Escolha uma Página

DOS CAMPOS E QUADRAS PARA AS TELAS: COMO ANNA AZEVEDO RETRATA A MAGIA DO ESPORTE NO CINEMA

por Victoria Lapenda

A cineasta e jornalista Anna Azevedo é reconhecida internacionalmente por filmes que misturam memória, afeto e crítica social. Ela radiografa o universo esportivo, como espelho humano, em produções como o longa “Geral” (2010), exibido no festival Cinefoot deste ano; e a série “Sem Bloqueio”, que acompanha os bastidores da seleção brasileira feminina de vôlei rumo à Olimpíada de Paris 2024. 

Anna conta que o mergulho cinematográfico na geral, expressão da alma popular do nosso futebol, extravasou o desejo de preservar aquele simbólico espaço do Maracanã. “A histórica geral tinha uma movimentação muito teatral. Cada torcedor ali era um personagem. Como tinham decidido extinguir a geral, quis registrar esse anfiteatro, essa misancene esportiva que só existe aqui”, justifica a diretora, numa conversa durante o 15º, maior festival de cinema sobre futebol da América Latina.

Lançado em 2010, o documentário “Geral” é uma das obras de maior prestígio de Anna Azevedo. Expõe momentos derradeiros do folclórico setor no Maraca. O foco da produção, enfatiza a cineasta, era retratar os “geraldinos” – nome eternizado pelo cronista Washington Rodrigues (1936-2024) aos que ali torciam, de forma tão passional, espontânea, aglutinada.

A narrativa documental se inspirou no Canal 100, cinejornal criado em 1957 por Carlos Niemeyer, cujas imagens conjugavam cenas autênticas do campo e da torcida.  Exibido em festivais brasileiros e internacionais, “Geral” conquistou, por exemplo, o Prêmio Especial do Júri no Festival do Rio em 2010 e o prêmio de Melhor Curta no Festival Internacional de Documentários do Irã.

A produção constrói, curiosamente, um jogo que nunca existiu. Embora a montagem insinue um confronto entre Flamengo e Fluminense, o documentário mescla flagrantes dos últimos cinco jogos disputados antes do fim da geral. O espectador tem a impressão de acompanhar um Fla-Flu – no gramado e na galera.

Ao tabelar o cinema com futebol, Anna abraça a vontade – e a vocação – de iluminar a dimensão sociocultural do esporte no país reconhecido pela afinidade com as chuteiras. Uma dimensão que estampa a identidade cultural brasileira.

“O brasileiro se vê representado na paixão pelo futebol, como um povo capaz de vencer, de participar de grandes disputas, de chegar ao nível das grandes nações e ganhar. Um orgulho nacional. E a gente gosta disso, né? O brasileiro gosta de se mostrar bonito para o mundo. A consolidação da identidade nacional passa pelo esporte, como representação do povo”, opina a documentarista.

Desde a infância o mundo esportivo habita o coração e a cabeça de Anna. Antes de virar cineasta, a graduação em Jornalismo, na PUC-Rio, impulsionava o sonho de participar da cobertura esportiva. Sonho reforçado de novas cores com a ênfase em Cinema do mestrado em Comunicação, também pela PUC; e com a pós em Literatura Brasileira, na UFF. 

“Cursei Jornalismo porque queria trabalhar com esporte. Quando parti para o cinema, fiz filmes sobre esporte. ‘Berlin Ball’ ganhou o prêmio Berlin Today Awards. Depois, eu fiz ‘Geral’ e ‘Três do Tri’. Voltei a trabalhar com esporte, recentemente, com a série do Sportv chamada ‘Sem Bloqueio’, sobre a seleção brasileira de vôlei feminino”, recorda.

As gratificações que a comunicação esportiva lhe rende não dissimulam as dificuldades enfrentadas ao desbravar uma área historicamente dominada por padrões masculinos e machistas. Ela afirma que, “apesar de o jornalismo esportivo ainda ser fortemente marcado por desigualdades de gênero”, o avanço feminino é “inevitável”, e deve ser naturalizado:

“Quem não acha isso é normal vai ter que começar a achar, porque têm muitas mulheres fazendo cinema, fazendo jornalismo e trabalhando com esporte. Nos postos-chaves são outros quinhentos, né? Mas essa realidade está mudando. E é um caminho sem volta”.

Anna também destaca a importância da presença feminina nos estádios e demais ambientes esportivos, onde ainda incidem diversos tipos de preconceito:

“O esporte é um meio machista. Mesmo dentro do esporte feminino, observamos machismo de quem comanda e do torcedor. Só com muita educação, muita campanha (de conscientização) e muita punição, a gente vai conseguir mudar esse jogo e levar cada vez mais mulheres aos estádios”.

O alerta carrega a autoridade de quem acompanha o universo esportivo há 20 anos, como se vê em “Sem Bloqueio”. Dirigida por Anna Azevedo, a coprodução do Sportv com o Canal Azul revela treinos, viagens e jogos da seleção feminina brasileira de vôlei. Uma “experiência muito desafiadora”, orgulha-se. Em vários momentos, relata, foi necessário filmar com o celular: “a prioridade era registrar os bastidores, da forma que fosse possível”. Ela ressalta:

“Foi um aprendizado. Aprender a filmar aqueles corpos, sabe? Como filmar aquela equipe com todas as especificidades de uma equipe feminina. Tem uma delicadeza ali, né? A gente usou muita criatividade e muita cara de pau. Contamos também com a amizade da seleção e do técnico (José Roberto Guimarães), que abriu as portas para a gente. Foi uma mesmo uma escola”.

Filipe LUIS X PEDRO

por Cassyus André

Decidir sobre a elegibilidade de um atleta para o próximo jogo, especialmente após uma lesão grave como a do ligamento cruzado anterior (LCA), exige mais do que analisar uma semana ruim de treinos — principalmente quando esse atleta participou de cerca de 30% dos minutos jogados pelo clube desde seu retorno.

Basear essa decisão em uma semana ruim de treinos ou em impressões superficiais é ignorar o contexto, depreciar um ativo do clube e desrespeitar o processo. É contrariar o que a ciência do esporte e a experiência prática já comprovaram sobre reabilitação e reintegração funcional.

As métricas de GPS são úteis, mas não captam fatores essenciais como prontidão neurocognitiva, confiança, tomada de decisão sob pressão e resiliência emocional. Reduzir esse processo complexo a números e gráficos rasos expõe uma cultura de treino amadora, desprovida de critério, que revela um erro sistêmico.

Esse erro compromete não só a comissão técnica, mas todo o departamento de futebol do Flamengo.

Num clube que busca excelência, decisões desconectadas da realidade do atleta e pautadas por impressões superficiais não são falhas isoladas. São sintomas de um sistema mal conduzido e despreparado para o nível que o Flamengo exige.

Por isso, me dirijo a você, Filipe Luís, que está iniciando sua carreira como técnico: não cometa o erro de esquecer seus 20 anos dentro de campo como jogador profissional.

Sua vivência como atleta deve guiar suas decisões, honrando o vestiário, o processo de reabilitação e o respeito ao jogador.

O vestiário é sagrado. O treino é espaço de construção, escuta, correção e confiança. Transformá-lo em espetáculo público é um erro grave. Liderança não se constrói com manchetes e exposições, mas no silêncio dos bastidores.

Quem rompe esse pacto de lealdade enfraquece a função que escolheu exercer. No futebol de verdade, liderança se prova no silêncio, não no barulho das entrevistas.

Entre expor um jogador e se expor, você, Filipe Luís, preferiu expor o jogador. Mas quem aponta o dedo em vez de assumir a pressão, as críticas e o peso da liderança ainda não entendeu na plenitude a complexidade, a renúncia e a responsabilidade que envolvem liderar no alto rendimento.

Desejo sinceramente que você se torne um dos maiores técnicos do mundo. Mas com apenas seis meses de carreira, ninguém, nem mesmo eu que torço muito por você, tem hoje elementos concretos para garantir que você chegará lá.

Não esqueci os dois meses de 2024 em que, para mim, você não era apenas um técnico começando, mas um deles, um sonhador que compartilhou seus sonhos com alguns jogadores. Naquele momento, a mobilização precisava ser de irmão para irmão, de amigos para amigo. Você não era só um treinador em início de carreira. Era um amigo que precisava deles para começar vitorioso, e eles fizeram por você o que só amigos fazem.

Além disso, o jogo em si é parte do tratamento. A exposição controlada ao ambiente real favorece a readaptação funcional, psicológica e biomecânica. Negar esse processo trava a evolução, gera insegurança e atrasa a confiança pós-lesão.

Sinceramente, não sei se você tem essa consciência, mas sua robusta e competente comissão técnica, composta por psicólogos, médicos, preparadores físicos, fisioterapeutas, fisiologistas e nutricionistas, tem certeza de que o GPS não mede tempo de reação, qualidade da tomada de decisão, nível de atenção sob pressão, coordenação motora fina em situações imprevisíveis, respostas neurocognitivas ao jogo real, conexão entre percepção e ação em contextos caóticos e prontidão emocional.

Reduzir essa complexidade a métricas externas é negligenciar o que realmente constrói um retorno competitivo.

Filipe Luís, quando tiver dúvida sobre para onde direcionar seu olhar, que seja sempre para aquele menino que joga com sonhos — nunca para o “profissional perfeito” que não existe.

Pergunte ao Baggio, que perdeu o pênalti na final da Copa de 94, ou ao Romário, que converteu o dele. Pergunte a eles quem bateu aquele pênalti: o jogador consagrado e milionário ou o menino cheio de medos e sonhos?

Sua carreira como jogador e seus comportamentos apontam um grande potencial. Torço para que você construa uma trajetória brilhante, guiado pela coragem, firmeza, profissionalismo, humanidade e sensibilidade.

O DIA EM QUE O BRASIL FOI DESCOBERTO

por Zé Roberto Padilha

Esqueçam o dia 22 de abril de 1500. Este foi o dia em quem os portugueses chegaram para nos colonizar. E daqui levar quase todas as nossas riquezas.

O ano em que o Brasil foi descoberto, de verdade, foi 1958, em uma Copa do Mundo, disputada na Suécia. Foi apresentado, pela primeira vez, ao mundo, e o fez com um bola nos pés. Na final, 5×2 contra os donos da casa, não restou ao Rei Gustavo outra opção senão quebrar o protocolo.

E descer da Tribuna de Honra para conhecer de perto quem eram aqueles “moreninhos” que, em meio a uma absoluta totalidade branca, reinventaram o futebol.

Didi bateu uma falta de folha seca. A bola subia e, de repente, perdia a força e descia até encontrar as redes. Garrincha, de pernas tortas, entortava os laterais. E Pelé, o mais completo jogador de futebol, em todos os tempos, se apresentou à sua majestade.

E o futebol, a partir dali, jamais foi o mesmo. Ao descobrirem que era na pele escurecida que a velocidade jamaicana, a resistência queniana, e o improviso com a bola dos descendentes dos que procuravam a fuga da opressão, o gingado da capoeira para não esquecer suas origens, os colonizadores trataram de recorrer às suas colônias para equilibrar o jogo.

Caso contrário, seria covardia.

Em Moçambique, Portugal foi buscar o Eusébio. A França, Zidane na Argélia. E Lukaku foi encontrado pela Bélgica. Hoje, o mundo agradece a nossa miscigenação, tanto que o ataque do Real Madrid tratou de se cercar dos “moreninhos”.

11 ANOS DOS 7 A 1

por Elso Venâncio

Há exatos 11 anos, numa terça-feira, o entorno do Estádio Magalhães Pinto, em Belo Horizonte, era uma festa. Camisas amarelas se destacavam na multidão,  e os gritos de “Vamos ganhar! Vamos ganhar!” ecoavam à distância. A cachaça estava sendo servida de graça, mantendo a tradição dos grandes eventos em Minas Gerais. O tradicional feijão tropeiro fazia sucesso. Dadá Maravilha foi cercado e saudado, usando óculos de plástico gigantes que lembravam Zé Bonitinho, antigo e célebre personagem da TV. Campeões do mundo entravam no Mineirão, como o sisudo Dunga, capitão do tetra, ao lado do alegre Cafu, capitão do penta. A cervejaria patrocinadora da Seleção Brasileira promovia diversas rodas de samba.

Brasil e Alemanha chegaram invictos à semifinal da Copa do Mundo de 2014. Presente no estádio, achei excessivas as homenagens a Neymar, que havia se contundido no jogo anterior, contra a Colômbia. Enquanto muitos torcedores usavam máscaras com o rosto do então jogador do Barcelona, o capitão Filipe Luis cantou o Hino Nacional Brasileiro erguendo a camisa 10, que em seguida foi disputada pelos companheiros para fotos. Os jogadores inclusive usavam bonés personalizados com a frase “Força, Neymar”. O técnico Felipão, por sua vez, surpreendeu ao escolher Bernard como substituto.

Ao ter acesso à escalação, o ex-treinador Vanderlei Luxemburgo reagiu durante a transmissão da Fox Sports: “Perdemos o jogo. O meio-campo está aberto”, disse ele, ao lado do narrador João Guilherme. Só que nem o “profexô” poderia prever o que viria pela frente. Talvez Luxemburgo tenha se lembrado da dramática partida contra o Chile, no mesmo Mineirão, pelas oitavas de final. O teimoso empate por 1 a 1 persistiu na prorrogação, apesar de um susto nos acréscimos, quando a bola explodiu no travessão brasileiro após chute forte de Pinilla. A classificação só veio nos pênaltis, com Júlio César brilhando ao defender duas cobranças, evitando uma precoce eliminação.

No confronto contra a Alemanha, a bola rolou às 17h pelo horário de Brasília. Além de Neymar, o Brasil também não contava com Thiago Silva, que cumpria suspensão. Muller abriu o placar aos 11 minutos. Klose ampliou aos 23. Toni Kroos, que seria eleito o melhor em campo, balançou a rede aos 24 e aos 26. Coube a Khedira fazer 5 a 0, aos 29, fechando uma sequência de quatro gols num intervalo de apenas seis minutos. Incrédulos, os torcedores brasileiros se entreolhavam, num silêncio sepulcral. Camisas do Brasil foram arremessadas para o alto. Crianças choravam abraçadas aos pais. Houve brigas em camarotes, e muita gente deixou o Mineirão no intervalo.

No segundo tempo, a Alemanha ainda aumentaria a goleada para 7 a 0, com gols de Schürrle, aos 69 e 79 minutos. Oscar só foi descontar aos 90. No resultado, 7a 1: uma verdadeira humilhação!

Não demorou para o jogo ser apelidado de “Mineirazo”, em alusão ao “Maracanazo” de 1950. Na ocasião, o Brasil tinha a vantagem do empate, mas foi vice-campeão ao perder por 2 a 1 para o Uruguai, de virada, no Maracanã. Dois Mundiais em casa e dois vexames que entraram para a história do futebol!

A LEI DO VINI LIVRE

por Zé Roberto Padilha

Teve um treinador, pode ter sido na base do Flamengo, que cerceou, no nascedouro, as infinitas qualidades de um grande jogador. E nem um outro mais, nem Carlos Ancelotti, foi capaz de libertá-lo mais das amarras da posição.

Ao lhe dar a camisa 11, e não a 10, quem sabe em uma Copinha, que entregou para Lucas Paquetá, foi oferecido a Vinicius Jr. apenas um quarto do campo. Mais à frente, lado esquerdo, para que ali permanecesse. E limitasse grande parte do seu futebol.

A todo melhor do mundo, como Zidane, Zico, Ronaldinho Gaúcho, Kaká, Modric, Messi e Ronaldo, foi concedida a livre circulação. Espaços de sobra à altura de uma arte que sobra. Não a censura, a opressão.

É triste ver seu baixo desempenho no Mundial de Clubes, porque só atuando naquela faixa restrita do campo, basta ao treinador adversário colocar um para marcá-lo. E outro na sobra. Como opção, lhe sobra um drible para dentro, outra pedalada para o fundo. Mesmo assim, talentoso toda vida, ainda consegue muita coisa.

Aí a Globo enche a bola do Beligham. Que classe!

Mas este tem liberdade pra circular, se desmarcar, enquanto o Vinicius Jr. está acorrentado um pouco à frente. E só do lado esquerdo.

Por favor, e o Real Madrid tem um novo treinador, quem sabe, soltem esse menino. Imaginem o que nos aguarda em dribles, deslocamentos, espaços redobrados para penetrações quando o libertarem.

Que seja promulgada a Lei do Vini Livre. O fim da escravidão do seu futebol. Aí sim, ele seria o melhor do mundo. Não o 1/4 melhor do mundo.