por Rubens Lemos

O rebaixamento do ABC expõe algo de comportamental. Jamais um resultado foi tão cínico quanto o deste ano, posto que a diretoria apoiada pela torcida terminou responsável pelo maior vexame do clube em quase todos os 110 anos de fundação. O ABC passou vergonha, não ganhou uma só partida em casa e cai por absoluto ridículo.
Em 1981, aos 11 anos, vi o ABC fora da Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro por conta de uma derrota cabulosa para o Baraúnas de Mossoró por 2×1 quando quase a cidade cai em lágrimas por não saber o destino do time.
Resultado: naquela época os cardeais alvinegros, que pareciam senadores romanos reuniram-se para tirar a diretoria do clube e impor alguma ordem ao que parecia uma desarmonia total. Uma liminar na Justiça manteve os mandatários de então e evitaram o afastamento da diretoria que nada tinha de desonesta, mas de absolutamente amadora diante dos americanos malandros.
Em 1982, essa diretoria continuou e o ABC manteve-se coerente ao não participar sequer da Série C ou Taça de Bronze, vendo de camarote o América sagrar-se tetracampeão invicto com um timaço diante de uma massa lacrimejante. O ABC patinava enquanto o principal adversário explodia em categoria e gols.
O ABC renasceu com o presidente Rui Barbosa em 1983 e, jogado às traças, recuperou-se com o seu melhor time da história moderna conquistando campeonato estadual e readquirindo o sentimento de alma absolutamente resgatada. Ao abecedista, não basta ser torcedor, é preciso ter vibração e fé.
O ABC vingou-se e plantou goleadas no América de 3×0, 4×1 e 4×2 mais de uma vez com três homens absolutamente espetaculares: Dedé de Dora, Marinho Apolônio e Silva, que triangulavam jogadas ancestrais de lançamentos, toques e dribles curtos que sacudiam a estrutura concreta do Estádio Castelão(Machadão).
O ABC, que teve brios para superar os insucessos ridículos, voltou a ser time de verdade com Lulinha; Alexandre Cearense, Joel, Alexandre Mineiro e Dudé; Nicácio, Dedé de Dora e Marinho Apolônio; Curió, Silva e Djalma ou Reinaldo Xavier.
Quem esteve naquele estádio em 1983 vai morrer ou já morreu sabendo que a tocha em preto e branco nunca iria ser apagada por derrotas ou crises ocasionais. Aquele time era uma cachaça para abrandar as crises da vida. O ABC era o time dos pobres, daqueles que filavam uma cana no umbral das gerais.
A lição do time de 1983 para os de antes e para os sucessores foi a de que o ABC é grande e vigoroso. Não adianta usar o seu uniforme, principalmente se for o branco estilo Santos de Pelé, para receber humilhações dentro de casa.
Dos primórdios do Estádio Juvenal Lamartine, de Jorginho, ate o Castelão de Alberi, o ABC enfrentou situações dramáticas e soube ser passional transformando-as em vitórias épicas. Quem já esteve naquele colosso de Lagoa Nova saberá que da grama arrancada restam as poesias feitas por Alberi de 1972 até o ano em que ele usou a camisa pela última vez, 1985 em amistoso sem uma alma viva no templo que lhe consagrou Rei.
O ABC está rebaixado para a Série D sem que lhe fosse imposta uma só desmoralização. O ABC se pintou de ridículo, se travestiu de clube bisonho ao não vencer nenhuma de suas partidas em casa. O ABC está pintado pelas tinturas da vergonha desde que a atual diretoria assumiu, algo que a torcida não pode reclamar porque nela votou em peso, sem prever as consequências.
O ano acaba para o ABC na expectativa de outro cada vez mais pobre, porque está claro que a continuar a forma de administrar de hoje, será difícil recuperar a hegemonia estadual, disputar a Copa do Nordeste e encarar a Copa do Brasil, derrotas anunciadas este ano e que não serviram de alerta para o caos total. O ABC está quase um cadáver. Cabe aos seus homens de boa vontade evitar a morte e o sepultamento.
Texto publicado originalmente no jornal Tribuna do Norte
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