NOCAUTE
:::: por Paulo Cezar Caju ::::
Em primeiro lugar gostaria de dizer que a morte de Muhammad Ali foi um direto no meu queixo. Era uma lenda, um líder que usou a sua notoriedade e o seu espaço na mídia para gritar contra o racismo. Entre as muitas histórias que ouvimos a seu respeito, uma me comove porque vivi algo semelhante, a de não ser atendido num restaurante por ser negro. Estava com o time do Botafogo, no Sul, e demos meia-volta. É uma dor profunda e ao mesmo tempo uma vontade de sacolejar o mundo e perguntar o que está havendo com a humanidade. Mas essa perseguição nos acompanha até hoje e não podemos nos calar.
As frases de Ali não saíam de minha cabeça e fiquei imaginando como seria o maior pugilista de todos os tempos assistindo à péssima estreia do Brasil, na Copa América. Tadinho. Primeiro teria que lhe explicar que aquele goleiro com pinta de galã, que tomou um frango espetacular, entrou pela janela na vaga de um negro, cortado da seleção sem maiores explicações. Não, Ali, não quero imaginar que tenha sido por causa de sua cor, apesar de nosso técnico….deixa para lá.
Também teria que contar para Ali a história de Barbosa, outro goleiro negro que comeu o pão que o diabo amassou. Como seria Ali assistindo a esse Brasil de hoje??? O cara esteve na despedida de Pelé, do Cosmos! Encontro de reis!!! Se temos algum rei hoje, Ali? Esquece, nem time temos. Nossos jogadores são de clubes, não de seleção, e alguns nem de clube são. Ali, não me pergunte o que esse goleiro, o do frango, está fazendo ali. Me parece que é para ser valorizado, que os clubes da Europa só contratam quem passou pela seleção. Mas deve ser mais uma das balelas que ouvimos por aí.
Ali, olha, olha aquilo!!! Deve ser uma homenagem para você!!! O lateral Filipe Luís foi nocauteado pelo próprio companheiro!!!! Surreal!!! É boxe, Ali, é boxe!!!! Dunga, numa boa, porque não aproveita esse clima de boxe e joga a toalha!
– texto publicado originalmente no jornal O Globo, em 7 de junho de 2016
João Havelange
100 anos depois…
texto e entrevista: Sergio Pugliese | vídeo: Guillermo Planel | edição de vídeo: Rodrigo Cabral
Não foi o aniversário de 100 anos imaginado por João Havelange. Longe do prestígio, isolado e sem nenhuma comemoração por parte da FIFA, o dirigente que já foi uma das personalidades mais respeitadas pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), agora tenta provar sua inocência no suborno por parte da empresa ISL, que comercializava os direitos audiovisuais da Copa do Mundo. Poucos dias antes de ver o seu nome estampar as páginas policiais do jornais e o mundo desabar sobre sua cabeça, o mestre das relações públicas recebeu o Museu da Pelada e falou sobre seus tempos de zagueiro juvenil do Fluminense, da saída de João Saldanha do comando da seleção de 70, do faturamento das Copas e dos bastidores da escolha para o país sede da Copa de 2018: “a Rússia sempre me prestigiou. Os ingleses ficaram chateados com a escolha, mas eu quero que eles se fodam”. Sobre a tecnologia no futebol, como por exemplo o uso de chips em bolas, foi claro: “a força do futebol está no erro do árbitro”.
Guillermo Planel e João Havelange, no dia da entrevista.
OS VINGADORES
por Zé Roberto Padilha
Felipe, meu neto, completou seis anos no sábado. Como ele ama o futebol em primeiro lugar, o Fluminense em segundo e o Atlético Mineiro em terceiro, tive que buscar inspiração para lhe comprar o presente, pois já ganhou todas as fitas do Playstation, tênis e chuteiras diversas, camisas até da Copa da UEFA, bolas diversas e figurinhas do álbum do Brasileirão. Encontrei uma bola diferente, de Rugby e mandei embrulhar. Ao recebê-la, abriu um sorriso de criança diante de algo diferente, agradeceu e saiu para bater pelada no campinho do sítio com os amigos. Pelada de bola redonda do futebol brasileiro. Do pai, ganhou de presente uma ida no domingo à Volta Redonda para ver o Fluminense jogar.
Quando partiu, parti junto com as minhas lembranças da primeira vez que fui ao Maracanã ver o nosso tricolor jogar: 18 de dezembro de 1960. Tinha oito anos e era decisão do Campeonato Carioca. Público pagante: 98.099. Placar: América 2×1, com gols de Nilo e Jorge, contra um de Pinheiro. Voltei de lá tão fascinado, e contrariado, que pedi uma chuteira para o meu pai e, como Van Damme e Bruce Willys, prometi um dia ser jogador de futebol do Fluminense para nos vingar daqueles vermelhos. Ela, a vingança, demorou 15 anos e estava na ponta esquerda quando Rivelino, diante de 96.047 pagantes, desferiu uma bomba como Hiroshima que dizimou não o Japão, mas um País. O goleiro do América. Para a vingança ser completa, faltaram ao estádio apenas 2.052 torcedores.
Chegando ao Raulino de Oliveira, Felipe encontrou na sua estreia apenas 2.860 pagantes. Não viu de perto o duelo de Castilho, Pinheiro e Altair versus Calazans, Quarentinha e Nilo. O nosso ataque era Maurinho, Valdo, Telê e Escurinho. Domingo, a disputa foi do Edson contra Fernandes, Gum marcando Ribamar. Em 1960, raros eram os passes errados, pois se a bola é que corria, não os jogadores, sua posse e uso era tratada com extremo carinho. Faltavam cinco minutos para terminar Fluminense x Botafogo e o “scout”da Globo já apontava 75 passes errados. Deve ter passado de um por minuto jogado. O próprio gol que decidiu a partida não saiu de uma jogada trabalhada. Saiu de um passe errado.
Quando acabou a transmissão, minhas memórias fizeram com o Felipe a viagem da volta. Fiquei a imaginar entrando no carro decepcionado, e no lugar de vir contando as obras de arte do Telê, o chute decisivo do Jorge, voltou calado perante a falta de inspiração do Salgueiro, que nem que se juntasse a Beija Flôr e a Mangueira, estaria a altura da camisa que foi do Gérson. E do Afonsinho. Fora Cícero e Scarpa, que poderiam vestir a 10 do Telê, se enfiando pelas pontas no lugar de centralizar suas jogadas, encostar no Fred, tabelar e procurar o gol. Que sempre será o grande momento do futebol.
Eram 20h30 quando chegou de Volta Redonda. Liguei para ele: “E aí? Gostou, Felipe?” Mais ou menos, respondeu. E devolveu: “ Vô, tem escolinha de futebol americano em Três Rios?”. Pelo visto, meu neto veio da estréia querendo se vingar também. Não do América ou do Botafogo. Mas do futebol brasileiro.
Obrigado, Rei!
por Lucio Branco
Já indo dormir, agora, saibo por uma postagem do Steve Berg que o MAIOR SER HUMANO vivo que habitava este planeta não está mais vivo. Ele já era imortal em vida, é verdade, mas sabê-lo ainda entre nós era um alento e tanto. Para mim, era um motivo de orgulho poder ser seu contemporâneo em parte da sua existência temporal. Nada de idolatria nessas palavras, apenas a constatação de um sentimento real que, por mais que eu sinta, ainda não o alcança.
Só hoje, pensei nele inúmeras vezes. Mais cedo, postei por aqui um flagrante de um encontro dele com outro monstro: Bo Diddley. Lembrei do encontro dele com o Pelé quando o camisa 10 se despediu do Cosmos e, logo depois, respondi a uma pergunta de uma entrevista sobre o Barba, Cabelo e Bigode nos seguintes termos: “Em suma: no caso dele (Pelé), pedir para o homem repetir o atleta é muito. E é exigir demais da Vida que uma mesma geração comporte dois Muhammad Alis”.
Tudo isso apenas hoje.
Semana passada assisti a mais um documentário sobre ele e cogitei como estaria a sua saúde. Agora é impossível conter o choro aqui.
Meu sono será pesado esta noite… Que o seu seja leve por toda a Eternidade, campeão. Você foi simplesmente o maior evento na História recente do Homem.
Adeus.
A PELADA DOS IMIGRANTES
texto: André Mendonça | vídeo: Guillermo Planel |
fotos: Marcelo Tabach | edição de vídeo: Daniel Planel
Se o Barcelona conta com o melhor trio sul-americano do mundo, o MSN (Messi, Suárez e Neymar), a pelada dos imigrantes, no Aterro do Flamengo, reúne os sul-americanos mais receptivos e alegres do planeta. A poucos dias do início da Copa América, a equipe do Museu da Pelada foi conferir o futebol dos gringos e o resultado não poderia ser melhor. Com um clima bastante festivo, a rapaziada deu uma aula de cordialidade, com direito a churrasco de primeiríssima qualidade, acompanhado do picante molho chileno Pebre (tomate, coentro, alho, pimenta, salsinha, cebola e sal).
Após a chuva impedir, por duas vezes, o encontro do Museu com a famosa pelada dos imigrantes, finalmente o dia chegou. Ansiosa, nossa equipe apareceu no campo 8 do Aterro bem antes das 21h (hora marcada para a bola rolar). O primeiro peladeiro a chegar foi o peruano Ruben, o Rubinho, às 20h50. Vestindo a tradicional camisa do Peru, com o número 9 de Guerrero, o professor de matemática da UERJ abriu um grande sorriso ao reconhecer nossa equipe, dando indícios de como seríamos tratados naquela noite.
Aos poucos, os outros peladeiros começaram a chegar. O curioso é que há espaço para todos na pelada e a conhecida rivalidade dos clássicos sul-americanos é deixada de lado. A cada lance mais ríspido, um pedido de desculpa e um aperto de mão. Assim foi do início ao fim da pelada que conta com peruanos, chilenos, colombianos, argentinos, brasileiros, uruguaios, bolivianos, equatorianos e até espanhol e francês.
A pelada foi fundada há seis anos, só com chilenos. Eles sempre se reuniam e perceberam que tinham uma paixão em comum: o futebol. Com o passar do tempo, o chileno Moisés, um dos fundadores do futebol dos imigrantes, foi incluindo outros peladeiros na brincadeira, até tornar a pelada internacional. Moisés, aliás, se mostrou polivalente e foi o grande destaque da brincadeira, mesmo sem entrar em campo. Com dores na perna, por conta de uma pancada na última pelada, o chileno foi o responsável pela narração carregada de emoção, pelas entrevistas na beira do gramado e também pela preparação do churrasco de alto nível, ao lado do compatriota Alejandro.
Os churrascos são organizados todo fim de mês, com parte da mensalidade. O que mais chama a atenção é que cada peladeiro desembolsa apenas cinco reais por semana e, além do churrasco mensal, também sobra dinheiro para uma viagem no final do ano, com direito a churrasco, piscina e, obviamente, muito futebol.
Organizador disso tudo, Moisés se mudou do Chile, em 1986, por conta da ditadura militar seu país, na época governado pelo general do Exército Augusto Pinochet. No Brasil, além de ter fundado a pelada internacional, o vascaíno de coração é dono de dois salões de beleza.
Com muita animação, o chileno, que atua como atacante, chegou à pelada com todos os apetrechos para a realização do churrasco e um rádio portátil que entusiasmava o ambiente sintonizado na banda mexicana Control Machete.
E falando em música, Jose Avila, o “Gato”, é o jogador mais velho da pelada. Com 60 anos, o chileno ganhou esse apelido por causa da semelhança com o vocalista Gato Alquinta, da banda chilena Los Jaivas. O experiente peladeiro joga no ataque e, mesmo com as dores no joelho, aliviadas por uma joelheira, costuma marcar presença na brincadeira e dar trabalho aos marcadores.
“Sebástian fala muito! Tem muita categoria, é gente boa, mas vive reclamando dos companheiros.”
Outro atacante que não dá sossego aos defensores, porém bem mais novo, é o uruguaio Sebástian. Estilo fanfarrão, o peladeiro de cabelos longos e loiros, parecido com o craque Forlán, chegou elétrico ao campo 8 do Aterro, prometendo muitos gols e falando que era um dos melhores da pelada. O peruano Ruben, no entanto, já havia nos alertado sobre o comportamento irreverente do uruguaio.
– Sebástian fala muito! Tem muita categoria, é gente boa, mas vive reclamando dos companheiros.
O polivalente Moisés também comentou sobre a postura de Sebástian.
“Ele ganhou o Troféu Limão, prêmio ao jogador mais chato da pelada. Não para de falar um segundo!”
– Ele ganhou o Troféu Limão, prêmio ao jogador mais chato da pelada. Não para de falar um segundo! – entregou, sob gargalhadas.
Mas cá entre nós, toda pelada precisa de um fanfarrão desses. A profissão de Sebástian não poderia ser outra: palhaço. Brincalhão, o uruguaio, que veio ao Brasil fazer mestrado em artes cênicas há 11 anos, divertiu a equipe do Museu e os amigos peladeiros rirem do início ao fim do encontro.
Provando a sua categoria, Sebástian foi o autor do primeiro gol da pelada. Aproveitando uma cobrança de escanteio, o marrento atacante colocou a bola no fundo da rede e gritou para os que esperavam do lado de fora:
– Vou fazer no mínimo seis hoje!
“Vou fazer no mínimo seis hoje!”
Apesar de terem faltado dois gols para cumprir a promessa, o uruguaio exibiu um futebol que justificava a sua marra, lembrando o baixinho Romário.
Além dos gringos, a pelada também conta com os brasileiros Luciano, Pedro e Guilherme, publicitário nascido em Goiás, que não troca a pelada dos imigrantes por nada. Convidado pelo amigo espanhol Ivar, o brasileiro disse que se sente muito bem na brincadeira.
– Não conheço a noite carioca da sexta-feira. Estou sempre jogando aqui. Uma vez a pelada rendeu tanto que eu cheguei em casa de madrugada – lembrou.
“Não conheço a noite carioca da sexta-feira. Estou sempre jogando aqui. Uma vez a pelada rendeu tanto que eu cheguei em casa de madrugada”
Na arquibancada, acompanhando o futebol e saboreando o churrasco, estavam presentes as mulheres do boliviano, estudante de moda, Redín, e do cirurgião plástico colombiano Ariel. O primeiro contou ainda com a presença do carismático filho, que posou para as lentes do fotógrafo Marcelo Tabach ao lado do pai.
Após muita resenha, a equipe do Museu deixou o local por volta das 23h30. O animado churrasco dos imigrantes, no entanto, estava longe de acabar e o volume do rádio de pilha só aumentava! Que festa!