por Rubens Lemos

E as palavras? Eu que vivo delas, não as encontro para expressar minha tristeza pelas três paradas cardiorrespiratórias do ídolo Geovani, o maior jogador que vi atuar no meu Vasco da Gama. Entenda-se como meu Vasco da Gama, o clube vencedor da segunda metade dos anos 1980 até o ano 2000. Geovani agora está cumprindo tratamento em casa.
Era uma vez um menino de 12 anos apaixonado por futebol e pelo ABC e o Vasco. Era uma vez um jogador refinado, de toques precisos e gols antológicos, ídolo do menino. Geovani Silva, esteta da bola, foi minha principal razão para amar a arte como norma nos gramados.
O menino de 12 anos tomou-se de fascinação pelo craque de 18 anos jogando como gente grande e abastecendo a entidade chamada Roberto Dinamite com lançamentos precisos, longos ou curtos.
Nascia o meia-armador puro de origem, dono do gramado, senhor das viradas de jogo ou dos dribles secos, homem capaz de desmoralizar qualquer marcador.
Com Geovani, o Vasco não seria mais o sparring do Flamengo de Zico que, não demorou, apontou Geovani como seu sucessor em duas reportagens na Revista Placar dos anos 1980. O menino de 12 anos vibrava sozinho quando no meio dos colegas de rua ou de escola.
Tantas vezes, a zombaria estraçalhada pelo repertório incessante de Geovani na partida de domingo, cuja reprise assistia na minha casa pela TV Educativa, narrada por Januário de Oliveira, ele mesmo um fã confesso do baixinho atarracado e hábil, capaz de enxergar espaços que os normais jamais achariam, capaz de rechear os confrontos com o sabor glacê de sua arte.
O menino de 12 anos, fez 13, 14, 15, 16,17 e 18 anos sempre defendendo Geovani nas discussões sobre sua inexistente lentidão. Fazia a bola correr, a exemplo do Mestre Didi, campeão e melhor jogador da Copa de 1958, que colocou Geovani junto com Andrade do Flamengo e Acácio, goleiro do Vasco como aptos a jogar em sua época.
Didi assistiu a um Vasco 2×1 Flamengo, de virada, em que Geovani enfiou caneta em Renato Gaúcho e, marcado com rigor por Zinho, assinou o lançamento requintado de 30 metros para Bismarck receber e bater sem chances para o goleiro Zé Carlos.
Também foi dele – Geovani -, o passe para Romário, no átimo, tomar a bola de Leandro, gênio e zagueiro do Flamengo, para encobrir Zé Carlos e consolidar o placar de 2×1.
Em 1987 e 1988, Geovani viveu sua melhor fase, embora tenha mostrado muito futebol nos anos de 1991, 1992 e 1993, quando voltou do Bologna da Itália, para onde foi, em 1989, vendido por 9 milhões de dólares, a maior transação da época.
Geovani não teve sorte com os maus avaliadores do seu futebol. O técnico Antônio Lopes, queria vê-lo dando caneladas nos adversários e correndo para marcar. Lopes queria ceifar a capacidade técnica do Pequeno Príncipe, marca registrada de quem nunca abriu mão da classe como figurino.
Sebastião Lazaroni, técnico de Geovani no Vasco durante o bicampeonato 1987/88, enchia-lhe de elogios e o escalou na sua seleção brasileira na qual Geovani, junto ao volante, abusava em passes com a marca da criatividade. Lazaroni deu força a Geovani e o cortou da Copa do Mundo de 1990, um ato falho imperdoável.
O menino de 12 já tinha 26 quando conheceu Geovani em Natal, quando ele veio, em 1996, disputar a Série B, contratado pelo saudoso presidente Leonardo Arruda. Geovani ficou hospedado no demolido Hotel dos Reis Magos na Praia do Meio e ali começava uma das maiores amizades do jovem menino com o craque.
Geovani Silva, sempre com uma palavra de resiliência, ensinou muitas coisas ao jovem de 26 anos, uma delas, a calma para enfrentar crises pessoais.
Geovani Silva veio para o lançamento do livro Memórias Póstumas do Estádio Assassinado em 2017 sendo hóspede do já adulto consolidado de quase 50 anos.
E não parou mais. Sempre por telefonemas ou mensagens, Geovani e o homem de quase 50 anos se falavam e trocavam impressões sobre o mau Vasco dos tempos atuais. Geovani com problemas graves de saúde, sem desanimar.
Felizes sejam os nascidos para alegrar os mais humildes. Geovani, um deles. O menino, adulto e adolescente, que sou eu, encerra o texto em lágrimas.
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