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Grêmio

PARABÉNS, GRÊMIO

por Claudio Lovato 


Quando tinhas 50 anos,

Lupicínio escreveu o teu hino

No Restaurante Copacabana, na Cidade Baixa

E que hino!

Tua casa, naquele 1953,

Ainda era o Fortim da Baixada, nosso primeiro lar, no Moinhos de Vento, 

A Baixada de Eurico Lara, Luiz Carvalho, Oswaldo Rolla, o Foguinho

E de Mohrdiek, Schuback, Grunewald, Moreira, Booth, Sisson, Assumpção e todos os outros

Um ano depois,

Te mudarias para o Olímpico, na Azenha

O novo estádio, em outro bairro

Uma nova manifestação tangível

Do teu poder de mobilizar pela paixão 

E transformar desejos em concreta realidade

Concreto com alma

Olímpico dos míticos comandantes Foguinho, Ênio Andrade e Felipão

De Airton, Gessy, Juarez, Alcindo, Everaldo, Espinosa, Telê, Ancheta, Oberdan, Iúra, Éder

E de Tarciso, o jogador que mais vezes vestiu o teu manto e que nasceu no mesmo dia que tu 

De Milton, Vieira, Tadeu Ricci, André Catimba, De León, Mazarópi, Jardel, Danrlei, Renato e todos os outros

Renato, o Portaluppi,

Herói como jogador, nos tempos do Olímpico, 

E herói como técnico, na Arena

A Arena…

De Felipão, Roger Machado, Marcelo Grohe, Luan, Everton Cebolinha, Pedro Geromel, Kannemann, Maicon, Pepê e todos os outros

Tua terceira casa

Linda obra de engenharia e encantamento erguida no Humaitá

Agora ela guarda nossas taças

As das Libertadores, dos Brasileiros, das Copas do Brasil, dos Gauchões, das Recopas, dos Citadinos…

Guarda mais que taças: guarda História – assim como foi no Olímpico e na Baixada 


Este é o teu oitavo aniversário comemorado na Arena

O teu 117º

Hoje!

Viva o 15 de setembro de 1903

Cândido Dias da Silva e outros 29 bravos

Reunidos num restaurante de hotel na Rua José Montaury, no Centro de Porto Alegre

Carlos Luiz Bohrer, o primeiro presidente

Hoje Romildo Bolzan

Salve Bohrer, salve Luiz Carvalho, salve Romildo, salve Hélio Dourado, salve Fábio Koff

Parabéns, Grêmio!

Meu Grêmio do Moinhos de Vento, da Azenha, do Humaitá, de todos os lugares

O Grêmio de todos os que o amam

Estamos juntos

Sempre estaremos

O tempo todo estivemos – para mim, desde 1965, ano em que nasci

Na verdade, antes

Muito antes.    

E A AMÉRICA FICOU AZUL DE NOVO

por Claudio Lovato 


Esta é uma das melhores lembranças que guardo comigo sobre idas a estádio na condição de visitante. Dia 1º de setembro de 1996, um domingo, eu e meu irmão mais novo a bordo de um ônibus 474, Copacabana-São Cristóvão, a caminho de São Januário para ver o nosso Grêmio enfrentar o Vasco pelo Brasileirão. Acomodados lado a lado num banco próximo ao do cobrador, tínhamos à nossa frente pai e filho vascaínos. Os dois usavam camisas com o número 10 sobre a faixa transversal preta, como muitos outros que estavam ali. Eu conversava com o meu mano e ao mesmo tempo tentava prestar atenção ao papo dos dois à nossa frente. 

Lá pelas tantas, o guri disse:

– Hoje não vai ser fácil.

Ao que o pai respondeu:

– Não vai mesmo. Esses caras jogam até no inferno!

Nunca mais esqueci aquilo. Nunca vou esquecer. Ser respeitado pelos adversários, respeitado de verdade, é uma das melhores coisas no esporte e na vida. 

Jogo duríssimo. Pimentel fez um a zero para o Vasco aos 40 minutos do segundo tempo. Paulo Nunes empatou para o Grêmio aos 47. Naquele ano, o Grêmio conquistaria o seu bicampeonato nacional, batendo a Portuguesa na final.

A história daquele time que eu e meu irmão acabáramos de ver enfrentar o Vasco havia começado nos primeiros dias de 1995, quando se reuniram, no vestiário do Estádio Olímpico, jovens pratas da casa (alguns deles remanescentes da equipe campeã da Copa do Brasil do ano anterior, como Danrlei, Roger e Carlos Miguel) e jogadores vindos de fora, este segundo grupo formado por veteranos e novos, alguns deles desvalorizados nos clubes de procedência. Esse time daria à torcida, meses depois, um dos principais títulos da vitoriosa trajetória do clube: o bicampeonato daLibertadores da América.  

A taça continental foi erguida quase exatamente um ano antes daquele empate em São Januário. Em 30 de agosto de 1995, o Grêmio conquistava sua segunda Libertadores da América ao empatar em 1x 1 com o Atlético Nacional de Medellín, na cidade colombiana (gols de Aristizábal e Dinho), coroando uma campanha de oito vitórias, quatro empates e duas derrotas. O Tricolor vencera o primeiro jogo da final por 3x 1 em Porto Alegre, uma semana antes: Marulanda (contra), Jardel e Paulo Nunes balançaram as redes para o Grêmio e Ángel descontou para Atlético Nacional.

Havia muito e muito mais que isto: as defesas brilhantes, algumas inacreditáveis, e a vibração incendiária de Danrlei, os cruzamentos perfeitos e os chutes potentes de Arce, a técnica e a segurança de Adilson e Rivarola, a consciência tática e os passes precisos de Roger, a experiência e a liderança de Dinho e Goiano, volantes com ótima saída de bola, os dribles e a movimentação de Arílson, avisão de jogo e os lançamentos geniais de Carlos Miguel, o entendimento e o instinto matador de Paulo Nunes e Jardel, autores de 16 dos 29 gols (11 de Jardel) marcados pelo Grêmio na campanha, que incluiu embates antológicos contra o Palmeiras. Mas havia também a capacidade de entrega e a qualidade dos outros jogadores do elenco, entre os quais Emerson (que viria a se tornar capitão da Seleção Brasileira), Luciano, Magno, AlexandreXoxó, Nildo, Murilo, Sílvio, Vagner Mancini e Jacques.

Havia mais, é claro: o conhecimento de futebol de Luiz Felipe Scolari, para nós sempre Felipão, que montou e comandou um time de grande qualidade técnica e mentalidade vencedora, que,jogo após jogo, sufocava os adversários em campo; a excelência da preparação física de Paulo Paixão, fundamental para o estilo de jogo praticado pela equipe; a condução sábia, serena e apaixonada do grande presidente Fábio Koff e as constantes demonstrações de amor de uma torcida que promovia celebrações lendárias no Olímpico lotado em completa comunhão com a equipe, míticas avalanches da alma azul-preta-e-branca que tiveram seus primórdios no Fortim da Baixada e hoje encontram palco e templo na nossa Arenainaugurada em 2012.

Neste 30 de agosto de 2020, a torcida do Grêmio comemora os 25 anos do bicampeonato da Libertadores da América e exalta um espírito que levou o clube a tocar o céu várias vezes, frequentemente por ter sabido jogar, e vencer, até no inferno.

 

A campanha    

Primeira fase:

Palmeiras 3 x 2 Grêmio (21/02, São Paulo)

Emelec 2 x 2 Grêmio (14/04, Guayaquil)

El Nacional 1 x 2 Grêmio (17/03, Quito)

Grêmio 0 x 0 Palmeiras (22/03, Porto Alegre)

Grêmio 4 x 1 Emelec (31/03, Porto Alegre)

Grêmio 2 x 0 El Nacional (07/04, Porto Alegre)

 

Oitavas-de-final:

Olímpia 0 x 3 Grêmio (25/04, Asunción)

Grêmio 2 x 0 Olímpia (03/05, Porto Alegre)

 

Quartas-de-final:

Grêmio 5 x 0 Palmeiras (26/07, Porto Alegre)

Palmeiras 5 x 1 Grêmio (02/08, São Paulo)

 

Semifinal:

Emelec 0 x 0 Grêmio (10/08, Guayaquil)

Grêmio 2 x 0 Emelec (16/08, Porto Alegre)

 

Final

Grêmio 3 x 1 Atlético Nacional (23/08, Porto Alegre)

Atlético Nacional 1 x 1 Grêmio (30/08, Medellín)

 

‘EU SOU O CACHORRO; O FUTEBOL, A MINHA OVELHA’, ASSIM FALOU ALCINDO

por André Felipe de Lima


A família nasceu para o futebol. Dos seis homens de oito irmãos, três eram craques de bola. O mais velho, Kim, foi médio volante ídolo do Aymoré e chegou ao Internacional. Outro, Alfeu, também brilhou como ponta-de-lança no Aymoré e no Inter, chegando à Portuguesa de Desportos e, em seguida, ao Grêmio. O inusitado ficou por conta de uma das duas irmãs conhecida como “Professora Anita”.

A jovem contava apenas 25 anos, em 1965, quando era técnica do time formado por seus alunos e por adolescentes de Sapucaia do Sul, cidade da Grande Porto Alegre, na qual os oitos irmãos nasceram.

Mas o orgulho da família era o caçula Alcindo Martha de Freitas, um jovem com a vocação para o gol, nascido no dia 31 de março de 1945, que, com apenas quatro anos, ainda amamentado pela mãe, dona Olívia, começava a dar seus primeiros chutes no campinho do Sapucaiense. O pai, seu Raimundo, outrora um bom centroavante amador do mesmo Sapucaiense, apenas observava o vigor que aquela criança esbanjava. Uma força que, segundo ele, vinha do “leite materno” e do “sangue de índio”. Uma força que anos mais tarde se traduziria em gols. Centenas deles.

Alcindo — igualmente aos irmãos — começou a jogar bola no infantil do Aymoré, da cidade vizinha São Leopoldo, como centroavante por influência do irmão Alfeu, respeitando, é claro, os conselhos táticos da irmã Anita, que, segundo o próprio Alcindo, entendia tudo de futebol e ganhava todos os jogos contra times treinados por homens. Mas o brilho maior da família ficou por conta de Alcindo, cujo futuro nos gramados brasileiros lhe reservava a glória. Para alcançá-la, lutou muito.

Quando o moleque tornou-se rapaz, deixou Sapucaia do Sul e foi para o time juvenil do Lansul. Após um jogo-treino contra a moçada do Internacional, Alcindo foi “descoberto” pelos cartolas do colorado. Em entrevista concedida ao radialista da rádio Band AM, João Carlos Belmonte, e reproduzida na Internet pelo colunista Marcelo Xavier, Alcindo recordou o início da carreira em que teve de enfrentar legendas do Inter: “Um dia fez [O Lansul] um amistoso com os aspirantes do Inter. Na época, o Inter tinha o Flávio Bicudo, o Dagoberto, Ceconi, Guaporé… era um time fabuloso. Nós perdemos de quatro a três, e eu fiz os três. Depois do jogo, o Abílio dos Reis foi falar comigo, e fez o convite. Só que, chegando lá, tinha o Flávio, o Sadi Schwerz, que era centroavante, o Valdir Fraga, e eu tinha quatro na minha posição, na minha frente, e quem chega de fora, sente dificuldade. Mas como o Abílio me indicou, eu senti que tinha condições de lutar. E acabei fazendo dupla com o Flávio. Eu tinha uns quinze anos. Isso foi 1958″.

Mesmo ainda juvenil do Internacional desde 1958, Alcindo já despertava a cobiça do Grêmio, que o convenceu a passar a temporada de 1963 no São Paulo de Rio Grande. Antes de ir embora do Inter, Alcindo sofreu um terrível assédio moral de um dirigente colorado, na época em que o clube tinha como presidente Luis Fagundes de Mello. Por pleitear uma ajuda de custo para pegar dois ônibus de Sapucaia do Sul até o estádio do Inter, em Porto Alegre, Alcindo, ainda um adolescente, foi humilhado pelo cartola que mostrou para ele o portão do clube caso quisesse ir embora. E foi isso que Alcindo fez.

“Pensei em voltar pro Aimoré ou o Lansul. Mas, dias depois, o Camelinho, torcedor do Grêmio, perguntou em casa por um guri que jogava no Inter. Porque eu tinha um irmão mais velho, o Alcino, que estava no Grêmio. Ele disse que o dr. Kroeff tinha mandado ele lá para me buscar. Só que o Grêmio me deu o dobro sem eu pedir. Lá, eu achei minha casa, e fui muito bem recebido […] fiquei no juvenil, mas jogava nos aspirantes, contra os profissionais. Eu fiquei assim até ser emprestado ao São Paulo de Rio Grande, onde eu fiz um ano de estágio. Em 1962 eu estava liberado, de volta.”

O craque nunca escondeu o desprezo pelo Internacional. Desafeto inconteste dos colorados, Alcindo disse a Ruy Carlos Ostermann que todas as brigas em Grenais começavam por ele, artilheiro mor do clássico, que, aos 19 anos, no seu primeiro GreNal, disputado em 23 de abril de 1964, sob o coro da torcida colorada de “bicha, bicha”, balançou a rede três vezes. No segundo embate, naquele mesmo 1964 [ano de golpe militar], Alcindo não se fez de rogado e partiu igual a uma fera para cima dos colorados. Mais um placar de três a zero, com dois gols dele. “Eles sempre tiveram bronca de mim, e eu deles. Em todas as entrevistas que pudesse falar, sempre procurava botar eles lá embaixo. Podendo pisar em cima, eu pisava”.

O impetuoso estilo reservara a Alcindo algumas chances na seleção brasileira. Aliás, o nome do craque despertara a atenção do técnico Vicente Feola logo após o juiz Armando Marques apitar o final do jogo entre Grêmio e a temida seleção da antiga União Soviética. O placar da peleja, disputada no dia 16 de fevereiro de 1966, no estádio Olímpico, terminou 2 a 0 para os gremistas, com todos os gols assinados pelo centroavante. Aquela performance extraordinária garantiria para Alcindo uma vaga no escrete que tentaria, meses depois, o “tri” mundial, na Inglaterra.

O “Bugre Xucro”, como era chamado pelo narrador paulista Geraldo José de Almeida, não fez sucesso na seleção, mas sua trajetória no Grêmio é incontestável. Estreou no Tricolor gaúcho em 1963, onde permaneceu até 1971. Foi pentacampeão estadual pelo Grêmio [1964, 65, 66, 67 e 68] e artilheiro dos campeonatos de 1965 [21 gols] e de 1968 [12 gols]. 

RELAÇÃO DIFÍCIL COM CARTOLAS


Após o mundial de 1966, a relação com os cartolas do Grêmio ficou instável. Alcindo chegou a ficar inativo, sem contrato com o clube, durante vários meses, em 1970. “Por isso é que eu quero ir embora. Se eles vierem me procurar, vai ser esta a minha resposta”, disse. A verdade é que os cartolas o deixaram propositadamente de lado. Desde janeiro daquele ano, Alcindo sofria com um derrame no joelho direito após submeter-se a uma cirurgia, em novembro do ano anterior. O joelho já andara muito mal, mas o treinador Sérgio Moacir [ex-goleiro gremista] e o médico do clube, Itamar Sofia do Canto, insistiram em escalá-lo contra o Cruzeiro. O jogo classificaria o Grêmio para a fase seguinte da Taça de Prata, o “Robertão”.

Tostão e Piazza, craques do time mineiro e amigos de Alcindo, pediam aos companheiros para que não dividissem a bola com ele. Acataram as ordens dos líderes em campo e nem uma paulada em Alcindo, mas ele permaneceu em campo apenas 20 minutos sem que um jogador do Cruzeiro lhe encostasse. Saiu de maca, contorcendo-se de dor. 

O joelho o incomodara ao longo de 1969, mas ninguém no Olímpico queria saber das lamúrias do jogador. A meta era conquistar o octacampeonato gaúcho no ano de inauguração do estádio do rival, o Beira-Rio, e Alcindo era peça fundamental para o Tricolor. 

Alcindo começara a perder espaço no Grêmio. O ídolo fora posto de lado, esquecido numa sala de musculação, enquanto os cartolas tratavam de arrumar um centroavante para o seu lugar. Já haviam contratado dois, Bebeto e Caio, e trazido de volta ao clube Paraguaio, que estava emprestado ao Cruzeiro e que, após cinco anos como “banco” do Alcindo, tomava dele a posição de centroavante.

Em 1970, entrou em campo raríssimas vezes, como descreveu o repórter Divino Fonseca: “Alcindo ficou tanto tempo fora do time que a torcida até o esqueceu. Este ano não chegou a jogar cinco partidas. Hoje é um centroavante sem reflexos, sem direção nos chutes, que precisa de muita força de vontade e também de muita ajuda. Alcindo está sendo apoiado?”.

O treinador Carlos Froner foi enfático sobre o craque: “Ele teve a sua oportunidade. Não fez gol, saiu do time. Agora disputa a posição”.

A instabilidade de Alcindo no Grêmio parecia refletir-se na vida pessoal do jogador. Com as sucessivas viagens do time para a disputa do “Robertão”, Alcindo mal teve tempo para cuidar de seus empreendimentos. Vendeu dois carros e perdeu um posto de gasolina.

Em outubro de 1970, a relação com o Grêmio ficara ainda mais desgastada após Laci Brenner, representante do clube em Novo Hamburgo, oferecer o passe do jogador, por empréstimo, e, em definitivo, os de Áureo e Hélio Pires, em troca do goleiro Ronaldo, do time local, a revelação do campeonato gaúcho. O negócio não foi adiante.

A principal pergunta que circulava na imprensa esportiva da época é como, de uma hora para outra, um ídolo se transformara em um jogador esquecido pela sua torcida e desprezado por cartolas e técnicos do clube para o qual este mesmo craque conquistara inúmeros títulos?

Alcindo foi, até 1969, o melhor jogador do Rio Grande do Sul. Um ícone superior até mesmo a Everaldo, companheiro de Grêmio e “tri” mundial com a seleção, no México, ou a Bráulio e Claudiomiro, que despontavam no Internacional.

A paixão e respeito de Alcindo pelo Grêmio eram insofismáveis.

Em seu apartamento, no bairro Menino Deus, de Porto Alegre, as paredes eram pintadas de azul claro e as poltronas eram azul escuro.

Isso bastaria para que o respeitassem um pouco mais no Olímpico. Para a sua sorte, o Santos pintou na jogada.

O clube de Pelé queria resgatá-lo para o futebol, mas o Grêmio, que insistia em encostá-lo, fazia jogo duro para cedê-lo ao time paulista, que oferecera, em troca, Joel. Rudy Armin Petry, então diretor de futebol, disse um rotundo “não” ao Santos. Ao Alcindo, ele apenas dizia: “Rapaz, eu não sou contra e nem a favor de sua venda. Para mim, você é o melhor atacante do Grêmio. Se não o escalam é outro problema. Você sabe que em manda no time é o técnico”.

Alcindo teria mesmo é que se virar com Froner, para quem a lógica no futebol era imprescindível: se atacante não faz gols, tem de sair do time. Fosse ele ídolo ou não. A torcida chiou e Froner nem aí para a indignação dos gremistas.

No dia 10 de novembro de 1970, na véspera de um jogo entre Grêmio e Santos, Antoninho, técnico do Santos, virou-se para Alcindo e disse que o queria na Vila Belmiro, que acabara de vender o passe de Toninho Guerreiro para o São Paulo.

O Grêmio ainda tinha esperanças em resgatar a boa forma de Alcindo, que passou um mês na Escola de Educação Física do Exército, na Urca, no Rio de Janeiro, para recuperar o joelho atrofiado. Os cartolas pagaram a hospedagem dele, da esposa e do filho.

A relação com o Grêmio, como era notório, já não era a mesma. O Santos deveria ser mesmo a bola da vez.

Como descrevera ao radialista João Carlos Belmonte, ficara parado durante um ano e meio por causa da ruptura dos ligamentos. Enquanto estava fora do time, foi ao Rio de Janeiro para se recuperar na Escola de Educação Física, no Rio. Lá, jogava animadas “peladas” com Carlos Alberto Torres [ex-Santos, Fluminense e Botafogo], Jairzinho [ex-Botafogo e Cruzeiro] e Paulo Henrique [ex-Flamengo]. Foi sondado por dirigentes do Fluminense, com o qual estava praticamente acertada sua transferência. Mas Carlos Alberto Torres e Pelé foram decisivos para que Alcindo mudasse de praia. Da carioca Praia Vermelha, seguiu para as praias santistas. 

Após um mês no Rio, voltou em forma plena. Foi o melhor em campo contra o Fluminense até marcou um gol. Vibrou como o Alcindo do começo da carreira. Mas especulava-se que a troca do preparador físico jogara por terra todo o esforço pela recuperação de Alcindo, como narrou Divino Fonseca:

“Aí botaram o Alcindo para fazer halteres, 30 quilos, e ele ficou duro, sem condições de jogo. Alcindo chiou, mostrou as recomendações do tenente Carlesso, responsável por sua recuperação no Rio, mas não adiantou. O pessoal do Grêmio o colocava sob peso e obrigava a fazer flexões até cair de cansaço. O médico Eduardo de Rosse diz que é assim mesmo, o preparador Ilton Fritzen, um jovem recém-formado, também. E Alcindo se cala, porque já ficou de fora muito tempo e quer voltar de qualquer jeito.”

Alcindo voltara à estaca zero. Estava na lista de 16 jogadores dispensáveis do Grêmio. Além de Santos, o Flamengo também mostrara interesse por ele. Mas quem levou a melhor foi o clube paulista, que levou para a Vila Belmiro o craque Alcindo e deu, em troca, o jogador Mazinho, que acabou na reserva do Grêmio.


Coincidência ou não, em uma tarde de 1971, um corvo voou sobre a casa dos Martha de Freitas, em Sapucaia do Sul. Domesticaram-no e passaram a chamá-lo de Maneco. Seria o prenúncio de mau agouro? Pobre ave, mas…

No auge da crise que o fez deixar o Grêmio, em 1971, Alcindo ouviu duro discurso do então treinador Oto Glória, em entrevista publicada pelo jornal Pato Macho: “Uso Alcindo como um açougueiro faz com a carne estragada. Coloca na frente e iluminada para despertar o interesse dos fregueses”.

Apesar do descaso dos cartolas e a perda do posto de combustíveis e de dois carros, os sete anos no Grêmio fizeram de Alcindo um homem relativamente bem de vida. Ele conseguiu comprar três imóveis e um carro de primeira linha.

Ficou na Vila Belmiro até 1973, ano em foi campeão paulista pelo clube de Pelé, sem, contudo, jogar a final porque precisava embarcar imediatamente para o México. Aventurou-se no futebol mexicano — a convite do ex-capitão do bi mundial, Mauro Ramos de Oliveira —, primeiramente, em 1973, no Jalisco, onde permaneceu por poucos meses — tempo necessário para desbancar o goleador Osvaldo Castro —, e depois no América do México [de 1974 a 1976]. Foi campeão mexicano, após cinco anos de jejum do América, e artilheiro do campeonato na última temporada pelo clube mais popular do México. 

Retornou ao Grêmio para jogar as temporadas de 1976, em que foi artilheiro, e de 77, ano em que conquistou a confiança do técnico Telê Santana e se sagrou mais uma vez campeão gaúcho, mesmo sete quilos acima do peso normal, para calar a boca daqueles que anos antes o defenestraram do Olímpico.

Aliás, um magistral regresso ao Olímpico. Quem praticamente o trouxe de volta ao Grêmio foi a torcida. Essa nunca o esqueceu. Teve até passeata pela volta do Alcindo…

A maior parte do dinheiro empregado veio dos bolsos dos torcedores, que de quinhão em quinhão, fizeram a sua parte. Não houve alternativa ao presidente do Grêmio, Hélio Dourado, a não ser a de repatriar o ídolo.

“Voltei do México disposto a parar com o futebol. Mas o Vieira, antigo ponta-esquerda e técnico dos juvenis, vivia lá em casa me enchendo o saco para eu ir treinar. Fui.”

Alcindo, após uma ruptura do tendão de Aquiles, encerrou a carreira na Francana, interior de São Paulo, em 1979. No ano anterior, foi o artilheiro do time. Craques como Serginho, do São Paulo, Careca, do Guarani, e Palhinha e Sócrates, do Corinthians, ficaram atrás dele na tabela de goleadores do campeonato paulista, que teve Alcindo com 19 gols.

O Grêmio emprestara seu passe sem nada cobrar. Deseja que Alcindo encerrasse a carreira sob a tutela do clube, mesmo que defendendo outro time.

Em um jogo contra o Corinthians, em maio de 1979, seu time perdeu o jogo, mas ele comoveu a todos, com os dois gols que marcou. Um leão em campo.

Apesar das turras com o Grêmio, não teve do que se queixar.

O futebol, até 1979, ano em que deixou os gramados, rendera-lhe alguns bons empreendimentos em Porto Alegre e bens, dentre os quais uma fazenda com 20 alqueires, localizada em Santa Maria, no interior gaúcho.

Só mesmo o famoso vigor físico que ostentava para suportar quebrados o pé direito, o tornozelo esquerdo, algumas costelas e os dois braços. E os esfacelados meniscos do joelho, sua mais grave contusão? Só mesmo Alcindo, o “Galo com esporão” para aguentar isso tudo. Até mesmo inimagináveis formas para perder peso — um de seus mais difíceis desafios ao longo da carreira.

Em dia de jogo, se o achassem com quilos a mais, teria de ser submetido a um método incomum: enrolavam-no em quatro grossos cobertores e ficava quatro horas deitado no meio de campo sob um sol escaldante. “A única colher de chá era um guarda-chuva protegendo a cabeça”.

PIONEIRO NA SELEÇÃO

Alcindo girava o corpo com a bola dominada na área adversária como poucos e completou vários lançamentos precisos de Sérgio Lopes com gols fantásticos. Esse foi seu cartão de visita que lhe garantiu vaga na seleção brasileira.

Um dos maiores artilheiros da história do Grêmio, com 261 gols, marcou 636 vezes em toda a carreira pelos clubes em que jogou. Atacante visado pela torcida do Inter, Alcindo protagonizou algumas histórias quase inverossímeis em dias de Grenais, como o de 1965, quando a torcida do Inter vestiu uma camisa nove do Grêmio em um bode preto na arquibancada, o que deixou Alcindo possesso. Em campo, a resposta do centroavante se traduziu em um gol logo aos dois minutos do primeiro tempo. Aliás, em Grenais, Alcindo balançou a rede treze vezes. Em uma única partida marcou quatro contra o colorado em uma goleada de 5 a 1.

Diante de estatística tão favorável, dá para imaginar o que sentia pelo Alcindo o torcedor do Inter. Tudo, menos afeição. Até macumba fizeram para ele.

A história do polêmico Grenal de 1965 rendeu à beça. Logo na manhã do jogo, deixaram no portão do Olímpico um bode preto com a camisa nove Grêmio [a do Alcindo] varado por uma estaca. Trataram imediatamente de avisar ao Alcindo, que foi conferir o “despacho” de macumbeiros do Inter. Ficou indignado e prometeu vingança horas mais tarde, com a bola nos pés. Logo aos dois minutos de jogo, sem que nenhum jogador do Inter visse a cor da bola, matou-a no peito e soltou a bomba. Gol para cortar o efeito da macumba colorada.

A rivalidade com o zagueiro Scala era famosa. Mas o que realmente empolgava a torcida eram os embates — às vezes mais acirrados — entre Alcindo e o goleiro Gainete. “A verdade é que as nossas brigas, às vezes, atraíam mais público do que o próprio jogo”, descreveu Gainete ao repórter Divino Fonseca. E não era lorota do Gainete. Em mais um Grenal, um repórter de rádio pediu ao Alcindo para falar com Gainete, mas sem avisá-lo de que se tratava do desafeto. “Quem fala aí? Quem? Não quero conversa contigo. Vai pro inferno”.


Alcindo foi o primeiro jogador do Grêmio a ser convocado para uma Copa do Mundo. Embarcou com o time de Vicente Feola, em 1966, para a Inglaterra. Jogou contra a Bulgária, no dia 12 de julho, e contra a Hungria, no dia 15. Hoje, Alcindo reconhece que fisicamente não estava preparado para ir à Copa de 66. Mesmo assim, apesar das duas fissuras que tinha no pé — que lhe obrigaram a engessar a perna por duas vezes antes do mundial — e com a pressão dos dirigentes do Grêmio em projetá-lo internacionalmente, seguiu com a desorganizada delegação para a Europa.

Quinze anos após a Copa de 66, acusou o médico da seleção brasileira, Hílton Gosling, de tê-lo anestesiado o tornozelo para que entrasse em campo: “Em dois jogos da Copa de 66, contra a Bulgária e Hungria, ele [Gosling] infiltrou [sic] meu tornozelo”.

Pela seleção, Alcindo atuou sete vezes, venceu quatro e empatou outras duas. Marcou apenas um gol. Seu último jogo com a camisa da seleção foi no empate em 0 a 0 contra o Uruguai, em 25 de junho de 1967.

Alcindo deixou quatro filhos, um deles, o Juan Carlos, nasceu na Cidade do México, para onde o centroavante transferiu-se após a temporada no Santos. Morava em Porto Alegre, onde nem mesmo o diabetes, que lhe custou a visão do olho esquerdo, impedia-o de revelar jovens jogadores. Antes do trabalho social na capital gaúcha, Alcindo trabalhou em Pinhal, a 500 quilômetros de Porto Alegre, como coordenador de esportes da prefeitura local. Como técnico, uma rápida passagem pelo Passo Fundo.

Na estranha e lúgubre noite daquele sábado, 27 de agosto de 2016, o nobre Alcindo morreu vítima da insidiosa e não menos impiedosa diabetes. Estava há dias internado no Hospital São Lucas, da PUC-RS. No mês anterior, o clube gaúcho promoveu uma campanha junto aos torcedores para doação de sangue ao ídolo. Alcindo estava há quatro torturantes meses internado em tratamento.   

O ídolo entrou para história do futebol brasileiro como um dos jogadores mais obstinados que o torcedor já vira nos gramados de todo o país. Um terror para os zagueiros, que agradeceram a Deus quando o “Bugre” decidiu abandonar os campos. E isso custou à beça a acontecer. Mesmo contrariando os limites do corpo, ele insistia em jogar bola. “Sabe, lá no Rio Grande do Sul tem um ditado: ‘Cachorro comedor de ovelha, só matando’. Eu sou esse cachorro, e o futebol, a minha ovelha”.

Assim falou o “Zaratustra” gremista.

O MENINO, AS LÁGRIMAS E O ESCUDO

(Para o amigo Daniel Hirschmann, que soube dizer a um menino as palavras certas no momento mais necessário)

por Claudio Lovato


O menino chora, de cabeça baixa, os cotovelos apoiados na mesa, o rosto escondido entre as mãos. Seu time perdeu.

O pai é jovem, e está ao lado; o gestual é idêntico ao do filho, apenas não chora.

A mãe, de pé ao lado deles, não sabe o que fazer.

Então um homem mais velho, também vestido com camisa do clube, se aproxima do menino, coloca a mão no ombro dele e lhe diz em voz baixa:

– Não desiste desta camisa. Ela ainda vai te dar muitas alegrias. Certo?

A mãe sorri para o homem, agradecida. O pai se mantém calado. O menino balança a cabeça em sinal de concordância.

O homem retorna à mesa em que estão sua esposa e dois amigos, ambos veteranos de muitas batalhas assim como ele.

Não se sabe o que será do menino. Pode-se imaginar que não desistirá, que persistirá. Ele sabe que pode esperar o melhor de seu clube, pois, apesar de ser ainda um menino, já vivenciou vitórias e conquitas extraordinárias.

O certo é isto: enquanto existir um menino que chore por seu escudo, o futebol seguirá vivendo.

Seguirá vivendo da forma que deve.

QUANDO O CASTIGO VEM A CAVALO

por Luis Filipe Chateaubriand


Pois é… Mais uma vez, Renato Gaúcho e os dirigentes gremistas desprezaram o Campeonato Brasileiro, para priorizarem Libertadores da América e Copa do Brasil.

Como em todos os anos, time titular nos jogos da Libertadores da América e da Copa do Brasil, time reserva na maioria dos jogos do Campeonato Brasileiro.

O principal certame de nosso futebol sendo menosprezado, sendo descartado, sendo vilipendiado!

O resultado? Nem título do Campeonato Brasileiro, nem título da Copa do Brasil, nem título da Libertadores da América!

Ao “jogar para escanteio” o que é sagrado, degringolou em tudo!

Muito bem feito!

Mas, como diz o adágio popular, “não há nada tão ruim que não possa piorar”: colocar o Campeonato Brasileiro em tão má conta pode custar… a vaga na Libertadores da América da próxima temporada! 

Será mais do que merecido!

Renato Gaúcho é um grande técnico – dos poucos no Brasil que merece esse qualificativo – e foi um grande jogador. 

A diretoria do Grêmio é tida como inovadora e comprometida com as melhorias de nosso futebol.

Que ambos aprendam a lição: fazer o Grêmio menoscabar o Campeonato Brasileiro só pode dar em vexame.

Isso é apequenar o colossal Tricolor dos Pampas, e essa imensa potência de nosso futebol não merece isso!

Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há 40 anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email: luisfilipechateaubriand@gmail.com.