DIDA, O HERÓI DOS SONHOS DO MENINO ZICO
por André Felipe de Lima
“Dilema de criança: quem escalar como craque do time de botão? O homem de hoje foi técnico de time de botão no passado. E ai daquele que negar isso. Diversão das mais sadias que enterramos no limbo de nossas memórias. Nossos filhos já não brincam mais debruçados sobre uma tábua de futebol de mesa, imitando um Jorge Curi ou um Waldir Amaral. Preferem aqueles inexpressivos joguinhos de computador, que não os permitem sonhar. Jogar botão é diferente. Sonhamos vendo — com brilho nos olhos — o time que sempre queríamos ter em nossos clubes de verdade, mas que ficará ali, guardadinho em nossa enferrujada latinha de achocolatado ou na gaveta misturado com nossas roupas. Se Pelé era do Santos, eu o tinha no meu time de botão. Se Garrincha era do Botafogo, também estava lá, firme na ‘ponta-direita’. Os dois jogavam até com Domingos da Guia, Fausto e Ademir de Menezes, craques que pesquei num passado ainda mais longínquo que o deles para montar meu esquadrão. Mas todos estavam no meu escrete. Para o meu time não havia relógio, calendário que fosse… meus craques eram ‘contemporâneos’.
“Nos idos de 50, deve ter acontecido algo parecido com um menino cujo nome é Arthur, que ouvia do pai, José Antunes, que o Flamengo tinha um jogador fora de série. E o pai emoldurava os comentários como se estivesse irradiando uma jogada in loco: ‘Bola com fulano, que passa a cicrano e… gol! Gol lindo, senhores…’. O filho o ouvia encantado e desenhava em sua mente como não teria sido aquele lance, ao vivo, em pleno Maracanã. O garotinho não teve mais dúvidas. Era preciso trocar a estrela do seu time de botão. O novo ‘camisa dez’ deveria se chamar Dida, o craque do Flamengo do pai e também do seu coração.
(Foto: Arquivo Museu dos Esportes)
“Os anos passaram, Arthur cresceu e se consagrou no Flamengo como o Zico, um mito igual ao seu ídolo do passado, Dida, o camisa dez de milhares de escretes de botão Brasil a fora.
“Mas — para o já mitificado Zico — Dida era o maior. Cresceu idolatrando-o. Se estava no Maracanã com o pai, ia ao estádio mais por Dida que pelo Flamengo. Seu Antunes costumava contar a todos que Zico, ainda no berço, não disse nem “papai” nem “mamãe”. A primeira palavra que pronunciou foi, sílaba a sílaba, ‘Di-da’. Quando o craque decidiu o tricampeonato carioca de 1955, após liderar o Flamengo na vitória de 4 a 1 sobre América, na noite do dia 4 de abril de 1956, Zico tinha pouco mais de um ano. A paixão veio, portanto, do berço.”
Este texto abre a biografia do craque Dida que estará no volume da letra “D” da enciclopédia Ídolos-Dicionário dos craques do futebol brasileiro. O inesquecível ídolo do Zico e de todo rubro-negro que se preze completaria hoje 84 anos.
Dida foi um jogador magistral. Um dos maiores que o Flamengo já teve. Para muitos, antes de Zico, somente Zizinho e Domingos da Guia estavam no mesmo patamar de idolatria. Nem mesmo Leônidas da Silva, tão badalado após a Copa de 1938, foi tão cultuado quanto Dida, que seria o camisa dez da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1958 se no meio do caminho não aparecesse um moleque extraordinário chamado Pelé.
Dida foi muito criticado por não ter jogado tudo o que sabia nos primeiros momentos daquela Copa. O próprio Leônidas da Silva o criticou ferozmente a ponto de Nelson Rodrigues sair em defesa do craque do Flamengo, sobretudo após ele marcar seis gols na goleada de 8 a 0 do Flamengo sobre o Olaria, no campo da Gávea, no dia 22 de agosto de 1958.
No dia 30 de agosto de 1958, assim Nelson Rodrigues escreveu sobre Dida e respondeu, sem eufemismos, ao despeitado Leônidas da Silva:
“O placar do Flamengo é de assustar: — 8 x 0! Essa abundância numérica significa que o rubro-negro submeteu o Olaria a um metódico, a um meticuloso, a um hediondo massacre. E o patético é que não foi um time, uma equipe, que construiu o escandaloso placar. Foi um homem, um único e solitário homem que desandou a fabricar gols a torto e a direito. Esse homem chama-se Dida e eu o apresento aqui como o meu personagem da semana. Na véspera, ou seja, sábado, um outro craque enfiara quatro.
“Refiro-me a Didi que, funcionando na frente, na área, acabou com a Portuguesa. Conquistou quatro tentos de antologia. Dida, porém, fez mais: — meia dúzia e, ontem, nenhuma força humana ou divina conseguiria destruí-lo. Muita gente há de pensar que Dida abusou, que não devia ter feito tanto, que podia ter-se limitado aos dois, aos três, ou, como Didi, aos quatro. Mas a verdade é que o aparente exagero tem sua íntima lógica irredutível. De fato, Dida andou passando mal na Copa do Mundo. Na Suécia, o locutor Leônidas apanhou o microfone para dizer horrores a seu respeito. E vamos e venhamos: — fora da pátria, o sujeito é mais sensível, mais vulnerável. Qualquer restrição que se lhe faça soa como uma bofetada.
(Foto: Arquivo Museu dos Esportes)
“E, além disso, nada enfurece tanto como a injustiça. Qualquer paralelepípedo sabe que Dida é um jogador de alta qualidade. Perguntem a uma zebra do jardim zoológico: — ‘Dida é um perna-de-pau?’. E a zebra responderá, com uma ênfase tremenda: — ‘Absolutamente! Absolutamente!’. Pois bem: — só Leônidas achou de arrasar Dida como se este fosse um bonde. Disse, entre outras barbaridades, que ele não podia nem jogar num time de primeira divisão. Falei em injustiça e repito: — deslavada injustiça! Só hoje, passado o impacto da Copa do Mundo, é que se compreende a ferocidade de Leônidas. Craque do passado, ele quer ser ainda ‘o maior’. Sofre com os ‘diamantes negros’ ou ‘brancos’, ou ‘morenos’ da atualidade. A glória alheia, em futebol, o ofende e humilha. E, por isso, meteu o pau em Dida. Era como se dissesse: — ‘Ah, meus tempos, meus tempos!’.
“E o fato é que Dida jogou apenas uma vez na Suécia e voltou de lá amargurado. E, aqui, havia quem perguntasse: — ‘Será que Dida acabou?’. Muitos julgavam sentir, nas suas últimas atuações, um certo desgaste. Suas velhas características pareciam diluídas. E eis que, ontem, contra o Olaria, o homem voltou a ser ele mesmo.
“Viu-se na Gávea um Dida em plenitude, comendo a bola como nos seus instantes mais puros e triunfais. Dirá alguém que o Olaria não é grande adversário. De acordo. Longe de mim considerar o Olaria um escrete. Mas uma goleada impõe-se por si mesma, torrencial e irrefutável. Como raciocinar, como argumentar contra a histeria numérica dos 8 x 0? E se atentarmos em que foi Dida, unicamente Dida, o autor de seis dos oito gols, então compreenderemos que estamos em face não de um ex-Dida, mas do próprio. Não há dúvida, amigos. Despontou com a sua furiosa velocidade, e mais: — com a capacidade de invadir, de penetrar, de cortar, de envolver e de fuzilar. Mas creiam: — o que o inspirava não era apenas o sadismo de um gol atrás do outro. Ele enfiava um gol, e depois outro, e mais outro, como se quisesse fazer uma afirmação para si mesmo. Queria sentir-se um Dida integral e não tenhamos ilusões: — foi cem por cento Dida.
“Qualquer jogador de futebol, do virtuose ao perna-de-pau, tem suas panes, suas depressões. Dida estaria numa dessas angústias. Mas quem, depois de meter seis gols, não há de sentir-se um triunfador, com um certo charme cesariano, uma certa aura napoleônica? Sim, depois de ontem, Dida baniu de si mesmo, até o último vestígio, o drama da Suécia.
“Quando soou o apito final, o aspecto do grande jogador era algo patético. Tinha o olho rútilo e o lábio trêmulo. Que os outros times tratem de pôr as barbas de molho! Dida voltou a ser Dida e para sempre Dida.”
Reforçando o que escreveu Nelson Rodrigues, Dida será para sempre um dos mais carismáticos ídolos da genealogia rubro-negra. Zico, na manhã deste domingo, certamente acordou mais feliz. É aniversário do seu eterno herói, o grande Dida.
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A VOZ DO CANAL 100
texto: Guillermo Planel | edição de vídeo: Daniel Planel | foto: Cesar Trindade
– Guixermo ou Guilhermo? – Guixermo, claro… A resposta, bem ali na porta, naquele aperto de mãos, desarmou o anárquico ator, iconoclasta ser, devastador de interlocutores desatentos.
– Pois eu sou do Alegrete, tchê.
A partir desse momento se materializou um outro personagem que eu não tinha imaginado, referência viva do cinema brasileiro, um homem de uma cultura pouco conhecida pela maioria dos espectadores de “Eu te amo”, “Iracema uma transa amazônica”, “Anchieta, José do Brasil”, “A dama do lotação” e dezenas de obras-primas do cinema nacional.
Um ator que foi amigo pessoal de Nelson Rodrigues, que trabalhou com Glauber Rocha, Neville de Almeida, Ruy Guerra, Cacá Diegues e dezenas de diretores sensacionais que transformaram a arte cinematográfica do Brasil em um espetáculo mundial, estava se apresentando na minha frente, de sandálias havaianas, quase franciscanas, para encarar mais algumas jornadas de trabalho.
Um personagem considerado por muitos como intratável, que deixou alguns diretores consagrados atônitos com seu comportamento imprevisível e fugidio, estava ali para narrar 15 filmes de três minutos. Aqueles três dias de trabalho com ele – imaginei que seriam os mais difíceis de minha carreira – pareceram ser, na verdade, trinta minutos de uma pelada na beira do mar ao entardecer. E olha que eu não jogo bola.
Mas foram trinta minutos de uma partida maravilhosa, instrutiva, repleta de suave torpor de vinho tinto e sabedoria, uma goleada de bom humor e refinada ironia. Ao final do trabalho, me dei conta que o personagem que todos lembramos como irreverente, cruel e sarcástico, é na verdade uma rara fonte de conhecimento de cinema, teatro, literatura e cultura em geral. O resto é lenda.
Percebi entãoque não podia deixar passar a oportunidade de pedir um depoimento para o nosso Museu da Pelada, lembrando suas participações históricas nas narrações do Canal 100. Uma poesia do futebol brasileiro que todos guardamos na memória, mesmo aqueles que não jogamos futebol, mesmo aqueles que somos brasileiros pra lá um pouco da fronteira sul. Do sul do coração.
OBRIGADO, FALCÃO!
Depois de quase 20 anos vestindo a amarelinha e dando show dentro de quadra, o craque Falcão faz hoje seu último jogo pela seleção brasileira, contra a Colômbia, às 10h! Relembre grandes lances do rei das quadras! Obrigado, Falcão!
SANTA EUFORIA
:::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
O povo brasileiro anda muito carente. Também pudera, a situação não está fácil, com políticos nos assombrando a cada dia com suas decisões estapafúrdias, fraudes, desemprego, violência, falta de compreensão, amor e solidariedade.
A carência é tanta que ouvi o Casagrande, nosso querido Casão, dizer que a seleção brasileira que goleou o Uruguai hoje é a melhor do mundo. Repete!!!
Ouvi não só dele, mas de outras pessoas que sonham ver nosso futebol novamente no topo do mundo. Isso chama-se carência ou excesso de euforia. O Dunga também ganhou de quatro do Uruguai e vários dos jogadores atuais estavam na goleada do 7×1.
Ah, mas o esquema do Tite é diferente!!!! O esquema ou o discurso, a disposição dos atletas com o professor amigão? E se o Brasil jogasse sem o Neymar, como o Uruguai jogou sem o Suárez e com o goleiro reserva?
Também sou brasileiro, mas vejo o futebol com outros olhos e de forma isenta. O Brasil é uma seleção tentando se reconstruir.
É claro que os jogadores odiavam o Dunga e amam o Tite. E esse é um ótimo primeiro passo, mas quais testes de verdade a seleção fez?
Gosto do Douglas Costa, do Marcelo e acho o Philippe Coutinho acima da média. Os outros são normais e alguns nem mereciam estar lá.
É óbvio que Tite aposta todas suas fichas em Neymar e acende todos os dias muitas velas por ele. Um craque pode fazer a diferença, como Romário e Fenômeno já fizeram, mas é pouco, muito pouco. Pior, é arriscado.
Mas a seleção venceu e agora periga os políticos surfarem nessa onda de otimismo e anunciarem que estamos nos transformando numa nova potência mundial. E a vida continua!
ALCINO, VERDADEIRA MALUQUICE DE CRAQUE
por André Felipe de Lima
Para a maioria dos torcedores do Remo, de Belém do Pará, não há dúvida: o centroavante Alcino é o maior ídolo da história do clube. Polêmico ao extremo, conquistou a torcida dentro de campo. Fora dele, ia do céu ao inferno com uma facilidade assustadora.
Hoje, dia 24, o craque, que morreu prematuramente, em 2006, completaria 65 anos. Fica aqui, a homenagem deste jornalista e pesquisador a um jogador cuja história se mistura com as glórias do Remo.
Alcino Neves dos Santos Filho. Esse nome está na memória de todos os torcedores paraenses, especialmente os do Remo. Dentro de campo, gols à vontade e alguns gestos pouco ortodoxos, fora dele, muitas polêmicas. Muitas mesmo.
Ganhou um apelido: “Negão Motora”. Alguns dizem que em função de sua “paixão” por automóveis. Outros garantem, porém, que o apelido veio após uma situação para lá de constrangedora.
Na tarde do dia 26 de maio de 1984, Alcino, em franca decadência, defendendo o Rio Negro, de Manaus, achava ser o ator Jack Nicholson, quando este protagonizou o filme Um estranho no ninho, sucesso de Hollywood dos anos de 1970.
Completamente fora de si, alegando estar “cansado da concentração”, onde morava de favor, arrombou o armário onde estava guardada a chave de um microônibus do clube e rodou pela cidade. Horas depois, completamente embriagado, atropelou o motorista de caminhão Manuel Amadeu da Silva, de 41 anos, que, segundo a imprensa da época, teria morrido em seguida.
Alcino fugiu e ao retornar à concentração os dirigentes do Rio Negro suspenderam seu contrato. Para piorar, recebeu ameaças de morte de amigos da vítima. “Foi uma fatalidade, não sou culpado de nada”, desculpava-se.
Sua vida sem compromisso e desregrada acabou conduzindo-o ao cadafalso.
Até mesmo dentro dos gramados extrapolava os limites, como descreve reportagem da revista Placar, de maio de 1980, que abre o texto com base no depoimento anônimo de um ex-companheiro de time do “Motora”: “Quando jogava no Remo, de Belém, o centroavante Alcino cultivava um hábito: antes de entrar em campo, fumava um cigarrinho de maconha. Enquanto os companheiros esperavam na boca do túnel, o roupeiro ficava na porta do vestiário, para avisar a quantas andava o aquecimento especial do grandalhão.”
Alcino era um cara contraditório, capaz de um dia cometer desatinos, como o de pegar um ônibus e sair desvairadamente pelas ruas, ou, em outro, ir à rua das Olarias, próxima ao estádio da Portuguesa de Desportos, para jogar uma saudável pelada com os garotos do bairro.
Foto: Gazeta Press
Alcino não dispensava essa relação com o povo, com o torcedor. Sempre parava no bar “Lusa do Canindé” para um papo com os torcedores. Às vezes classificavam seu comportamento como infantil. Alcino descia à rua para dançar com as crianças, e até gostava quando o chamavam de John Travolta.
Nunca soubemos se Alcino era feliz ou triste.
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Alcino está na Letra “A” de “Ídolos – Dicionário dos craques do futebol brasileiro”,