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CARTA ABERTA A MARIO BITTENCOURT

12 / setembro / 2025

por Zé Roberto Padilha

Caro Presidente,

Sei que o senhor não foi formado nas divisões de base do clube, muito menos teve como mestres Zezé Moreira, Píndaro, Pinheiro e Telê Santana. Por isso, é realmente difícil explicar o que significa ver nascer e crescer, dentro de si, o amor pelo Fluminense.

Eu, e minha geração, com Abel, Nielsen, Rubens Galaxe, Cleber, Pintinho e Edinho, chegamos ao clube aos 16 anos e o deixamos aos 24. Percorremos cada vestiário, o bar do Fidelis, o cantinho do Ximbica e o Salão Nobre, com seus vitrais franceses.

Mais do que títulos, nos formamos em dignidade, respeito ao clube, aos adversários e à profissão. Jamais fomos expulsos de campo, porque fidalguia e gentileza eram lições que não se reprovavam. Além de jogadores, o Fluminense formava homens. Cidadãos de bem.

Esse legado, de Preguinho, Valdo e Denilson, é tão nobre que ainda não existe palavra que explique a você, presidente, o que é, de fato, ser Fluminense.

Por ter essa essência estampada na alma – e não em apostas, balanços ou distribuição de lucros, como na Petrobras – é que se torna impossível imaginar o Fluminense como clube-empresa. Nosso lucro sempre foi buscado dentro de campo, durante os 90 minutos. Não na venda de Luiz Henrique ou Almada, porque investidores como Textor correm atrás apenas de dividendos e acabam por desmontar um time quase imbatível, que tinha entrosamento. E entrosamento se constrói com tempo e com bola rolando, não na Bovespa.

Definitivamente, pergunte ao Pedrinho: SAF combina com RB Bragantino, onde o produto vem antes do clube. São instituições que trocam mercadorias, não jogadores, e formam atletas frios e calculistas que beijam logos, mas não o escudo.

Caro Presidente, esqueça a SAF. Dê uma volta na sala de troféus e veja o quanto minha geração conquistou por amor ao clube e respeito à camisa. Ali deixamos suor e levamos de volta gratidão e saudade.

Ser Fluminense transcende a lógica do lucro de qualquer empresa. Vai além, porque carrega paixão e tradição pelas ruas, cidades e arquibancadas de todo o país. Tente, hoje, ser diferente: em vez de se reunir com investidores em seu gabinete, vista nossa camisa e dê uma volta correndo em torno do campo.

Jamais sentirá a mesma emoção que vivi quando Rivelino, no fim da prorrogação, soltou uma bomba, venceu o América e conquistamos a cobiçada Taça Guanabara, há 50 anos, com a Máquina Tricolor. Mas perceberá um vazio, um silêncio danado à sua volta. Porque de uma SAF só saem dividendos; da torcida, envolta pelo pó de arroz, só sai amor.

Sabe por que o Flamengo jamais será uma SAF? Porque, para mudar a forma de governo de uma nação, é preciso realizar um referendo popular, como o Brasil fez nos anos 90, escolhendo entre presidencialismo, parlamentarismo ou monarquia.

Mesmo sendo um principado, nobres que somos, deveríamos fazer o mesmo: convocar nossa torcida, ir às urnas e escolher nosso destino. Democratizar esse processo.

É uma pena que o senhor, que não recebeu essa energia dentro de campo, insista em acreditar que ações podem substituir essa paixão inexplicável. Talvez ainda não tenha compreendido o que Francisco Horta entendeu muito mais do que o senhor: no Fluminense, sempre foi vencer ou vencer. Nunca render ou render.

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