por Zé Roberto Padilha

De um lado, um brasileiro comum, como uma ilha de carteiras instáveis, cercada de boletos bancários por todos os lados. De outro, sua camisa de estimação. Aquela que das tantas que suou, das muitas em que procurou a linha de fundo e retornou para fechar o meio-campo, foi a que te levou mais longe.
Cannes, 1971, Campeão Mundial. Seleção Brasileira Sub-20.
Cinquenta e quatro anos depois, está mais nova do que na tarde em que decidimos o título com a França, e ganhamos de 2×0. Era o primeiro título das divisões de base que o Brasil conquistou.
Mais de meio século depois, se mal sei como me guardei, imaginem quantas mulheres preciso agradecer: irmãs, mãe, a Betinha e a Rossana, por cuidarem tão bem dela pra mim.
Mas, hoje, nossa longeva relação foi abalada. Cortejada por colecionadores, recebeu pelo WhatsApp uma proposta indecorosa. Tipo aquela que Robert Redford fez para a Demi Moore. A tal da proposta indecente.
Olhei para hoje, e, empilhados, os boletos me acenavam. O Serasa apenas torcia contra. O IPTU com parcela na porta, IPVA aguardando sua vez, e a segunda do Imposto de Renda estava pendurada na geladeira. E tinha os remédios, a assinatura de O Globo, meus vinhos…
Levei-a para o quarto e a pendurei no cabide. E viajamos. Tinha 19 anos quando a vesti, jogava no Fluminense e atingira a idade limite. Aquela em que você ou assina seu primeiro contrato profissional, ou volta com as chuteiras nas mãos e o rabo entre as pernas, sem graça, sem chão, de volta à sua cidade de origem.
Graças à conquista, eu, Marco Aurélio, Marinho, Rubens Galaxe, Nielsen Elias, Abel Braga — base tricolor com que foi formada a seleção — fomos recebidos com honras de promessas. E ficamos nas Laranjeiras por sete inesquecíveis anos.
Voltamos pra sala. Era uma história contra uma realidade. Sonhos de menino, deveres de adulto. Para alguns, tinha etiqueta, uma camisa bonita como outra qualquer. Para mim, seria como se deixasse escapar a parte mais bonita da nossa história.
E o dia, a tarde, foi assim: tensos, de negociações, aumento de proposta de cá, baixando a oferta de lá. E aí… agradeci ao Robert Redford e coloquei a Demi Moore pra dormir. Foi como se me oferecessem 1 milhão de dólares. Mas resisti.
Quanto aos boletos… vou passar meu pix para vocês. Nem pagaram ingressos para a final.istória.
0 comentários