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ROMÁRIO E A FELICIDADE IMPUNE

6 / outubro / 2017

por Rubens Lemos


O som que emiti quando Romário fez 4×3 no gol da virada matando o Palmeiras no Palestra Itália e garantindo a Mercosul de 2000 até hoje não consigo descrever. Foi um berro assustador que acordou meu filho de sete anos. Minha mulher pensou que fosse ficar viúva de um homem vítima de enfarte.

O grito foi o mais alto e assombroso da minha vida. Quando a bola bateu na rede do goleiro Sérgio, não gritei gol. Expulsei tudo o que havia dentro de mim que não fossem as entranhas. Foi um transe de alegria e desabafo. Corri até a janela e por longos minutos, para mim foram décadas, uivei e chamei os piores palavrões do vocabulário pornográfico.

Depois, cervejas na cabeça, bati fortemente no peito magro. Me esmurrei, dei cambalhotas no pequeno corredor do apartamento, beijei a mulher, o menino, ambos envergonhados e irritados pela interrupção do sono.

Lembro apenas da frase que inventei na hora e repeti por 22 minutos, salvo engano: “Quem não for Romário, vá pra casa do…….baralho” O Vasco, em 2000, formara um timaço e sofria tanto ou mais do que hoje a sina de vice. Havíamos trazido Romário de volta do Flamengo, no comecinho do ano, para tentar ganhar todos os campeonatos. Perdemos logo o Mundial de Clubes da Fifa, aquele pênalti que Edmundo bateu longe, já enciumado pela presença do baixinho. Ex-Maracanã lotado e os corintianos em festa.

Fomos em frente. O troco seria no Campeonato Carioca, vingaríamos a derrota de 1999, gol de falta cruel de Rodrigo Mendes, bem no cantinho de Carlos Germano, quando o empate nos bastava.


Começamos bem o Carioca, enfiamos 5×1 nos rubro-negros, quatro gols de Romário, num domingo de páscoa, chocolate para tudo o quanto foi gosto. Edmundo e Romário começaram um duelo de máscaras terrível e o Vasco pagou. O Flamengo foi bicampeão como seria tri em 2001 no gol de Pet que maltrata o cruzmaltino de fé e coronárias de aço.

Ainda em 2000, o ano em que muito idiota pregou o bug do milênio, previsão de uma pane geral dos computadores na virada do Século, programados para começar com 19 do ciclo que terminava e fadados, segundo os entendidos e os verdadeiros sabidos, os picaretas, a gerar um colapso mundial. Deu tudo bem, o bug virou farofa e depois de 2000 um cidadão de nome Steve Jobs seduziu o planeta com suas invenções de tecnologia artística.

Ao Vasco, restava o Campeonato Brasileiro, a quem deram o nome de João Havelange para justificar a participação do Fluminense(que deveria ter disputado a Série e premiar todos os rebaixados no ano anterior. Foi o que livrou outros tantos clubes da Série C. E ao Vasco também sobrava a Copa Mescosul.


Grande dosagem do meu ceticismo em futebol foi injetada em 2000. O Brasileiro só viria a ser ganho em janeiro do ano seguinte, contra o São Caetano, depois que o alambrado de São Januário cedeu e houve o conflito de dois notáveis exemplares do sem-caratismo: Anthony Garotinho, governador do Rio de Janeiro e Eurico Miranda, presidente do Vasco.

Pouco antes do Natal, enfim, o Vasco assegurou sua vaga na final da Mercosul e contra o Palmeiras. Houve equilíbrio, cada qual venceu uma das finais e foi necessária a extra. Lembro-me do convidativo miolo de zaga do Vasco, com Odvan e Júnior Baiano. Romário, ainda bem, estava do lado certo.

O Palmeiras abriu 3×0 faceiro como quem vai a uma trattoria, pede um raviolli branco com bacon, acompanhado de um bom tinto da Sicília. Levamos gol de Tuta, Tuta, um centroavante bem abaixo do tosco. Decidi desligar. Tinha trabalho no dia seguinte, cedo.

Lembro bem, estava de pijamas, parei de tomar cerveja, por acaso, fui à cozinha e não desliguei a televisão do quarto. Pênalti a favor do Vasco. Romário diminui. É, 3×1 estava folgado para eles. Outro pênalti. Romário bate de novo, 3×2.


Resolvi ver no que dava, se aquela coro do casaca, saca,saca, a turma é mesmo boa, é mesmo da fuzarca, Vasco, ainda estava tocando no meu sofrido CD de esperança. Expulso Junior Baiano. Ficamos com mais um . Repito: O Palmeiras ficou com menos um a seu favor. Junior Baiano foi menos grotesco do que quem disse que ele era jogador de futebol.

Passei a acreditar e a tamborilar no copo. Uma nova cerveja gingava no peritônio. Aos 41 minutos do segundo tempo, o serelepe Juninho Paulista, nosso nanico do meio-campo, chuta mal, a bola entra: Um grito contido, abafado ao travesseiro.


Aos 48 minutos, jogada esquisita, que começa com Viola pelo lado esquerdo, bate-rebate, chute errado, goleiro espalma, bola encontra Romário no altar dos grandes finalizadores. Colocado onde deveria. Por Deus. Toque para as redes. O Vasco faz 4×3, meu espetáculo é o descrito inicialmente.

No dia seguinte, recebo um documento encaminhado pelo síndico, feitor moderno, entregue pelo humilde zelador. Abri. Uma advertência pelo tumulto que havia causado. Por atrapalhar a madrugada dos condôminos. A ideia fora só do síndico, ninguém reclamara e havia outros vascaínos pelo prédio. O último esporro por escrito eu recebera no primário. De um professor de Educação, Moral e Cívica, a disciplina-máter da Ditadura.

Peguei uma caneta e escrevi no papel de carta: “Não assino. Felicidade não se pune”. E saí cantando: “Tu tens o nome do heróico português, Vasco da Gama, tua fama assim se fez…”

PS. 20/12/2011 – Palmeiras 3 x 4 Vasco Local: Parque Antártica(Palestra Itália) – São Paulo – SP. Palmeiras: Sérgio; Arce, Galeano, Gilmar e Thiago Silva; Magrão, Fernando, Flávio e Taddei; Juninho e Tuta(Basílio); Vasco: Helton; Clébson, Odvan, Júnior Baiano e Jorginho Paulista; Nasa(Viola), 

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