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sócrates

10 ANOS SEM SÓCRATES

por Rubens Lemos


Sócrates faz parte de minha vida como Quixote da bola. Com Zico e Falcão, forma a trinca de ases dos meus sonhos insones de menino, colorindo o Brasil de imbatível. Só fui comemorar uma Copa do Mundo em 1994, um mês antes de fazer 24 anos.

Na foto, o capricho de ourives dos quatro cantos verdejantes de Sócrates é observado pelo argentino Ardiles na mistura de encantamento e perplexidade. Um baile de 3×1 para o Brasil na melhor exibição do Mundial de 1982.

Ardiles foi um dos melhores armadores da história do futebol, campeão mundial de 1978 quando era o único acima da média no time ajudado pela Fifa para ganhar sob o chicote de uma sanguinária Ditadura.

Sócrates parece empalmar uma pedra preciosa. Usa o pé direito para acariciar a bola em pleno sossego, naturalidade e perfeição , virtudes que ele exibia sem vaidade por onde jogou.

É, ao lado de Roberto Rivelino, o melhor jogador do Corinthians (SP) de todos os tempos, embora a mídia virgem tente impor Marcelinho Carioca e até Neto, o bom de escanteio e cobrança de falta.

Suave gazela em campo, Sócrates irritava os conservadores pois não era o boleiro-padrão. Era médico e vinha de uma família de classe média alta, com pai auditor fiscal federal. Jogava no diletantismo com que Vinicius de Moraes compunha seus poemas musicais.

Estavam em Sócrates a genialidade de Vinicius e a calma irritante de João Gilberto, fosse o Magrão integrante da Bossa Nova. Sócrates dançava conforme o ritmo, impondo sobre o gramado sua coletânea clássica desenvolvida por invisível violino. Passadas largas, estabelecia seu movimento de enganosa lerdeza, levando os outros 21 homens na disputa a caçá-lo em câmera lenta, infrutífera artimanha.

As pernas de palito em carne e osso distribuíam passes certeiros tirados do pensamento de águia de um jamais atleta a mover-se em permanente processo de criação. Lindos acordes acompanhados pelo deleite das arquibancadas.

Sócrates pagou caro por se envolver politicamente sem deixar clara, de verdade, sua ideologia, fruto de uma inquietude conhecida a partir do primeiro pêndulo corporal até a batida de calcanhar direto no companheiro próximo. Se entendeu melhor com Palhinha, técnico, malandro e habilidoso, ambos campeões paulistas de 1979.

Em 1982, com Zico, Falcão, Leandro(um mágico usando a camisa 2), Júnior e Éder, formou um sexteto violado de fintas e desfile de jogadas sinfônicas.

Hoje, faz 10 anos da morte de Sócrates, que nunca deixou seu copo de cerveja tampouco seu cigarro para obedecer a ninguém. O técnico Telê Santana, tido como rabugento, sabia que não poderia abrir mão do seu camisa 8 e deixava-o livre. Para dar o petardo do empate contra a União Soviética(Brasil 2×1) e bater entre o goleiro Zoff e a trave na derrota para a Itália(2×3) no gol do empate em 1×1, criação artesanal de Zico ao enxergar o espaço para servir ao Magrão.

Alguns idiotas protestaram pelo cumprimento de Sócrates ao primeiro italiano que encontrou ao apito final da derrota para a Azzurra. Sócrates compreendia o futebol como jogo limpo, sem a neurose do vida ou morte banalizado. Também reclamaram do pênalti perdido por displicência contra a França, em 1986, repetindo o canto que acertara contra a Polônia nas quartas.

O futebol anda chato e uma das razões é a ausência de Sócrates, polemista irritante para adversários burros e frasista demolidor de conservadores. Liberdade. Há uma década, o Magrão, após o sofrimento do álcool, incompreendido e secundarizado em sua importância, passeia pelos clássicos eternos, onde não há cronômetros nem medíocres a incomodá-lo.

SÓCRATES, O MAGRO DA BOLA

por Serginho 5Bocas


Brasileiro até no nome, Sócrates nasceu em 1954 e faleceu em 2011. Deixou para seus fãs, neste curto período de vida, uma enorme saudade e um imenso legado, construído com gols, passes, jogadas de calcanhar, muita inteligência dentro e fora dos gramados, entre outras virtudes desta figura imortal do futebol brasileiro.

Sócrates foi, sem dúvida nenhuma, um dos mais genuínos exemplos de que o futebol é um dos únicos esportes que não se exige um biótipo único e definitivo para se sobressair, lugar comum na maioria das outras modalidades esportivas. Magríssimo e com pés pequenos, ainda assim conseguia sobressair em um esporte de forte contato físico, com toques de primeira, dribles, gols e muita inteligência. 

Começou a carreira em Ribeirão Preto, no Botafogo local, onde muito jovem e escondido de seu pai, já exibia toda a sua arte, apesar de seu físico impensável para a pratica do futebol e das aulas da faculdade de medicina, que quase sempre impediam que ele pudesse conciliar com os treinos e os jogos do campeonato.

Logo cedo ganhou a alcunha de doutor, uma alusão a um misto de sua escolha em estudar a faculdade de medicina somada a sua ótima técnica e habilidade num campo de futebol que o distinguia dos seus companheiros. No Botafogo de Ribeirão Preto, foi monstro, dando inúmeras assistências ao grande parceiro Geraldão, que foi o artilheiro na campanha do Paulista de 1974, e sendo ele próprio o artilheiro do Campeonato Paulista de 1976. Também foi campeão do primeiro turno do Paulista de 1977, mesmo treinando pouco, mas sempre jogando muito, era como se ele fosse um motor de Ferrari num fusquinha, tal a sua extrema qualidade para um clube tão modesto. 


Jogou muita bola no Corinthians, onde foi um dos maiores ídolos e viveu sua melhor fase, conquistando três títulos paulistas. Também jogou na Fiorentina, no Flamengo, no Santos e na seleção brasileira, confirmando o que se esperava dele. Fez história com a camisa amarela pela sua inteligência dentro de campo e pela liderança que o tornou capitão da fantástica seleção brasileira da Copa de 1982. 

Não foi “só” isso que o Magrão fez, ele reinventou a jogada de calcanhar no futebol. Nunca antes, nem depois alguém foi capaz de reproduzir com tanta maestria esta jogada. De calcanhar, ele deu passes maravilhosos e inesperados, fez gols e deixou sua marca indelével.

O treinador Claudio Coutinho não quis saber dele em 1978, mas voltou atrás nas convocações de 1979 e logo viu o tamanho da burrada de não tê-lo levado. Com a sequência de jogos com a amarelinha, perceberam que tinha muita qualidade para jogar “parado” como centroavante, tinha talento demais reprimido para entregar no campo todo e foi deslocado para a parte cerebral da cancha, o meio dd campo. Sábia decisão, pois assim foi possível usufruir de todo o talento daquele fenômeno.


Impossível esquecer seu gol de empate contra a U.R.S.S. na estreia do Brasil na Copa do Mundo de 1982, ou ainda do primeiro gol do Brasil contra a Itália naquela fatídica partida desta mesma Copa, que nos eliminou tragicamente. Vale ressaltar a frieza e a categoria para escolher o canto entre Zoff e a trave, tendo a capacidade de bater na bola sem dar a mínima chance de defesa para o goleiro italiano.

No entanto e apesar de toda a bola que ele jogava, deixou uma lacuna em sua carreira que foi não ter conseguido se sagrar campeão do mundo, seguindo os passos de sua geração.

Talvez os mais jovens, ao assistirem os jogos reprisados daquela época, imaginem que ele era fácil de ser marcado em razão de seu frágil físico e de sua pouca velocidade. Ocorre que ele compensava essas deficiências usando a inteligência que lhe era peculiar, tocando a bola de primeira, evitando choques com zagueiros mais fortes, chutando e cabeceando com extrema categoria e qualidade, antevendo as jogadas.

Digo e repito sem sombra de dúvidas que, apesar de não cuidar do corpo, de abusar do cigarro e da bebida, foi um dos maiores jogadores brasileiros (e mundiais) de todos os tempos, pois na sua época, muita gente boa não teve a menor chance de jogar na seleção, pelo simples fato de que havia um Doutor dono daquela camisa oito amarela. 

Quantas saudades do Magrão, fique com a luz de Deus meu ídolo. 

 

 

Um forte abraço

Serginho5bocas

 

O DOUTOR CRAQUE A SERVIÇO DO FUTEBOL

por Jack Alves


A primeira lembrança que tenho do Sócrates é da Copa de 82. Apesar de uma criança ainda muito pequena e com pouco entendimento, nunca esqueci do grito de gol e do barulho do banquinho quebrando na sala: era meu saudoso pai comemorando o gol do Brasil contra a então União Soviética, na estreia brasileira na Copa. Eu estava dormindo no sofá da sala e acordei com a entusiasmada festa do meu pai, que depois foi até mim para me abraçar e me acalmar do susto.

O tempo foi passando, eu fui crescendo e, como a maioria das crianças brasileiras, o amor pelo futebol foi sendo cultivado dia após dia. Meu pai, um grande torcedor do Fluminense, era fã do Doutor Sócrates. Suas palavras eram sempre de admiração em relação à classe, categoria e até sobre as comemorações dos gols do grande craque brasileiro. Falava pra mim:

– Olha a comemoração do Doutor, sem palhaçada, apenas o punho cerrado no ar!


Só essas lembranças maravilhosas com meu pai já seriam suficientes para eu também gostar do Sócrates, mas a influência foi além por outros motivos. O craque mostrou pra mim, desde pequeno, que era possível jogar futebol, estudar, ler e se preparar para vida, pois o futebol não era uma “ciência exata”. Acima de tudo, estudar e se informar para não ser um alienado. Um jogador profissional, craque da Seleção Brasileira, do Corinthians e ainda médico, não tinha como ser uma má influência.

O vasto repertório de dribles, a categoria para dominar a bola, o chute preciso com ambas as pernas e, claro, os geniais passes de calcanhar. Enquanto os jogadores sem categoria usavam o calcanhar para aplicar verdadeiros “coices” nos adversários, Magrão usava para fazer a bola chegar nos companheiros. Era bonito ver o Sócrates jogar, assim como foi emocionante ir vê-lo jogar no Flamengo com o genial Zico, mesmo que por pouco tempo.


A primeira Copa que eu vi já com uma maior percepção foi a de 86. Com o amor sacramentado pelo futebol, vi Sócrates, Zico e companhia em busca do tetra. Vi o Magrão fazer o gol da vitoria na difícil estreia contra a Espanha. Mas, infelizmente, mais uma vez ficamos pelo caminho, dessa vez com a França como algoz. A admiração pelo Sócrates, no entanto, continuou. Afinal, um craque do futebol mundial, médico, com nome de filósofo e com Brasileiro no nome, não tem como passar despercebido. O Doutor sempre tinha algo relevante pra falar em suas entrevistas. Enfim, um craque em diversos sentidos!

Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, ou simplesmente Doutor Sócrates, fica aqui minha gratidão nessa singela homenagem no dia do seu aniversário. E é claro, com o punho cerrado no ar!

‘SÓCRATES É O CAPRICHO DO FUTEBOL’

A frase proferida por Dida, ídolo do Zico e outro gigante do futebol brasileiro, mostra com exatidão quem foi o gênio que brilhou no Corinthians e na seleção brasileira. Veja outros importantes testemunhos autorizados sobre o nosso saudoso “Doutor” colhidos pelo mestre do jornalismo José Maria de Aquino.

por André Felipe de Lima


Sócrates faria anos hoje. Dos grandes craques vi jogar e que já se foram é dele que sinto mais saudade. Com o “Doutor”, aprendi a gostar do futebol bonito, bem jogado e também fiquei bastante atento com a política. Hoje, dia 19, recordo opiniões sobre Sócrates ditas por feras da crônica e da bola ao repórter José Maria de Aquino, em 1979, e publicadas pela revista Placar.

O querido Sergio Noronha resumia o “Magrão” como a “simplificação do futebol” e que não havia nenhum outro em passado mais remoto parecido com o seu estilo. Ou seja, Sócrates era um sem igual para o Noronha. O treinador Flávio Costa já o achava semelhante, em estilo e físico com Ipojucan, ex-craque do Expresso da vitória vascaíno dos anos de 1940 e 50, e o gênio holandês Johann Cruyff. Lembro-me do meu pai sempre dizer o mesmo, sobretudo em relação ao Ipojucan, que magistralmente fazia passes de calcanhar como Sócrates faria décadas depois. 

O escritor Ignácio de Loyola Brandão talvez tenha sido um dos mais empolgados com Sócrates quando o doutor começou a despontar no Corinthians, em 1979: “Do modo como está evoluindo, falta pouco para ser um novo Pelé. Seu modo espigado, sua postura em campo, seu modo de ver o jogo e as coisas, tornam Sócrates uma figura com características muito pessoais. Tem o tipo de genialidade que fez de Pelé e de Leônidas casos únicos. Gênio não se compara a ninguém.”

João Saldanha tinha fama de durão e exigente. E era mesmo e um pouco mais. Por isso, mandou às favas um ditador brasileiro quando o defenestraram da seleção brasileira antes da Copa de 70. Sobre Sócrates, Saldanha dizia ser o “melhor one touch man (jogador de um toque só) do mundo”. O técnico e cronista sabia das coisas, Sócrates foi um jogador de estilo refinado e rápido. A bola corria com ele sem delongas, como sempre recomendara outro mestre, o meia Didi. “Ele se parece demais com Tostão, embora seu biotipo nada tenha a ver com o daquele ex-jogador”, sentenciara o João “Sem medo”.


Ídolo maior do Zico, Dida definiu o nosso querido doutor da bola de forma poeticamente perfeita: “Sócrates é o capricho do futebol”. Brilhante opinião de um dos melhores jogadores do Flamengo em todos os tempos. Para o grande Dida, que tanto inspirou o Galinho, Sócrates se parecia bastante com Ipojucan na elegância com a bola nos pés: “Compridão. Engana muito: parece lento e não é.”

O também escritor e jornalista Roberto Drummond achava o mesmo, Sócrates e Ipojucan pareciam ser o mesmo craque, mas em épocas distintas. O mineiro foi, contudo, um pouco cético em relação ao doutor quando o craque despontara no Timão. Achava certo exagero da imprensa defini-lo como um fora de série. O jogador — criticava o jornalista — resumia-se a um “tigre de papel fabricado em São Paulo e transformado por Placar em personagem de ficção”. Ao olhar ríspido do mineiro, Magrão era apenas uma “esperança magra e alta”.  Mas bastaram somente dois anos para que mudasse drasticamente de opinião: “Eu me enganei. Ele é um gênio.”

E não podemos encerrar a crônica com o velho, porém justo chavão: “Obrigado, doutor”. E obrigado também ao mestre José Maria de Aquino por ter pinçado todos estes depoimentos que ajudam a mostrar aos mais jovens que Sócrates foi um dos maiores e melhores jogadores da história do futebol brasileiro. Um gênio inquestionável.

SÓCRATES, O PENSADOR DA BOLA

por Luis Filipe Chateaubriand 


Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, o Sócrates da Fiel, não parece ter recebido nome de filósofo à toa. Jogador que exercia seu oficio mais com a cabeça do que com os pés, pensava o jogo, antes de jogá-lo. 

Sua máxima de que “quem tem que correr não são os caras, mas sim a bola” já mostrava que o raciocínio deveria não só ser incorporado à peleja, mas que seria fundamental para decidi-la. 

O esguio Magrão, que tinha um andar parecido com a mítica Pantera Cor de Rosa, concebia os passes de forma inteligente, e os executava com maestria. 

Ao fazer uso frequente do calcanhar, se habilitava para jogar tanto de frente como de costas, frequentemente ludibriando os adversários. 

Não fazia gols com frequência, mas os fazia com extrema classe, pois tinha uma frieza glacial ao concluir em gol. 

Politizado ao extremo, também era craque fora de campo, onde fazia da luta pela cidadania uma diretriz preciosa. 

No jogo da vida, perdeu para o álcool. Mas o exemplo de sua classe e da inteligência engajada fazendo a diferença serão eternos.