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SÓ FAZ GOL QUEM CHUTA

por Wesley Machado

Foto: Lucas Merçon / Fluminense F.

A história do centroavante do Fluminense, Everaldo, é uma lição de volta por cima que o futebol nos proporciona. De meme na Copa do Mundo de Clubes há pouco mais de um mês com o bordão “Chuta, Everaldo”, o jogador foi o autor dos dois gols da vitória do Tricolor fora de casa contra o Internacional pela Copa do Brasil, depois de cinco derrotas seguidas, uma na semifinal do Mundial e quatro na volta do Brasileirão.

Everaldo veste a camisa 9 de tantos goleadores do Flu, como Flávio, Mickey, Dionísio, Doval, Cláudio Adão, Washington, Super Ézio, Coração Valente, Fred e John Kennedy. Camisa que pesa com a obrigação de fazer gols. Este foi apenas o quinto gol em 35 jogos de Everaldo pelo clube. O jogador chegou em março.

No intervalo da partida desta quarta-feira, o centroavante comentou sobre o fim do jejum de 12 jogos sem marcar e disse que leva na esportiva as brincadeiras do torcedor: “estava em uma fase ruim”, afirmou Everaldo. Esta frase me lembrou de uma música de Ely Miranda, que cantava assim: “Não vai ser esta fase ruim que vai conseguir me derrubar”.

E assim o fez Everaldo, chutou a bola como pedras pelo caminho. Balançou as redes pelo lado de dentro. Foi feliz. O paradoxo é que este dia será eternizado como a glória efêmera do jogador. Everaldo já tem o que contar para os netos. Daqui a 30 anos, esta noite fria no estádio Beira-Rio será lembrada com fervor. Só faz gol quem chuta.

UMA GLÓRIA ENTRE BALAS E GOLS PERDIDOS

por Zé Roberto Padilha

Todas as vezes, e não são poucas, que eu lembro do América FC, um dos clubes mais queridos do país, me dá um nó na garganta. Clube do meu pai, dos meu tios Miguel e Diogenes, e não poderia ser outro porque minha vó se chamava América Fernandes Padilha, era o segundo time de todo mundo. Todos amavam o América.

O tom rubro das suas camisas ao entrar em campo, contrastando com o verde do gramado, causava um impacto visual que seria potencializado pela arte e magia do Eduzinho. Esse pode falar ao contrário de todos nós, coadjuvantes:

– Zico jogou comigo!

Hoje, fico pensando nos esquadrões rubros, craques com Alex, Badeco, Flecha, Braulio, Tadeu e Gilson Nunes que encantaram gerações. Em meio ao ostracismo em que o futebol é emérito produtor, pois um time vem substituindo o outro nas lembranças do torcedor, como devem estar apresentando aos netos suas camisas, faixas e troféus?

América?

De uns tempos para cá essa perigosa trilha rumo ao esquecimento tem rondado São Januário. Já são décadas sem um título brasileiro, do estadual e da Copa do Brasil. E o que faz a nova geração que cresceu com o Almirante colado na porta da geladeira?

Pedem desculpas à saga da família cruzmaltina e revelam:

– Todos os meus amigos já participaram de uma carreata. Ganharam Libertadores e disputaram o Mundial de Clubes. A partir de hoje, não sou mais vascaíno!

E sai a procura de uma outra camisa que vai lhe fazer feliz.

Algo precisa ser feito além de erguer uma estátua do Romário. E uma outra para Roberto Dinamite. A primeira é vencer a Barreira do próprio Vasco, que vive, como em uma faixa de Gaza, a dividir centros culturais, ponto de encontro das tradições nordestinas, com o tráfico de drogas.

Em um lugar tão bonito da Cidade Maravilhosa, os gols perdidos tem andado de mãos dadas com as balas perdidas. E ambos são implacáveis para afastar títulos e torcedores.

Abreviar o legado, deixar um bairro e dois patrimônios nacionais esquecidos, tanto de Luiz Gonzaga, Dominguinhos, como de Zanata, Ademir, Andrada, Brito, Fontana e Juninho.

GOL DE PLACA

por Elso Venâncio

O gol mais bonito da carreira do atacante Washington César dos Santos foi marcado diante do Vasco, no Campeonato Carioca de 1987. Um momento especial do futebol-arte, admirado também pelos adversários, entrando para a história dos grandes lances do Maracanã. Deveria ser mais lembrado, reconhecido como um verdadeiro gol de placa.

A cena é emblemática. Leomir disputa pelo alto, e a bola espirra e sobra para Washington. Este, saindo do seu campo, no grande círculo, dribla o zagueiro Donato, que tenta agarrá-lo. O baiano de Valença perde o equilíbrio com seu 1,88m, mas dà sequência à jogada em velocidade. Em seguida, engana Marrone e dribla duas vezes, para um lado e para o outro, o goleiro Acácio, antes de concluir. O goleador Washington já havia marcado no primeiro tempo, e o golaço definiu o placar na etapa final: Fluminense 2 x 0 Vasco.

Junto a Assis, Washington formou no Fluminense o famoso Casal 20 — apelido dado pelo colunista social Ibrahim Sued. O interesse tricolor inicial era ter apenas Washington, de 23 anos. Assis, com 30, foi contratado devido ao entrosamento e histórico de gols da dupla no Atlético Paranaense. Desta forma, Assis e Washington chegaram juntos às Laranjeiras, em 1983. 

Antes, um fato marcou o prenúncio dos anos vitoriosos para o Fluminense. O Papa João Paulo II realizava em 1980 a primeira das três visitas apostólicas que fez ao Brasil, e a torcida tricolor passou a cantar nas arquibancadas: “A bênção, João de Deus…”. Dentro de campo, o jovem time reagiu e chegou à conquista do Carioca. Edinho balançou a rede na final, em cobrança de falta, garantindo a vitória por 1 a 0 sobre o favorito Vasco.

Novas conquistas viriam com o Casal 20. Logo no primeiro ano com a dupla em ação, o Fluminense conquistou a Taça Guanabara. No triangular decisivo do Campeonato Carioca, após empate por 1 a 1 com o Bangu, o adversário foi o Flamengo. Mais um jogo histórico, em que Duílio cobrou falta rápida, e Deley lançou para Assis marcar o gol do título, tornando-se um carrasco dos rubro-negros.

Em 1984, o Flu sagrou-se campeão brasileiro após dois jogos com o Vasco. No primeiro, vitória por 1 a 0, com gol do paraguaio Romerito, que chegou como reforço. Já na finalíssima, o empate por 0 a 0 confirmou o título nacional. Faltava ainda o bicampeonato carioca, em que Assis voltou a decidir contra o Flamengo, escorando de cabeça um cruzamento do lateral Aldo para vencer o goleiro Ubaldo Fillol, campeão do mundo pela Argentina em 1978.

Em 1985, após vencer a Taça Guanabara, o Fluminense disputou outro triangular decisivo com Flamengo e Bangu. O Fla-Flu terminou empatado em 1 a 1, e o jogo contra o Bangu teve caráter de final. Romerito e Paulinho, de falta, fizeram os gols tricolores na vitória por 2 a 1, de virada. Um tricampeonato carioca histórico, conquistado por um esquadrão com Paulo Victor; Aldo (Beto), Vica, Ricardo Gomes e Branco (Renato Martins); Jandir (Leomir), Delei (Rene) e Assis; Romerito, Washington e Tato (Paulinho).

Personagem central deste período, Washington morreu em maio de 2014, aos 54 anos. Com Assis ao seu lado, conquistou nove títulos pelo Fluminense. Além de um Campeonato Brasileiro, três Campeonatos Cariocas e duas Taças Guanabara, a galeria também inclui o Torneio de Seul, a Copa Kirim e o Torneio de Paris. Nada mais justo do que os ídolos Assis e Washington estarem eternizados na entrada principal da sede das Laranjeiras, com bustos de bronze ostentando a frase “Recordar é viver”.

A IDADE IDEAL

por Zé Roberto Padilha

Fico triste, como ex-jogador, quando se referem a um atleta de 31 anos, como Vitinho, que está sendo cotado pelo Fluminense, de ter passado do ponto. Isto é, subestimam neste momento, onde todo o cidadão, atleta ou não, se encontra “no auge” de sua capacidade física, técnica e mental.

Vitinho, para todos nós, que assinamos o primeiro contrato profissional, em média, após os 20 anos, quando termina a possibilidade de atuar nas divisões de base, e o último aos 37 anos, se encontra “no ponto ideal”. Ou esqueceram o momento único vivido por John Arias, que alcançou os 28 anos no Mundial de Clubes?

Vitinho tem uma característica que tem faltado a um time técnico, de toque de bola, como o do Fluminense. Quantas vezes você gritou “chuta!” e o Nonato, Martinelli, Ganso, só atendiam se estivessem dentro da grande área. De fora, só o Lima tem arriscado, mas tem errado o alvo, embora seja o único que tenta.

Vitinho chuta, e muito bem, de fora da área. E com as duas. Claro, uma de cada vez, senão cai.

Aos céticos, lembro a todos a trajetória de um dos nossos maiores craques. E a idade que tinha quando alcançou o seu auge: Arthur Antunes Coimbra.

Nascido em 1953, Zico foi campeão mundial pelo Flamengo, em 1981, quando tinha 28 anos. Um ano depois, aos 29, esteve no seu melhor momento junto a seleção brasileira que mais encantou o mundo, a de 1982.

Não me lembro de ninguém ter duvidado de sua capacidade, do Sócrates, do Júnior e do Leandro, pelo contrário, exaltaram seu preparo físico e técnico.

Sendo assim, seja bem-vindo, Vitinho. Será muito útil ao Fluminense. E ajudará a quebrar esse preconceito que tem, infelizmente, abreviado a carreira de muitos jogadores.

Felipe Melo, Marcelo, Filipe Luis, Diego Ribas, entre outros, poderiam ter dado uma continuidade maior a sua carreira caso não sofressem tal preconceito. Um desperdício, com todo o respeito, trazer o Renè e aposentar o Marcelo.

Enfim, nosso precoce “veterano” Vitinho deve estar chegando. Ele ainda tem muitos chutes a nos ajudar a reencontrar os caminhos das vitórias.

INTELIGÊNCIA NATURAL

por Zé Roberto Padilha

O mais fascinante, e misterioso, de tudo o que cerca o futebol é que ele não se aprende. Ou o garoto nasce com esse dom, essa vocação, e vai aprimorar seus fundamentos, ou vai passar o resto da vida em atrito com aquela que não o escolheu para viverem juntos: a bola.

Tive muitas escolinhas e fui, durante cinco anos, treinador das divisões de base do Fluminense, em Xerém. É impressionante. Nas escolinhas, com cinco minutos já tinha laudos para dizer aos seus pais: investem. Leva jeito. Ou esquecem. Leva pra estudar.

Será que existe outro ofício que não seja capaz de ser aprendido? Você, que tem um filho ruim de bola em casa, sabe do que estou falando. Nasceu runzinho, permanecerá ruinzinho. E se afastará dos gramados porque sua autoestima será afetada pela incapacidade de fazer bem feito.

Diante deste quadro, fico admirado quando um jogador, além do dom, consegue dominar todos os requisitos inerentes a sua posição. Ainda mais quando ele atua no meio-campo, e precisa filtrar o passe rude dos zagueiros e o transferir para os mais habilidosos que estão à sua frente.

No fim de semana, observava um jogador que conseguiu dominar todos os fundamentos da sua posição. E ele nos deu uma verdadeira aula. De domínio absoluto de bola, precisão no passe, deslocamentos e coberturas impecáveis.

E fazia a bola correr, sem correr com ela. Por uma razão especial: se avançar muito e perderem a bola, o espaço percorrido será o mesmo da retomada. Melhor tocar. Ficar e proteger.

Quer outra especialidade? Para ter equilíbrio em espaços cada vez menores, domina a bola com a perna de apoio para a boa estar à feição de dar continuidade.

E faz esse movimento tão naturalmente que poucos percebem. De repente, nem ele.

Desse jeito, desliguei a televisão, domingo, saciado. Quem ama o futebol merece todo dia ver o Jorginho jogar. Observar um atleta capaz de dominar cada requisito de suas inúmeras funções.

E saber que ainda existe espaço nesse mundo, dentro desse fascinante laboratório cercado de gramas, para a sobrevivência e brilho da Inteligência Natural.