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serginho 5bocas

PIU PIU, O MATADOR DE PENEIRAS

por Serginho 5Bocas


Vocês sabem o que é uma Peneira? É a prova dos nove dos moleques candidatos a craques da bola, pois é lá que o jogo fica em seu estado mais bruto na vida dos jovens postulantes a craques e onde morrem ou nascem sonhos e esperanças daqueles que sonham em ser jogador de futebol.

Não há espaço para palavras educadas e motivadoras. Ao final do treino é aquela hora do momento mais temido, quando o homem da prancheta decide e diz quem fica e quem volta para casa. 

O ex jogador Cafu, que foi recentemente eleito o melhor lateral direito do futebol mundial de todos os tempos pela revista France Football, foi um caso extremo de resiliência no campo das peneiras. Reprovado em mais de dez delas, sempre voltava e tentava novamente. Um dia ele foi lá e a coisa aconteceu e o resto todos já conhecem. Muita gente boa ficou pelo caminho, porque não tinha paciência para aturar os destratos dos negligentes avaliadores ou porque não davam importância mesmo. O certo é que querendo ou não querendo, tem que passar pela duríssima prova de fogo.

A vida dos meninos é tão difícil que para vocês terem uma ideia, Pelé precisou de uma forcinha do ex-craque da seleção brasileira Waldemar de Brito e Zico precisou do aval do radialista Celso Garcia. Imaginem os simples mortais? Mas vamos ao moleque da hora…

Moleque de rua, de paralelepípedo, das tabelinhas com as paredes, das paradas de bola para esperar a moça ou o carro passar, somos nós, somos todos nós, quando olhamos com carinho para a infância que passou. Piu Piu era bola-bola, gastava ela com amor, não era o melhor de todos, nem era o mais habilidoso, o mais driblador, mas era impávido, determinado, chato de ser vencido. Tinha qualidade no passe, visão de jogo, batia forte e com direção na bola e tinha uma vontade absurda de vencer. 

Ainda menino, no auge de seus 11 anos, Piu Piu não tinha medo de cara feia, nem de cara grande, os temidos “galalaus”. Jogava suas peladas contra os caras bem mais velhos e grandes e num domingo desses de manhã, foi jogar um time contra o Vitoria do Lins, um clube de futebol de salão do subúrbio do Rio de Janeiro. Perderam nas três categorias (mirim, infantil e infanto), mas Piu Piu e o amigo Caolha foram chamados para fazer testes no clube. Passaram, mas não seguiram com a experiência, porque tinham medo de andar de ônibus à noite. Apesar da peneira superada, “queimou a largada” na primeira peneira superada.

Cinco anos depois, lá estavam juntos novamente, Piu Piu e Caolha fazendo um teste no infanto-juvenil do time de futebol de salão do clube Ríver de Quintino. Dessa vez, passaram e seguiram em frente, jogaram o segundo turno do Carioca daquele mesmo ano, no longínquo 1983. Outra peneira vencida, desta vez mais fácil.

No ano seguinte, Piu Piu se sentindo desprestigiado no clube de Quintino, foi fazer teste numa peneira no Grajaú Tênis Clube e mais uma vez passou no teste, chegando a disputar algumas partidas amistosas e uma ou duas do Carioca do campeonato juvenil. Mas novamente alguma coisa não vingou, ele era cabeça quente demais, não engolia sapos e decidiu jogar aquilo tudo para o alto e se dedicar aos estudos.

Neste intervalo de tempo, ocorreu o fato mais inusitado. A mãe do padrinho de Piu Piu trabalhava como doméstica na casa do jogador Júnior, do Flamengo, sim do Leovegildo. Dona Dolores pediu ao craque da seleção, o famoso lateral, mas que ainda não era o nosso maestro, para dar uma carta de apresentação que permitisse o afilhado do filho dela fazer um teste no Flamengo.

Júnior escreveu a carta pedindo ao Joel, ex-ponta direita do Flamengo, que desse a chance a ele de fazer um teste no campo conhecido como 8º GAC, um quartel na Vila Militar onde estava rolando uma peneira.

Carta recebida e quase ignorada por não acreditar que o Júnior daria esta moral. Passado o susto inicial, foi falar com seu pai, que lhe deu um valioso conselho, mas que infelizmente foi ignorado:

– Filho, pega um ônibus para lá um dia antes, para você ver onde é, para depois não errar o endereço.

Piu Piu deu de ombros e achou que era preciosismo demais de seu pai. “Quem não escuta cuidado, escuta coitado”, já dizia o velho ditado. No dia marcado, Piu Piu pegou o ônibus 689 “Meier-Campo Grande” e foi para o maior desafio daquele garoto de 14 prestes a fazer 15 anos.

Na cabeça era um misto de ansiedade, medo e vontade de ver como é que seria. Imagina só passar no teste e falar com a galera da rua que agora era jogador do Mengão, putz!

Piu Piu pegou o ônibus e quando chegou próximo da Vila Militar, perguntou ao cobrador e depois ao motorista se conheciam o campo do 8º GAC e ambos nunca tinham ouvido falar dele. Frustração e um frio na barriga, lembrou na hora do velho pai e já pensava o que diria para ele se não encontrasse o campo. 

Desceu do ônibus um pouco mais a frente e saiu perguntando para algumas pessoas sem sucesso, ninguém sabia onde era o campo. Resignado, triste e um pouco menos tenso, porque não faria mais o teste, pegou o mesmo ônibus no sentido contrário e um estranho sentimento rondava sua mente. Sentira tanta ansiedade e medo que agora voltar para casa parecia uma coisa bem tranquila.

Aí, aconteceu a coisa mais marcante dessa história toda. Piu Piu se sentou próximo ao cobrador, num banco mais alto, que ele gostava de ficar, para ver melhor a rua e não enjoar com o balanço do ônibus e quando já estava saindo da Vila Militar, viu um Quartel a sua direita e teve quase a certeza que estava escrito no muro GAC. Não deu pra ver se tinha um 8º antes, foi muito rápido e imediatamente, virou-se para olhar por cima do muro e lá avistou alguns meninos jogando bola em um campo gramado.

– “É ali, Piu? – Seu cérebro indagou em milissegundo a pergunta cruel.

Agora havia uma decisão a ser tomada urgente, o que fazer? Descer do ônibus e sair correndo, se desculpar pelo atraso e tentar fazer o teste ou deixar pra lá, seguir seu destino e arrumar uma desculpa para contar em casa, para seu pai e sua mãe.

Optou pelo caminho mais confortável. Sentiu um terrível medo do insucesso, coisa nunca experimentada, talvez por ser no seu clube de coração. Talvez tenha imaginado o tamanho daquilo tudo e seu cérebro não parava de pensar em todas as possibilidades de fracasso.

À medida que o ônibus ia se distanciando do endereço de seu sonho, Piu Piu ia ficando triste e talvez com uma ponta de arrependimento de não ter voltado e ter realizado o grande teste de sua vida. O que poderia ter acontecido? Nunca irá saber.

Hoje, Piu Piu diz que o que passou, passou, mas sente lá no fundo, uma tristeza de não ter a certeza se dava ou não dava para ele. Faltou coragem, talvez experiência ou até mesmo um padrinho naquela fatídica empreitada, para lhe dar aquele último empurrão. No aconchego do seu travesseiro, quantas vezes ele já pensou que tem tanta gente que não joga nada e virou profissional, porque logo ele, que era um matador de peneiras, não se tornaria um jogador de futebol? Nunca vai saber.

Se houvesse na vida de Piu Piu um momento “De volta para o futuro” (ou para o passado), com o “Marty McFly” e o “Dr. Emmett Brown”, astros marcantes daquele filme inesquecível, lhe dando uma nova chance de reescrever o seu caminho, voltando no tempo momentos antes de entrar naquele ônibus. E se ele pudesse ter as informações e a orientação para realizar aquele teste, do seu próprio “eu”, será que ele seria feliz? Será que também encontraria a sua namorada de novo, que depois virou esposa e teria os seus filhos, que tanto ama? Será que realmente teria uma carreira de sucesso nesse esporte ou teria uma contusão grave ou ainda seria esquecido na penúria de um time pequeno? Ninguém pode responder, nem mesmo ele tem a certeza de que tentaria de novo, a conta já está fechada.

O mundo das peneiras é feito muito mais de momentos triste do que felizes, um funil apertadíssimo separa os homens dos meninos, muita gente boa fica pelo caminho, é lugar para casca grossa, a bola vira prato de comida e não dá tempo para dúvidas. Reparem que raramente vemos jogadores de futebol de origem rica ou de classe média alta, em sua grande maioria, são os meninos mais carentes que vingam, aquele que não tem plano “B”, não há escola para oferecer outro caminho, empresa da família ou qualquer outra opção para largar o objetivo e partir para outra, é dá ou desce.

A história do Piu Piu não é única, tampouco inédita. Na verdade ela é baseada em fatos reais, ocorridos com o Serginho 5bocas ou se preferirem, com o “Piu Piu”, da Dona Jalderia (sua mãe), do Seu Domingos (seu pai) e de seus queridos irmãos Jorge, Geraldo, Marcos (in memoriam), Graça, Dolores e Consuelo.

Ô tempo bão!

O ÚLTIMO TANGO

por Serginho 5Bocas


Se tem um jogador que proporcionava emoções viscerais, esse era o cara. O que tinha de futebol nos pés, continha na mesma dose o drama. Sua carreira foi uma verdadeira montanha russa, sua vida tinha aqueles rompantes de alegria e logo em seguida, descia vertiginosamente para uma amargura, uma tristeza que podia dançar, feito um tango. Mas não há como ficar indiferente a tudo o que ele fez.

Início prematuro de um prodígio idolatrado, aos 15 anos já jogava nos profissionais do Argentino Juniors. Nome quase certo para a Copa do Mundo de 1978, Menoti brecou equivocadamente, uma pena. Em 1979 conduziu a Argentina ao título do mundial de juniores em companhia de Ramon Dias e já era titular absoluto da seleção argentina dos profissionais. Lembro de um jogo no Maracanã em 1979 pela Copa América, quando o Brasil venceu por 2×1, Maradona ainda muito jovem, prestes a fazer 19 anos, comandava as ações da seleção, carimbando todas as bolas e parecendo um veterano, já sabia tudo de bola e mais um pouco, Leão que o diga. Tudo parecia dar certo, a sua vida estava em alta.

Veio a Copa de 1982 e nela toda a expectativa de ver a sua genialidade se confirmar facilmente em um time de craques e com ele voando baixo, mas não aconteceu. Estava em excelente companhia, na equipe campeã do mundo, ao lado de gente como Ardilles, Bertoni, Passarela, Kempes, Fillol e Ramon Dias, mas fez apenas uma bela partida contra a Hungria na primeira fase e ficou devendo no resto da competição, apesar de ter sido duramente marcado, às vezes até violentamente. Saiu por baixo, ao se despedir com uma entrada desleal na barriga de Batista do Brasil, que o levou a ser expulso.

Foi para o Barcelona e sofreu uma de suas piores contusões, ficando fora dos campos por muito tempo. Jogou pouco tempo por lá e não teve um time a sua altura para conquistar títulos e buscou outros rumos, pois não estava num bom momento. Acabou indo para o eldorado italiano, por uma montanha de dinheiro, foi parar onde se jogava o melhor campeonato da terra naquele momento, no Napoli, mas voltamos às Copas.

Mesmo com Maradona, durante as Eliminatórias da Copa de 1986, a Argentina passou um sufoco danado para se classificar diante da seleção do Peru, em dois jogos cascudos. Em Lima, vitória do Peru e na Argentina, um empate suado e conquistado no finzinho da partida, que classificou os hermanos para o México. Foi no limite, quase ficam de fora, quem poderia imaginar que eles seriam campeões?


Veio a Copa de 1986 e a Argentina bem abaixo de suas tradições em termos de qualidade técnica. Um time de operários com um baita mestre de obras. Comando de uma eminência parda, que não convocou o ex-parceiro Ramon Diaz, barrou Passarela e só faltou escalar os onze. Maradona fez de tudo naquela Copa, foi o seu apogeu. Fez jogadas de almanaque e uma jogada que seus fãs perdoam e lembram com a maior cara de pau, mas que não tem nada de esportivo ou de belo: o gol de mão contra os desafetos ingleses. A campanha em si não foi brilhante e nem tivemos um futebol vistoso, exceto por ele, que brindou a todos, com um futebol espantoso, decisivo, arrebatador e raras vezes visto nos campos em tão curto espaço de tempo. Ali, nos campos mexicanos, ele levantou defunto da tumba e tocou o topo do mundo, estava no mais alto nível que um jogador de futebol poderia atingir, um “nirvana” que nem ele mesmo conseguiria atingir de novo.

A Copa passou, Diego pediu reforços ao Napoli e chegaram Careca, Alemão, Bagni, Mauro, Di Napole e Carnevale. No comando das picapes o maior jogador do mundo e na retaguarda um povo sofrido, carente e apaixonado, quanta simbiose! Quanta sinergia! Para um clube que não ganhava nada, Maradona deu musculatura de sobra e os caras venceram o campeonato italiano, a Copa Itália e a Copa Uefa. Estava sobrando na turma, a gangorra estava favorável, era um semi Deus naquele momento para aquele povo.

Veio a Copa de 1990 e tudo levava a crer que Maradona ia carimbar outra estrela na camisa, mas foi uma viagem insólita, cheia de altos e baixos, pra variar. No grupo da primeira fase foi sofrível, perderam na estreia para Camarões e na vitória contra a União Soviética, Maradona fez um pênalti, colocando a mão na bola, quando o jogo ainda estava 0x0. Se fosse marcado a penalidade, poderiam nem se classificar na repescagem como um dos melhores terceiros lugares, como ocorreu. A gangorra estava em baixa.

Veio as oitavas e cruzaram com os brasileiros por conta da má campanha inicial. Tomaram um vareio de bola na única partida em que o Brasil de Lazaroni jogou bem, mas os argentinos foram agraciados com uma bola de gênio de Maradona, que após se livrar com sua habilidade de vários defensores brasileiros, lançou nos pés de Caniggia e daí pro gol, improvável e desolador, coisa de Dom Diego, toca o enterro aos trancos e barrancos.


Veio as quartas e contra a Iugoslávia, após o empate no tempo regulamentar, Maradona perdeu um pênalti mal batido, mas Goicocheia salvou o dia, defendendo dois, o gênio era iluminado e tinha anjo da gurda. Na semifinal contra a Itália, arrancaram um empate suado e nos pênaltis novamente a estrela de Goicocheia resolveu, pegando mais dois pênaltis. Tava difícil convencer na bola, mas a Argentina ia chegando na final. Um cai não cai intermitente e trôpego. 

Veio a final contra a Alemanha, em um dos jogos mais feios desta pobre Copa e desta vez o pênalti, batido por Brehme, ajudou o lado alemão. Saldo final: Maradona medalha de prata e um choro no pódio que comoveu a todos pela sinceridade. O gênio era humano.

A boa fase do Napoli acabou com a explosão de um caso de doping nem 1991. Maradona não era nem sombra daquela fera que todos se acostumaram a ver, sumiu do mapa, mas aí veio um chamado urgenge, ele fez um regime “turbo” e em tempo recorde, lá estava Dieguito de novo, fininho e voando prontinho para a Copa de 1994.

Veio a Copa e logo na estreia contra a Grécia, Diego fez um gol e parecia se divertir de novo. A gente voltou a ver a qualidade dele sobressaindo sem esforço, como de costume, mas aí veio a Nigéria e um “sorteio” meio maroto, pronto! Lá estava ele novamente, envolvido em outro caso de doping. El Pibe, fez uso de efedrina, um remédio para emagrecer, que não faz ninguém ficar genial ou dar um drible, mas é substância proibida e o sonho acabou ali. Brigar com a FIFA nunca vai dar bom resultado. Aquele foi o último suspiro de genialidade do menino das favelas, do gênio da esquerda imortal, da canhota perfeita. 


Maradona adorava o Brasil e os brasileiros, fã declarado e escancarado de Rivelino, amigo de fé de Careca, atendia com prontidão todos os convites das “peladas” de Zico. Na derrota de 3×1 para o Brasil na Copa América de 1989, humildemente pediu a camisa de Bebeto após ver o baianinho dar aquele sem pulo de cinema. Aquela Copa América em que ele quase fez o gol que Pelé não fez do meio de campo, impedido por uma trave. Na Copa de 1990, trocou de camisa na única vez que nos venceu na vida e desfilou com a camisa canarinho feliz da vida. Contra o Brasil não costumava se dar bem e só fez um gol em 1981, no empate de 1×1, durante o Mundialito no Uruguai. 

Maradona não foi rei como Pelé, passava longe da perfeição da realeza, mas tinha a altivez de um líder carismático, conhecia e dominava a sua força brutal, os caminhos da vitória e sabia que a sorte também estava ao seu lado. Lutava como nunca e se fosse preciso se matava em campo e por isso, a torcida o adorava. Diferente de Messi, não se abatia com infortúnios, erguia a cabeça e voltava mais possesso ainda para alcançar a glória eterna e por isso virou Deus na Argentina.

Não foi o maior artilheiro, nem o cara que venceu mais bolas de ouro ou que colecionou mais títulos relevantes, mas sempre esteve nos corações dos torcedores. Dom Diego fez o que quis nos gramados com a sua canhota genial e infernal, nunca seguiu regras, para o bem e para o mal. Este foi o seu legado e a sua sina, partiu fugaz e deixou uma legião de fãs como num melancólico tango.

O GALINHO DE QUINTINO

por Serginho 5Bocas


Hoje vou escrever sobre o ídolo da minha vida. O cara que me fez virar Flamengo, isso mesmo, meu saudoso pai, seu Domingos, me uniformizava de Fluminense e eu pensava ser tricolor, mas aquilo era puro amor, coisa de pai para filho e de filho para pai.

Mas ai veio a final do Carioca de 1977 e apesar da derrota nos pênaltis para o Vasco, virei fã do Galinho e nascia mais um coração Flamenguista por tabela. Meu pai, educado, inteligente e com muito bom senso, soube entender os apelos de um garoto dominado pelo imenso talento de um gênio do futebol e de uma torcida magnética e vibrante, não poderia realmente fazer nada para conter, já havia sangue rubro-negro correndo nas veias.

Voltando ao Rei Artur, vou me esforçar para não virar lugar comum e então vou tentar falar de Zico sem ser igual ao que já foi dito e pra isso escolhi duas vertentes: na primeira parte falo do desprezo e pouco caso que sofreu dentro do Brasil e, na parte final, sobre sua sina ou quem sabe falta de sorte com a camisa da seleção do Brasil.

Zico entrou na seleção tarde para os padrões de gênios, só debutou pela seleção canarinho em 1976, prestes a completar 23 anos. Talvez a concorrência fosse enorme, pois ainda vivíamos a época de ouro do futebol brasileiro. Há bem pouco tempo havíamos nos sagrados tricampeões do mundo no México sob a batuta de Pelé e ainda jogavam várias feras daquela época, sem contar os novos talentos trazidos por sucessivas “fornadas” de uma renovação constante de talentos do futebol brasileiro. Enfim, o caminho era difícil.

Apesar de ter sido considerado, pela revista PLACAR em 1974, o melhor jogador do Campeonato Brasileiro daquele ano, seus críticos chamavam Zico de craque de laboratório, um insulto, uma alcunha maldosa, por ele ter ganho massa muscular através de um trabalho de reforço muscular, inédito para os padrões da época. A ideia era ganhar corpo rapidamente para poder enfrentar os zagueiros que eram muito maiores. Mas na mente dos desafetos, plantavam a falsa história de que era uma forma desonesta de melhorar rendimento, como se fosse um doping. A ignorância era monstruosa, bem como covarde em relação a Zico, jogador do Rio de Janeiro e do Flamengo, um clube de massa mesmo antes de vencer tudo que venceu.


Outros o chamavam de craque de Maracanã, pois diziam que ele só jogava bem no maior estádio do mundo, que era medroso e pipoqueiro e que ao sair do seu galinheiro, o maior do mundo, tremia e não rendia o mesmo futebol, como se ser o rei do Maracanã fosse uma ofensa para alguém. Só mesmo de cabeças mesquinhas poderia brotar uma ideia nesse nível e tudo era obstáculo a ser superado.

Para se ter uma ideia das barbaridades que Zico sofria por conta de um bairrismo arraigado, certa vez em 1979, a seleção brasileira enfrentava o Ajax da Holanda em São Paulo e Zico fez um gol que o placar eletrônico não registrou, “congelando” o placar da partida no número anterior, só voltando a atualizar, um bom tempo depois.

No inicio de 1983, logo após o tri brasileiro do Flamengo sobre o Santos no Maracanã, foi anunciada a sua venda para a Udinese. Pelé não hesitou em dizer que ele não daria certo na Itália, num misto de ignorância, arrogância e falta de respeito com um grande craque e colega de profissão. O tempo mais uma vez se encarregou de contradizer o Rei do futebol e Zico mais uma vez teve que matar um leão para se impor.

Nada disso foi suficiente para desconstruir o Galinho, muito pelo contrário, ele sempre soube separar o joio do trigo e a não guardar rancor dessa parte podre da imprensa e da torcida contra. Zico deixou o tempo se encarregar de mostrar aos críticos que estavam errados.

Zico também teve sérios problemas quando se tratava de jogar pela seleção Brasileira. Apesar de ter jogado 93 partidas e marcado 68 gols (média de 0,73), de ter feito 11 gols em eliminatórias, de ter feito 5 gols em uma partida (amistosa) e de ter no currículo apenas 4 derrotas com a camisa canarinho, sendo apenas uma em tempo regulamentar de Copas do Mundo, Zico até hoje é visto por muita gente no Brasil, como um perdedor e um cara que não jogava bem com a amarelinha. Brincadeira, né? 

Ele já começou com uma grande decepção pela seleção do BRASIL, ao ser cortado do grupo que iria a Olimpíada de 1972 em Munique, tendo em vista que ele ajudou a classificar o País, marcando o gol da classificação contra a Argentina. Foi um duro golpe aplicado pelo treinador Afonsinho e por forças ocultas.


Depois em 1978, chegou na Copa como uma grande esperança e logo de cara, no jogo de estreia, apesar do Brasil ter jogado uma partida fraca, ele fez um gol de cabeça no último minuto do jogo, após escorar um escanteio batido por Nelinho, mas o juiz anulou dizendo que encerrou a partida antes da bola entrar. No videoteipe, no entanto, é possível ver que ele não apitou o final da partida com a bola no alto, somente depois que viu a bola entrar é que indicou o final da partida. Mais uma vez o Galinho dava prosseguimento a sua sina.

Depois de ser barrado do time titular por pressão dos militares no terceiro jogo contra a Áustria, Zico foi voltando aos poucos ao time e já primeiro jogo da segunda fase contra o Peru, entrou no segundo tempo e marcou um gol de pênalti. No jogo seguinte, contra a Argentina, entrou bem novamente no segundo tempo, deu um passe maravilhoso para Roberto marcar, mas não aconteceu porque Fillol impediu com ótima defesa. Na terceira partida, contra a Polônia, em que ele já tinha recuperado a vaga de titular, com 2 minutos de jogo, foi cruzar uma bola na linha de fundo e abafado por Boniek, sofreu uma distensão muscular que o tirou da Copa e dos campos por um bom tempo.

Importante abrir um capitulo nesta Copa de vários equívocos, pois deixamos no Brasil Falcão, Paulo Cézar Caju, Marinho Bruxa, Carpegiani, Júnior, entre outros. Além disso, Rivelino, o nosso camisa 10, se machucou no inicio da competição e foi uma tremenda baixa, que impôs muita pressão nos ombros de uma geração nova que vinha pedindo passagem, mas que nunca tinham jogado um mundial: Zico, Cerezo, Edinho, Reinaldo, Oscar, Amaral, Jorge Mendonça, Batista, Roberto e Gil. Tudo marinheiro de primeira viagem que tiveram de resolver a parada sozinhos, sem um apoio dos mais experientes para uma leve transição, como deveria acontecer.

Depois veio a Copa América de 1979, única que ele jogou, e que estava “voando” baixo e decidindo os jogos, até sofrer nova distensão que o afastou das partidas decisivas contra o Paraguai. Sua ausência foi muito sentida e o Brasil perdeu o título.

Em 1982 na Copa da Espanha, quando finalmente Zico fazia uma grande Copa, perdeu para a Itália, num dos jogos mais dramáticos de todas as Copas, a chance de sua vida. Apesar de ter saído aplaudido e lembrado até hoje no mundo todo, a falta deste título é muito sentida por todos. Zico fez 4 gols e deu outras 4 assistências em 5 jogos, tendo participado de mais da metade dos 15 gols da equipe.

Em 1985, Zico sofre a pior contusão de sua vida por conta de uma entrada covarde e seus planos para a Copa de 1986 vão por água abaixo. Zico chega ao México sem as condições físicas ideais e ainda com muita dor em virtude do ligamento do joelho em frangalhos. Vai entrando no time aos poucos e no jogo contra a França ele perde o pênalti que marcaria definitivamente sua carreira. O Brasil ainda perdeu inúmeras chances de matar o jogo na prorrogação e foi vendo a vitória escorrer pelas mãos ou pés, até culminar com a derrota na disputa de pênaltis.


Ali todos já sentiam que a derrota se aproximava, pela velha máxima “que quem não faz leva” e levamos. Levamos uma ducha de água fria e mais uma derrota na conta de Zico que apesar de ter convertido sua cobrança, viu sua última chance de vencer a Copa do Mundo indo para bem longe, mantendo sua terrível sina com a camisa amarelinha.

Apesar de tudo isso, Zico tem lugar de destaque no mundo do futebol, é idolatrado por idosos, homens de meia idade, jovens, adolescentes e crianças que nem viram ele jogar, foi Deus para torcida do Flamengo, ídolo na Itália e Mito no Japão. Por onde passou deixou seu rastro de qualidade, humildade, talento e profissionalismo. Virou estátua no Japão e no Brasil, mas uma coisa Zico não vai mudar, a tristeza de seus fãs por ele não ter ganho a Copa de Mundo.

Do fundo do meu coração, abriria mão de todos os títulos, glórias e alegrias que ele me proporcionou pelo Flamengo por uma Copa do Mundo para ele, só para ver seu imenso talento e grandeza ser reconhecido na totalidade e estar em seu devido lugar e tamanho na história. 

Encerro a crônica de hoje sobre o ídolo da minha vida com uma frase que adoro repetir:

“Nunca fui tão feliz antes nem depois de Zico”

O DIA EM QUE TOCAMOS O TOPO DO MUNDO

por Serginho 5Bocas


Sem dúvida nenhuma, 1981 havia sido um ano e tanto para a galera rubro-negra, vencemos torneios na Itália, uma disputada e sofrida Copa Libertadores, o Carioca que foi uma verdadeira guerra, e que ao conquista-lo, homenageamos o falecido Cláudio Coutinho, que teve grande participação na montagem do esquadrão. Enfim, estávamos quase de alma lavada, mas faltava uma “coisinha”, um título que mudaria nossas vidas e que nós queríamos muito, ser campeões do mundo.

O Flamengo montou seu esquadrão e se preparou como nunca para vencer, tinhamos que ganhar de qualquer maneira em Tóquio. Aqui no Rio não se falava em outra coisa nos bares e esquinas. Nosso time era fantástico e fomos encarar os ingleses do Liverpool, campeões europeus em cima do Real Madrid, os diabos vermelhos. No time deles jogavam dois craques da seleção escocesa, o atacante Kenny Dalglish e o meia Sounness.

Enfim chegou o grande dia, o jogo foi 13 de dezembro à meia noite de Brasília. Todo mundo acordado só para ver aquele time, e ele não decepcionou, pois em apenas 45 minutos fez 3×0 com Adílio e Nunes duas vezes. Pronto, o jogo já tinha um vencedor. No segundo tempo só tocamos a bola, num jogo em que Zico esteve inspirado e além de ter feito uma bela partida, deu os dois passes para Nunes e bateu a falta que gerou o rebote do gol de Adílio. No fim, foi coroado como o melhor em campo, dividindo o prêmio com o artilheiro Nunes, cada um levando um carro Toyota para casa. 


Para se ter ideia daquele feito, até aquele momento, somente o Santos de Pelé nos anos de 1961 e 1962, havia conquistado aquela glória. Palmeiras com sua academia não chegou, o Botafogo de Garrincha e da turma de 68 não conseguiu, o Cruzeiro até fez uma final, mas parou no Bayern de Munique. Daí toda a importância da conquista. 

Ali foi um divisor de águas, pois os clubes brasileiros passaram a dar mais importância e a se preparar para vencê-la, pois logo em seguida o Grêmio também venceu e no início da década de 90 o São Paulo de Telê ganhou outras duas. Lá pelos anos 2000 conseguimos vencer em mais quatro ocasiões com o Corinthians (duas), Inter e São Paulo novamente. Hoje o Brasil tem dez conquistas e só perde para a Espanha que detém onze, muito por conta dos clubes milionários que deixaram a competição desequilibrada, mas isso é historia para outra crônica.

Levamos incríveis 38 anos para retornar aquele lugar, a participar novamente de uma final de mundial de clubes e perdemos para o Liverpool, numa grande ironia do destino, pois acredito que tenha sido a única vez que a final se repetiu. Apesar do orgulho de chegar ali depois de tanto tempo e de perder em um jogo muito igual, foi frustrante ser vice mesmo sabendo do tamanho de cada clube naquele momento.  

Por isso e mais do que nunca, devemos sempre reverenciar aquela turma “feita em casa” de 1981, pois não foi só uma vitória, foi a vitória da qualidade sobre a arrogância inglesa, do futebol brasileiro se impondo e nos colocando no nosso devido lugar.


Nunca mais tivemos um Flamengo de sonhos como aquele e não era preciso, pois no fundo de cada antigo coração rubro-negro, todos sabíamos que aquele time marcaria uma época, uma geração que se acostumou a vencer tudo, e que naquele dia tocou o topo do mundo.

Parabéns, Raul, Leandro, Marinho, Mozer, Junior, Andrade, Adílio, Zico, Tita, Nunes, Lico, Cantarele, Nei Dias, Figueiredo, Vitor, Baroninho, Anselmo, Carpegiane, Domingos Bosco e é claro a magnética… 

Forte abraço

Serginho5Bocas

O TROCO NA INAUGURAÇÃO DO PLACAR ELETRÔNICO DO MARACANÃ

por Serginho 5Bocas


Por muito tempo o Maracanã teve um placar modesto, que não condizia com sua magnitude. Para se ter uma ideia, o nome do Flamengo era mostrado como “CRF” e o do Vasco, seu grande rival era “CRVG”, só para exemplificar. Mas em 1979 finalmente, foi inaugurado um novo placar eletrônico no maior do estádio do mundo da época.

Esse era moderno, para a época é claro, tinha uma comunicação com os presentes através de nomes, números e de jogadas em movimento, tudo feito com lâmpadas controladas à distância de dentro de uma sala. A partir dele, a escalação das equipes era mostrada nas três telas do estádio, com nome e número. Quando a bola ia na trave, por exemplo, surgia um bonequinho chutando a bola e ela batendo em uma trave de uma baliza, depois o bonequinho demonstrava frustração abaixando a cabeça, uma tremenda novidade, a torcida gostou na hora. Por último, na hora do gol, escrevia em letras garrafais a palavra “gol”, piscando acelerado no ritmo da torcida, show de bola, tudo de bom.

Lembro que o jogo inaugural foi um Flamengo e América FC, um confronto sempre complicado, pois o “Ameriquinha” apesar de contar com a simpatia de todas as torcidas do Rio de Janeiro, era uma constante pedra no sapato de muito time grande.

Naquele dia o placar registrou o seu primeiro gol, feito por Reinaldo, ponta direita vindo do América para o Flamengo e que fazia sua estreia com o manto rubro-negro justamente naquele dia, Adílio faria o segundo e Zico, marcaria os dois últimos da partida, ambos de falta.

Tudo muito bem, não fosse por um detalhe do jogo. Lembro que alguns anos depois da partida, vi numa dessas resenhas daquelas mesas-redondas de fim de noite aos domingos, o Zico e o Roberto dando dicas de como bater faltas com excelência. Zico dizia que colocava o birro da bola para baixo e Roberto fazia exatamente o contrário, colocando o birro da bola para cima. Num dado momento da entrevista, perguntaram para ambos, se eles já haviam sido provocados por algum goleiro adversário e conseguiram dar o troco.


Roberto disse que o goleiro Ubirajara pegou um pênalti seu, mas ele não teve tempo de dar o troco, pois Ubirajara abandonou a carreira para ser modelo. Já o Galo, disse que o goleiro País, num jogo contra o Flamengo, defendeu uma falta da entrada da área, e virou-se para a torcida do Flamengo, exibindo a bola como se fosse um troféu. Zico disse que aquilo ficou engasgado, e naquele dia, no dia da inauguração do placar eletrônico, estava lá o País, e infelizmente para ele, tomou dois gols de falta, um no ângulo e outro à meia altura. Zico havia pago a provocação com juros e correção monetária, finalmente havia dado o troco.

Dinamite e o Galinho foram reis do Maracanã, lá eles se sentiam em casa, lugar que marcou demais as suas carreiras, mas o estádio recebeu muita gente além deles e aquele que foi o terceiro placar do estádio, o famoso placar eletrônico, presenciou gols de muitos craques e viveu muitas emoções.

O placar eletrônico que não era um, mas sim três placares (ou placas), envelheceu e foi aposentado na marra, para a chegada da modernidade. Hoje um deles descansa na sede do América FC do Rio, outro no estádio do Friburguense e um, reza a lenda que está no estádio do Madureira.

Bom descanso para aquele que foi testemunha de muitos craques e de muitos gols importantes do futebol carioca, brasileiro e mundial.

Ô TEMPO BÃO!