos, estará nas escrituras como parte de um novíssimo testamento a glorificar, de um lado, os heróis da dureza desse prélio que não tarda. Heróis que serão exaltados e declamados por séculos seculorum De outro lado, nomes de má lembrança, pronunciados às sombras, mal ditos.
Sim, porque no dia 27 separar-se-ão os homens dos meninos, os bem aventurados dos fariseus, os anjos dos demônios, o bem e o mal. Ao final do dia 27 a realidade estará enfim colocada sem meios termos, sem meios tons. Ela será verde e será branca ou será vermelha e será preta. E nada mais.
Acautelem-se, pois. E não se enganem, senhores, que para essas duas grandes nações o dia 27 tem o peso do Juízo Final.
LONGE DO TRI
por Marcos Vinicius Cabral
“Grandes clubes, há vários; diferenciado, apenas um. O espírito em sincronia de uma multidão dá a estas cores a dimensão diferente que ela tem. O povo, rico ou pobre, preto ou branco, religioso ou ateu, carioca ou não, dá vida própria a estas cores. Dá-lhe alma. Dá-lhe espírito”, afirmou Ruy Castro em sua obra O Vermelho e o Negro.
Mas “O Flamengo é o cimento que dá coesão nacional, do Oiapoque ao Chuí.”
“Suas cores materializam e encarnam a máxima de Nelson Rodrigues de que o futebol, e só ele, faz com que um sujeito perca qualquer sentimento de sua própria identidade e torne-se também multidão”, trecho do livro 1981 – o ano rubro-negro, de Eduardo Monsanto, na página 267.
Quando Victor Merello, meia do Cobreloa, ajeitou a bola e se preparou para bater aquela falta, olhei atento para a TV, abracei meu tio Baiano (apelido de José Cláudio) e virei o rosto para não ver a cobrança.
Não adiantou muito, pois Leandro tentou desviar de cabeça o chute forte do camisa 8 e acabou enganando o velho Raul.
Era 20 de novembro de 1981, no Estádio Nacional de Santiago, no Chile, quando o gol saiu aos 39 minutos do segundo tempo e o presságio vivo até hoje de Luciano do Valle narrando não sai da minha cabeça.
Noite triste para mim, que garoto de 7 para 8 anos, vi alguns jogos daquela campanha do time de Zico & Cia. em Nova Friburgo, onde nasci e costumava passar férias escolares.
Três dias depois, o Galinho de Quintino por duas vezes garantiu em Montevidéu, o título.
Todavia, Raul; Leandro, Marinho, Mozer e Júnior; Andrade, Adílio e Zico; Tita, Nunes e Lico, formaram por 38 anos uma fábula tão bem contada para minha infância como foram os livros O Meu Pé de Laranja Lima (1968), de José Mauro de Vasconcelos, Uma Ideia Toda Azul (1979), de Marina Colasanti e Bisa Bia, Bisa Bel (1981), de Ana Maria Machado.
Já a natureza do termo Flamengo de 81, costumeiramente utilizado para se referir ao maior time da história do clube, tornou-se algo messiânico à medida que a torcida foi se multiplicando e gerações vindo e ouvindo de pais, tios e avós, os feitos daquele Flamengo em 21 dias, que conquistou a Libertadores, o Campeonato Carioca e o Mundial.
Mas os onze, juntos, só entraram em campo em quatro oportunidades: três vezes em 1981, nos 5 a 1 no Volta Redonda em novembro de 1981, na derrota por 2 a 0 para o Vasco de Roberto Dinamite, no mesmo mês, nos 3 a 0 no Liverpool em dezembro e nos 3 a 2 no São Paulo em fevereiro de 1982.
No entanto, em 2019, ou seja, 38 anos depois, aquele menino, então com 45, se transformou em um artista plástico, jornalista, marido de Raquel e pai de Gabrielle, enquanto o Baiano, 58, foi pai de Maicon (falecido esse ano em 2021), avô de Manoela e mora em São Gonçalo com a minha mãe Nelcina (irmã dele), e o Flamengo…
Ah, o Flamengo… a equipe carioca que teve um ano ma-ra-vi-lho-so de 2019, com Diego Alves; Rafinha, Rodrigo Caio, Pablo Marí e Filipe Luís; Willian Arão, Gerson, Everton Ribeiro e Arrascaeta; Bruno Henrique e Gabriel Barbosa, por mais que esteja na memória do torcedor, ela foi a campo junta pela sexta vez e já ultrapassou o esquadrão de Zico & Cia.
Vejamos: Flamengo 3 a 0 sobre o Palmeiras pelo Campeonato Brasileiro), 1 a 0 no Santos, o 3 a 1 contra o Internacional, os dois enfrentamentos contra o Grêmio na Libertadores no empate em 1 a 1 e a goleada de 5 a 0 e mais um recorde quebrado.
Outro feito tentado pelo Flamengo de 2019 foi igualar o Santos de Pelé, que foi o único clube que levou no mesmo ano, o Campeonato Brasileiro (naquela época, o torneio nacional era chamado de Taça Brasil), Libertadores e Mundial. Faltou o Mundial.
Passados 38 anos, muitas coisas mudaram e o Mais Querido foi rejunevecido e apesar de ter passado quase quatro décadas, o tempo foi um santo remédio para todo torcedor que esperar mais tarde gritar: “éééééééé campeeeãããããoooo!!!
E foi.
Neste sábado (27), assim, a Nação Rubro-Negra aguarda ansiosamente para tentar o tricampeonato da Libertadores.
Eu e meu tio Baiano, não acreditamos nesse Flamengo comandado por Renato Gaucho.
Mas confesso que vai ser complicado enfrentar dois adversários dificílimos: o Palmeiras, que dentro de campo requer atenção, e o frasista “A gente joga a cada três dias”, “Cada jogo é uma decisão para o Flamengo”, “Quem muito quer, pouco tem”, que com suas invencionices, não consiga tornar o sonho do tri em pesadelo.
Que seja o que Deus quiser. Mas se Ele não quiser, que percamos jogando bola e de cabeça erguida.
E de vergonha, o Flamengo de Renato é expert nesse Campeonato Brasileiro de 2021.
A mim e a meu tio, nos restam apenas a certeza de que 1981 e 2019 foram maravilhosos e difíceis de serem esquecidos.
O Flamengo de 2021… ora, bolas, vamos para o jogo”.