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A CAMISA 9 É UMA ESPÉCIME EM EXTINÇÃO

por Zé Roberto Padilha

Se a gente não acompanhasse de perto o fato de um hábil camisa 10, um dos últimos da penúltima safra, Arrascaeta, se tornar artilheiro do Campeonato Brasileiro, ia parecer estranho.

Porém, todo mundo sabe que o camisa 9 acabou. E se não tem mais centroavante brasileiro, só Cano e Vegetti por aqui, a solução foi avançar uma peça talentosa. E colocar o bonde no banco.

Pois se o Nunes não tem mais, Reinaldo só nos sonhos e Roberto Dinamite seria até covardia se aparecesse um igual, neste momento de extinção, a solução inteligente do Filipe Luis foi avançar quem sabe jogar.

Fechem os olhos e imaginem o Flamengo sem o Arrascaeta. A bola girando de um lado para o outro, e todos eles esperando uma brecha para entrar na área. Mas vão precisar de alguém com talento para descobri-la. Sabe quem?

Neste instante, de muita posse de bola e pouca inspiração, é que Arrascaeta se sobressai. Pois se Rivelino encontrava o Manfrini para tabelar, Pelé, o Tostão. Zico, o Claudio Adão, e Assis, Washington, Arrascaeta encontrou a si mesmo.

Depois de Bebeto e Romário, perdemos gols e Copas do Mundo porque a camisa 9 é uma espécime em extinção.

E não foi por falta de tentativa. O Fluminense contratou Lelê, o Flamengo trouxe Carlinhos. Ambos foram revelações dos estaduais. E, agora. Jorginho. Que não penetram, nem tabelam. Ocupam espaços. Fecham ainda mais o acesso ao gol.

E se a camisa 9 é o novo boto cor-de-rosa, melhor conservar Arrascaeta. Arias, Savarino e Almada em barris de Carvalho. Antes que o futebol acabe.

ELA REZA

por Claudio Lovato Filho

Ela reza. Pelo menino. Seu menino joga bola, seu menino é jogador. Ela não entende de futebol. Nada. Quase nada. Mas ele está lá, metido naquilo, e é disso que ela entende, entende do seu menino. Ela reza para que ele não se machuque. Para que o técnico não o persiga. Reza para que ele não faça inimigos, e, se os fizer, para que eles se tornem pó, poeira no vento, antes que consigam agredir-lhe o corpo e, principalmente, a alma. Reza para que ele não caia na conversa dos falsos amigos, e, se falsos amigos um dia conseguirem se aproximar dele, que sejam como os morcegos, que fogem ao ver a luz, a  luz do seu menino, que é forte, que vem de cima, que vem do lugar mais alto que pode existir. Ela reza, todos os dias, várias vezes por dia, segurando com suas mãos de jovem-velha o terço que carrega no pescoço. Assim ela reza.  E, por vezes, sempre que o menino consegue um grande feito – um gol, ou mais de um, ou tem uma atuação elogiada na TV, na rádio e na internet –, ela sente que o medo, mesmo que por instantes, abandona-lhe a alma e é substituído pela alegria, pelo orgulho e pela gratidão, sobretudo pela gratidão. Ela reza porque seu amor pelo menino é tão grande que só pode ser manifestado assim, em oração. Ela reza como se a insistência de seus pedidos fosse a garantia de que Deus jamais se esquecerá dele, do seu menino. Ela reza porque ama, e seu amor é uma oração, a oração mais forte que já existiu, a oração fadada a ser aquela que nenhuma outra pode superar, a oração das orações. E ela, mais uma vez, segura firme o terço, enquanto o homem da TV diz que seu menino acabou de dominar a bola no meio de campo e que avança de cabeça erguida para cima de seus marcadores numa velocidade “impressionante”, assim diz o homem da TV, “velocidade impressionante”, e então ela sente o coração e o mundo pararem de repente, e ela apenas olha para a tela, pensando, em menos de uma fração de segundos, que tudo o que ela podia fazer está feito.

SUPERSTIÇÕES BOTAFOGUENSES

por Wesley Machado

O título parece redundante, afinal o botafoguense é supersticioso por excelência. Que o digam Carlito Rocha e Eduardo Trindade, entre outros. Alguns dizem que deixaram a superstição de lado após o incrível ano de 2024. Às vezes penso que a ficha ainda não caiu. Será que fomos mesmo campeões da Libertadores e do Brasileiro?

Este ano está bem diferente. Vamos indo aos trancos e barrancos. Em um jogo vesti a camisa do Fogão que comprei na saída no Niltão. Não deu sorte. Perdemos. Andei ouvindo jogos no rádio, que ano retrasado surtiu efeito em um clássico da rivalidade. Nada feito.

Pois que ontem parti para a casa dos meus pais com minhas duas filhas. Lá ao menos vi um gol em um empate recente mesmo tendo um gato preto passado na minha frente. Evitei ir ao banheiro porque em uma dessas saídas tomamos o gol há um tempo atrás.

O jogo se complicou e íamos empatando com o Carabobo. Só o Botafogo para jogar com um time com um nome piada pronta desses. Minha irmã saiu da sala para ver se era isso. Eu tirei o casaco. E não é que saiu nosso gol da vitória?

Meu pai não gostava da camisa branca. Mas foi de branco que conquistamos a América pela primeira vez. Um amigo só aprovava meião cinza. Mas mudamos. O que não muda é o fato de eu ser um botafoguense supersticioso. Redundante?

FLA MADRID

por Luis Filipe Chateaubriand

Lembro como se fosse hoje…

Eu tinha 11 anos de idade e, naquela madrugada de sábado para domingo, acordei perto da meia-noite para assistir ao Flamengo decidir o Mundial de Clubes de 1981.
Pois é: eu, vascaíno, torcendo pelo Flamengo, pois o Flamengo representava o Brasil, o futebol brasileiro.

Em campo, o Flamengo deu um chocolate no Liverpool, como diria o Apolinho Washington Rodrigues.
Sonoros 3 x 0, no primeiro tempo, com atuação de gala de Zico e companhia.
No segundo tempo, os rubro-negros tocaram a bola, esperando o tempo passar, e se sagraram campeões mundiais.

Eis que, 17 anos depois, o Vasco da Gama conquistou a Copa Libertadores da América e foi jogar o Mundial de Clubes.
O adversário, campeão da Champions League, era o todo-poderoso Real Madrid.
Esperava que os flamenguistas fossem torcer por nós.

Mas, como diria o gênio Chico Buarque de Hollanda, “qual o quê”…

Eles criaram a Fla Madrid.
Repetindo: eles criaram a Fla Madrid.
Mais uma vez: eles criaram a Fla Madrid.
O sujeito que criou o experimento, com certeza, fez fortuna.

E lá fomos nós, cercados dessa zica, para a final contra o clube mais importante do mundo.
E perdemos por 2 x 1, apesar de termos jogado melhor.
A prega estava rogada… e funcionou.

Em resumo: quando eles precisaram da minha torcida, o tiveram.
Quando nós precisamos da torcida deles, nos viraram as costas.

E eu, que tinha no Fluminense meu maior rival (sim… porque os tricolores sempre jogavam pior que a gente, mas invariavelmente nos venciam), passei a vê-lo no Flamengo.
Ingratos!

PAULINHO, 1:41 A.M.

por Paulo-Roberto Andel

Terminei um cochilo e fui buscar um sanduíche de queijo na cozinha. Voltei e fui espiar os eventuais recados no celular. A rigor, apenas uma mensagem no Facebook.

“Talvez você conheça Paulo Anchieta Goulart Filho”.

Conheço sim. E muito.

Na foto, ele está feliz com sua esposa.

Paulo me deu uma das maiores alegrias da minha vida. Foi no dia 14 de outubro de 1979. Na época ele era Paulinho, o goleiro do Fluminense, e fez o Maracanã urrar de alegria e dor quando defendeu uma cobrança de pênalti feira por Zico, imagine.

Foi a primeira vez que vi o estádio comemorar uma defesa como se fosse um gol de placa. Igual, nunca mais. Zico nunca mais vai bater pênalti diante de mais de 100 mil pessoas. E Paulinho também nunca mais vai defender o pênalti lá.

Era a magia do Fla x Flu. Eram Adílio e Pintinho, eram Júnior e Edinho. Era Rubens Galaxe num golaço. Era meu pai me puxando pela mão. Era Cristóvão desabando Manguito e acertando o ângulo esquerdo.

Era o sonho.

Na segunda eu era o rei da sexta série. Até a Márcia, que era linda, olhou pra mim. Os veteranos da oitava série vieram nos cumprimentar. Um garoto andando altivo, confiante, depois de ter visto seu time dominar o Fla x Flu. Que tempos! Meses depois, Paulinho, já como Paulo Goulart, seria peça fundamental do histórico Fluminense campeão de 1980.

Os caminhos da vida não permitem que sejamos amigos no Facebook. Não importa. Paulinho é mais do que um irmão.

Ele é a memória de um dos dias mais felizes da minha vida.

Tempos de um Fluminense digno, humilde, vencedor e apaixonante, muito vivo, vivo demais.

@p.r.andel