por Marco Antônio Rocha

Jards tinha sobrenome de lateral-direito dos anos 60, mas nessa época já desfilava sua elegância pelos palcos. Nas últimas semanas, vínhamos nos falando por WhatsApp para marcar uma entrevista para o Museu da Pelada. O primeiro contato aconteceu durante uma festa em homenagem a Vinicius de Moraes, que abriu as portas da música para aquele que seria um dos maiores compositores da nossa história.
Assim que o vi, de longe, hesitei. Comentei com Sergio Pugliese que nem tinha roupa para falar com Jards Macalé. Mas ele deu o primeiro passo em direção ao mito, e fui junto. Ainda bem… Ele nos recebeu com sorriso largo, voz grave e seus indefectíveis óculos de aros arredondados. Falamos do Poetinha, claro, mas o bate-papo acabou rumando para o futebol. “Ah… eu era ruim. Mas gostava de bola! A gente jogava num campo em Ipanema, com uma árvore imensa no meio”, recordou o músico, formando imediatamente em nossa cabeça o lirismo daquela cena.
Já pensando no encontro que poderíamos proporcionar no Museu, perguntamos ao rubro-negro quem era seu ídolo: “Garrincha”, respondeu Jards, driblando a lógica e deixando nós dois sem reação, como marcadores incrédulos do Mané: “As pessoas falam muito do Pelé, claro, mas o Garrinha era a melhor expressão do que é o Brasil”.
O show de Mat’nalia em homenagem a Vinicius já ia começar, mas o compositor ainda teve tempo de deixar no ar uma pauta em forma de pedido: “Tem dois filmes sobre o Flamengo que gostaria de assistir de novo, mas não lembro direito os nomes”, disse ele. Combinamos que marcaríamos uma sessão dupla assim que nos dissesse os títulos. Na semana passada, recebi uma mensagem dele dizendo que estava internado, mas que havia se lembrado: Flamengo Paixão e 1 x 0: “Desse eu tenho o cartaz em casa com a ficha técnica. Quando sair daqui, te mando uma foto e vocês procuram os filmes”.
Os gênios são, de fato, surpreendentes até mesmo quando assumem a fragilidade mais humana. Quando definiu Garrincha e sua expressão do Brasil, Jards poderia estar falando de si mesmo. Os dois devem estar agora tabelando por aí durante uma pelada divina. Não falta poesia para driblar a árvore no meio do campo…
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