O CRAQUE DO BRASIL EM 2010
por Luis Filipe Chateaubriand
O argentino Dario Conca teve em 2010 um ano de destaque em sua carreira, jogando pelo Fluminense.
Franzino, era dono de um futebol livre, leve e solto.
Bom no drible, bom no passe, bom nos lançamentos.
Quem gostava era o centroavante Fred, que fez muitos gols a partir das engenhosidades de Conca.
O Fluminense terminou como campeão brasileiro em 2010, muito graças ao que Conca produziu.
E, por isso, Conca foi o craque daquele ano no Brasil!
NUNCA MAIS SEREMOS OS CAMPEÕES DO MUNDO DE 1950
por Arnaldo Jabor
Texto publicado originalmente Folha de São Paulo em 30 de junho de 1998
O pintor Antonio Peticov me gelou a espinha ontem. Mandou-me o seguinte e-mail: “O Brasil ganhou a Copa em 1994. Antes disso, ganhou também em 1970. Some 1970 com 1994 e o resultado será 3964. A Argentina ganhou a Copa em 1986. Antes disso, ganhou também em 1978. Some 1986 com 1978 e o resultado será 3964. A Alemanha ganhou a Copa pela última vez em 1990. Antes, ganhou também em 1974. Some 1990 com 1974 e o resultado será 3964. E, agora, aqui está o que assusta. A Inglaterra ganhou a Copa em 1966. Some 1966 com 1998 e o resultado será 3964!”.
Será que uma Fifa intemporal já traçou nosso destino de derrotas? Sinto um frio na espinha, igual ao frio que senti quando meu avô me levou ao Maracanã pela primeira vez, há muitos anos.
Todo mundo torcia e gritava, e eu percebi, em pânico, que, enquanto todo mundo olhava o jogo, eu olhava os torcedores. Tive um arrepio de horror. “Sou louco?”, pensei. “Por que não estou vendo o jogo, como todo mundo? Por que estou olhando-os viver? Percebi que minha entrada na vida seria rala e difícil. Até hoje estou assim, “olhando os torcedores”.
Futebol para mim sempre foi um trauma. No colégio, aos dez anos, fui agarrar no gol. A bola entrou bem no cantinho da trave e foi considerado “frango” (a gíria era recentíssima). Caí na humilhante segunda divisão, composta de gorduchos, pernas tortas, veados e babacas molengas. Eu era comprido e trêmulo.
Depois, estou na praia da Urca, legendária arena de times famosos: o Arsenal, o Lavaibola, o Ipiranga. Eu adorava o Ipiranga. Nunca jogava, claro. Ficava olhando. Faltou um jogador na hora da partida. “Dá a camisa pra ele!”, gritou o capitão. Todo orgulhoso, ostento a camisa verde e vermelha e chego a fazer umas embaixadas para esquentar. Silvinha, na amurada, me olhava.
Quando vai começar o jogo, chega o Ceará, dono da posição. “Tira a camisa”, gritou o capitão. Até hoje, sofro a dor desse momento. Silvinha, pálida, fingiu que não viu meu fracasso. Eu, para me salvar, me joguei ao mar e não sei se chorei debaixo d’água, pois o sal de meus olhos se misturou com a água da Urca.
Não me levaram ao famoso Brasil x Uruguai em 50. Mas me lembro de meu avô, chorando e dizendo: “Só se ouvia o som dos pés das pessoas descendo as rampas. Ninguém falava. Só se ouviam os sapatos”. “O silêncio era ensurdecedor”, esse foi o oxímoro usado para descrever aquele dia.
Meu amigo Paulo Perdigão, escrevendo sobre esse dia terrível em seu livro “Anatomia de uma Derrota”, tem a tese de que o Brasil seria outro país se tivéssemos ganho “aquela” Copa, “naquele” ano. Talvez não tivesse havido a morte de Getúlio nem a ditadura militar.
Eu penso como ele. Perdigão acha (e eu também) que as outras Copas não chegaram a sarar as feridas daquele dia. A vitória em 50 teria sido essencial para o progresso nacional.
Ele escreve: “Foi uma derrota atribuída ao atraso do país e que reavivou o tradicional pessimismo da ideologia nacional: éramos inferiores por um destino ingrato. Tal certeza acarretou nos brasileiros a angústia de sentir que a nação tinha morrido no gramado do Maracanã…”. E aí ele diz a frase rasgada de dor: “Nunca mais seremos campeões do mundo de 1950!”.
A partir desse dia, associei futebol e país, numa “tabelinha” histórica. As taças de 58 e 62 marcaram um momento de abertura econômica e de progresso cultural jamais vistos. JK, Brasília, bossa nova, cinema, teatro, reformas populares em um país novo. Mas a esperança seria arrebentada em 64, pelo golpe.
A Copa de 70 teve para mim um sabor amargo e doce, que fazia sorrir o ditador Médici, legitimando a tortura e a morte de heróis. A taça de 70 foi outro oxímoro: uma “alegria dolorosa”. Eu imaginava os torturadores e seus torturados no “pau-de-arara”, todos torcendo pelo Brasil. A vitória em 70 veio animar o torto “milagre brasileiro”, que nos mergulhou em buracos de dívidas impagáveis.
Depois, vieram: a derrota das eleições diretas, a morte de Tancredo Neves, que teve o mesmo gosto de absurdo do Brasil x Uruguai; depois, os “anos Sarney”, quando parecia que o Brasil nunca mais sairia do buraco, descrente até mesmo da liberdade, com a falência do Estado e a descoberta de que a “democracia real” não existia dentro das instituições, nos alicerces do país.
Depois desse período letárgico, com gosto de conto-do-vigário, os brasileiros deprimidos chamaram o “bonapartismo narcísico” de Collor para “salvá-los” mais uma vez… Acho até que Collor nos “ajudou” com seus erros, que foram tantos, que nos acordaram do fracasso passivo que já durava havia 40 anos, desde a derrota de 50.
O impeachment e os caras pintadas foram o “trailer” da vitória de 94, com o governo FHC raiando com “novas palavras”. Quase no mesmo mês, derrotamos a inflação e viramos tetracampeões. Um novo tempo estava começando!
Mas aí chego a hoje, dia em que escrevo esta coluna, depois do jogo Brasil x Chile. Vi o quê? Vi uma vitória não merecida, com um time de craques sem completar jogadas, com uma trama de jogo hesitante.
Vi um time parecido com o tempo político que estamos vivendo. Tudo para dar certo e não dando, saídas esperançosas e frustrações imediatas, falta de penetração, falta de gols, um “bom senso” de classe média de Zagallo, que tira o brilho da coragem, jogadores seduzidos pela economia global da Nike, como, aliás, o próprio país.
E aí um terceiro arrepio me gela a espinha. E se não der certo a idéia de país a que FHC e o mundo nos levam? E se a Inglaterra, com seus “hooligans”, for campeã, como reza a profecia de Peticov? Vejam: 1966 + 1998 = 3964.
Que quer dizer esse número fatídico? Que destino nos está reservado? Conseguiremos entrar no ano 2000 de cara nova? Tenho medo que não. Talvez nosso destino tenha sido traçado pelo gol de Ghiggia. Deus nos proteja. Acho que nunca mais seremos campeões do mundo de 1950…
COVARDIA NO MUNDIAL
:::::::: por Paulo Cézar Caju :::::::
Sou do tempo dos clássicos acirrados, repletos de craques em campo, estádios lotados e festa da torcida. Muito por isso, me decepcionei bastante quando fui convidado para assistir Palmeiras x Santos pela Libertadores de 2020, no Maracanã, e presenciei uma das piores finais de todos os tempos. Sem brincadeira, durante todo esse tempo jogando e acompanhando futebol, nunca vi uma decisão tão fraca na minha vida.
Na ocasião, o gol saiu na prorrogação e foi marcado por puro espiritismo do atacante! Classificado para o Mundial daquele ano, o Palmeiras decepcionou e foi eliminado ainda na semifinal. Em 2021, o título veio novamente com um “gol espírita”, dessa vez de Deyverson, após falha de Andreas Pereira.
No sábado, parei para assistir a final do Mundial e juro que tentei ver o que tinha de positivo no time de Abel Ferreira, afinal o treinador vive sendo idolatrado pela torcida e pela imprensa. Mas o que pude ver foi um time extremamente acovardado, acuado, jogando para não perder e torcendo para Dudu, o único que apresenta uma lucidez, resolver com uma jogada individual.
Acho que a preocupação do português era não levar uma goleada, mas a verdade é que o Chelsea também não é lá essas coisas e jamais seria capaz de fazer uma chuva de gols. Também não gosto do estilo de jogo do Thomas Tuchel, do Chelsea, e não por acaso o zagueiro Thiago Silva foi eleito o melhor do torneio.
O que me deixou mais assustado foi ver a torcida vangloriando Abel Ferreira no desembarque em São Paulo! Sério isso? Na minha época o sarrafo era outro e nem quando a gente levantava a taça o treinador saía com tanta moral! Os tempos mudaram e eu preciso urgente achar um novo esporte para assistir!
De quebra, ainda vou me livrar do “futebol reativo com arsenal de modelos e ideias de jogo para os zagueiros e volantes brucutus fazerem ligação direta buscando o atacante agudo, que ataca a segunda bola com o objetivo de chapá-la na bochecha da rede”.
MARADONA, O MAIOR DEPOIS DO PELÉ
por Elso Venâncio
Acabo de ver, na Netflix, o documentário “Maradona no México”. El Pibe de Oro, que tive a chance de acompanhar no auge, aparece gordo, inchado, barbas brancas, visivelmente doente e com dificuldades até mesmo para andar. Mesmo assim, por dois anos consecutivos, quase leva o pequeno Dorados à primeira divisão do futebol daquele país. Curiosamente, realiza o seu último trabalho, na cidade de Sinaloa, onde “El Chapo” Guzman liderava um dos maiores cartéis de drogas do mundo.
Maradona declara:
“Não sei aonde chegaria no futebol, se não usasse drogas”.
Diego nunca foi treinador de fato, mas sim, o maior jogador que vi depois de Pelé.
Em 1986, ganha a Copa e o jogo que valia uma guerra, contra a Inglaterra – uma questão particular e militar entre os dois países. O gol, arrancando de seu campo e driblando quem lhe aparecia pela frente, é considerado, em jogada individual, o mais bonito do século XX e, sem dúvidas, de todas as Copas. O grande gol, em jogada coletiva, coube ao capitão Carlos Alberto Torres, fechando a goleada de 4 a 1 na decisão contra a Itália, título que nos rendeu o tricampeonato em 1970.
Detalhe: ambos os golaços aconteceram no mesmo palco: o Estádio Azteca, no México.
Em 1989, Copa América no Brasil. Sou escalado pela Rádio Globo para acompanhar a Argentina, atual campeã do mundo e que vinha com o melhor e mais famoso jogador do planeta na delegação. O gênio da bola era uma espécie de rei ali.
No restaurante do Hotel Castro, em Goiânia, exclusivo para as refeições dos argentinos, um aviso no quadro, em letras garrafais:
SAÍDA PARA O TREINO ÀS 08 HORAS.
Comissão técnica e jogadores tomavam o café e depois entravam de imediato no ônibus, que já estava parado ao lado e totalmente visível da porta de vidro. Antes mesmo do horário marcado, todos já estavam sentados em seus bancos. Mas, e Maradona?
8h15, 8h20, e nada de ele aparecer. Às 8h25min ele surge com cara de sono, cabelo despenteado, caminhando lentamente. Toma o seu café e vai ao banheiro.
O motorista do ônibus, que já está ligado, é o único que demonstra certa ansiedade. Bilardo, sentado na primeira fila, aproveita para dar uma cochilada.
Eis que finalmente chega Diego Maradona. Entra, dá um sonoro “Buen Dia” que a maioria responde em coro uníssono.
Antes da Copa de 90, o ídolo tinha conquistado os dois únicos títulos do Napoli no Campeonato Italiano. Era o cara na cidade de Nápoles! Diego dava inúmeras festas em seu apartamento. Numa delas, colegas de time presentes e muitas mulheres, de repente o interfone toca. Era o técnico Carlos Bilardo.
“Bilardo? O que ele quer? Pede pra subir”.
Maradona tranca no quarto os convidados, que ficam em silêncio, baixa o som da música e pede para a colaboradora dar uma rápida faxina.
A campainha da sala toca e adentra o espaço um pensativo e preocupado treinador:
“Diego, queria te avisar que não vou levar o Caniggia”.
“Não entendi…” – responde o craque.
“Ele tá indo muito pra noite. Não é mais um atleta”.
Sério, Maradona retruca:
“Simples, então. Eu e Caniggia ficamos fora da Copa…”
“Mas Diego…”
“Era isso que o senhor queria me falar? Boa noite!”
Dia 24 de junho, Estádio Delle Alpi, em Turim. Brasil x Argentina frente a frente, jogo válido pelas oitavas de final. Quem perder volta para casa.
Jogo tenso, zero a zero teimoso no placar. Aos 35 minutos do segundo tempo, Maradona recebe no círculo central, ainda em seu campo. Passa como quer por três brasileiros, numa velocidade incrível, e vira o jogo com a perna direita para Claudio Caniggia. O atacante dribla Taffarel e faz o gol da vitória que eliminou o Brasil do Mundial.
Olho para o banco da Argentina. Bilardo, de terno, vibra com as mãos erguidas.
Após a coletiva, eu fazia uma entrevista exclusiva com um abatido Sebastião Lazaroni, o derrotado treinador da seleção brasileira. Ainda não imperava o chamado ‘Padrão FIFA’. Os vestiários eram pequenos e ficavam lado a lado. Nós, jornalistas, tínhamos total liberdade para trabalhar. De repente, saem uns argentinos do vestiário e vejo Maradona de calção, sem camisa, com um charuto na mão e uma fita na cabeça. Fita essa da seleção de seu país. Patriota ao extremo o ídolo.
Percebo que nem banho tomou. Cantavam, em êxtase, a música “La Mano de Dios”. O ídolo parecia transtornado e gritava a plenos pulmões a letra – com todos cantando juntos: “Maradooooo, Maradoooooo. Nasce a mão de Deus, Maradooooo, Maradooooo…”
Deixo Lazaroni de lado e tento me aproximar de Diego. Não consegui: ele estava cercado pelos amigos (hoje seriam parças) e, vendo o ônibus parado, recordei o que vi em Goiânia. Maradona foi erguido e entrou pela janela, numa cena que não dá para esquecer, enquanto seus companheiros soltavam a voz – e todo o povo entorno ao ônibus cantava junto:
“Maradoooooo, Maradooooooo. Nasce a mão de Deus, Maradoooo, Maradooooo.”
Quase um mantra!
Na Copa América de 1989, quando a Argentina veio jogar no Rio, eu estava no mesmo voo e consegui uma longa matéria com ele. Maradona estava sentado, na parte interna do Galeão, ao lado de uma cadeira vazia. Sentei e, com toda humildade, perguntei se poderia falar com ele. Sem me olhar, sinalizou com a cabeça que sim. Na entrevista, de pouco mais de 10 minutos, ele salientou que Di Stefano foi o maior jogador da História e, de forma surpreendente, forneceu detalhes da forma como seu compatriota jogava.
Tentei, em 2011, reviver um superprograma, que pode, inclusive, ser visto ainda hoje pela Internet. Vale a pena. Sucesso em Buenos Aires, “La Noche del 10”, apresentado por Maradona, foi um show, com músicos e personalidades presentes. Fui pessoalmente à Band e convenci o diretor Daruiz Paranhos a realizar “A Noite do 11”, com Romário, que sem pestanejar comprou a ideia.
Como o Baixinho tinha entrado na política, a família Saad vetou o projeto. Fui à Fox e conversei com com Eduardo Zebini, hoje na CBF. Ele disse que gostou, mas não me deu retorno. Não tenho dúvidas de que seria um espetáculo, tendo forte apelo popular e patrocínio de grandes marcas.
Maradona, ídolo de Romário, é um dos personagens mais marcantes da história do futebol. Mas Romário, não que seja nosso Maradona, mas igualmente mereceria um maior reconhecimento por parte do grande público. Principalmente por ter nos provado, em 1994, que sim – sim, podemos ser campeões do mundo mesmo sem Pelé, nos tirando de um longo jejum que já perdurava por 24 anos.
A VIDA TORTA DE JOEL CAMARGO
por Péris Ribeiro
Corria o ano de 1986, e naquela manhã de brisa das mais agradáveis, típica do início de primavera na cidade de Santos, um negro alto e encorpado, de aspecto fechado, transita pelas docas do porto santista quase sem cumprimentar ninguém. Porém, mesmo que se olhasse detidamente a cena, o que bem pouca gente suspeitaria era que estava diante de um ex-campeão. Um antigo artista da bola.
Aos 53 anos, Joel Camargo, nas poucas vezes em que se abre, procura sempre negar que seja alguém revoltado. De mal com o mundo da bola e dos homens. Mas, bastou alguém perguntar certo dia, em uma descontraída conversa de bar, pelas infinitas glórias do Santos – “Puxa, Joel, você jogou naquele timaço que ganhava tudo, hein?” –, para ele se queimar e trovejar no ato: “Grande merda jogar no Santos do Pelé, cara! Qualé a tua, pô?”
O mais incrível é que, surgindo como uma das mais gratas revelações, já produzidas pelas divisões de base da Portuguesa Santista, Joel foi chegando à Vila Belmiro e, com apenas 18 anos, arrumando logo um lugar no lendário Santos. No início, apenas substituía o Zito no meio-de-campo. Mas, foi na quarta zaga que viu o seu jogo acadêmico – porém viril, quando se fazia necessário – se refinar e se firmar de vez.
Tricampeão paulista, penta da Taça Brasil e acostumado a rodar o mundo ganhando títulos da envergadura do Octogonal de Santiago do Chile, do Pentagonal Cidade de Buenos Aires e das Recopas Sul-Americana e Mundial de Clubes – além de torneios de menor expressão, como os de Nova York, Caracas ou Roma – Florença -, o que também não ficava difícil de perceber, era a vida intensa que Joel passara a viver, de uma hora para outra, fora dos gramados.
De repente, eis que o que mais se comentava era que o sempre altivo e elegante Joel Camargo, praticamente andava sumido. E que, quando muito, só podia ser visto nos treinos na Vila Belmiro. Ou, nos grandes jogos. Nas exibições de gala, do mítico Santos do Rei Pelé.
Por outro lado, as brigas com os dirigentes do clube, na hora das renovações de contrato, praticamente haviam virado uma constante. E nem mesmo a posição de titular da Seleção Brasileira – pela qual havia conquistado a Copa Rio Branco, diante do Uruguai-, parecia lhe trazer a paz necessária.
Impaciente, João Saldanha chegou a lhe mandar, certa vez, um bilhete curto e grosso: “Deixa de ser burro, ô Crioulo! Esfria a cabeça por aí, que o seu lugar aqui na minha Seleção, é sagrado!” Só que nem isso adiantou. E Joel, depois da queda de Saldanha, foi campeão do mundo, sim. Porém, curtindo a reserva de Wilson Piazza na quarta zaga.
Com a vida cada vez mais descontrolada fora dos campos, e já casado e pai de uma menina, se viu apontado em um envolvimento com drogas – felizmente, jamais comprovado. Mas, eis que, bem pouco tempo depois, ao dirigir bêbado, acaba provocando um acidente onde morrem duas mulheres. O ponta-esquerda Edu – também do Santos, e também campeão do mundo – sai com várias escoriações e ele, Joel, fica seriamente ferido.
O acidente, dos mais graves, praticamente decreta o fim de sua carreira. Tanto que a recuperação foi das mais lentas, dolorida. E algumas marcas ficaram para sempre, tanto no rosto como nos ombros. Já o joelho direito, bem mais atingido, passou por delicado tratamento. Só recuperando a articulação normal, depois de um longo trabalho. A muito custo.
Para culminar, no mesmo período em que começava a dura peregrinação pela recuperação total após o acidente, as brigas com o petulante general Osman, vice-presidente de futebol do Santos, chegavam ao auge. A ponto deste, indignado, comentar abertamente pelos corredores da Vila: “Mas ele é apenas um negro, um jogador de futebol! Como pode discutir assim, de igual para igual comigo?!”
Militante ativo, nos idos da primavera de 1986, do cais do porto de Santos, Joel, às vezes, dizia não sentir arrependimento de nada. “Ainda mais que, aqui, sempre ganhei pelo que produzi. Não tenho patrão. E sempre fui de vir, à hora e dia em que tenho vontade. Quando sinto disposição!” Só que, os coadjuvantes dessa intrincada história, bem pouco acreditam na versão do seu principal personagem.
Afinal, não se apaga assim, do filme da própria memória, que ele foi um dia o orgulhoso e elegante negro Joel Camargo. Que rodou mundo, que foi campeão seguidas vezes com o mágico Santos do Rei Pelé – desfilando, ainda, a sua arte admirável como jogador de Seleção Brasileira. E mais: que ganhou um bom dinheiro com isso.
Apesar de tudo, o que pouca gente parece entender é que, naquela madrugada fria e chuvosa de novembro de 1970 – exatamente, cinco meses depois do tri mundial no México -, numa rua mal iluminada de Santos, o negro Joel Camargo simplesmente despencou do sonho para a dura realidade, cá fora, do jogador descuidado com o futuro. Aquele que não pensa no dia de amanhã.
A ponto de, pouco mais de um ano depois, o cenário ser bem outro, Ao invés das manchetes e fotos nos jornais, o duro anonimato. Dos carrões, roupas bonitas e apartamentos, uma vida modesta. Dos abraços nas ruas, dos pedidos de autógrafo, apenas o descaso da multidão.