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Jonas Santana

NÊRRODA. A VITÓRIA DA SORTE

por Jonas Santana


Foto: Alex Ribeiro

A galera o conhecia por Nêrroda e, para os mais íntimos, Rodinha. O primeiro apelido era por conta de jogar na mesma posição do atacante e capitão da seleção tcheca de 1982, Zdenek Nehoda. O segundo por conta de ser uma distorção bem-humorada do primeiro e também por que nosso astro gostava muito de inhame ao ponto de pedir “rodinhas” da iguaria. Aí suprimiram o tubérculo e conhecido o episódio das rodinhas já viu: caiu na galera já era.   

O apelido de Nêrroda era mais que uma homenagem ao tcheco. O brasileiro representava o avesso do estrangeiro. Um branco, forte, um metro e oitenta um de puro músculo, o outro era praticamente o espelho inverso; preto, magro, desnutrido e com cerca de um metro e sessenta. Dizia-se que ele era tão magro que se desse um vento mais forte o carregaria. Dizem até que o treinador evitava de colocar ele jogando contra o vento de tão magro que era. Mas nosso craque fazia gols de todo jeito, daí a justa consagração ao artilheiro.

Na peladas, quando juntava num mesmo time o incansável Dirran, o lépido Vevé, com a devida assistência de Zé Rosca e a segurança garantida lá atrás pelo goleiro Quiabo e pela dupla de zaga Lila e Todo Duro não tinha pra time nenhum. Era o refrigerante garantido no domingo. E a coisa ficava melhor ainda quando Pedro Preto não estava de serviço (era porteiro de edifício e trabalhava por escala) porque o time jogava por música. O maestro Vevé comandando a meia cancha e o time sapecando os adversários. Menos de três gols era quase derrota para eles e não tinha jogo em que Nêrroda não deixasse sua marca.

Muitos diziam que nosso craque era sortudo, mas qual centroavante que não é? Certa feita, Nêrroda estava tão inspirado que parecia atrair a bola, fazendo gol até quando ela batia nele. Antes de Renato (o gaúcho), nosso astro já tinha feito gols de “barriga”, escorando um lançamento vindo da direita feito por Zé Rosca.

Nêrroda também tinha esse nome por não ser um gênio no manejo da pelota. Dir-se-ia que ele era oportunista (no bom sentido) do futebol. Também era raçudo, embora seu porte físico não ajudasse muito. Diante de zagueiros mais dotados fisicamente (tipo Lila ou Todo- Duro), o  nosso craque não se intimidava, preferia “recuar estrategicamente“ evitando o confronto direto, tornando-se o elemento surpresa como ele mesmo dizia. E tão surpreendente quanto seus gols quase sempre inusitados era o carisma que ele tinha com a torcida. Isso o levou inclusive a Seleção do município.

Quanto a sua capacidade de fazer gols ninguém duvidava pois quando ele não chutava, chutavam a bola nele a a danada ia direto para a meta adversária, sem chances para o arqueiro.

Contam que, certa feita o nosso jogador escorregou e a bola vinda rasteira bateu em sua canela e  desviando sua trajetória foi certinha no gol. Mas esse não foi o gol mais inusitado da sua carreira. O lance mais bizarro que resultou em tento foi assim:

Jogo empacado, truncado. Mesmo com a superioridade da sua equipe, Nêrroda não se chegava na área porque lá estava nada mais nada menos que Orlando Touro (o nome já diz) zagueiro truculento, esparadrapo no joelho, bigodinho fino, idem canela, mas que diziam ter titânio. Ele era famoso por tirar atacantes de campo. O cara vinha, sassaricava e pimba!! Batia no Touro e acabou o jogo.

E quis o destino que nosso craque disputasse uma bola com ele, o que resultou em Nerroda no chão e o Touro bufando perto dele, dizendo que era manha. Mas nem seu Osvaldo da farmácia (o juiz na ocasião) nem o roxo na canela de nosso astro concordavam. E polêmica aqui e acolá é marcado penâlti. Orlando ficou mais possesso ainda e prometendo revanche. Nêrroda demorou a levantar mas assim que o fez colocou a pelota embaixo do braço e se encaminhou para a marca fatal.

Um fato que cabe registrar é que nosso atleta estava com uma chuteira que não era sua, tomada emprestada de  Marcelino (colega do bairro) cujo pé era só dois números a mais, o que dificultava o chute do artilheiro. Mas Nêrroda queria bater o penâlti embora soubesse que a barreira a ser vencida se chamava Zarôio – famoso pelas suas defesas de mão trocada, bem como a  “instalação” (conforme a molecada da época).      

Assim, bola na marca e Nêrroda, tomando distância de quase um maratonista, chuteira quase que folgada, assim que ouve o apito do árbitro, corre e dispara o petardo e vê o arqueiro realizando a defesa, ao mesmo tempo em  que  a torcida grita “gol”. Sem entender nada, ele olha para o gol e vê a bola suavemente descansando num canto e sua chuteira nas mãos do goleiro.

No seu chute a chuteira voara em direção ao gol e Zarôio, trocando as “estações” foi nela para fazer a defesa. 

Validado o gol, restou ao nosso atleta somente comemorar mais um tento para sua coleção, diante de uma equipe atônita com o tento inusitado e a vitória da sorte.     

DIRRAN, A LENDA FRANCESA. SÓ QUE NÃO

por Jonas Santana


Foto: André Teixeira

Não havia naquele perímetro nenhum jogador mais habilidoso que o Dirran. A bola parecia que “grudava” no seu pé e era quase que impossível pará-lo quando ele, com exímia destreza, disparava rumo à meta adversária. Era só pegar na pelota que começava o desespero dos beques (o pessoal “das antigas” sabe o que é isso) porque Dirran sempre ignorava o seu marcador, fosse pela direita ou esquerda pois, ágil como ele só, deixava o coitado do defensor “a ver navios”. E podia ser lateral, zagueiro, meio campo, não tinha problema, era só baixar a cabeça e quando se dava conta estava o nosso craque na cara do gol.

Nem Todo-Duro, zagueiro famoso pelo seu jeito delicado de tratar a bola e os corajosos que ousavam saracotear na sua frente, escapava dos dribles acachapantes que no mais das vezes deixava o oponente de traseiro no chão, pouco importando se fosse grandalhão ou técnico. Sua habilidade e visão do jogo o faziam desejado por todos os times de várzea da região.

Baixinho, atarracado, meio agalegado, pernas tortas, nem parecia o mesmo quando colocava as chuteiras Club Sul que comprou a prestação. Dirran trabalhava na fábrica e no fim de semana ganhava uns trocados defendendo um ou outro clube, sem vínculo com ninguém, embora fosse objeto de desejo de todos os dirigentes amadores que o conheciam.  

Além de rápido e habilidoso, Dirran também sabia lançar como ninguém e talvez perdesse apenas para Zé Rosca (famosos pelos seus chutes de trivela).  Era considerado o terror da defesa naquela época e o xodó da torcida que gritava a cada drible: ”ão, ão, ão” Dirran é seleção” numa clara alusão aos jogadores que seriam convocados para a Copa das Copas, torneio que reunia os melhores atletas de cada município numa disputa tão acirrada que até a polícia tinha que ser convocada para conter os ânimos.  

E aconteceu a tão desejada convocação. Dirran e Nêrroda, outro jogador de renome na redondeza, apelidado assim por ser a antítese do centroavante tcheco, embora jogasse na mesma posição, foram chamados para a seleção do município.    

E assim foi. Jogo decisivo, Dirran estava inspirado levando à loucura a torcida com suas proezas futebolísticas.  E a empolgação acabou contagiando o narrador.  O jogador mal podia pegar na bola que o narrador gritava seu nome. E era Dirran pra cá, Dirran pralá, que o homem acabou sendo o destaque do jogo. 

Diante daquela manifestação em que o estádio todo gritava o nome de Dirran, e depois de receber o título de “melhor em campo”, cercado por microfones, o atleta só agradecia. 

Ao se aproximar da beira do gramado, terminada a disputa em que sua seleção saíra vencedora, um jovem repórter corre em sua direção, admirado com tamanha homenagem. Assim a primeira pergunta foi: você tem parentes na França? Isso depois de dizer ao público que estava entrevistando o astro do dia. Antes que este respondesse tasca outra pergunta: E esse seu nome é de descendência francesa? 

O jogador, vendo-se assediado e assustado responde de pronto: Não, não, sou daqui mesmo, do interior.  E qual a origem desse seu nome?  Sem pestanejar o atleta reponde: é que meu apelido é C* de Rã, mas como não podem falar no rádio eles me chamam da segunda parte.  E seguiu para o vestiário deixando atônito o repórter.

Jonas Santana Filho, gestor esportivo, escritor, funcionário público. Apaixonado e estudioso do futebol.   Jonassan40@gmail.com, Skype – jonassan50

A TRISTE REALIDADE. GÊNESE DO FUTEBOL

por Jonas Santana


(Foto: Alex Ribeiro)

Na teoria a prática é outra. Um estudo realizado pela CBF em 2016 demonstra que apenas um por cento dos jogadores consegue alcançar o ponto mais alto da carreira. Dessa maneira, o sonho de ajudar a família por meio do futebol  (vide artigo anterior –Jogar Futebol. Ganhar dinheiro. Sonho de muitos. Conquista de poucos), acaba por se tornar um pesadelo vez que a possibilidade do sucesso é ínfima.   Muitos jovens vão embalados no sonho, se dedicam, fazem base, passam por peneiras mas acabam em clubes sem expressão e muitas vezes passando necessidade.

Futebol é um esporte onde o tempo e a sorte caminham juntos: tempo para não ficar passado (com 30 o cara já é velho pra bola) e sorte de ser descoberto e ir para um time de porte.  Nesse contexto, a busca por um lugar ao sol é capaz de fazer o jogador cometer coisas como pagar passagem e transferência para jogar em clubes de cidades que muitas vezes nem estão no mapa do esporte, tão somente para produzir “material” onde ele é o “produto”.  Aliado a isso vem a incerteza de receber um salário, o que torna essa profissão bem atípica.

Outros jogadores se arriscam em terras estranhas desfilando seu talento para análise de  algum clube que a revel da sorte pode lhe proporcionar algo melhor. Poucos conseguem, outros voltam e continuam anônimos, vagando por clubes sem expressão e muitas vezes passando necessidades, tantos outros acabam desistindo, com o prejuízo dos gastos sendo pago em parcelas. Isso quando vão e voltam sem serem enganados por falsos agentes ou empresas que na verdade são “vendedores de sonhos”.  

E no meio de tudo isso assistimos a falência do nosso velho e amado “esporte do povo”. Jogadores que nunca passaram por um clube aqui ou foram às vezes reprovados em “peneiras ou testes”, seja pela idade ou pela falta de visão dos treinadores ou dirigentes acabam, no mais das vezes, despontando em outras terras, muitos se naturalizando e outros esquecendo até o caminho de volta. Fora aqueles que ficam por lá e acabam enveredando por outras carreiras.

Quanto aos que ficam, esses vão continuar insistindo, pulando de clube em clube para jogar mais um campeonato  que geralmente  dura três a quatro meses e o restante do ano, quando não  se fixam vão  trabalhar em “outa coisa”. Ainda tem o a incerteza, nos clubes  pequenos, de receber  salário. E assim passa o tempo, a sorte não veio, a idade vem e quando dá por si já é tarde.

O que deveria ser fomentado desde a base, ou seja,  a consciência de que nem todos vão chegar ao topo, é trocado por promessas de ganhos estratosféricos em clubes, principalmente na Europa. Mas a realidade é dura e diferente do sonho que persegue o jogador de futebol. E essa é a triste realidade do nosso futebol.

 

VAR OU NÃO VAR, EIS A QUESTÃO!

por Jonas Santana Filho


Parafraseando a célebre “ser ou não ser, eis a questão” eis que surge imponente e lampeiro o VAR – sistema de vídeo-arbitragem (sigla em inglês de videoassistant referee ou árbitro assistente de vídeo). Este, que era para ser uma solução às eternas polêmicas do futebol desde o célebre “passo à frente do Nilton Santos (1962) à “mão santa” de Maradona em 1986, tem demonstrado ser na verdade um grande causador de novas celeumas.

De um lado a corrente do modernismo tecnológico considera o VAR como a inovação, a atualização, o Up do futebol que, para alguns, precisa se adaptar aos novos tempos no esporte, embora as transformações ocorridas no âmbito desportivo mundial também alcançam o futebol e demonstram este continua sendo o mesmo esporte contagiante desde sua aparição, caracterizado pela sua contradição, pelo inusitado e pelo improvável.

Do outro lado vemos os defensores do “autêntico e imutável futebol, que acreditam que, ao introduzir-se o VAR no esporte, estará sendo tirada sua identidade e sua plasticidade, tornando o esporte bretão algo engessado, sem emoções, mais previsível que cabeçada de Jardel ou falta batida pelo Zico. Nem tanto ao mar nem tanto à terra.


O VAR faz parte dos recursos tecnológicos criados para auxiliar aos árbitros (ainda humanos) nos lances mais duvidosos. O problema é que a ferramenta tem sido usada indiscriminadamente, sem critérios ou no mínimo, sem bom senso. Já vimos jogos onde até lateral tem sido questionado pelo VAR. Isto tira a beleza do espetáculo, transformando os juízes antes autoridades em simples coadjuvantes… Além de que, em determinados momentos o suspense em torno do lance (se válido ou não), principalmente no tocante ao gol, assemelha-se a um episódio estilo “hitchcockiano”, onde a ansiedade de uns se alimenta do medo do outro, ou seja, quem fez o gol fica ansioso pelo sim e quem levou com desejo de seja não. E é nessa salada de emoções que o VAR se enquadra.

Ainda assim o uso dessa ferramenta é de primaz importância, desde que usada com o devido cuidado. Não se pode, numa partida de futebol, levar os torcedores, espectadores, participantes, atores e coadjuvantes ao extremo das emoções, onde a ação do VAR represente a plenitude do evento, tão cientificamente comprovada a lisura do lance, mas também não se pode deixar que o VAR seja usado indiscriminadamente, onde qualquer lance que não seja capital tenha que ser decidido por ele. Para isso existe o juiz de campo, bandeirinhas e quejandos.  

Não se pode desmerecer a ação do árbitro de vídeo, mas o certo ainda é, e deve ser, do juiz de linha. Sempre  com a devida proporcionalidade. 

VAR ou não VAR? Eis a questão.

 

Jonas Santana Filho, Gestor Esportivo, Escritor, Funcionário público, apaixonado por futebol,   whatsapp, (61) 999047599, linkedinjonassan40, Skype jonassan50