por Cláudio Lovato Filho

O velho treinador perdeu o sono.
Isso não acontecia com ele havia muito tempo. Tanto tempo que o fato de ter perdido o sono chega a lhe parecer engraçado. E, de fato, ele ri, no escuro, em seu quarto de hotel, no meio da madrugada.
Não, não é nada de mais o que ele e o time vão enfrentar dali a algumas horas: um jogo de meio de campeonato, contra uma equipe que vai passar o ano inteiro lutando para não cair.
Mas o treinador quer muito vencer a partida. E não se preocupa em buscar explicações mais profundas sobre essa vontade tão acentuada.
O velho treinador não se levanta; apenas coloca as duas mãos atrás da cabeça, inspira e expira profundamente, os olhos abertos, e sorri. Ele acha engraçado sentir o coração acelerado, a adrenalina subindo desse jeito, nessas circunstâncias.
Ele tem 71 anos. Já ganhou campeonatos nacionais com três times diferentes, já foi a uma Copa com a seleção, já perdeu as contas de quantos estaduais faturou.
O velho treinador vira para o lado na cama. Pensa na esposa, no jeito que ela costuma, em certos momentos, balançar a cabeça e dizer:
“Você não tem jeito”.
Ele está feliz. Sente que vive a vida que tinha que viver, que está onde deveria estar.
E não quer que isso termine.
Repassa mentalmente a escalação do time. Visualiza o posicionamento dos jogadores, quando estiverem atacando e quando estiverem defendendo. Até imagina aquela jogada ensaiada de repente dando certo.
O velho treinador por fim volta a dormir. Acordará feliz, ainda que os velhos vícios da reclamação e da rabugice levem os outros a achar que não.
O velho treinador é o encontro de alguém consigo mesmo, como precisa ser (e como tantos já desistiram de acreditar que é possível).
E nesta madrugada, em um quarto de hotel, em meio a um silêncio que parece engolir o mundo inteiro, acontece uma extraordinária reafirmação disso.
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