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DE VOLTA AO CANAL 100

por Rubens Lemos


Pelas lentes do Canal 100, as sessões de cinema ganharam o charme dos grandes clássicos. Da bola na tela gigante fermentando o sonho dos meninos do Brasil. Ao passar pelo que restou do Cinema Rio Grande em Natal, reacende a empoeirada nostalgia. Ali moram fantasmas, tenho absoluta certeza. No seu aspecto de basílica das emoções tecidas de ternura, há mistérios na escuridão silenciosa das suas manhãs.

Era de calção de tecido, camisa de botão, sapato e meia que eu frequentava o Rio Grande para filmes infantis. Era o que pensava a minha tia-avó Marilda França, me puxando pelo braço, gastando sua aposentadoria de funcionária dos Correios e Telégrafos em pipocas, sonhos de noiva estrelados de açúcar, depois sorvetes com recheio de mel na Casa da Maçã.


A imagem do Canal 100, abertas as cortinas, me fez escravo de uma energia magnética, sedutora, hipnótica. Fui possuído pelos fluidos do futebol. Durante cinco minutos, jogos importantes no Maracanã, no Morumbi, Pacaembu, em qualquer lugar em que as câmeras de Carlos Niemeyer pudessem chegar. Os ídolos saltavam, driblavam em cinemascope, como se pudessem pular direto dos meus times de futebol de botão. A voz grave de Cid Moreira sob os acordes de Na Cadência do Samba, o título registrado da música que todo mundo sabe que se chama na verdade popular “Que Bonito é”. Bonito é avareza. Inigualável é saudade e exagero do fanatismo do bem. Sentíamos o calor das divididas, fazíamos leitura labial dos xingamentos, íamos, na imaginação, às arquibancadas onde a expressão facial do torcedor demonstrava seu desencanto e a sua extrema euforia.

O Canal 100 foi a estética perfeita do futebol. O Canal 100 nos punha dentro da trama, que era o jogo. Os malabarismos de Zico, agigantados, pareciam estar sendo aplicados em frente à minha casa, na rua de calçamento onde batíamos pelada ao sol do meio-dia, com traves feitas de cano ou com nossos próprios chinelos.

Lá eu conheci Rivellino. Na finta mais desmoralizante e consagradora da história ludopédica: O elástico sobre o correto Alcir Portela do Vasco, marcador impotente, que paralisado, sentiu a bola passar pelo meio das suas pernas sem que pudesse mover um músculo do corpo, quase um alvo atingido no bulbo, região elaboradora dos reflexos cerebrais.

Garrincha driblando, pondo a linha defensiva do Vasco a dançar um balé patético, em fila inútil a persegui-lo. Garrincha fintando Gerson num Botafogo x Flamengo em 1962, Gerson lançando Jairzinho, Pelé em recitais. Em seu repertório sem canto final.


O Canal 100 é uma paixão. Em 1994, na extinta TV Manchete, Milton Neves passou a reprisá-lo diariamente. Terminava o Jornal da Manchete, com o professor dos repórteres políticos, Villas- Bôas Corrêa e a linda apresentadora Márcia Peltier, e entravam os lances de Ademir da Guia, Adílio, Coutinho, Canhoteiro, Didi, Julinho, Tostão, Dirceu Lopes, Mengálvio, Geovani, Pintinho, Paulo César, Rogério, Afonsinho, Marinho Chagas, Luis Pereira, e tantos cobras, expressão repetida nos textos lidos por Cid Moreira. Religiosamente (o futebol é meu mantra), gravei todos os jogos exibidos em Fitas VHS. É um acervo majestoso, o tesouro que tenho e, que, pela vocação herdada, compartilho com amigos diletos e queridos, igualmente apaixonados.

É quando eu, que nunca fui ator, me sinto Totó, o menino Salvatore, do antológico Cinema Paradiso, ao revisitar suas saudades, seus amores, sua concepção de vida real.

BEBETO: MUITO ALÉM DO SEU PRÓPRIO TEMPO

por Mauro Ferreira


Naquela noite, o time de vôlei do Municipal tremeu. Clube da zona norte do Rio de Janeiro, não era páreo para o Botafogo, com mais da metade de seu elenco inteiro convocado para a Seleção Brasileira. Mas, o destaque dos destaques era seu levantador. Sobrinho de João Saldanha, atrevido como o tio, Bebeto (ainda não havia incorporado o “de Freitas”) era um mágico. Era o tempo em que o vôlei tinha regras muito distintas das atuais. Naquela época, havia a vantagem e o ponto só acontecia após o saque ser confirmado. O set era de 15 pontos, embora muito mais longo. Mas o que consagrava Bebeto era o bloqueio valer como toque. O levantador precisava dominar os fundamentos manchete e toque com precisão. Precisava colocar a bola na pinta para os atacantes, sem cometer dois toques ou condução. E aí, Bebeto sobrava.


O jogo contra o Municipal naquela noite foi um passeio. Três sets a zero, parciais de 15/1, 15/1 e 15/0. Do massacre botafoguense ficou na memória um lance: o ataque explodiu no bloqueio, e a bola ia cair atrás dele, sem peso, mansa. Bebeto então surge, rola e se posiciona embaixo da bola que estava a menos de um metro de distância do chão. Com um toque preciso faz o levantamento para Paulão, ponta-atacante do Botafogo. Do outro lado da quadra, o levantador do Municipal estava estático. Não montou o bloqueio duplo para evitar o ataque de Paulão. Ainda olhava para Bebeto, admirando aquele ser do outro mundo.

O tempo passou. Enquanto Bebeto incorporava o “de Freitas” e assumia o cargo de treinador da Seleção Brasileira de Vôlei, o levantador do Municipal era agora jornalista esportivo. Assim como antes, Bebeto de Freitas inovava. Ao perceber que tinha jogadores mais baixos que seus principais adversários, apostou num jeito brasileiro de jogar, incorporando a velocidade asiática no ataque e o posicionamento mais dentro de quadra das escolas soviética e polonesa. Aliou a isso, a inventividade de seus jogadores. Foi com ele que Bernard trouxe da praia o saque Jornada nas Estrelas e William o Viagem ao Fundo do Mar. Foi também de Bebeto a ideia de bloquear o saque adversário. 


O Brasil, até então mediano no cenário mundial do Vôlei, passou a protagonista, conquistando a medalha de prata na Olimpíada de Los Angeles. Era ele o técnico na vitória sobre a até então imbatível União Soviética de Savin e Zaitsev, no Maracanãzinho, por três sets a dois (2/15, 15/13, 15/12, 13/15 e 15/7), partida que durou três horas e meia. Era a final do Mundialito realizado no Rio, dois anos antes dos Jogos Olímpicos. Ali, naquela quadra, naquele 25 de setembro de 1982, começava a hegemonia brasileira. Um ano depois, de novo contra a União Soviética, a histórica partida no Maracanã, debaixo de um público de mais de 90 mil pessoas e uma chuva torrencial. Mais uma vitória brasileira, dessa vez por três sets a um.


Bebeto formou uma gangue de exímios levantadores. William, Bernardinho, Maurício, Ricardinho (a quem classificava de genial), Marcelinho… todos têm no seu DNA cadeias genéticas transferidas pelo treinador. Bernardinho é o que mais se aproxima. Não pela qualidade técnica de jogador, mas pelo confessado aluno que foi. “Eu sentava ao lado dele no banco para aprender. Não era o titular da seleção e dei sorte. Suguei o que podia”, disse uma vez. Mas era o titular do time da Atlântica-Boavista, equipe profissional também dirigida por Bebeto e bancada pelo mecenas Antonio Carlos de Almeida Braga, o Braguinha, dono da gigante corretora de valores da época,. Saiu da seleção ao brigar com Carlos Arthur Nuzman, então presidente da CBV, e seu antigo companheiro de time, no Botafogo. Bebeto foi para a Itália provocar nova revolução e transferindo a hegemonia do leste europeu para o vôlei italiano. Por aqui, seus discípulos Radamés Lattari Filho, José Roberto Guimarães e Bernardinho tratavam de dar continuidade ao seu trabalho de fazer o Brasil liderar o vôlei mundial

Inquieto e apaixonado pelo Botafogo, Bebeto se meteu no que classificou de “a pior fria da minha vida”. Assumiu a presidência do clube e, com uma administração corajosa – e também controversa – imprimiu nova imagem, marcada, principalmente, pelo arrendamento do Estádio Nilton Santos. As constantes brigas internas no Botafogo – o gênio do tio Saldanha era uma de suas características de comportamento – fizeram com que se afastasse do clube. Um dia, chorando, disse: “eles não sabem o quanto eu amo o Botafogo. Eles não sabem”. 

Inquieto, inovador, brigão, carinhoso, exigente, amoroso e genial, Bebeto de Freitas morreu. Aos 68 anos, um ataque fez seu coração enorme parar de bater. Fazia o que mais gostava: inovar. Trazia para o Atlético Mineiro um time de futebol americano, um projeto pronto, sem custo e vencedor, como afirmou em entrevista coletiva, minutos antes cair ao chão no Hotel da Cidade do Galo. 


Bebeto não deixa vazios. Seu legado é imenso e sempre foi prazeroso para ele transferir conhecimento. Parafraseando Getúlio Vargas, Bebeto de Freitas saiu da vida e entrou para a história. O vôlei brasileiro é o que é, hoje, por sua culpa.

Em tempo: o levantador do Municipal que assistiu atônito aquela obra de arte produzida por Bebeto era eu.

 

A FINAL DA COPA E UMA FESTA JUNINA EM BRAGANÇA

por Marcelo Mendez

Não sabia exatamente o que faríamos em Bragança Paulista naquele domingo.


As pessoas do mundo adulto não se preocupam muito em explicar as coisas da logística para os meninos de 8 anos de idade. Fato é que naquele domingo de 1978, me vi dentro de uma das duas kombis que levariam minha família para um lugar de nome “Água Cumprida” para fazer alguma coisa no interior de São Paulo.

No caminho, prestando atenção nas conversas dos meus tios, descobri que iríamos até lá por conta dos parentes do meu bisavô, a parte espanhola da família, que ao invés de vir para o ABC, ficou pelo interior do estado. E por lá, todos os anos eles faziam uma festa junina ou coisa do tipo. Fiquei mais feliz.

Chegando no lugar, um cenário típico de cidade do interior.

Água Cumprida é, ou era (Não sei se ainda existe como tal…) um bairro de Bragança. Por lá havia uma igreja no alto de um morro, um largo grande rodeando uma praça com um coreto, a casa dos tios e um campo envolto num enorme bambuzal. Por conta da festa, dos bailes e cantorias, não havia atividades no campo de futebol e as atenções do dia ficaram todas centradas nos tais festejos.

Daquela maneira, passamos o nosso domingo sem saber de muita coisa do que havia, até que Tio Zezinho, lá pelas 16h anunciou:

– Pessoal, encontrei um bar ali com uma TV. Vai dar para ver a final da Copa!

– Ah, Zé… Não quero mais saber de nada desse torneio roubado, não! – falou meu tio João, ainda sentindo as dores do que havia acontecido no episódio do 6×0 da Argentina no Peru, que nos tirou do certame:

– Oras, deixa de besteira, João. É uma final…

– Zé, não quero saber. E outra, você vê la que a gente vai sair daqui umas 18h, hein!!”

Meio que contrariado meu tio saiu rumo ao bar. No meio do caminho ele me viu:

– Marcelo, vem comigo ver o jogo. Te pago uma coxinha e um guaraná caçulinha!


Muito mais persuadido pela barganha da coxinha com o guaraná, do que pelo espírito de corpo e solidariedade com o tio, fui com ele. Chegamos na hora da entrada dos times em campo e achei bonita toda aquela festa do povo Argentino. O jogo foi emocionante.

No tempo normal, 1×1 e uma bola na trave da Argentina, chutada por Rensenbrink aos 45 do segundo tempo. Por muito pouco a Argentina não perde ali as suas chances de sonhar. Mas a partida foi para prorrogação e então, o cabeludo que não gostávamos, de nome Kempes, acabou com o jogo que acabou em 3×1 e a Argentina conseguiu seu caneco.

Depois do jogo, me lembro muito mais das broncas todas que Tio Zezinho levou, do que de alguma resenha sobre o ocorrido. Por conta de a gente ver o jogo, a volta da família para Santo André demorou mais ainda.

No caminho, eu pensava nisso que havia terminado. Foi a primeira Copa que eu vi, o Brasil que não perdeu para ninguém, ficou em terceiro lugar, um dia antes havia vencido a Itália e não houve festa como de costume. Entendi que para os meus iguais Brasileiros não havia meio termo em se tratando de Copa:

Ou ganha, ou não vale nada. Mas isso era apenas uma impressão de menino.

A próxima Copa me mostraria que nem sempre é assim…

OBRIGADO, VALENTIM!


Conhecido carinhosamente pelos colegas de profissão como “professor”, o repórter fotográfico Raimundo Valentim morreu na madrugada desta segunda-feira.

Formado na Faculdade de Comunicação Hélio Alonso (FACHA), Valentim iniciou sua carreira em 1979 e, com belos trabalhos nos jornais O Dia, Jornal dos Sports, Jornal do Brasil, Estadão e O Globo, deixou saudades por onde passou. Em Manaus, trabalhou nos jornais A Crítica, Estado do Amazonas, Diário do Amazonas e Em Tempo.

Uma das fotos mais famosas de Valentim registra o exato momento de um lance polêmico que rende resenha até hoje, 19 anos depois. Trata-se do gol de Maurício, após empurrão em Leonardo, que deu o título carioca do Botafogo em 1989.


Assim como os grandes gênios do futebol, o fotógrafo tinha um olhar apurado e parecia antever as jogadas para fazer os mais belos cliques.

LENDAS DE UM VESTIÁRIO

por Zé Roberto Padilha


Delei foi um daqueles raros gênios a habitar nosso meio de campo que não precisava correr com a bola. Tinha como marca registrada uma cavadinha que a levava com precisão, como naquela configuração gráfica do Messenger, dos seus pés até o espaço em que o Aldo de um lado, e o Branco do outro, ocupariam nas costas dos laterais para colocar a bola à feição das cabeçadas do Washington. E do Assis. Mas após o tricampeonato de 1985, dizem pelos vestiários, que ficam impregnados de histórias e estórias, nosso craque deu uma relaxada. E a noite, implacável, superou o treinamento do dia e aí as pernas não aguentavam mais enviar precisos Messenger para ninguém.

E o supervisor do Fluminense, Roberto Alvarenga, sempre muito correto e profissional, passou a cobrar dele uma dedicação maior. Primeiro com o atleta, depois com o grupo e mais tarde junto à imprensa. E Delei acabou barrado e saiu do time contrariado. E prometeu vingança. Passou a se cuidar e ele, hoje, Deputado Federal, quando aliava condição física ao seu natural talento, não tinha para nenhum Leomir, Renê, ou quem mais rondasse aquela faixa intermediária de campo disputando uma vaga. Em duas semanas, recuperou a camisa 5 e, contra o Botafogo, foi o melhor em campo. Antes, armara na concentração uma pegadinha, tudo combinado com seus colegas de trabalho..


Após a partida, atrasou um pouco seu banho e circulou de toalha pelo vestiário, com seu Motoradio em punho, a amealhar afagos e elogios em meio a festa pela vitória. De soslaio, mantinha o Roberto sob controle, e calculando seu inevitável assédio se posicionou no centro do vestiário. E quando o Roberto lhe alcançou e lhe abraçou, soltou um grito: “Socorro! Me acudam, fui esfaqueado!”. E simulou um gesto a tentar retirar um suposto punhal encravado às suas costas. E se jogou ao chão. Os jogadores, já sabendo da trama, correram a ajudá-lo com toalhas e até o massagista foi em sua direção com sua maleta de primeiros socorros.

Diz a lenda, implacável grudada aos azulejos, sem direito à defesa dos que precocemente nos deixaram cheios de saudades, estejam no céu ou em seu gabinete em Brasília, que Roberto Alvarenga deixou o Maracanã todo sem graça. E nunca mais se meteu com “esta raça” que um dia fiz parte. Que tanta vezes levantava um brinde à mais, chegava em casa um pouco mais tarde, e ao treino da manhã também, como a prever, ao estender seus momentos de glória, a quantidade de dias que passariam esquecidos. A tal facada, do ostracismo, da falta de reconhecimento dos clubes e dos torcedores quando paramos de jogar, esta vai continuar doendo pro resto da vida.