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claudio lovato filho

MEU SIMPLES MANIFESTO

por Claudio Lovato Filho


O amor que sinto pelo meu clube vem de longe, de há muito tempo.

Ele não me deixa esquecer quem eu sou.

Não me deixa esquecer quem eu fui.

A camiseta que uso, em casa e na rua, nas horas boas e más, não me deixa esquecer quem eu sou.

Não me deixa esquecer quem eu fui.

Somos o que somos também por causa das nossas escolhas, e elas começam a ser feitas muito antes de se tornarem claras para nós.

De se tornarem evidentes.

Nossas escolhas pertencem a nós e nós pertencemos a elas.

O amor que sinto pelo meu clube é incondicional, como todo verdadeiro amor.

É coisa de infância, de história, de escudo.

Assim, então, portanto, meu irmão, minha irmã, não tem choro nem vela.

É imortal.

Incondicional e Imortal.

E que vão para o diabo que os carregue todos os que, de alguma forma – com sua inépcia –, contribuíram para que chegássemos a um momento como este.

Vida que segue. Estaremos sempre aqui. Para o que der e vier.

Vamos em frente, com esse amor que sempre nos caracterizou, esse amor que é engastado no centro da alma, como todo verdadeiro amor, e que nunca nos deixará esquecer o que somos.

Somos GREMISTAS.

E não há nem haverá, jamais, palavras suficientemente capazes de descrever o quanto isso é maravilhoso e sempre será.

PASTA DE PAPELÃO

por Claudio Lovato Filho


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– O que ele tem?

– Não sei. Faz dois dias que está lá no quarto, agarrado naquela pasta de papelão. Não quer sair pra nada. Perguntei se ele estava sentindo alguma coisa, se queria ir ao médico, mas ele disse que não, você conhece o seu irmão.

– À noite eu passo aí.

– Obrigada, querido!

Desligaram.

Ele ficou pensando no irmão, seu irmão mais velho, trancado no quarto.

À noite, depois de cumprimentar a cunhada, ele avançou pelo corredor do apartamento, e, lá no fim, deu duas batidas na porta do quarto do casal.

– Chico, posso entrar?

Ele não ouviu resposta.

Deu mais uma batida e foi entrando devagar.

– Oi, garoto! – disse o irmão mais velho enquanto se erguia e sentava na beirada da cama.

O irmão mais novo viu a velha pasta de papelão verde com elástico preto nas extremidades em cima da cama.

– Está tudo bem? – ele perguntou ao irmão mais velho.

O irmão mais velho ficou olhando para ele sem dizer nada.

O irmão mais novo sabia o que havia na pasta. Algumas vezes haviam passeado juntos pelo seu conteúdo. Eram reportagens sobre a carreira do irmão mais velho, ex-meio-campo com passagens vitoriosas por alguns dos maiores clubes do país. Havia também fotos presenteadas por um grande fotógrafo esportivo de quem ele se tornara amigo. As lembranças da carreira do irmão mais velho estavam espalhadas pela casa – em algumas caixas, em um armário, no computador –, mas aquela velha pasta de papelão continha a nata das memórias, uma seleta do que aconteceu de mais importante, registros de alto poder simbólico que abarcavam toda sua trajetória, desde os tempos em que, ainda adolescente, fora promovido a profissional no clube que jamais deixou de ser seu clube do coração até a despedida do futebol em outro grande clube pelo qual, já veterano, conquistara um campeonato nacional.

O irmão mais novo se sentou ao lado do mais velho na beirada da cama. 

– Aconteceu alguma coisa?

Passou-se algum tempo até que o irmão mais velho respondesse.

– Nada. Não aconteceu nada. Esse é o problema. Nunca acontece nada. Nunca mais aconteceu nada. 

– Não diz isso, Chico! Quanta coisa boa tem na sua vida!

O mais velho não disse nada por algum tempo. E então:

– Agora dei para começar a ficar nervoso quando o telefone toca, quando chamam no interfone, até quando chega uma mensagem… Caraca! 

Ficaram mais um tempo quietos no quarto iluminado apenas pela claridade que vinha da rua.

– Quer sair pra conversar? Vamos dar uma passada lá no bar do Bento? 

– Não, não estou pra isso, vou ficar na minha! – disse o mais velho com um meio sorriso. 

– Estou na boa, pode ir tranquilo.

– Então vamos ver o jogo juntos amanhã. Vai lá pra casa!

– Pode ser. Amanhã a gente combina.

O irmão mais novo se levantou apoiando uma das mãos no ombro do outro.

– Tá bom. Estou indo. Fica bem. Valeu? 

Quando estava abrindo a porta, ouviu a voz do irmão mais velho às costas. 

– Toma. Leva isto com você. 

Ele se virou e olhou para a pasta nas mãos do irmão mais velho.

– Por quê?

– Leva com você e faz o que quiser com o que tem aí.

– Isso é seu, é importante pra você.

– Pega!

Ele pegou a pasta e foi embora.

No carro, antes de dar a partida, colocou a pasta no colo e a abriu. Mais uma vez, conforme folheava as páginas de jornais e revistas, as impressões de matérias de sites e blogs em papel A4 e as fotos, ele pensou, orgulhoso, no sucesso que o irmão conseguira fazer.

Encontrou uma reportagem feita quando o irmão já era veterano, mas ainda jogava em alto nível, e que incluía uma foto de arquivo, já bastante antiga à época, em que apareciam, lado a lado, o irmão mais velho, no começo da carreira, e ele, o mais novo, então uma criança, ambos com o uniforme completo do clube. A matéria, de duas páginas, que agora lhe chamava a atenção de um jeito diferente, incluía uma entrevista em formato de perguntas e respostas. O último questionamento se referia ao período pós-carreira.

“Você já pensou no que gostaria de fazer depois que parar de jogar?”

E a resposta dele:

“Sinceramente, não penso nisso. Vou deixar para pensar quando chegar a hora. Mas ainda vai demorar! (risos)”

Ele fechou a pasta pensando no irmão mais velho, em tudo o que o irmão fez, tentando imaginar o que estava por vir.

“Um dia de cada vez”, ele pensou. “Um passo depois do outro”.

Então ligou o rádio no volume mais alto que podia tolerar e arrancou.

Enquanto isso, lá em cima, no apartamento, o irmão mais velho virava-se de lado na cama e pegava no sono, em paz (a paz possível), como há tempos não conseguia.

MINHA GUERRA PELO TEU NOME

por Cláudio Lovato Filho


Ele passou o diabo para reabilitar a imagem do velho.

Foi ameaçado nas redes sociais, confrontado na rua, colecionou inimigos: os filhos, os amigos, os filhos dos amigos e os parentes daqueles que transformaram seu pai em um pária e escarraram em sua memória. 

Tudo por causa de um lance protagonizado pelo velho, zagueiro seguro e de boa técnica: uma rosca, uma espirrada de taco, o gol contra. E a taça – pela primeira vez na história do clube situada a uma distância possível, um sonho realizável – escorrendo entre os dedos. 

Então algum ressentido, alguém com voz levada em conta naquela cidade hipócrita, levantou a suspeita: e se é gaveteiro? E se estava comprado? E rapidamente outros medíocres amargurados, outros “donos da cidade”, compraram a ideia e aquilo em pouco tempo se tornou consenso: é gaveteiro; estava comprado. Vendido.

Os companheiros silenciaram. Nenhum dirigente saiu em defesa dele. A imprensa local – tacanha e provinciana que só ela – gostou da repercussão daqueles títulos canhestros, tendenciosos, falaciosos, e comprou o boato para vender como fato. 

Mas por fim ele, o filho obstinado, o herdeiro do pária, com a ajuda de um jornalista obcecado pela história do futebol conseguiu seu trunfo e troféu: uma reportagem especial no site de esportes mais lido do país. 

A foto do velho abrindo a matéria: ele sendo cuspido e levando um soco na cabeça de um torcedor que conseguira romper o (falso) cordão dos seguranças do clube. 

A segunda foto: o velho, alguns anos após ter encerrado precocemente a carreira, sentado num tronco podre na frente do sítio modesto, com uma caneca branca esmaltada na mão direita e um cigarro entre os dedos da mão esquerda. No rosto barbado, barba grisalha desgrenhada, a falta absoluta de expressão; uma neutralidade fisionômica que sugeria morte. O pai a algumas semanas da morte. Dava para ver num canto da foto, se sobressaindo da velha árvore de tantas fotos de família, o galho grosso no qual ele passara a corda em que pendurou e sufocou toda a melancolia que lhe corroía os ossos e a alma e lhe drenou por completo a vontade de prosseguir.

Sim, ele comeu o pão que o diabo amassou para limpar o nome do velho e recontar aquela história que um grupo de filhos-da-puta inventou para condenar ao patíbulo da execração pública um homem de comportamento humilde e pacífico vindo da parte mais pobre e esquecida e mal falada daquela cidade. 

Agora ele só pensava numa coisa: transladar os restos mortais do velho – da cova com uma cruz de pau feita lá nos fundos do sítio ruinoso para o cemitério principal daquela cidade que o escorraçou como se fosse uma secreção, um dejeto contaminado, uma doença contagiosa.

Ele daria ao pai um sepultamento digno. Esfregaria a morte – o assassinato – do pai na cara de todos. E, de tempos em tempos, visitaria o túmulo para lustrar as letras douradas do epitáfio que ele próprio, o único filho do homem transformado em criatura abjeta de caráter purulento, escreveu: 

“Aqui estou para que vocês jamais se esqueçam de sentir vergonha pelo que são”.

Mas ele sabe que é provável que ninguém leia aquelas palavras. E os que porventura as lerem certamente não acharão que elas são endereçadas a eles, comprovando-se assim típicos habitantes daquela cidade cheia de máculas e sem alma.

DIA DE FESTA AZUL, PRETA E BRANCA

por Claudio Lovato Filho


Com ele, sempre foi assim: a personalidade – toda ela – se refletindo no futebol.

Primeiro como jogador: explosivo, atrevido, autoconfiante, incansável. 

Assim ele já era em Bento Gonçalves, no time da fábrica de móveis em que trabalhava como montador.

Depois no Esportivo.

E, então, o Grêmio. E o mágico e abençoado ano de 1983.

Libertadores conquistada no Olímpico.

O gol da vitória originado de um lance louco e genial dele: acossado por uruguaios entre a lateral e a linha de fundo, as embaixadas, o balão para a área mais improvável de todos os tempos, mandando a Cesar o que era também de César.

Em dezembro, Tóquio. E o duelo com o Hamburgo, vencedor do confronto europeu contra a Juventus de Platini, Paolo Rossi, Zoff, Boniek, Bettega, Gentille, Tardelli, Scirea, Cabrini.

E ele: corte pra cá, corte pra lá, bola entre o goleiro e a trave, gol.

E ele de novo: corte pra cá, canhota na bola, gol.

Tem gente que cai na estrada e ganha o mundo. Tem gente que fica em casa e ganha o mundo de outra maneira. Quem é mais feliz? Impossível dizer. Ele se foi. Para o Rio, para Roma, para Belo Horizonte.

Rodou, rodou e, um dia, decidiu virar técnico, porque não conseguiria viver fora do futebol.

Amadureceu. Cada vez mais sábio. Mais sereno. Vantagens dos cabelos brancos. 

Comandante. Melhor: líder. Melhor ainda: mestre amigo.

Na terceira passagem pelo Grêmio como treinador, o tri da Libertadores, o único brasileiro campeão da Liberta como jogador e como técnico. E pelo mesmo clube.


Parabéns, Renato. Feliz aniversário, Homem-gol. A Nação Azul, Preta e Branca te abraça. O biógrafo Marcos Eduardo Neves não cansa de avisar aos desavisados que o dia do teu aniversário é hoje, 22 de janeiro, e não 9 de setembro. São 59 verões hoje!

Obrigado, Renato, pelo que fizeste pelo nosso escudo. Porque o escudo, como disse o Bielsa, é o que o emociona. Nada é mais importante que o escudo. E tu fizeste e continuas fazendo muito pelo nosso. Ontem, de meias arriadas, correndo pela ponta, como se não fosse haver amanhã. Hoje, na beira do campo, na condição de nosso treinador recordista de partidas.

Quanta coisa ainda está por vir nesta história mágica em três cores? Quanta coisa ainda está por vir nesta história mágica em três cores!(Interrogação seguida de enfática exclamação, claro.)

Porque contigo sempre foi assim, desde os tempos em que chegávamos mais cedo para te ver jogar pelos juvenis, no Olímpico: a expectativa ilimitada pelo que tu nos proporcionaria a seguir. A espera por algo extraordinário fadado a acontecer – saído dos teus pés, da tua cabeça. Às vezes, quando tudo indicava o contrário. Às vezes, quando muitos achavam que tu não serias capaz. Malsabiam eles que, aí sim, era exatamente quando se quebravam.

Sempre assim. Desde os tempos do time da fábrica de móveis, lá em Bento, passando pelos argentinos do Estudiantes, os uruguaios do Peñarol, os alemães do Hamburgo, até o tri da Libertadores, até o jogo do próximo fim de semana, e tudo o mais que estiver a caminho.

VOTOS DE FIM DE ANO AO TORCEDOR DE FÉ

por Cláudio Lovato Filho


Que em 2021

Você mande seus temores para longe

Com a potência de um chute do Éder Aleixo

Que você enxergue à distância e atinja seus objetivos

Com a precisão de um lançamento do Gerson

Que você não desperdice suas oportunidades

E as aproveite do jeito certo

Como Alcindo, Careca, Romário e Ronaldo

Nascidos artilheiros

Que você resolva seus problemas

Com a vivacidade e a habilidade do Mário Sérgio 

Que olhava para um lado e mandava a bola para o outro

Vesgo genial

Que você, mesmo no meio do caos, se mantenha lúcido e seguro

Como Airton Pavilhão

Que neste novo ano que se aproxima

Esse 2021 tão aguardado

Alvo de tantas esperanças

Você jamais admita a hipótese de jogar a toalha 

Como nos ensinou Didi em 58 

Bola debaixo do braço, cabeça erguida, caminhando em direção ao grande círculo 

Que você seja generoso e solidário como o Doutor Sócrates

Parceiro, amigo, camarada 

Chapa que dava passe de chapa e de calcanhar

E deixava os companheiros na cara do gol

Com a mensagem de que juntos somos mais fortes

Que você nunca deixe de se divertir

Como se divertiu Garrincha

Que sorriu e fez sorrir

E, como ele, nunca abandone o menino que há em você

Que você, mesmo quando o vento estiver soprando contra, 

Consiga ter a serenidade do Ademir da Guia

Mas que, quando preciso,

Seja sanguíneo

Mande tudo às favas 

E faça aquilo que lhe der na telha

Como Renato Portaluppi em Tóquio (e em outros lugares)

Porque às vezes é preciso explodir, meu amigo

Fazer aquilo que ninguém espera

Talvez nem você mesmo 

Que em 2021 

Você não se contente com menos do que com aquilo que realmente deseja 

Bola na gaveta ou no meio do gol

Com jeito ou com força

Como nas faltas de Zico, Roberto, Tadeu Ricci 

E de Rivelino, Nelinho, Branco

E, claro, que você não aceite aquilo que não lhe é devido

E feche a porta como Lara, Gilmar, Manga, Leão, Mazaropi

Que você entenda que tem o direito às suas convicções

E também à sua teimosia

De preferência para realizar coisas belas e dignas de compor um legado inspirador 

Como fizeram Telê e Ênio

Enfim,

Que em 2021

Torcedor apaixonado

Você se torne seu próprio Pelé – com tudo aquilo que faz de você, e só de você, o ser humano que você é, de um jeito que é só seu.

Feliz 2021.