IMORTAL ATÉ QUANDO NOSSO FUTEBOL MERECIA
por Zé Roberto Padilha

Não era apenas o futebol praticado no país que exalava arte. Sua magia se expandia para os jornais, com Nelson Rodrigues e Armando Nogueira escrevendo colunas que eram verdadeiras poesias. A arte também contagiava as transmissões esportivas, onde João Saldanha dava moldura ao que assistia e descrevia com maestria.
Léo Batista fazia no Globo Esporte o que Luis Mendes e os Apolinhos faziam no rádio: transformavam o esporte em um instrumento mágico de interação com os torcedores. Lá em casa, o almoço era servido antes ou depois do Léo Batista.
O futebol brasileiro era uma religião, e os estaduais eram mais importantes que qualquer competição nacional. A Taça Guanabara, por exemplo, sempre bateu recordes de público e renda.
Com o tempo, nossos craques partiram para a Europa e só retornavam um ano antes da aposentadoria. Assim, encheram nossos clubes de idade e levaram para Brasília e Cariacica o que antes era jogado no quintal da nossa casa.
Léo Batista, como qualquer amante do nosso futebol, estava cansado de noticiar a vinda de Coutinho e a partida de Luiz Henrique. Dos meninos de Xerém que nos deixam a cada dia enquanto o Fluminense insiste em trazer Renato Augusto e anuncia o retorno de René, dispensado pelo Flamengo.
Para quem se orgulhou de apresentar à nação os gols de Vavá, Ronaldo e Careca, ter que anunciar a escalação de Carlinhos no comando do ataque do Flamengo, ou Lelê no Fluminense, era um fardo difícil de carregar.
Portanto, não cobrem lucidez dos jornalistas que hoje inundam as mesas redondas. Não há fragrâncias exaladas dos campos que os inspirem como antes, quando tínhamos a presença e a voz de Léo Batista.
Ele foi imortal enquanto a hegemonia do futebol brasileiro merecia sua presença.
Descanse em paz.
LÉO BATISTA, INTERMINÁVEL
por Paulo-Roberto Andel

Várias vezes por semana, eu volto a onze, dez ou oito anos de idade por alguns segundos ou minutos, só para lembrar de histórias e histórias de garoto, possivelmente a melhor época da minha vida. E ser garoto para mim era ter esportes por perto, praticando ou acompanhando.
Quando estava em casa de folga, a TV era uma distração. Os esportes. Os meus contemporâneos, todos perto dos sessenta anos hoje, tinham como referências na TV o Esporte Espetacular e o Globo Esporte. Em ambos, a voz de Léo Batista era a referência para nós. E olhe que ele vinha de muito antes, dos anos 1940!
Narrou a triste final da Copa de 1950, sem conseguir transmitir – fato que o entristeceu para sempre. Foi o primeiro jornalista a noticiar a morte de Getúlio Vargas. E já experiente, colonizou o jornalismo esportivo na TV brasileira, sem deixar herdeiros mas com certeza influenciando centenas de profissionais.
Volto aos treze anos, lá está a voz de Léo Batista no Globo Esporte e nos gols do Fantástico – um jogo à parte, que passava de verdade todos os gols de todo o Brasil.
A voz interminável ecoou por anos, anos e décadas até que hoje encontrou o silêncio. Mas nenhuma história é representada por seu final, e com 70 anos de carreira as histórias de Léo Batista são muito grandes para caber num livro.
Neste caso a história é de uma voz familiar, que sempre esteve dentro das nossas casas. Uma voz inesquecível.
Agora, Léo Batista se junta a outros grandes nomes do jornalismo esportivo brasileiro, como Jorge Curi, Waldir Amaral, Fiori Gigliotti, Celestino Valenzuela e, tantos, tantos outros craques que, com suas narrações, fizeram a crônica do esporte brasileiro na alegria e na tristeza, mas dúvida na vocação para a eternidade. O que difere Seu Léo de todos os demais é que nenhum foi tão longevo quanto ele, trabalhando com alta qualidade praticamente até o fim.
O Seu Léo, que agora deixa tanta saudade num domingo cinza, é o mesmo que por muitos anos abraçava minha mãe e a chamava de Lurdinha me Copacabana. Mais do que uma voz, o abraço também é um desenho da saudade.
Agora eu vou para os 57 anos, e pela primeira vez em minha vida vou estranhar o silêncio de Léo Batista.
Felizmente, fica uma história gigante!
QUANDO ERA O CARIOCÃO
por Paulo-Roberto Andel

Para os mais jovens é coisa difícil de acreditar, mas houve um tempo dos anos 1970 e 1980 onde os garotos, loucos por futebol, não estavam nem aí para a Libertadores e o Brasileiro. Copa do Brasil e Sul-americana sequer existiam. O grande lance era o Campeonato Carioca, com os timaços na disputa e muitas surpresas dentre as equipes de menor investimento.
Primeiro, claro, o nível técnico era muito superior ao atual. Segundo, mesmo em má fase, os grandes times cariocas tinham brincando seis jogadores de ponta, o que acirrava a disputa. Terceiro: as equipes mais modernas tinham pelo menos três ótimos jogadores, o que garantia as brigas. Por fim, os jogos nos campos menores significavam batalhas duríssimas que dificultavam qualquer supremacia. Olaria na Bariri, Campo Grande no Ítalo del Cima, Madureira em Conselheiro Galvão, a Portuguesa na Ilha e até os times de outras cidades eram absolutamente temíveis, trazendo equilíbrio e emoção à competição.
Os tempos mudaram, novos campeonatos surgiram, o modismo internacional e as cotas de TV levaram as atenções para outros campos, mas o velho Campeonato Carioca, mesmo surrado e maltratado pelos próprios dirigentes, ainda atrai a atenção de muita gente que foi criada com a supremacia do Rio no país.
Algo para se pensar: desde que o futebol brasileiro passou a desprezar de vez as equipes de menor porte em suas competições, logo no começo deste século, o Brasil nunca mais conquistou a Copa do Mundo. Coincidência ou seca na torneira da produção de craques, que sempre foi alimentada pelas equipes de menor poder financeiro? Nunca é demais refletir.
@pauloandel
E AÍ INVENTARAM O TREINADOR…
por Zé Roberto Padilha

Não tem jeito. Quem foi criado batendo pelada e assistindo Pelé e Garrincha jogarem, e a partir dos 6 anos presenciou o seu país tomar posse e guarda de uma taça, a Júlio Rimet, e se impor no futebol mundial, vai passar anos procurando explicações porque não somos mais os donos da cocada preta.
Já são oito livros, centenas de artigos, crônicas, uma tese de pós-graduação e acabo de detectar mais uma prática que foi retirada dos laboratórios a céu aberto em que foram criados todos os nossos gênios da bola. Sem exceção.
Nenhum deles teve treinador no início do seu aprendizado. Todos batiam peladas e os times eram divididos no par ou ímpar. Quem escolhia e escalava era sempre os melhores peladeiros. Já que futebol não se ensina, apenas os fundamentos são aperfeiçoados, porque ter alguém com apito na boca interferindo na criação?
Vou repetir: Ronaldinho, Zico, Eduzinho e Romário só foram cair nas garras de um treinador quando fizeram 14 anos. E calçar chuteiras também. Quando isso aconteceu, já tinham formado todos os recursos e improvisos que só a liberdade, e a ausência de um apito pedindo “volta pra marcar” começou a fazer parte da sua adolescência.
Agora, os novos jogadores já começam atuando em franquias. Cads uma delas possuem dois treinadores. Pior, calçando chuteiras e ocultando o tato. E os gritos de “volta pra marcar” passa a ecoar tanto aqui quanto na sede da FIFA. E espalhando pelo mundo a mesmice que nos tornou iguais. E nunca mais revelamos um Bola de Ouro da FIFA.
Anotem ai: se resolvermos reassumir o protagonismo do futebol mundial, melhor devolver os campinhos de pelada e deixar fluir a habilidade e capacidade natural de jogar futebol que foi destinada a um povo miscigenado.
Descobertos, invadidos, colonizados e saqueados. A forra vinha nos gramados. Agora, nem isso. Melhor deixarem os meninos em paz.
ESTREIA COM EMOÇÃO
por Igor Serrano
A torcida do Vasco é sempre apontada como uma das mais apaixonadas e conta com muitos seguidores fora do Rio de Janeiro. Uma explicação que sempre vem à tona é que na época pré-televisão, as frequências das rádios cariocas (da então capital do país) pegavam em diversos outros estados do Norte e do Nordeste do Brasil. Com craques exibindo um bom futebol e o auxílio da narração característica de partidas de futebol pelas ondas da voz, o imaginário de uma legião de fãs foi pouco a pouco sendo construído e o amor ao clube passado de geração em geração, mesmo que a muitos quilômetros de distância da Cidade Maravilhosa.

Um desses casos que chama a atenção e remete à famosa frase do presidente vascaíno Cyro Aranha (“Enquanto houver um coração infantil, o Vasco será imortal”), aconteceu no último sábado (11) quando Marcos Dumit e Lucas Dumit, pai e filho, que moram em Maceió, puderam pela primeira vez assistir ao clube do coração em seu estádio, no empate por 1×1 diante do Nova Iguaçu.

Marcos, de sessenta anos, é servidor público e carioca. Sua esposa é de Maceió. Eles moravam no Rio até 2007, quando decidiram se mudar para a cidade natal dela, após o nascimento da primeira filha do casal. Ele, apesar de ser de uma família de vascaínos, nunca ligou muito para futebol. Ao contrário de seu filho mais novo, Lucas, o Luquinha, de apenas treze anos e fanático pelo clube cruzmaltino.
Lucas nasceu em Maceió no ano do último grande título vascaíno, a Copa do Brasil de 2011. De lá para cá, muitas decepções com os frequentes rebaixamentos no Campeonato Brasileiro e os solitários Cariocas conquistados em 2015 e 2016. Todas as razões do mundo para uma criança não escolher este clube para chamar de seu (ainda mais morando longe de São Januário), certo? Errado! “É pela tradição, pela minha família e porque eu adoro este time!” – conta o fã de Philippe Coutinho, que sonha em se tornar médico cirurgião e nas horas vagas, como boa parte da sua geração, alterna partidas de FIFA e Fortnite com os amigos.

O ídolo não estava em campo. O time escalado pelo técnico Ramon Lima contava com muitos meninos, alguns com pouca idade a mais que Lucas, como o lateral direito, Paulinho, de apenas dezenove anos, autor do gol inaugural da partida. Após a explosão de alegria, aos quarenta minutos do primeiro tempo, o jovem torcedor alagoano confessa: “O estádio é bem maior e mais bonito ao vivo do que pela televisão!”.
O pai, Marcos, assistia a tudo em plena felicidade. Ao seu lado, o amigo de longa data e incentivador da primeira ida ao estádio, Aurélio, o “Tio Aurélio”, que orgulhoso conta: “eu fiz de tudo para trazê-los ao jogo de hoje! Ver a felicidade do Lucas em assistir o primeiro jogo do Vasco em São Januário, antes de ser reformado, não tem preço!”.
Entre uma selfie e outra, Lucas ainda consegue tempo para uma videochamada com outro tio e de reconhecer, de longe, o francês Dimitri Payet em um camarote do estádio. Em campo, o Nova Iguaçu chegou ao empate com Sidney, aos dezoito do segundo tempo e o placar assim permaneceu até o final.

Apesar da partida tecnicamente fraca, o Vasco saiu de campo aplaudido pelos 9.924 presentes. O primeiro ponto conquistado no Carioca 2025 pode parecer pouco, mas para Marcos e Lucas teve um significado especial e inesquecível.
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Texto publicado originalmente no site “Em Todo Lugar”, da FACHA: