REFLEXÕES SOBRE O FUTEBOL BRASILEIRO
por Luis Filipe Chateaubriand

Ao se analisar a situação do futebol brasileiro, tem-se a nítida noção que há uma série de problemas a serem enfrentados.
O primeiro deles é o calendário, desde sempre confuso, anacrônico e irracional. É preciso tomar medidas como adequação ao calendário europeu, disputa do Campeonato Brasileiro ao longo de toda a temporada e as Datas FIFA ou não tendo jogos de clubes ou os tendo, mas em relação a certames de menor importância.
O segundo deles é a necessidade de criação da Liga. Não duas Ligas fragmentadas e inconclusas, mas sim apenas uma Liga, que englobe os clubes de cinco (e não quatro) divisões do Campeonato Brasileiro.
O terceiro deles é o combate à violência. Há que se pensar estratégias, junto às polícias militares e civis estaduais, para mitigar esse desalento.
O quarto deles são as sofríveis arbitragens. É preciso profissionalizar e remunerar os árbitros de forma fixa e com bons salários, para que sejam incorruptíveis e tenham melhor desempenho.
O quinto deles são os gramados. Ou todos os gramados devem ser sintéticos, ou todos os gramados devem ser naturais e bem tratados.
O sexto deles são os técnicos. Com as devidas exceções, técnicos brasileiros têm pensamento indigente e são mal preparados – o que requer a contratação de técnicos estrangeiros.
A lista é ampla, dir-se-ia mesmo interminável.
Os gestores do futebol brasileiro farão algo, ou “cruzarão os braços”?
NOSSO XERIFE NOS DEIXOU
por Zé Roberto Padilha

Perdemos, no fim de semana, nosso querido e amado Merica. Uma figura adorável, sempre lembrado pelo sorriso fácil fora de campo e pela seriedade com que defendia dentro dele. Cabeça-de-área de raça, protegia Rondineli e Jaime com firmeza, e tinha à sua frente Tadeu, Geraldo e Zico para criar aquilo que ele, incansavelmente, desconstruía. Chegou ao Flamengo ao lado do Dendê, formando parte de um grupo que marcou época e conquistou o respeito da torcida.
Lembro bem daquele Fla-Flu em que Carlos Froner, nosso treinador, pediu para ele não deixar o Rivelino jogar. Merica não apenas cumpriu a missão, como foi além, colocando o nosso “Príncipe das Laranjeiras” para voar. Resultado: ficamos com 10 em campo, o Fluminense também. Ou vocês acham que Rivelino voltou para o jogo?
Era assim: destemido, dedicado, companheiro de todos. Dentro das quatro linhas, nunca deixou de lutar pelo Flamengo; fora delas, conquistou amigos e admiradores com sua humildade.
Hoje, fica a saudade de um guerreiro que honrou o Manto. Descanse em paz, Merica.
VOCÊ APOSTA NO HEXA?
por Elso Venâncio

Tudo bem que a Seleção Brasileira estava classificada para a próxima Copa do Mundo desde o dia 10 de junho, quando venceu o Paraguai por 1 a 0 e conquistou o seu objetivo com duas rodadas de antecedência. Mas a impressão que se tem, a nove meses do Mundial, não chega a ser animadora. Apesar da vitória por 3 a 0 sobre o Chile, o jogo seguinte foi preocupante, fechando as Eliminatórias com derrota para a Bolívia — algo que não ocorria desde 1993.
Com o aumento de participantes de 32 para 48, estar na Copa do Mundo não é mais do que obrigação para países como Brasil, Argentina e Uruguai. Considerando o nível técnico de seleções inferiores da América do Sul, seria mais difícil ficar de fora do que se classificar. Dito isso, não se pode normalizar que o Brasil se classifique apenas como quinto colocado. Os 28 pontos somados em 18 partidas representaram o pior desempenho brasileiro na história das Eliminatórias, com 51% de aproveitamento. Tudo bem que Ancelotti poupou titulares no último compromisso. Mas também é verdade que o quinto lugar nos obrigaria a disputar uma repescagem no antigo formato de classificação.
Desde a chegada do técnico italiano, a Seleção Brasileira soma duas vitórias, um empate e uma derrota. Como têm sido promovidos testes de vários jogadores, ainda é cedo para uma projeção do que veremos em 2026. É mais justo lembrar que os problemas se acumularam durante todo o ciclo para a Copa. Desde 2022, Ancelotti é o quinto técnico a comandar o Brasil. Depois que Tite deixou o cargo, Ramon Menezes teve uma passagem rápida, com dois jogos interinamente. Fernando Diniz foi outro técnico interino, mas por um ano e meio, se dividindo entre a Seleção e o Fluminense. Dorival Júnior, por sua vez, teve status de treinador efetivo, mas não resistiu à acachapante derrota por 4 a 1 para a Argentina. Enfim, chegou Ancelotti, encerrando uma novela respaldada pelo presidente anterior da CBF, que acabou afastado.
Se os erros foram muitos, é hora de deixá-los no passado. Por mais que incomode, a campanha ruim não tirou do Brasil o direito de ser cabeça de chave na Copa do Mundo. Isso já indica um grupo tranquilo na primeira fase, abrindo caminho para se classificar ao mata-mata sem sustos. Da segunda fase em diante, não tem mais jogo fácil, e se quiser ser hexa, em algum momento o Brasil terá que superar uma grande seleção europeia — o que não acontece em um jogo eliminatório de Copa desde 2002.
Por falar em 2002, as Eliminatórias para aquele Mundial eram justamente as de pior desempenho do Brasil até agora. Só que o terceiro lugar da época, com 30 pontos, não impediu que a Seleção se reestruturasse e fosse em busca do pentacampeonato, no Japão e na Coreia do Sul. Para você, Ancelotti é capaz de repetir Felipão e nos trazer o hexa?
O RITUAL DE 15 DE SETEMBRO
por Cláudio Lovato Filho

Os familiares, os amigos e os vizinhos sabem disto: 15 de setembro é dia de celebração na casa do veterano torcedor. É dia de portas abertas e bandeirão no jardim, e todos os que podem vão visitá-lo, participando de um ritual que começa de manhã e se estende até altas horas da noite, incluindo infindáveis aperitivos, longo almoço, rememorações e declamações regadas a cervejas, vinhos e cachaças.
E nessa sempre longa e memorável festa de 15 de setembro em sua casa, o veterano torcedor abre as pastas. Ele faz isso em outras datas, eventualmente, quando quer resgatar alguma informação específica ou lustrar uma lembrança pontual, mas não com a pompa e circunstância do dia 15 de setembro. É sagrado: no dia 15 de setembro, as pastas são abertas e seu conteúdo é comentado, explicado, contextualizado.
Além das pastas, que são muitas e cujo conteúdo volta e meia recebe acréscimos, há os livros, que também são muitos, e um grande acervo de outros objetos de transcendente importância afetiva relacionados ao clube. Eles são vistos em vários cômodos da casa, mas as pastas, que constituem o epicentro de tudo, ficam apenas em um local: o amplo escritório em que o veterano torcedor, em outros tempos, redigia suas petições iniciais e preparava suas aulas da universidade.
Uma das pastas, por exemplo, contém relatos da histórica reunião dos fundadores na noite de 15 de setembro de 1903, em um hotel no centro de Porto Alegre. Há também reproduções de fotos dos primeiros times, dos primeiros Gre-Nais, em que o tricolor aplicou goleadas antológicas, e do Fortim da Baixada, a primeira casa. E a história de Lara, o craque imortal, cujo nome faz parte da letra do hino composto por Lupicínio.
Lupicínio está numa das pastas. Há uma foto, tirada no Restaurante Copacabana, na Cidade Baixa, onde o hino foi escrito. Nessa imagem, ao lado do grande compositor, aparecem o veterano torcedor (quando ainda não podia ser considerado veterano) e um grupo de amigos da sua mesma faixa etária.
Tarciso está em outra pasta. Em diversas reportagens – da Folha da Tarde, da Zero Hora, da Placar. Tarciso, o jogador que mais vezes vestiu a nossa camisa. Tarciso, que nasceu no dia 15 de setembro (obviamente não por acaso).
Alcindo, o maior artilheiro, está ali. Everaldo, campeão do mundo em 70 no México, homenageado com a estrela na bandeira, está ali.
A história do “12 em 13” está ali, no acervo do veterano torcedor. Doze títulos estaduais em 13 anos. Airton, Gessy, Juarez, Joãozinho Severiano, Milton Kuelle, Vieira, Sérgio Lopes – todos eles e todos os outros estão ali.
O time campeão gaúcho de 1977 está ali – time cuja escalação o veterano torcedor recita como um poema: Corbo; Eurico, Ancheta, Oberdan e Ladinho; Vitor Hugo, Tadeu e Iúra; Tarciso, André e Éder.
E os campeões brasileiros de 1981 e 1996 estão ali (os gols de Baltazar, em 81, no Morumbi, e os de Paulo Nunes e Aílton, em 96, no Olímpico, estão ali, com registros em fotos, sketches e gravuras). Os campeões das Copas do Brasil de 1989, 94, 97, 2001 e 2016 também estão ali, em amplo material.
Ali estão os campeões das Libertadores de 1983, 1995 e 2017. Renato, China, Osvaldo, Caio, César, Tita, Mazaropi, De León, Danrlei, Arce, Adilson, Dinho, Goiano, Carlos Miguel, Paulo Nunes, Jardel, Marcelo Grohe, Pedro Geromel, Kannemann, Arthur, Maicon, Douglas, Everton Cebolinha, Luan e todos os outros.
Toda a história da conquista do Mundial de 1983, obviamente, está ali. A glória selada no Estádio Olímpico de Tóquio. O time azul, preto e branco fazendo o sol brilhar em todos os quandrantes do Planeta ao mesmo tempo.
Nossos maiores comandantes da casamata – com destaque para Oswaldo Rolla, Ênio Andrade, Luiz Felipe Scolari, Valdir Espinosa, Telê Santana e Renato Portaluppi (ídolo como jogador e como técnico) – estão ali.
Fábio Koff, Hélio Dourado e Luiz Carvalho estão ali. Os maiores presidentes.
O Olímpico e a Arena, a segunda e a terceira casa, estão ali, em textos e imagens.
Logicamente, Luis Suárez está ali, e com muito material no acervo do veterano torcedor, incluindo um espetacular livro fotográfico que retrata os principais momentos da maravilhosa passagem do uruguaio pelo clube em 2023. E também já fazem parte do patrimômio documental do veterano torcedor a compra da Arena, os gols do dinamarquês Braithwaite, a volta de Arthur… A jornada prossegue.
Tudo nas pastas, abarrotadas de fotos e recortes. E nas maquetes, nos pôsteres, nas flâmulas. Nas bandeiras e nas camisas. Em fitas K7, compactos, LPs e CDs. Em fitas VHS e DVDs. Nos livros.
Celebração do passado, sim, mas não apenas isso. É também dia de reverenciar a maravilha que é a continuidade da vida; o ontem feito de desafios, aprendizados, lutas e glórias cultuado como alicerce de um presente e de um futuro em que a paixão é, e sempre será, mola propulsora e combustível; lança e escudo; poesia e canção.
Em certo momento, como sempre acontece no ritual de 15 de setembro, o veterano torcedor gremista ergue a taça e propõe um brinde a seus convivas. Quando todos estão prontos, ele então solta a voz ainda potente, devidamente amaciada pelo vinho e modulada pela emoção:
“Dá-lhe, Grêmio!”
Todos repetem e bebem, e então Lupicínio Rodrigues assume o comando (o filho mais novo do veterano torcedor sabe exatamente a hora de fazer isso acontecer, com um toque no controle remoto):
“Até a pé nós iremos/
Para o que der e vier/
Mas o certo é que nós estaremos/
Com o Grêmio onde o Grêmio estiver…”
Assim é o ritual do veterano torcedor. O ritual de 15 de setembro. Assim sempre será enquanto ele, o veterano torcedor, estiver entre nós, com sua presença agregadora, festiva e apaixonada.
CARTA ABERTA A MARIO BITTENCOURT
por Zé Roberto Padilha

Caro Presidente,
Sei que o senhor não foi formado nas divisões de base do clube, muito menos teve como mestres Zezé Moreira, Píndaro, Pinheiro e Telê Santana. Por isso, é realmente difícil explicar o que significa ver nascer e crescer, dentro de si, o amor pelo Fluminense.
Eu, e minha geração, com Abel, Nielsen, Rubens Galaxe, Cleber, Pintinho e Edinho, chegamos ao clube aos 16 anos e o deixamos aos 24. Percorremos cada vestiário, o bar do Fidelis, o cantinho do Ximbica e o Salão Nobre, com seus vitrais franceses.
Mais do que títulos, nos formamos em dignidade, respeito ao clube, aos adversários e à profissão. Jamais fomos expulsos de campo, porque fidalguia e gentileza eram lições que não se reprovavam. Além de jogadores, o Fluminense formava homens. Cidadãos de bem.
Esse legado, de Preguinho, Valdo e Denilson, é tão nobre que ainda não existe palavra que explique a você, presidente, o que é, de fato, ser Fluminense.
Por ter essa essência estampada na alma – e não em apostas, balanços ou distribuição de lucros, como na Petrobras – é que se torna impossível imaginar o Fluminense como clube-empresa. Nosso lucro sempre foi buscado dentro de campo, durante os 90 minutos. Não na venda de Luiz Henrique ou Almada, porque investidores como Textor correm atrás apenas de dividendos e acabam por desmontar um time quase imbatível, que tinha entrosamento. E entrosamento se constrói com tempo e com bola rolando, não na Bovespa.
Definitivamente, pergunte ao Pedrinho: SAF combina com RB Bragantino, onde o produto vem antes do clube. São instituições que trocam mercadorias, não jogadores, e formam atletas frios e calculistas que beijam logos, mas não o escudo.
Caro Presidente, esqueça a SAF. Dê uma volta na sala de troféus e veja o quanto minha geração conquistou por amor ao clube e respeito à camisa. Ali deixamos suor e levamos de volta gratidão e saudade.
Ser Fluminense transcende a lógica do lucro de qualquer empresa. Vai além, porque carrega paixão e tradição pelas ruas, cidades e arquibancadas de todo o país. Tente, hoje, ser diferente: em vez de se reunir com investidores em seu gabinete, vista nossa camisa e dê uma volta correndo em torno do campo.
Jamais sentirá a mesma emoção que vivi quando Rivelino, no fim da prorrogação, soltou uma bomba, venceu o América e conquistamos a cobiçada Taça Guanabara, há 50 anos, com a Máquina Tricolor. Mas perceberá um vazio, um silêncio danado à sua volta. Porque de uma SAF só saem dividendos; da torcida, envolta pelo pó de arroz, só sai amor.
Sabe por que o Flamengo jamais será uma SAF? Porque, para mudar a forma de governo de uma nação, é preciso realizar um referendo popular, como o Brasil fez nos anos 90, escolhendo entre presidencialismo, parlamentarismo ou monarquia.
Mesmo sendo um principado, nobres que somos, deveríamos fazer o mesmo: convocar nossa torcida, ir às urnas e escolher nosso destino. Democratizar esse processo.
É uma pena que o senhor, que não recebeu essa energia dentro de campo, insista em acreditar que ações podem substituir essa paixão inexplicável. Talvez ainda não tenha compreendido o que Francisco Horta entendeu muito mais do que o senhor: no Fluminense, sempre foi vencer ou vencer. Nunca render ou render.