por Rubens Lemos

Está marcada para o dia 5 de julho a cirurgia que farei para extirpar um câncer de próstata. Quem me conhece, minimamente, sabe o quanto estou nervoso e tenso apesar da qualidade do responsável pelo procedimento, o médico urologista Verdi Dantas Júnior.
A data coincide com o 43o aniversário da derrota da magnífica seleção brasileira de futebol para a Itália por 3×2, uma tragédia segundo milhares (eu me incluo) de contemporâneos que testemunharam a frustração e, de forma fidedigna, conservam o sentimento de fracasso ou de quase-vitória passe o tempo que for.
Desde aquela tarde de um dia de semana inglesa, proferi palavrões em português claro e assumi o meu medo de fantasmas. Paolo Rossi, o autor dos três gols italianos, elegi um Nosferatu impeditivo de um carnaval em meio de ano num país em Ditadura em capítulo derradeiro.
Tenho medo de sofrer outra vez a agonia daquele 5 de julho. Era apenas um menino cheio de sonhos a desafiar quem achava o timaço de 1970 impossível de ser superado. Era uma criança intrometida em conversas de adultos e convicta como são as crianças de que sairíamos da Espanha com a Taça de excesso de bagagem.
Se bem que um grupo de 11 jogadores com Serginho Chulapa de centroavante desce, em alguns degraus de fantasia, a história de pensamentos deliciosos que o Brasil conseguiu repetir a cada um dos quatro primeiros jogos. Serginho Chulapa foi a antítese da virtude, o contrário do orgasmo, o centauro derrotado.
A perda de um simples jogo, como disseram alguns que nunca gastaram os fundilhos da calça ou chuparam laranja pura em arquibancada imunda, não seriam suficientes para tornar cada um amante do futebol, expulso do impulso de ser pátria, a pátria de ninguém do livro do gênio François Silvestre, meu amigo França exilado em Martins, a 300 km de Natal.
Costumo buscar nos cemitérios, por onde ando sem medo, contradição do meu trauma de almas penadas, a paz que encontro no silêncio ausente das ruas de uma cidade transfigurada. De uma Natal cada vez maior e espremida no seu próprio aspecto de miniatura deliciosa quando era uma aldeia.
Caminhar por túmulos é conhecer a igualdade entre os humanos defuntos, falecidos e finados, nenhum maior que o outro, mesmo que mausoléus se atrevam a contrariar a regra estabelecida sabe-se lá por quem ou pelo Deus que, católico, acredito que decida na prorrogação final.
Aquela derrota de 5 de julho foi fatal para uma geração inteira de pretensos adolescentes humilhados pela interrupção do querer ser tetracampeão e acima de tudo, ser tetracampeão jogando melhor do que os vencedores de 1958, 1962 e 1970.
Não havia Pelé, mas existiam Zico, Sócrates, Falcão, Leandro, Júnior, Eder, Paulo Isidoro, Oscar e Luisinho, o meia que atuava como quarto-zagueiro.
Tínhamos uma equipe a bailar em qualquer cenário com um coreógrafo teimoso a comandá-la. Telê Santana pagou por não escalar, pelo menos uma vez, Edinho, Batista e Roberto Dinamite, o artilheiro de sorriso triste, humilhado ao não ser relacionado sequer para o banco em nenhuma das quatro pelejas.
Brasil 2×3 Itália foi a maior desgraça futebolística nacional, semelhante apenas ao Maracanazo de 1950, quando os uruguaios vieram aqui, carregando chuteiras no ombro e nos venceram, sepultando, em metáfora doída , um estádio com 200 mil pessoas.
Quem sofre como eu os 3×2 perdidos esquece que a Itália era um timaço, com o quarentão Dino Zoff no gol, o líbero Scírea comandando o time na saída da defesa para o meio onde estavam dois solistas, Tardelli e Antognioni. E, no ataque, Paolo Rossi, Bruno Conti e Graziani. Eles eram bons, mas foram os intrusos de uma comoção coletiva que se encaminhava para a decisão do Mundial da Espanha.
Se aproxima o momento de minha cirurgia. Já recebi sugestões de não falar sobre o maior trauma de minha vida na coluna. Minha diferença é não ser cópia. Minha vontade é ser verdadeiro o tempo todo. Assim, dia 5 de julho, Doutor Verdi me fará vingar 1982, arrancando o Paolo Rossi que carrego da cintura para baixo e me deixando ser o Quixote de cada dia.
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