QUATRO DÉCADAS ENTRE O BOTÃO E O ÍDOLO
por Reinaldo Sá

A virtualidade atravessa a presencialidade depois de quatro décadas.
Quem, na infância, nunca sonhou em jogar ao lado dos seus ídolos? Ou em ouvir, de dentro do campo, os gritos que ecoam nos estádios — a cada drible, jogada clássica ou lançamento em profundidade?
Foi assim que um botonista da época colegial — mesmo não sendo tricolor — viveu um encontro marcante. O respeito pela instituição clubística estava acima de qualquer paixão, pois o mais importante sempre foi vencer.
Essa história, que completa quarenta anos em 2025, não poderia passar em branco. Trata-se do registro de um clássico de futebol de mesa, realizado na Escola Municipal Camilo Castelo Branco, durante uma semana de inverno de junho de 1985. O torneio contou com oito colegas, reunidos em torno de uma tradicional mesa da marca Estrelão.
Foi nesse cenário que ocorreu uma vitória épica: o autor do texto venceu um tricolor de raiz, o saudoso Flávio Capilé, que representava com orgulho o São Paulo. O choro copioso de Flávio ao ver o botão madrepérola estampado com o nome “Deley” marcar um gol no canto direito da madeira galaliteada com o nome “Barbiroto” — então goleiro titular do São Paulo — marcou todos os presentes.
Parecia que aquele encontro estava escrito nas estrelas. Quatro décadas depois, a virtualidade da adolescência se transformou em uma emoção real e adulta: a presença de Deley, aquele mesmo ídolo de botão, agora de carne, osso e memória, com sua maestria única e eterna vestindo a camisa tricolor.
ONZE CONTRA DEZ: A MÁQUINA QUE ASSUSTAVA
por Zé Roberto Padilha

Jogar com dez jogadores. Isso pode, Arnaldo?
Nosso time, a Máquina Tricolor, que tinha quatro tricampeões mundiais, três que seriam posteriormente convocados para a seleção brasileira, conquistou, invicto, a Taça Guanabara de 1975.
Quando iniciou o segundo turno, ao entrar em campo, o Fluminense foi surpreendido com uma liminar expedida pela FERJ: seus adversários só aceitariam entrar em campo se tirasse um do nosso time. Isto é, com menos um, seria mais competitivo o campeonato.
De fato, com Paulo César, Edinho e Rivelino voando, estava sendo mesmo uma covardia. A renda cairia, os torcedores adversários nem apareceriam para ver seu time ser goleado.
* Acho que essa foi a primeira crônica de ficção que escrevo. Levado pela emoção de ver a foto do nosso time que esperava o nosso protetor, Zé Mário, o ponto equilíbrio, a suspensão da máquina, terminar a sua entrevista. Aí sim, estaria completinho. 11 contra 11. Para azar dos outros.
MESTRE PÉRIS RIBEIRO
por Elso Venâncio

Ser chamado de mestre é um privilégio de poucos. Mestre Ziza, Mestre Didi, Mestre Armando Nogueira, Mestre João Máximo… O meu mestre e conselheiro, como também de muitos no jornalismo, foi Péris Ribeiro. Escreveu vários livros de futebol, entre eles três edições da biografia “Didi, o gênio da Folha Seca”, que recebeu da Associação de Cronistas Esportivos do Rio de Janeiro (ACERJ) o Prêmio João Saldanha, na categoria literatura, em 2011. Se Armando Nogueira foi o Machado de Assis da crônica esportiva, Péris Ribeiro foi o Armando Nogueira do Norte e Noroeste Fluminense, especialmente de nossa terra natal, Campos dos Goytacazes.
Dono de uma memória privilegiada, Péris era o Google do futebol, como o gaúcho Luís Mendes, “o comentarista da palavra fácil”. Os dois sempre foram requisitados pelos estudantes de comunicação para pesquisas. A partir desse contato, com sua alta capacidade de diagnosticar talentos, Péris tornou-se um incentivador de vários nomes da imprensa campista. Um verdadeiro mestre, no sentido literal do termo!
Enquanto repórter, Péris conviveu com Pelé no auge, quando trabalhava na revista Placar, em São Paulo. Flamenguista de coração, se encantou com o Santos, que passou a ser o seu segundo time. Falava sempre de um dos grandes esquadrões da bola: Gilmar; Lima, Mauro, Calvet e Dalmo; Zito e Mengálvio; Dorval, Coutinho, Pelé e Pepe.
Na juventude, Péris vibrou com o melhor Goytacaz que viu em campo: o do supercampeonato campista de 1966 e do bicampeonato fluminense, em 1966 e 1967. Amante do futebol-arte, acompanhou o apogeu do Americano na conquista do eneacampeonato campista, de 1967 a 1975. Sua admiração pelo Americano aumentou quando os ídolos Dudu e Chico Preto trocaram o Goytacaz, clube mais popular da cidade, pelo alvinegro. Uma das formações na época contava com Haroldo; Cachola, Zé Henrique, Marlindo e Joaquim; César e Adalberto: Cidinho, Chico Preto, Luís Carlos e Paulo Roberto.
Campos foi o único município brasileiro a ter um campeonato profissional de 1952 até 1979. “O fim dessa competição foi um duro golpe no futebol campista”, afirmava Péris Ribeiro. Curiosamente, seu maior ídolo não foi o amigo e conterrâneo Didi, nem Pelé, mas, sim, Mané Garrincha.
Com orgulho, Péris costumava lembrar que só a cidade de Campos teve dois bicampeões do mundo no Chile, em 1962: Didi e Amarildo. E estava certo, pois Gilmar nasceu em Santos; Djalma Santos era paulista da capital; Mauro, mineiro de Poços de Caldas; Zizinho, baiano de Ilhéus; Zito, paulista de Roseira; Didi, campista; Garrincha, de Pau Grande (Magé); Vavá, pernambucano de Recife; Amarildo, campista; e Zagallo, alagoano de Atalaia.
Péris Ribeiro faleceu no domingo (20), aos 80 anos, em Campos. Enfrentava problemas no esôfago, além de uma pneumonia. Anos antes, já havia demonstrado sua resistência ao vencer um Acidente Vascular Cerebral (AVC), ocorrido em 2004, mantendo a memória intacta. Viveu com dignidade até o último dia, bem acompanhado pela incansável esposa, Graça. No próximo domingo (27), o mestre Péris será homenageado pelo Flamengo no telão do Maracanã, que exibirá uma foto sua vestindo a camisa rubro-negra. Nada mais justo do que essa reverência a um dos grandes nomes do jornalismo esportivo brasileiro!
O GRE-NAL DO ZEQUINHA
por Cláudio Lovato Filho

Noite de 23 de julho de 1975, quarta-feira. Estádio Beira-Rio, em Porto Alegre. Frio e chuva. Gre-Nal pelo Campeonato Gaúcho.
Meu pai, gremista, não pôde ir ao jogo. Meu avô materno – criado no Rio, radicado do Rio Grande do Sul, rubro-negro e colorado, com cadeira no estádio – me levou. Fiquei no meio da torcida adversária. Num Gre-Nal. Naquele Gre-Nal. Logo naquele Gre-Nal…
“Senta ali”, disse meu avô, e apontou para uma cadeira até então vazia. “E olha o que você vai fazer, hein…”, complementou, dando um aviso importante. Eu tinha 10 anos, mas não seria tratado como criança se, num momento qualquer, revelasse de que lado eu estava. Fiquei calado. E nessa condição me aguentei por todo o primeiro tempo, que terminou empatado em 0 a 0.
Veio o intervalo, comi meu cachorro-quente ouvindo os comentários dos torcedores rivais próximos a mim. Meu avô, que foi como um pai para mim e com quem eu adorava estar, me olhava com preocupação. Ele me conhecia bem.
Os times voltaram dos vestiários. E logo teve início o show do nosso camisa 7, um mineiro de Leopoldina vindo do Botafogo chamado José Márcio Pereira da Silva.
Zequinha.
Aos 8 minutos, depois de uma disputa de bola na grande área entre o nosso ponteiro-esquerdo, Nenê, e o zagueiro Figueroa, Zequinha apareceu na pequena área e, com um toque sutil, fez o primeiro dele e do jogo.

Aos 28, numa recuada de bola da defesa do adversário, Tarciso, que acreditava em todas, jogando com a camisa 9, partiu para a dividida com Manga. Nosso centroavante foi para o ar, o goleiro foi para o chão, e a bola ficou com Zequinha, que driblou Figueroa e mandou a redonda para dentro do gol, rasteirinha.
Aos 42, dois minutos depois de o nosso arquirrival descontar com um gol de Falcão, Zequinha voltou a mostrar o craque que era. Numa jogada armada pelo meia Neca, o ponteiro invadiu a área colorada, passou pelo lateral Vacaria e fuzilou o gol adversário com um chute cruzado.
Três a um. Três gols do Zequinha.
Eu não sei como consegui me conter. Sinceramente não sei.
O que sei é que sempre serei grato a Zequinha, a Ênio Andrade – nosso técnico em 1975, em sua primeira passagem pelo Grêmio – e a todos os jogadores que estiveram em campo naquela noite, honrando o manto tricolor.
Exatos 50 anos depois, aos 60 de idade, aqui estou, relembrando e relatando o que vivi, revivendo aquele jogo com a emoção que uma lembrança como essa merece.

FICHA TÉCNICA
Internacional 1 x 3 Grêmio
Competição: Campeonato Gaúcho 1975 – Fase Final 2º Turno
Estádio: Beira-Rio, em Porto Alegre (RS)
Data/Hora: 23 de julho de 1975, às 21:15
Gols: Zequinha aos 8′, 28′ e 42′ do 2ºT (GRE); Falcão aos 40′ do 2ºT (INT)
Grêmio: Picasso; Vilson, Ancheta, Beto Bacamarte e Jorge Tabajara; Cacau (Bolívar), Iúra (Luís Freire) e Neca; Zequinha, Tarciso e Nenê. Técnico: Ênio Andrade
Internacional: Manga; Cláudio, Figueroa, Marinho Peres e Vacaria; Falcão, Borjão e Carpegiani; Valdomiro, Flávio (Claudomiro) e Lula. Técnico: Rubens Minelli
MESTRE PERINHO
por Wesley Machado

O relógio marcava 21h39. Foi a hora que ficou registrada a mensagem de Graça, esposa de Péris Ribeiro, informando que meu amigo havia falecido. Há poucos minutos o Flamengo de Perinho havia acabado de vencer o clássico contra o Fluminense, com um gol de Pedro no apagar das luzes do Maracanã.
Perinho se foi feliz com a vitória do seu Fla sobre o Flu. No Maraca onde também foi feliz ao ver Doutor Rúbis, Paulinho Almeida, Didi e Garrincha, seus maiores ídolos. Um rubro-negro crítico do seu time. Também para quem viu tantos grandes jogadores vestindo a camisa rubro-negra.
Perinho era um crítico do futebol em geral. Recentemente vi uma entrevista do Dé Aranha aqui no Museu da Pelada, em que Dé diz que antigamente os jogadores corriam para ganhar por causa do bicho e que hoje não precisam mais correr para ganhar porque ganham salários milionários.
Realmente o futebol mudou muito e para pior. Tanto que Perinho falava com saudades da década de 1950, os anos do primeiro título mundial da seleção brasileira e da sua adolescência. Para Perinho o que também “acabou” foi o futebol campista. O futebol de sua cidade natal, Campos dos Goytacazes-RJ, de tantos craques e times históricos, como o Americano, o Goytacaz, o Rio Branco, o Campos, o Sapucaia etc.
A morte do futebol de outrora e a morte de Péris Ribeiro me deixaram triste nesta segunda-feira de sol tímido. Agora as nuvens vão escondendo o céu azul, que observo entre as folhas da árvore neste inverno. As folhas estão paradas. O tempo parou. E voltou para o outono. Imagino uma folha seca caindo, como uma lágrima a chorar a partida do mestre Perinho.