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PATESKO QUE ENCANTAVA SALDANHA

 

por André Felipe de Lima


A história de Patesko, um grande ídolo do Botafogo e do Nacional de Montevidéu, nas décadas de 1930 e 40, é o retrato mais comum do deslumbrante e, ao mesmo tempo, assustador mundo do futebol. Ponta-esquerda veloz e muito habilidoso, ele foi um craque que esteve em duas Copas do Mundo, as de 1934 e de 1938, esta, ao lado de Domingos da Guia, Leônidas da Silva, Batatais, Tim, Hércules e Machado. Foi um jogador cobiçado pelos grandes clubes, inclusive do exterior, como os argentinos San Lorenzo, de Buenos Aires, e Gymnasia y Esgrima, de La Plata. Em 1937, o Flamengo tentou o seu concurso, mas o destino seria mesmo General Severiano, chão alvinegro.

Na Copa de 38, Patesko por pouco não foi afastado do escrete. O técnico Ademar Pimenta o acusara e ao meia-esquerda Tim de beberem além da conta. Pimenta, que os definia como uma ala leve, mas pesada de tanto “chope”, confirmara anos depois ter pedido o desligamento dos dois. Em um primeiro momento, o técnico manteve Patesko no time e deixou Tim no banco. Mas a situação degringolou. Muitos na imprensa alegavam existir um protecionismo dirigido aos jogadores do Botafogo naquela delegação de 38, o que, de certa forma, teria, inicialmente, ajudado mais ao Patesko que ao Tim, que jogava no Fluminense. O presidente Getúlio Vargas teria inclusive pedido que a CBD e o treinador escalassem a dupla botafoguense Perário e Patesko na esquerda do ataque. Pimenta resistiu e acabou optando por Perácio e o tricolor Hércules.

No Botafogo, Patesko brilhou ao lado de um Heleno de Freitas em começo de carreira e ele, Patesko, no fim dela. Bem antes da longa permanência no Alvinegro carioca, o grande Patesko vestiu a camisa do uruguaio Nacional, no qual se destacou — e foi campeão do país em 1933 — ao lado de craques do passado, como o próprio Domingos da Guia, Eduardo García, José Nasazzi (campeão da Copa do Mundo de 1930), Arsenio Fernández, Miguel Andriolo, Marcelino Pérez, Juan Miguel Labraga, Héctor Castro (outro cobra campeão mundial), Pedro Petrone e Enrique Fernández.


Muitos anos após abandonar a carreira, completamente distante do badalado universo do futebol, Patesko foi sucumbindo ao ostracismo. Chegou a verdadeiramente sumir do mapa no começo da década de 1960. A mãe dele, dona Antonia, que morava na pequena Prudentópolis (PR), ficou desesperada. Havia cerca de 10 anos que não via o filho. Ninguém sabia de Patesko, que na ocasião do longo sumiço trabalhava no Hipódromo da Gávea, no Rio de Janeiro. A mãe enviava cartas. Ele jamais as respondeu.

Na madrugada do dia 13 de março de 1988, o craque curitibano, amante do futebol e do turfe, morreu só e tuberculoso, em um hospital de Curicica, em Jacarepaguá, bairro da Zona Oeste do Rio. Ninguém reclamara o corpo do ídolo do passado até um fã ligar para o hospital e, em seguida, avisar ao Botafogo da morte de Patesko.

A diretoria do clube, sabendo da notícia, providenciou um enterro digno para um dos grandes nomes do futebol brasileiro na primeira metade do século 20, o paranaense Rodolfo Barteczko, ou simplesmente Patesko, um ídolo cuja trajetória serve de alerta para aqueles que um dia almejam o estrelato no, na maioria das vezes, ingrato mundo da bola.

Ao saber da morte de Patesko, João Saldanha, mas botafoguense que brasileiro na alma, recordou, muito triste: “Notável extrema-esquerda do Botafogo e da Seleção Brasileira. Jogava muito”. E, pelo que se lê sobre o craque do passado, é a mais pura verdade o que disse Saldanha, fã confesso de Patesko.

Nossa singela homenagem ao saudoso ponta-esquerda Patesko, ídolo do futebol nacional que está no volume da letra “P” da enciclopédia “Ídolos – Dicionário dos craques”.

Curta a fan page da mais completa obra sobre os maiores craques da história do futebol nacional. Os volumes das letras “A” e “B” estarão em breve nas principais livrarias online.

VEJAM UM RARÍSSIMO REGISTRO EM VÍDEO DO PATESKO:

PATESKO NA COPA DE 38 CONTRA OS TCHECOS:

UM CRAQUE CHAMADO EDUARDO SACHERI

por Claudio Lovato


Eduardo Sacheri (Foto: Romina Francheschin)

Aproveitei a parada do Carnaval para revisitar “La vida que pensamos” (editora Alfaguara, 2013), reunião de contos de futebol de autoria de Eduardo Sacheri. Nascido em Castelar, na província de Buenos Aires, torcedor do Independiente de Avellaneda, Sacheri foi coautor do roteiro de “O segredo dos seus olhos”, adaptado do seu livro homônimo, estrelado pelo grande Ricardo Darín e ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2010. Quem, entretanto, acompanha a carreira de Sacheri sabe o quanto é fundamental e realizadora para ele a criação de histórias sobre futebol.

Seu primeiro livro de contos, “Esperándolo a Tito”, publicado em 2000, trazia uma sensacional coletânea de “relatos futboleros”. Depois vieram outros – “Te conozco, Medizábal”, “Lo raro empezó despues”, “Un viejo que se pone de pie” e “Los dueños del mundo”. “La vida que pensamos” é uma seleção de histórias de todos esses livros, com o acréscimo de trabalhos inéditos. O conto que abre o livro é, significativamente, “Esperándolo a Tito”, um clássico aflitivo e emocionante do craque que foi jogar na Europa e é aguardado pelos amigos do bairro para a disputa de uma pelada decisiva em vários aspectos.


Durante a leitura do 23 contos que compõem o livro percorrem-se os caminhos que explicam o amor profundo e irremediável pelo futebol (se é que possível explicar algo assim), amor nascido na infância, na pureza das primeiras disputas com os amigos nas calçadas da vizinhança e nas primeiras idas ao estádio pela mão do pai ou do avô.  

Sacheri transforma o corriqueiro em transcendental, porque escreve com alma sobre aquilo que o apaixona, com a destreza dos grandes escritores. “La vida que pensamos”, como salientei, começa com “Esperándolo a Tito”, mas no texto que o precede, a “nota do autor”, está bem explicado o porquê de Eduardo Sacheri ser um dos meus heróis na literatura. (A tradução é minha, mas podem confiar.)

“Perguntaram-me muitas vezes por que escrevo contos de futebol. Trata-se de uma pergunta incômoda. Não porque essa curiosidade seja inadequada. Mas sim porque não estou totalmente seguro de ter uma resposta. Às vezes sinto que não tenho nenhuma. Outras, que tenho várias. Gosto de contar histórias de pessoas comuns. Pessoas como eu mesmo. Pessoas como as que sempre povoaram a minha vida. Sequer sei por que são essas as histórias que me cabem contar. Talvez porque me seduza e me emocione aquilo que há de sublime em nossas existências ordinárias e anônimas. Nessas vidas, com frequência habita o futebol. Porque o jogamos desde pequenos. Porque amamos um clube e sua camisa. Porque é uma dessas experiências básicas nas quais se fundamenta nossa meninice e, portanto, aquilo que somos e seremos. Creio que todas as histórias que contamos busca acessar, de um modo ou de outro, os grandes temas que governam nossas vidas como seres humanos. O amor, a dor, a morte, a amizade, a angústia, a traição, o triunfo, a espera. E, no entanto, não é simples ingressar nesses temas de frente e sem atalhos. O futebol, como parte dessa vida que temos, é uma porta de entrada a esses mundos íntimos em que se jogam assuntos muito mais definitivos. Um cenário, ou um pano de fundo, das coisas essenciais que marcam e definem todas as vidas”.

A TROCA

por Sergio Pugliese


(Foto: Arquivo)

Longe das Lei Secas e Choques de Ordem que brotam em cada esquina do Rio, o carioca Rodrigo Duque Estrada, após passear pelas belas ruas de Faenza, pequena cidade ao norte da Itália, onde mora há oito anos, estacionou sua lambretinha vermelha e preta para caminhar e pegar sol no Parque Bucci. Trabalha com gastronomia e eventos no badalado Osteria della Sghisa, dorme pouco e precisava relaxar. Mas alguns metros depois viu um policial, cara de mau, aproximar-se e anotar sua placa. Voltou correndo.

– Oi! Bom dia, senhor! Por que está me multando?

– Porque aqui não é permitido estacionar scooter e motos, só bicicletas. Não viu a sinalização alertando? – respondeu, sem disfarçar a impaciência.

O aviso realmente era gigante e a lambreta descansava milimetricamente sob a placa, ridículo.

– Impressionante como não vi…..distração total – desculpou-se, com um sorriso amarelo.

– Mas um painel deste tamanho? É impossível não vê-lo! – resmungou o guarda Ivan, enquanto prosseguia as anotações.

Realmente era incontestável, indefensável, inexplicável…….

– Só posso pedir desculpas – admitiu, baixinho.

A cara triste do menino do Rio, certamente desenvolvida em mergulhos teatrais, no Tablado, levou o policial a erguer uma das sobrancelhas e observá-lo.

– De onde é?

De onde mais poderia ser? Moreno, recém chegado de uma temporada de surfe na costa francesa, malhadão, sorriso fácil, rato de praia, neto de Dona Inês e, acima de tudo, bom de lábia!

– Sono brasiliano! Vengo da Rio de Janeiro – respondeu, orgulhoso, com sotaque ítalo-carioca.

Quando ouviu “Rio de Janeiro” a sobrancelha erguida deu lugar a um sorrisinho malicioso, reservado aos grandes estrategistas.

– Rio! Praias, belas mulheres e…..futebol! Joga futebol?

Peraí! É até falta de respeito perguntar isso para um carioca da gema, cria da escolinha do Flamengo e ídolo no Maconhão, tradicional campo de soçaite, na saída do Túnel Rebouças. Calma, Dona Inês, o apelido do campo é esse, fazer o quê? Dona Inês Estrada é a avó coruja, fã de carteirinha do moleque. Ela lembrou que o neto também era craque em piruetas e faltava pescoço para guardar tantas medalhas conquistadas na ginástica olímpica do Mengão.

– O futebol é minha paixão e me considero bom de bola, sim – respondeu com a inconfundível marra carioca, ao estilo baixinho Romário.

O policial respirou aliviado com a revelação e guardou o bloquinho no bolso.

– Jura? Que ótimo! E por qual time torce?

Aí, virou bagunça. Ivan deu um braço e Rodrigo abocanhou o corpo todo! Olhos arregalados, como em transe, sacudiu os ombros do guardinha e encarou-o firme antes de gritar, relembrando os velhos tempos de Raça Rubro Negra, no Maracanã: 

– Tifo per il Flamengo!!!! Flamengo fino allá fine!!!! (Torço pelo Flamengo!! Flamengo até morrer!!!).

E emendou.

– Jogo na praia, em salão, cimento, terra batida, paralelepípedo, pé-de-moleque, ladeira…..

Um jogador completo, pensou o fominha Ivan, que construíra um campinho nos fundos de sua casa. E um brasileiro bom de bola por lá, além de levar fantasia às peladas de sábado, ainda colocaria os adversários no bolso. Seria a salvação da lavoura! Então, foi a vez dele, olho no olho, balançar os ombros de Rodrigo e propor, entusiasmado.

– Cavolo! Allora ti lascio il mio numero e vieni a giocare con noi! La multa lasciamo perdere, facciamo finta di niente! L’unica cosa che devi promettere è di venire a giocare nella mia squadra! Ci conto!!! (Puxa!!!! Então deixo o meu número e vem jogar conosco! A multa deixamos para lá!! A única coisa que precisa me prometer é vir jogar no meu time! Te espero!).

Rodrigo carimbou a proposta ali mesmo. Prometeu ficar de olho vivo nas placas e virar garoto propaganda das leis de trânsito. Desculpou-se pela infração e partiu.

Feliz, o guarda Ivan observou sua nova contratação sumir em direção ao parque. Antes de entrar na viatura, retirou o bloquinho do bolso e arrancou a página da multa. Com um sorriso maroto, transformou-a numa bolinha e a jogou para o alto. Na sequência, matou no peito, fez três embaixadinhas e com um chute preciso acertou a pelota de papel dentro da lata de lixo.

CRAQUES DO CAMPO E DA PRAIA

De óculos escuros e braços cruzados, o “rei da praia” observa do calçadão toda aquela resenha da rapaziada do Areia Leme. Embora tenha sido ídolo do Juventus, grande rival, Júnior não poderia deixar de comparecer na festa de 50 anos de um dos times mais tradicionais do futebol de praia.

– Venho com o maior prazer e satisfação, principalmente porque reencontro amigos que dificilmente vou ver no dia a dia! – disse Júnior.

Outra figurinha carimbada, que não perde uma pelada, seja na praia, na grama ou nas quadras, Jairzinho também marcou presença na festa do Areia. Morador de Copacabana, o “Furacão” estava em casa e não escondia a felicidade pelo encontro.

Além de Júnior e Jairzinho, Gilmar Popoca, ex-camisa 10 de Flamengo, Santos, Botafogo e Ponte Preta, bateu um papo divertidíssimo com a equipe do Museu da Pelada. Ao lado do amigo Brasília, o craque escalou o Flamengo da sua época, lembrou da concorrência com grandes ídolos do clube e falou sobre um jogo histórico nas divisões de base, no Maracanã.

– Eu fiz três gols de falta e ele empatou o jogo aos 45, com um gol de cabeça.

E Brasília reforçou a importância da partida:

– O João Saldanha dedicou sua coluna toda ao ‘jogo da tarde”, a preliminar do jogo de juniores.

O ELÁSTICO DE OLHO

por Mauro Ferreira


(Foto: Reprodução)

Eu não estava no banco tricolor. Não tinha idade – e nem futebol – para tanta pretensão. Mas estava no Maracanã naquela tarde. Eu e meu Velho, “seu Ayrton”, que escolheu ficar no meio de campo, a zona da arquibancada onde você podia torcer por qualquer time sem ser incomodado ou incomodar qualquer torcedor adversário. De lá de longe eu vi a obra ser desenhada, linha a linha.

Rivellino era o frisson de todo tricolor. A estreia contra o Corinthians já servira de aperitivo. Na verdade, um banquete de aperitivo. Três gols. “A Máquina” se consolidava como o apelido daquele time. Não era o apelido correto. Máquinas têm comportamento óbvio, repetitivo. E nada havia de óbvio e repetitivo. Eu não gostava do apelido.

Lá de cima, bem lá em cima da arquibancada, de longe, vi Rivellino parar na frente de Alcir. Um mortal escolheria o passe lateral, manter a posse de bola. Não ele. Não o imortal Rivellino. Em princípio não entendi o que havia acontecido, tamanha a velocidade da ação. Só vi quando, diante do lendário argentino Andrada, Rivellino estufou o barbante. Meu cérebro só interpretou o lance todo depois de comemorar muito, abraçado ao meu pai.

Se eu não sendo boleiro, estava estupefato, imagino aqueles ocupantes do camarote privilegiado que era o banco de reservas. Imagino a cabeça do Zé Roberto tentando entender o inesperado. O não óbvio, o lance além da repetição. Não era uma máquina. Era o improviso além da partitura. A surpresa, o imponderável, o talento que diferencia os gênios dos normais.


Foto: Acervo O Globo

Anos mais tarde, já jornalista, vi outra obra do mesmo gênio. Dessa vez, no Estádio Nacional de Santiago do Chile. Jogo de despedida do zagueiro Elias Figueroa. Daqui da terrinha, partiu uma seleção de veteranos. Félix, Marco António, Búfalo Gil, Luiz Pereira e outros que não lembro. Dessa vez, eu não estava longe. Atrás do gol defendido por Felix, sentado no gramado, vi mais uma obra prima.


Foto: Agência Estado

Ainda no campo de defesa, uns dez metros antes da linha do meio campo, mais próximo da lateral esquerda, Rivellino levantou a bola, olhou para a defesa como se procurasse alguém dela e fez o lançamento para Gil, que corria pela direita e já no campo do adversário. Drible de olho. Elástico com o olhar. Não foi gol, mas o “ó” que saiu da boca de todos naquele estádio lotado foi uníssono e muito alto. Um passe de mais de 50 metros olhando pro lado contrário ao da direção do passe que dera.

De volta ao Brasil, fui o mais rápido possível encontrar com meu pai. Quis dividir com ele o que havia visto. Era uma forma de retribuir o presente dado anos antes. O Velho Ayrton ouviu em silêncio cada detalhe do lance. O olho brilhou e o sorriso de canto de boca denunciou que bebia ávido tudo o que eu relatava.

Só os gênios são capazes de surpreender quando se consegue transferir em palavras, toda a emoção e criatividade de um lance de segundos.


Eu juro: gostaria de saber o que sentiu o pai do Zé Roberto Padilha, ao ouvir o filho contar sobre o tal “elástico” daquela tarde/noite do Velho Maraca. Juro. Conta aí, Zé…