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A FALTA QUE FAZ O TORCEDOR

por Zé Roberto Padilha


Outro dia, conversando com o Dé, o Aranha, essa figura maravilhosa que só o futebol foi capaz de revelar, relembramos uma partida que marcou muito as nossas vidas. Foi um Flamengo 3 X 1 Vasco, terceira rodada da Taça GB, no dia 04/04/76.

O jogo valia apenas os três pontos, não decidia nada, mas os moradores da Cidade Maravilhosa combinaram, depois da praia, ir ao Maracanã. Foi tudo uma enorme coincidência.

Nos vestiários, pelo barulho, já sentíamos que tinha algo diferente acontecendo lá dentro do estádio. E quando entramos, tomamos um susto. Tinham policiais retirando torcedores das marquises. Nunca vimos tanta gente.

Foram 174.465 pagantes, o quinto maior publico da história do Maracanã. Não jogamos, lembramos, levitamos. Foi inesquecível. Não dá para subestimar o calor ao vivo que potencializa o atleta a ir além dos seus limites.

Hoje, porém, no inicio do Campeonato Carioca, O Globo anuncia que teremos o estadual mais rentável financeiramente dos últimos anos. Para isto, todos os esforços foram feitos para ele, torcedor, ficar em casa. Ser apenas um telespectador.

Serão jogos transmitidos por TV Aberta (Record TV), pay-per-view, plataforma oficial (Carioca TV), canais dos clubes, além da “transmissão bet” e quatro canais de streaming.

Cada vez mais retiram dos estádios o calor do torcedor. O poder, a empatia, a cumplicidade até de uma vaia que chegam até os artistas principais. Seus desempenhos pouco importam. O que vale é o lucro.

Sabe, Dé, se eles soubessem o quanto essa emoção nos faz jogar melhor…mas aí não seriam cartolas. Seriam dirigentes. E como eles fazem falta na organização do futebol brasileiro.

A ordem, a partir de hoje, é esquecer o ingresso. Comprar pipocas, latas de Brahma, reunir os amigos. E pagar caro para ver de longe a falta que todos eles nos fazem por perto.

Carlos Gainete

CARLOS GAINETE

entrevista e texto: Eduardo Lamas

Minhas primeiras tentativas de entrevistar o ex-goleiro e ex-técnico Carlos Gainete foram no início de 2020, quando entrei em contato com o filho dele, de mesmo nome, pelo Facebook. Na época, ele morava no Rio de Janeiro e o pai, fui informado, estava residindo em Porto Alegre. Mas como Gainete nasceu em Florianópolis, pensei cá comigo: uma hora ele vai aparecer na área e não vou perder a chance.


Quando eu e o cinegrafista Fernando Gustav retornamos aos trabalhos para o Museu da Pelada, em outubro de 2021, após longo e tenebroso inverno pandêmico sem vacinação, retomei os contatos com Carlos Gainete filho, que, para sorte minha, tinha vindo para Florianópolis. Numa prévia da pesquisa que sempre faço para preparar a pauta das entrevistas, descobri que estava se aproximando o 81º aniversário do ex-goleiro de Inter, Vasco, Athletico-PR, em 15 de novembro. E aí fui informado pelo filho que o pai viria de Porto Alegre para cá. Mas engana-se que, por isso, foi fácil.

Gainete não se mostrou nada entusiasmado com a ideia de dar uma entrevista, informou-me seu filho. Sem ser chato, algo que detesto ser, mas com alguma insistência, Carlos Gainete cedeu depois de tentar suportar uma saudável e carinhosa pressão caseira do filho e da esposa, aos quais agradeço imensamente. Sorte nossa e de toda massa torcedora do Museu da Pelada. Afinal, boas histórias não faltam, tanto dos tempos de goleiro, quando foi campeão catarinense logo na sua primeira temporada pelo Paula Ramos Esporte Clube, em 1959; campeão da primeira Taça GB, pelo Vasco, em 65, e quatro vezes seguidas campeão gaúcho pelo Inter, e de treinador, com maior destaque para o timaço que formou no Guarani, com Ricardo Rocha, Marco Antonio Boiadeiro, Evair, João Paulo e outros (entre eles Tite, o atual técnico da seleção brasileira), que acabou sendo vice-campeão brasileiro, perdendo nos pênaltis para o São Paulo de Careca, Pita e cia, em 86, numa partida final antológica e cheia de polêmicas, com muita tristeza para os bugrinos e, em especial para Gainete, que confessa jamais ter conseguido rever aquele jogo.

No fim do nosso papo, já em off, ousei perguntar a ele quem tinha sido melhor, o goleiro ou o treinador. Ele respondeu: “O homem”. Aplaudimos espontaneamente, eu, Fernando Gustav e o orgulhoso filho do nosso entrevistado. 
 

 

SELEÇÕES AFRICANAS EMPOLGAM

:::::::: por Paulo Cezar Caju :::::::::


Sigo acompanhando a Copa da África e tenho gostado muito das equipes. Enquanto assistia um canal internacional que transmitia um jogo da competição, fiquei muito feliz com a aparição do tenista africano Yannich Noah, meu amigo de longa data e um apaixonado por futebol. Para quem não lembra, ele foi campeão de Roland Garros em 1983 e eu tive o privilégio de estar lá em Paris para acompanhar. Assim como eu, ele também tem acompanhado a Copa da África desde o início e trocamos altos papos. A competição já está no mata-mata e é muito bacana ver a evolução dessas seleções, que devem dar trabalho na Copa do Mundo.

Inclusive, se eu estivesse no meio do futebol, com certeza traria jovens africanos para os clubes do Brasil. Eles têm um estilo de jogo que lembra o nosso e ninguém aguenta mais as “apostas” em jogadores acima dos 35 anos que não têm mais espaço na Europa, né? Sobre a Copinha, espero muito que a final entre Santos x Palmeiras me surpreenda. Vi as semifinais e não me encantei por nenhum dos dois clubes.

Aliás, o que mais me chamou a atenção foi a desorganização, com direito a invasão de torcedor e faca no gramado. Aonde isso vai parar? As punições precisam ser severas, é o mínimo! Mas isso é consequência dessa quantidade infinita de times que participam da competição, com um jogo atrás do outro e não há logística que aguente.

Vi uma mobilização na internet para que o Palmeiras leve o menino Endrick para o Mundial. Embora o técnico Abel Ferreira já tenha descartado com o argumento de que o garoto de 15 anos precisa amadurecer, acho que ele tem qualidade e poderia somar! Faz parte do processo de amadurecimento jogar ao lado de jogadores consagrados e esse torneio com certeza traria muita experiência pra ele! Encerro a coluna chateado com o descaso com o Campeonato Carioca? O torneio está para começar e é uma pena ver que ninguém mais dá valor à competição que já foi considerada a mais charmosa do mundo!

O meu Botafogo estreia amanhã e eu nem sabia, o Maracanã está fechado para obras e o regulamento está cada vez mais confuso! Por que não acabar de vez com essa competição? Seria mais digno! E ainda não teria que ouvir que o time está pressionando o adversário com marcação alta e jogadores cascudos mordendo a segunda bola! Na minha época só existia uma bola em campo!

Adilson Heleno

ADILSON HELENO

entrevista e texto: Eduardo Lamas

A primeira vez que vi Adilson Heleno na minha vida foi no dia 29 de agosto de 1982. Eu e boa parte dos mais de 122 mil torcedores que resolveram chegar mais cedo ao Maracanã para assistir a mais um Fla-Flu, fomos privilegiados na preliminar do clássico com um gol que provavelmente nenhum profissional conseguiu fazer em mais de 70 anos de existência do mítico estádio do Rio de Janeiro. Adilson, ainda sem o sobrenome, vestia a camisa 10 rubro-negra e arriscou um chute do meio do campo ao perceber adiantado o goleiro, que ele acha que era Ricardo Cruz, e marcou um gol antológico. Nunca mais me esqueci daquele lance, mesmo com o show do meu time no clássico principal, com o placar de 3 a 0, gols de Vitor, Andrade e Marinho, construído num primoroso primeiro tempo que fez um torcedor tricolor invadir o campo e pedir para os craques rubro-negros pararem com o baile.


Mas o papo aqui é com o canhota que nasceu na Baixada Fluminense e surgiu como grande promessa na Gávea, num momento em que Gilmar Popoca, outro canhota habilidoso e ótimo cobrador de faltas de uma geração anterior de craques feitos em casa, já despontava no time principal. Para complicar mais, logo depois, Zico retornaria da Itália. Adilson não pôde ficar no seu time do coração, mas foi brilhar no Fortaleza, tornando-se campeão cearense de 85; Avaí, onde se tornou um dos grandes ídolos da história do clube catarinense; Criciúma, quando superou o ídolo maior do Flamengo, ao vencer a Bola de Prata do Brasileiro de 88; Grêmio, onde se sagrou campeão da primeira Copa do Brasil, em 89; entre muitos outros.

Adilson era um entrevistado que buscava desde o início da nossa jornada aqui em Floripa, em outubro de 2019. Com a pandemia, a partir de março de 2020, eu e o cinegrafista Fernando Gustav só retornamos em outubro de 2021 e, finalmente, pudemos nos encontrar com o ex-camisa 10 num dia de reunião de amigos na escolinha do Barcelona que fica bem próximo do estádio Orlando Scarpelli, do Figueirense, onde ele cuida do bar local e joga suas peladas. Lá, após o papo que você vai curtir, entre tantos peladeiros muito bons de papo, estavam os ex-atacantes Aldrovani, um cigano do futebol que atuou por diversos clubes do Brasil, além de ter jogado na França e no Japão, e Jorge Luís, ex-Bangu. E a resenha, que começou após a entrevista, por volta das 17h, não queria acabar.
 

 

JOGAR NO FLAMENGO: SONHO QUE O FENÔMENO NÃO REALIZOU

por Elso Venâncio


Ronaldo Fenômeno é um dos personagens mais vitoriosos do mundo do futebol. Paulo Roberto Falcão costumava dizer que jogador morre duas vezes. A maioria perde o rumo quando se afasta dos campos. Ronaldo, não. Renasce sempre e melhor, como atleta ou empreendedor, lembrando a história da Fênix, lendário pássaro da mitologia grega que morria e pouco depois ressurgia, renascendo das próprias cinzas mais forte do que nunca.

Muitas articulações nos bastidores não chegam à imprensa. O predestinado Ronaldo foi uma espécie de “estagiário” na Copa de 1994. Seus empresários argumentaram com Parreira que a convocação do garoto agradaria ao patrocinador, à CBF, e que ele ganharia experiência para os próximos Mundiais. Afinal, despontou aos 16 anos de idade como um autêntico furacão, um tufão que varria todas as defesas que encontrava pelo caminho, brilhando com a camisa do Cruzeiro.

Parreira levaria Evair, que estava em grande forma no Palmeiras, mas o atacante de 29 anos não teria chance de jogar nos Estados Unidos, menos ainda nas próximas Copas. Com isso, o técnico mudou de ideia. Convocou Ronaldo, então com 17 anos, para ser talvez o único “trainee” da história de um Mundial.

Preparado desde cedo para ser um grande jogador, tinha pinta de craque. Acabou se tornando um fora de série, um supercraque. Estrela mundial, brilhou pelo PSV, arrasou no Barcelona, foi muito bem na Inter de Milão, ídolo de uma constelação no Real Madri e craque do Milan, sendo eleito por três vezes (1996, 1997 e 2002) o melhor jogador do mundo.

Passou a ser o jogador brasileiro mais conhecido e idolatrado na Europa. Bem orientado, inteligente, apoiado por multinacionais e com futebol digno de Fenômeno – apelido que recebeu dos italianos quando atuava pela Inter –, superou adversidades e atingiu todas as metas traçadas até se tornar sócio de clubes poderosos em todo o planeta.

Ronaldo parece ter o mundo a seus pés, mas um sonho de criança passou ao seu lado por três vezes e ele nunca conseguiu realizá-lo: jogar no clube do seu coração.

Na primeira tentativa, saiu da humilde Bento Ribeiro para ser testado dentre quase mil meninos que tentavam a sorte na peneira do Flamengo. Aprovado, não pôde voltar por não ter dinheiro para pagar as passagens.

O São Cristóvão lhe abriu as portas após um convênio com o Social Ramos, clube de salão onde jogava. Para o Cruzeiro e para a fama foi um pulo, mas o Flamengo – e eu pude comprovar isso – não saía da sua cabeça.

Eis que surge na sala de imprensa um garoto magrelo, dentes para fora, munido apenas de um calção e sem camisa. Tinha saído da sala de musculação que ficava entre o vestiário e o corredor onde os jornalistas resenhavam. O garoto já era jogador do Cruzeiro, contratado havia poucos meses, e se recuperava de uma contusão na Gávea. Com um sorriso juvenil, me fez um pedido:

“Elso, eu sou Flamengo. Me ajuda… quero jogar aqui.”

Revelou que ouvia os jogos do time pela Rádio Globo, torcendo ao lado do pai, Nélio Nazário, e que era fã do ‘Garotinho’ José Carlos Araújo.

Ronaldo ainda teve uma última chance de vestir o manto rubro-negro. O sonho do atacante ficou bem perto de ser realizado 15 anos depois de despontar no cenário futebolístico. Em setembro de 2008, já rico, famoso, realizado, protagonista do pentacampeonato conquistado na Copa do Mundo do Japão e da Coreia, o jogador passou quatro meses treinando na Gávea, recuperando-se de uma grave contusão no joelho esquerdo. Estava livre no mercado, pronto para quem sabe finalmente jogar no seu clube e fazer, enfim, um gol no Maracanã.

É verdade: Ronaldo, como profissional, por ter atuado muito tempo no exterior, não tinha marcado ainda no maior e principal estádio do mundo. Mas, curiosamente, não recebeu nenhuma proposta da diretoria rubro-negra. Treinava normalmente, forte, mas não participava dos coletivos. O tempo se passando e nada de proposta, nada de projeto para que permanecesse, ficasse de vez e jogasse pelo Mais Querido.

Seu lado profissional entrou em ação e o craque decidiu aceitar uma proposta tentadora do Corinthians. No clube paulista, encerraria ainda em bom nível a sua brilhante carreira.

Ele não entende até hoje como foi desprezado pelo Flamengo, deixando de realizar o seu sonho de criança.

Coisas do futebol. Vá entender cabeça de dirigentes…