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SESSENTA E OITO VEZES JUNIOR

Ilustrações e texto: Marcos Vinicius Cabral

Junior e Heloísa se olharam e o silêncio respondeu à pergunta do filho do casal: “Pai, quando vou te ver jogar no Maracanã com a camisa do Flamengo?”, quis saber Rodrigo Gama, filho mais velho de Junior, homem que mais vezes vestiu a camisa do Flamengo e com ela ganhou tudo, ao assistir gols e mais gols de Zico em fitas VHS (formato anterior ao DVD).

Mas tal alegria de Digo, como é chamado até hoje pelos amigos mais chegados o pai do pequeno João Henrique, que vai fazer quatro aninhos no próximo dia 12, parecia sonho distante no fim dos anos 80. Fã dos lances do inseparável parceiro do Capacete, ardia no coração de Digo, o desejo em ver o pai com o Manto Rubro-Negro. Ganhar título seria bom demais, agora títulos como a Copa do Brasil, em 1990, o Carioca, em 1991 e o Brasileiro, em 1992, melhor ainda.

– Não lembro a maneira que fiz o pedido, mas via a fita do Zico direto, e a maioria dos gols era no Maracanã! – recorda-se.

Não teve jeito. Junior deixou o Pescara, o outro clube, além do Torino, que defendeu na Itália, no segundo semestre de 1989.

Mas Junior voltou para realizar o sonho do filho, pois nos cinco anos de futebol italiano, Leo Junior – como passou a ser chamado em Turim – conduziu, em 1984, o Torino ao vice-campeonato e acabou sendo eleito o melhor jogador daquele campeonato, que contava com craques como Maradona, Platini, Rummenigge, Falcão e Zico. Pouco tempo depois, já com a camisa do modesto Pescara, se tornou o segundo melhor estrangeiro no Campeonato Italiano de 1987, ficando à frente de nomes como Maradona, Careca, Van Basten, Gullit e Rijkaard e ajudou a manter a equipe alvi-azuis na elite da competição.

Mas Junior estava realizado financeiramente e a volta foi também para vencer desafios traçados por ele mesmo, já que era o único remanescente daquela geração vitoriosa que foi o Flamengo de 81.

Logo de cara, conquistou a Copa do Brasil – competição criada para aplacar o descontentamento das federações de vários estados com menos tradição no futebol nacional – em dois confrontos contra o Goiás, em 1990, em um time comandado por Jair Pereira e que contava com Uidemar, Zinho, Bobô, Renato Gaúcho e Gaúcho.

No ano seguinte, a frase “Ganhar Fla-Flu é normal” da torcida tricolor foi silenciada por Junior e com um sonoro 4 a 2, diante de quase 50 mil pagantes em uma noite de quinta-feira iluminada no Maracanã.

Mas a cereja do bolo na carreira, como ele próprio define, veio no Campeonato Brasileiro do ano seguinte, nos dois jogos contra o bom time do Botafogo: “Eu posso dizer que 92 representou muito mais do que os torcedores pensam, principalmente porque eu era o último remanescente daquela geração de ouro do Flamengo. Naturalmente, comandar aquela molecada toda foi motivo de prazer, satisfação e ter podido, mesmo aos 38 anos, dar minha contribuição para a história do clube”.

Naquele ano, Junior não só foi campeão Brasileiro de 92, mas foi eleito melhor jogador, Bola de Prata pela revista Placar e se tornou, com o bigode espesso e cabelos grisalhos, o vovô para os outros dez netinhos daquele Flamengo.

Perto de completar 30 anos da conquista do pentacampeonato brasileiro, dois anos antes, em 2020, em um ranking elaborado por jornalistas, Junior figurou na 2ª posição entre os maiores ídolos de futebol da história do Clube de Regatas do Flamengo, atrás apenas de Zico.

No entanto, uma das maiores alegrias deste paraibano que completa 68 anos nesta quarta-feira (29), ocorreu há quase quatro anos com a chegada do pequeno João Henrique, filho de Digo, este mesmo que naquele Fla-Flu de 1991, com apenas sete anos, correu em direção do pai suado pela dificuldade do clássico e com os braços abertos, agarrou-o pelas pernas e os dois, comemoraram juntos, em particular, aquele título, realização de dois sonhos: o de Digo, que viu o pai com a camisa do clube de coração e o de Junior, que realizou o sonho do filho.

KATINHA, O ENSABOADO

por Luis Filipe Chateaubriand

Quando o ponta direita Katinha chegou ao Vasco da Gama, em 1979, a torcida ganhou um ídolo.

Veloz, driblador, insinuante e autor de ótimos cruzamentos, Katinha estreou no Cruz Maltino exatamente em um clássico contra o Flamengo.

O Vasco da Gama venceu por 4 x 2.

Katinha “fez a festa” pelo lado direito.

Junior, coitado, não achou o ponta direita a partida inteira.

Na sequência do Campeonato Carioca, Katinha continuou a apresentar o seu talento, embora o Vasco da Gama não tenha sido campeão.

Em 1980, Zagallo assumiu o comando técnico do “Gigante da Colina”.

Sabidamente avesso aos pontas típicos – tinha preferência por pontas que compunham o meio de campo –, descartou Katinha, e este acabou negociado.

Assim, Katinha teve uma passagem curta, porém marcante, por São Januário.

ÍDOLOS NEGROS NO FUTEBOL

por Elso Venâncio

Foto: Alex Ribeiro

Dois ídolos que todos admiram: Pelé e Zico. Além disso, dois seres humanos de uma simplicidade ímpar, um carisma que impressiona a todos e a qualquer um.

São dois ‘Reis’: Pelé, no Santos; Zico, no Flamengo. E ninguém é ‘Rei’ por acaso. Ouvi, certa vez, um comentário do Rodolfo Landim, presidente rubro-negro:” Zico é de outro mundo. Que cara sensacional!”. Mas confesso que gostaria de ver um ídolo negro indiscutível no clube mais querido do Brasil”.

Ora, Leônidas da Silva foi o primeiro ídolo do nosso futebol. Os negros eram proibidos, até os anos 30, de jogarem nos grandes clubes. Leônidas, o homem que popularizou a bicicleta, era unanimidade nacional. Desfilava de carrão importado e namorava as filhas de famílias ricas e tradicionais da cidade.

Na época o Brasil tinha três ídolos: Getúlio Vargas, o Presidente da República; Orlando Silva, ‘O Cantor das Multidões’; e Leônidas da Silva, o ‘Diamante Negro’. Por sinal, foi ele quem emprestou seu apelido ao chocolate. A Lacta criou o produto em sua homenagem e ele foi o garoto-propaganda, aliás o pioneiro nessa atividade, entre os atletas. Foi também o primeiro ex-jogador a se tornar comentarista esportivo e ter contribuído de forma direta para o aumento gigantesco da torcida rubro-negra.

Conversei com o biógrafo do Didi, Péris Ribeiro, um historiador da minha cidade, Campos dos Goytacazes, sobre a falta, nas últimas décadas, de um grande ídolo negro – ou preto, como costumam dizer os próprios – no Flamengo. Passaram pela Gávea, além de Leônidas, Domingos da Guia, Zizinho, Junior e Adilio, entre outros. Em dois momentos imaginei que isso se tornaria realidade. Nos anos 60 chegou Silva, o ‘Batuta’, com o clube buscando um astro, já que Dida tinha parado e Gerson havia sido comprado pelo Botafogo.

Silva passou por clubes de massa, como Flamengo, Corinthians e Vasco. Fez tabelas com Pelé no Santos e com Zizinho – este, em fim de carreira – no São Paulo. Contudo, ficou apenas dois anos na Gávea: 1965 e 1966. Era um cigano da bola.

Voltou ao Flamengo em 1968, para mais duas temporadas. No Estádio Presidente Perón, do Racing, em Avellaneda, Argentina, há um pôster gigantesco na entrada com os dizeres: ‘El Ídolo Machado da Silva’. Vale dizer que o nome de Silva era Walter Machado da Silva.

Em 1972 Paulo Cezar Caju foi indicado por Pelé como seu substituto. Acabou sendo contratado a peso de ouro pelo Flamengo. Péris Ribeiro faz, então, uma volta no tempo:

– Pensei que o Flamengo teria o seu Pelé. Paulo Cezar Lima, o Caju, um dos maiores do nosso futebol, ficou pouco mais de dois anos no clube. Foi descartado, negociado como Silva, em 1974. Paulo Cezar, que foi campeão carioca em 1972 assim como Silva havia sido em 1965, se tornaria o primeiro brasileiro a ser destaque na França, jogando no Olimpique, de Marselha.

Aliás, o grande livro da literatura Esportiva do país é ‘O Negro no Futebol Brasileiro’, de Mário Filho, irmão de Nelson Rodrigues. Esta obra é leitura mais do que obrigatória para quem gosta e estuda o futebol. E futebol tem tudo a ver com negros. Porque são os negros que têm ginga, malemolência, mais do que muitos brancos. E nosso país é formado por uma miscigenação de brancos, índios, negros, pardos, caboclos, enfim.

Viva os negros, como Pelé, Didi, Eusébio, Drogba, Pogba, Mbappé, Barbosa, Thuram, Obdulio Varela, George Weah, Ronaldinho Gaúcho, Neymar e tantos outros. Sem eles, o futebol não seria o que é. Nem nós, o que somos.

Vida longa a estes deuses do futebol.

GANGUES ORGANIZADAS

:::::::: por Paulo Cézar Caju :::::::

Critico, falo que não vou mais assistir, mas a verdade é que não consigo ficar muito tempo sem futebol. Nunca parei pra contar, mas devo ter mais de mil motivos pra desligar a TV ou mudar o canal.

Neste fim de semana, por exemplo, o ônibus do Fluminense foi covardemente apedrejado pela torcida do Botafogo na chegada ao Engenhão. O que falta para as autoridades exercerem seu papel, aplicando punições severas aos clubes? Estão esperando algum jogador ser morto?

A rivalidade faz parte do futebol e sempre existiu, mas o que estamos vendo hoje é surreal. Fico imaginando o que os torcedores – se é que podemos denominar assim – do Flamengo fariam com o Manga, quando o goleiro falasse que “faz a feira sexta porque o bicho no domingo é certo”.

Perdi a conta de quantas vezes fui vaiado e xingado nos estádios, sobretudo pela minha ousadia dentro de campo, que muitos confundiam com a marra. Contudo, saia na rua no dia seguinte, ia para as boates e nunca fui agredido ou xingado por aí!

A realidade é que o futebol se tornou um entretenimento perigoso e mortal, e o que temos hoje são gangues organizadas que vivem em função do clube. Vale destacar que não se trata de um problema exclusivo do Brasil.

Quem se lembra da final da Libertadores entre Boca Juniors e River Plate que teve que ser disputada no Santiago Bernabéu, em Madrid, por problemas de segurança? Na ocasião, o ônibus do Boca foi atacado com garrafas e pedras por torcedores do rival e um dos jogadores chegou a ter uma lesão no olho por conta dos estilhaços de vidro. O pior é que os jogadores também não se posicionam e parecem fechar os olhos para esse tipo de situação.

Para não falarem que eu só reclamo, tem sido lindo ver a torcida do Vasco lotando os estádios e apoiando o time do início ao fim. Já joguei contra e a favor e posso afirmar com todas as letras que São Januário lotado é um verdadeiro caldeirão! Apesar da derrota e do episódio dos vândalos, a torcida de verdade do Botafogo também fez uma festa bonita no Engenhão! Seria muito pedir para os torcedores apenas torcerem?

Pérolas da semana:

“Com uma leitura diferente, o zagueiro joga centralizado por trás das linhas de cinco e de quatro, frequentando o elevador de cima, para ajudar o time a subir as suas linhas e para que o lateral suba com lateralidade”.

“Nos dias atuais, é fundamental mapear por dentro no campo para subir a intensidade de um time encaixado na dinamica consistente. Além disso, é preciso ganhar moldura com quilometragem alta e meio preenchido por pitbulls que chapam a bola para o falso 9”.

1958 – CAMPEÃO NO FUTEBOL, O BRASIL REINVENTA A PRÓPRIA HISTÓRIA

por Péris Ribeiro

O capitão Bellini , o técnico Feola e o goleiro Gilmar exibem, orgulhosos, a Copa Jules Rimet. Enfim, o Brasil era campeão mundial de futebol


A cena é inesquecível – e sempre emociona. Aos quatro minutos da partida final, os donos da casa já vencem por 1 a 0, o que faz Didi ir buscar a bola nos fundos das redes brasileiras. Só que, na volta, levando-a de cabeça erguida até o centro do campo, sai falando duramente com o time inteiro. Até que, para encurtar a conversa, define de vez a questão:

– Acabou! A sopa deles acabou! Vamos encher a caçapa desses gringos de gols. Aqui dentro da casa deles mesmo!

O final da história, ninguém desconhece! O Brasil enfiou 5 a 2 numa espantada Suécia, na memorável tarde de 29 de junho de 1958, sagrando-se campeão do mundo pela primeira vez. E Didi saiu dali, do Estádio Rasunda, definitivamente consagrado. Ainda mais depois de ser apontado, pela maioria absoluta de votos da crônica esportiva internacional, como o Maior Jogador daquela Copa disputada nos atapetados gramados escandinavos.

Mesmo assim, o que bem poucos tiveram a sensibilidade de vislumbrar naquele gesto – ainda mais, com a alegria sem tamanho vivida logo depois -, foi que a atitude altiva e determinada do Mestre Didi revestiu-se de uma magnitude e um simbolismo profundamente emblemáticos. Particularmente porque, a partir daquele gesto, caíram de vez tabus que pareciam se eternizar. Dogmas que aprisionavam o jeito de pensar e agir de todo um povo – uma gente, no mínimo, diferente. Na maneira de ser. De encarar a vida.

O mais inacreditável é que, pouco antes da convocação para o Mundial, um fato, no mínimo, intrigante – e, pior: altamente sigiloso – havia ocorrido nos bastidores. É que um relatório tendencioso – quando não, discriminatório. Com um ranço profundamente “nazista” – chegara às mãos do presidente da CBD – hoje, CBF -, João Havelange.

Nele, os negros eram abertamente acusados de tudo. E, o mínimo que se dizia deles, era que tremiam sempre nos momentos decisivos. Que não sabiam se comportar socialmente. E que, longe daqui, viviam na mais cava depressão, “morrendo de saudades da família, do sol tropical e do popular feijão preto”. Ou seja: não eram realmente capazes de ganhar uma competição da importância de uma Copa do Mundo.

Estranhamente, no dia da estreia contra a Áustria, na cidadezinha de Udevalla, só quando o Brasil posou para um batalhão de fotógrafos, é que se pôde perceber: havia apenas um negro no time. Assim mesmo, por motivos imperiosos. Afinal, Didi era não só o maior, mas o mais caro e famoso jogador de futebol do país. E o seu reserva imediato, Moacir, era mais negro ainda. Ou seja: era um típico “ preto retinto”.

A sorte é que, depois de aparadas algumas delicadas arestas – e de, por fim, haver prevalecido o tão esperado bom senso, com Garrincha, Zito e Pelé entrando no time, a partir do jogo com a Rússia -, as coisas foram aos poucos entrando nos eixos. E se pôde comemorar, com juros e correção monetária, o triunfo da, àquela altura, reverenciada “fórmula mágica”.

Afinal, nos retumbantes 5 a 2 contra os espantados suecos, aquele time de negros, mulatos, um descendente direto de índios – Mané Garrincha – e alguns poucos brancos, havia exibido simplesmente “o maior espetáculo da terra”. O Brasil que acabara de se sagrar campeão, era o maior time já visto em uma Copa do Mundo – e aplicando a maior goleada na história das decisões.
Os Didis, Pelés, Garrinchas, Djalmas Santos, Bellinis e Niltons Santos, haviam encantado definitivamente o mundo, ensinando uma coisa bem diferente. O seu jogo era pura ginga, malícia. Tinha magia, alegria. E presenteava as plateias com um monte de gols. E que gols! Mas o que eles também faziam questão de deixar no ar, era uma outra grande lição. A da força de uma até então desconhecida, mas poderosa mistura de raças.
No entanto, nada daquilo que estava acontecendo ali, em plena Suécia, era sem razão. Ainda mais porque o Brasil passava por um tempo de mudanças, vivendo um justificado clima de euforia. É que aqueles eram os Anos JK, do Presidente Juscelino Kubitschek e o seu revolucionário Plano de Metas. O do famoso slogan, “50 anos em 5!”

Para culminar, ainda era um tempo em que vivíamos do encanto, com a sonoridade sem igual da Bossa Nova. O movimento que celebrizou internacionalmente a música de Tom Jobim – eternizando, de quebra, a batida diferente do violão de João Gilberto. E que tal lembrarmos que, na mesma época, surgia a inquietante geração do Cinema Novo, com personagens com o brilho de um Nelson Pereira dos Santos , um Glauber Rocha, um Joaquim Pedro de Andrade, um Cacá Dieguez ?

Sorte que tudo aquilo tenha chegado também ao futebol. Campeão do mundo finalmente, na grande vitória do homem brasileiro.